segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Clima quente, artigo de Marcelo Leite

"Desde 1992, quando aconteceu no Rio o encontro do clima, é no dinheiro que as tratativas tropeçam"

Marcelo Leite é jornalista. Artigo publicado na "Folha de SP":

A primeira semana da conferência sobre mudança do clima em Copenhague (COP-15) termina em atmosfera funesta. São muitos os sinais de que pode caminhar para um impasse, até sexta-feira. O jogo está pesado na capital dinamarquesa.

Questões espinhosas, como financiamento e protecionismo, se somam ao já complicado problema da repartição no inadiável corte nas emissões mundiais de gases do efeito estufa. À margem de Copenhague, a ciência do clima virou caso de polícia.

Todd Stern, chefe da delegação americana, chegou pisando duro ao Bella Center, onde se reúnem as 15 mil pessoas atraídas pela conferência. É um veterano da negociação do Protocolo de Kyoto (1997), depois denunciado por seu país. Ele foi aplaudido de pé em abril, em Bonn, ao anunciar numa reunião preparatória da COP-15: "Estamos de volta". Segundo o jornal "Valor Econômico", Stern já declarou saber que a cena não se repetirá em Copenhague.

Stern tem a missão ingrata de salvar a cara de Obama enquanto este se encontra de mãos atadas pelo Congresso americano, que adiou para 2010 decisão sobre cortes nas emissões dos EUA. A oposição republicana e a parte da bancada democrata comprometida com a economia dos combustíveis fósseis ainda podem complicar sua vida.

EUA e União Europeia parecem por ora unidos em acuar grandes países emergentes, China à frente. Pressionam para que estes assumam compromissos mais ambiciosos de cortes nas emissões, até agora aquém do que o planeta precisa (como os 4% sobre 1990 dos EUA, de resto). Ameaçam taxar produtos importados com base nas emissões, apelando para o protecionismo verde. E ainda excluem dar dinheiro à China para financiar o crescimento limpo de sua economia.

Desde 1992, quando se negociou no Rio a Conferência da ONU sobre Mudança do Clima, é no dinheiro que as tratativas tropeçam. Até o momento, os governos das nações desenvolvidas só falam em ajuda de curto prazo, da ordem de US$ 10 bilhões por ano. E apenas para ajudar países bem mais pobres que China ou Brasil na preparação para o aquecimento global. A surpresa da semana veio do setor privado.

O magnata George Soros propôs criar um fundo de US$ 100 bilhões com recursos do FMI para combater a mudança do clima nos países em desenvolvimento. Pode não dar em nada, mas sinaliza que empresários de peso começam a fazer pressão sobre governos para que ajam e cedam, em lugar de empurrar com a barriga.

A dificuldade maior é que, na hora em que o aquecimento global entra no radar dos negócios e pesa nos bolsos, a questão também é capturada pela polarização ideológica. Os "céticos" (negacionistas do aquecimento causado pelo homem) lançaram uma ofensiva desesperada em sua guerra santa contra o IPCC com o furto dos e-mails de pesquisadores que, alegam, provariam falsificação de dados.

O IPCC e várias autoridades científicas defendem os cientistas que tiveram o sigilo quebrado. Defendem também a integridade do corpo de estudos experimentais que dá apoio a seu Quarto Relatório de Avaliação (AR4), de 2007.

No outro extremo, o deputado republicano James Sensenbrenner (Wisconsin) está exigindo do IPCC banir de seu próximo relatório todos os cientistas cujos nomes apareçam nos e-mails vazados. Um deles, Tom Wigley, recebeu por e-mail ameaças de morte, que estão em investigação pelo FBI. Em Copenhague, a Arábia Saudita tentou usar o "Climagate" para desacreditar conclusões do IPCC. É nesse clima que começa a COP-15.
(Folha de SP, 13/12)
JCiência

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