segunda-feira, 30 de maio de 2011

O veto necessário



Em noite anti-histórica, deputados aprovaram conjunto de emendas que destroem pilares da legislação florestal brasileira. É hora de agir

Por Márcio Santilli, do Instituto Sócio-Ambiental, ISA

‘Sob o pretexto de “consolidar” áreas de produção agrícola, ninguém mais estaria obrigado a manter áreas com cobertura vegetal nativa em margens de rios, encostas, topos de morros, veredas, dunas ou manguezais, a não ser em situações específicas em que órgãos ambientais estaduais venham a exigir alguma proteção. Como estes órgãos – via de regra – estão sujeitos à pressão local de interesses econômicos, somente em circunstâncias catastróficas haveria “áreas de preservação permanente” (APPs). Novas supressões de vegetação nativa poderiam ser autorizadas, não somente em situações excepcionais de interesse público, mas também para o desenvolvimento de atividades agrossilvipastoris, de turismo e outras que órgãos locais viessem a estabelecer.

Da mesma forma, ao promoverem o fracionamento artificial de suas propriedades, nem mesmo os grandes proprietários estariam obrigados a recuperar áreas de reserva legal que tenham sido ilegalmente desmatadas no passado. Somente aqueles que cumpriram a legislação vigente e mantiveram as suas reservas legais estariam obrigados a manter áreas com cobertura florestal em suas propriedades e acabariam punidos pela anistia indiscriminada concedida aos desmatadores.

Com os olhos postos nos votos provenientes de regiões rurais e nos financiamentos de campanha providos por fazendeiros, 273 deputados constituíram uma maioria oportunista e impuseram a primeira derrota ao governo Dilma no poder legislativo, desconsiderando a vontade majoritária da população, o nosso patrimônio natural coletivo, os riscos de tragédias climáticas e os compromissos internacionais do país.

Em primeira instância, o Senado pode e deve rever a decisão da Câmara e formular outra proposta de atualização do Código Florestal. Para isto, poderá dispor de um grande número de sugestões que foram apresentadas pela comunidade científica, pelo setor florestal, pelos movimentos ligados à agricultura familiar, por autoridades e organizações ambientais, mas que foram ignoradas e desprezadas pela maioria dos deputados federais. Porém, as alterações que vierem a ser aprovadas pelo Senado voltarão a ser submetidas à Câmara dos Deputados, de modo que, a não ser que pelo menos 50 deputados venham a mudar suas posições, poderão acabar rejeitadas, prevalecendo a proposta reacionária e predatória que foi agora aprovada.

Significa dizer que, provavelmente, caberá à presidente Dilma a responsabilidade de restabelecer a legislação brasileira de proteção às florestas através do instituto do veto presidencial. O veto presidencial só poderia ser derrubado pela decisão de uma maioria absoluta dos congressistas (deputados + senadores), não havendo precedente neste sentido.

Assim, é hora de todos os cidadãos e cidadãs, personalidades, intelectuais, atores econômicos e movimentos sociais com responsabilidade e compromisso socioambientais se manifestarem em favor do veto, de modo a retirar a presidente do isolamento político em que a maioria dos deputados pretendeu confiná-la.

O que está em jogo é a qualidade de vida das gerações futuras e a condição do Brasil enquanto potencia ambiental planetária. A hora de agir é agora!
Outras Palavras

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Paulo Freire e a Educação Libertadora


A Educação pode jogar um papel decisivo no crescimento da cidadania, na formação da consciência da dignidade humana e, num estágio mais avançado, na consciência da grandeza de todos os seres, como expressão cósmica da Criação, como ensina Frei Leonardo Boff. Um projeto de Educação Popular deve orientar-se numa linha de educação libertadora.

A propósito, cremos que permanece absolutamente válida a reflexão de Paulo Freire. A proposta desse educador brasileiro, internacionalmente respeitado, foi depois enriquecida por muitos pensadores e pela prática militante de educadores populares.

A educação não é uma doação dos que julgam saber aos que se supõe nada saibam.

Deve ser recusada, como acanhada, a concepção que vê o educando como arquivista de dados fornecidos pelo educador.

Rejeite-se, por imprestável, a passividade do educando, na dinâmica do processo educacional.

Diga-se “não” à educação paternalista, ao programa imposto, ao ritmo pré-estabelecido, à autossuficiência do educador.

Tenha-se presente, como absolutamente atual, o anátema de Paulo Freire à visão da palavra como amuleto, independente do ser que a pronuncia. Esteja-se atento ao seu libelo contra a sonoridade das frases, quando se esquece que a força da palavra está na sua capacidade transformadora.

A educação libertadora vê o educando como sujeito da História. Vê na comunicação “educador-educando-educador” uma relação horizontal. O diálogo é um traço essencial da educação libertadora. Todo esforço de conscientização baseia-se no diálogo, na troca, nas discussões.

A humildade é um pré-requisito ético do educador que se propõe a ajudar no processo de libertação pela educação.

A educação libertadora busca desenvolver a consciência crítica de que já são portadores os educandos. Parte da convicção de que há uma riqueza de ideias, de dons e de carismas na alma e no cotidiano dos interlocutores.

O projeto final da educação libertadora é contribuir para que as pessoas sejam agentes de transformação do mundo, inserindo-se na História. Para isto é preciso que as pessoas decifrem os aparentes enigmas da sociedade. Os marginalizados devem refletir sobre sua situação miserável e anti-humana. Devem identificar os mecanismos socioeconômicos responsáveis pela marginalização e pela negação de humanidade. Devem buscar os caminhos para mudar as situações de opressão.

O mundo não é uma realidade estática mas uma realidade em transformação. Somos os arquitetos do mundo. O fatalismo é uma posição cômoda, mas falsa.

Educandos e educadores, na perspectiva da educação libertadora, vão buscar juntos as chaves para transformar o mundo.

* João Baptista Herkenhoff, 74 anos, é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante Brasil afora, livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo, membro emérito da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória e escritor. Autor do livro Direitos Humanos – Uma Ideia, Muitas Vozes (Editora Santuário, Aparecida, SP). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

** Publicado originalmente no site Adital.

(Adital)

Um contador de histórias em benefício da educação ambiental


No dia 18 de abril a redação do portal EcoDesenvolvimento.org recebeu um e-mail de Francisco Pincerato se apresentando como escritor de livros infantis e oferecendo um artigo em colaboração, e então o convidamos para uma entrevista. Pode parecer sem lógica, mas, afinal, melhor do que escrever sobre sustentabilidade é contar por que se envolveu com a ideia de criar um mundo mais equilibrado socioambientalmente.
Em sua carta-convite, Pincerato disse que gostava muito de trabalhar com educação ambiental e já tinha colaborado com crônicas e textos publicados em sites direcionados ao tema. Em uma busca sobre seus títulos infantis, encontramos 18 publicações, todas direcionadas para as crianças. E então voltamos à questão inicial: o que o faz escrever para esse público? “Eu acredito que é possível direcionar as consciências das crianças e é por isso que eu persisto. Acho que no futuro elas devem agir com ideias voltadas para a preservação ambiental, sempre com a consciência do quanto isto é importante”, afirmou.
Confira a conversa completa.

Portal EcoDesenvolvimento.org – Você já publicou 18 livros de educação ambiental para crianças, qual a importância desse trabalho?

Francisco Pincerato - Eu sinto a importância do trabalho quando vou para os lugares onde adotam o meu material. Sempre promovem eventos de lançamento de campanhas de educação ambiental, fazem festa para a capacitação de educadores e contadores de história e, principalmente, fazem questão de passar para as comunidades em torno das escolas a importância da educação ambiental. Isto é gratificante, quer dizer que o nosso trabalho está funcionando.

Você acha que influencia na formação cívica da criança?

Eu não posso dizer que tenho influência sobre a formação cívica da criança, já que ela é formada por um conjunto de elementos e preferências da sociedade em relação ao cidadão. Mas, ao ler um livro meu, é possível que a criança sofra uma boa influência, frente às evidências do aquecimento global e das mudanças no clima. Faço votos que sim, pelo menos.

Quando você começou a desenvolver esse trabalho? De onde surgiu o seu interesse?

Eu já tinha uma profissão bem próxima, trabalhava com marketing escolar para empresas ligadas à educação, daí até escrever o primeiro trabalho e inventar meu primeiro jogo didático, foi um pulo. Já o tema educação ambiental entrou na minha pauta em função de três trabalhos de comunicação que fiz, sobre a produção ecológica do lápis. A partir daí, eu me interessei mais sobre o assunto e continuei com as produções.

Qual o público que busca esse tipo de material? É comum a busca de escolas públicas e particulares por esse material também?

A maior parte dos interessados é de escolas públicas e departamentos de vigilância sanitária para campanhas de Vigilância Ambiental em Saúde, relacionadas à dengue e demais endemias urbanas, sempre articuladas com as Secretarias de Educação, para justificar a definição e aplicação dos temas em sala de aula, obrigatórios por lei.

Você acha que, no Brasil, há um maior interesse pela disseminação desse tipo de conhecimento para as crianças?

Não, ainda é bem incipiente o interesse por esses temas, por uma razão muito simples: por ser matéria transversal e multidisciplinar, isto atrapalha a aplicação dentro da grade curricular vertical.

Qual a sua sugestão para acrescentar a educação ambiental no conteúdo exposto pelas escolas?

Na verdade, não existe fórmula mágica para isso, tem que ser assim mesmo, porém, até mesmo na educação deveríamos adotar os critérios ecopolíticos como prioridade, pois estamos falando da preservação e da continuação da vida sobre o planeta.

Você acha que a educação ambiental deveria ser um tipo de disciplina escolar?

Acho sim, afinal, trata-se de matéria em defesa da vida. De nada valerá as crianças aprenderem outras diversas matérias se a vida e o seu ambiente estão em risco.

Educação ambiental tem que continuar transversal e multidisciplinar, porém, em caso de ser vertical, teríamos professores formados e capacitados só para isso. Dessa forma, teríamos teoria, atividades escolares internas e externas, redação, provas e outros trabalhos escolares sobre a matéria, valendo notas e julgamento de desempenho.

Você desenvolve algum trabalho de incentivo à aplicação da educação ambiental nas escolas?

Desenvolvo sim, mas considero pouco o que faço. Atuo como voluntário, promovendo oficinas e palestras em entidades carentes, pequenos municípios e agora, mais recentemente, me candidatei a voluntário na Pastoral Ecológica da Igreja Católica, que ministra aulas de educação ambiental nas escolas das comunidades onde atua. A Pastoral Ecológica é que vai continuar a missão da Campanha da Fraternidade deste ano de 2011, sobre aquecimento global e mudanças climáticas.

Você tem filhos? Qual a coisa mais importante relacionada ao meio ambiente que você busca passar para eles?

Tenho sim, e o que vejo de mais importante é mostrar que a Terra é uma imensa nave, uma joia única e rara no espaço, mas é um sistema fechado. Nada vem de fora, a não ser a luz solar, que junto com a água, criou a vida no planeta. Temos um só planeta e, na nossa trajetória de vida, precisamos dividir os seus recursos de forma racional e em benefício da vida de todos os seres vivos, principalmente dos mais vulneráveis.

* Publicado originalmente no site EcoD.
Envolverde

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Exposição reúne os melhores da fotografia

Exposição reúne os melhores da fotografia

Até o dia 22 de maio a Somerset House, em Londres, recebe a exposição de um dos mais importantes prêmios de fotografia, o

Sony World Photography Awards 2011 .Além das imagens dos ganhadores, a mostra conta com a retrospectiva de Bruce Davidson e de prêmios para cliques feitos por amadores de todo o mundo.

Na categoria profissional, o ganhador da Íris de Ouro deste ano foi o argentino Alejandro Chaskielberg. A série premiada intitula-se “Maré Alta” (La Creciente) e é o resultado de dois anos do fotógrafo numa pequena comunidade que vive às margens do rio Paraná, ao norte de Rosário.

O Brasil aparece também entre as categorias vencedoras. Com o tema “Sorriso”, o responsável pela imagem é o mineiro Carlos Henrique Reinesch.

Carlos Henrique Reinesch

Em Salvador, homem vende fitas do Nosso Senhor do Bonfim

Autor do clique de um senhor, de pernas amputadas, sentado nas escadas da igreja do Nosso Senhor do Bonfim, na Bahia, Reinesch estuda Engenharia, na PUC de Minas Gerais e já intriga especialistas e críticos das artes visuais pelo vibrante colorido de suas imagens.

Confira aqui galeria das imagens vencedoras

Operamundi/Minha casa Meu mundo

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Robert Fisk: morte irrelevante do ícone da Al Qaeda




Para o jornalista, o que importa hoje, no mundo árabe, são os levantes populares laicos contra os ditadores

O jornalista veterano Robert Fisk, que entrevistou Osama Bin Laden em três ocasiões, afirmou que a morte do ícone da Al Qaeda é muito menos importante que os levantes populares no mundo árabe. “Já afirmei algumas vezes pensar que sua possível morte é muito irrelevante”, disse o correspondente no Oriente Médio do jornal britânico The Independent.

“Ele acreditava ter fundado a Al Qaeda e via existência da rede como sua conquista”, lembrou Fisk. No entanto, o jornalista premiado afirmou que Osama Bin Laden não estava em condições de dirigir de fato as operações da rede terrorista:“Ele não sentava numa caverna com um teclado de computador dizendo ‘apertem o botão b, esta é a operação 52′”. Fisk, que no momento cobre a revolta popular na Síria afirma que o mundo mudou de distintas maneiras, desde 11 de setembro.

“Nos últimos meses, assistimos ao despertar árabe, no qual milhões de muçulmanos superaram suas próprias lideranças”, diz Fisk. “Bin Laden sempre quis livrar-se de Hosni Mabarak, Ben Ali e Gaddafi, afirmando que eram inféis trabalhando para os Estados Unidos. Mas na verdade, fracassou. Foram milhões de pessoas comuns que, mais ou menos de forma pacífica – ao menos no Egito e na Tunísia – acabaram com as ditaduras.”

“É preciso lembrar que estes regimes afirmaram, por anos, que os norte-americanos deveriam apoiá-los, pois, do contrário ‘a Al Qaeda iria tomar o controle’. Mas isso nunca ocorreu. É importante notar que, uma semana após a queda de Mubarak, no Egito, a Al Qaeda emitiu uma convocação pela sua derrubada. Foi patético”, continua Fisk. Ele afirma que as comemorações nos Estados Unidos, em favor da morte do terrorista, tem pouco significado.

“Penso que Osama perdeu relevância há bastante tempo. Se os Estados Unidos tivessem matado Bin Laden um ano ou dois depois de 11 de Setembro, um pouco da emoção que estão vivendo seria importante. Todos estes punhos no ar, celebrando vitória, são boas imagens, mas não têm muito sentido”, prossegue o jornalista. “O que importa no momento, no mundo, é o despertar doa árabes, para livrar-se de seus ditadores”.
Outras Palavras

Como os Estados Unidos criaram Bin Laden


Por Antonio Martins* | Imagem: Dragão, de M.C. Escher (detalhe)
A ordem formal para detonar o último esconderijo de Bin Laden foi dada por Barack Obama na manhã de sexta-feira, informou nesta manhã (2/5) o New York Times. Antes de rumar para o Alabama, onde acompanhou o socorro às vítimas de tornados violentos, o presidente determinou que forças especiais da central de inteligência dos EUA – a CIA desencadeassem o ataque. Instalado numa casa em Abbottabad, a apenas 50 quilômetros da capital do Paquistão, o líder da Al Qaeda teria resistido ao comando que o localizou. Segundo fontes norte-americanas, foi ferido na cabeça e em seguida, estranhamente, sepultado no mar. As circunstâncias exatas da operação ainda são desconhecidas.

Ironicamente, a CIA, encarregada de conduzir a operação que liquidou Bin Laden, está estreitamente associada ao surgimento do terrorista. Pouco se falará a respeito, nos próximos dias, mas tanto o homem de barbas longas e olhar calmo quanto a própria Al Qaeda forma conscientemente criados pelos Estados Unidos, no contexto da disputa contra a União Soviética, na “guerra fria”.

Os fatos estão estão disponíveis em algumas publicações alternativas norte-americanas, entre as quais destacam-se, o site Z-Net, a revista The Nation. Para esta escreve Robert Fisk, um repórter veterano e especializado em questões de Oriente Médio. Ele escreve fala com a autoridade de quem se encontrou várias vezes, na condição de jornalista, com Bin Laden.

A última delas, conta, foi em 1997, nas montanhas do Afeganistão. Avistou o saudita na pose e nos trajes em que aparece costumeiramente na imprensa ocidental. Roupas afegãs tradicionais, refestelado em sua caverna, ar tranqüilo. Bin Laden aparentou um conhecimento muito superficial sobre a situação do mundo. Atirou-se sobre o jornal que Fisk tinha consigo. Deu a entender que a leitura lhe trazia muitas novidades, mas abandonou a atividade depois de meia hora. Preferiu falar sobre sua crença na proteção que lhe seria assegurada por Alá. Relatou os muitos episódios em que, ao enfrentar os ocupantes soviéticos do Afeganistão, salvou-se porque os foguetes que foram atirados sobre seus esconderijos deixaram de explodir. Afirmou não temer a morte, porque “como muçulmano, acredito que, quando morremos em combate, vamos para o Paraíso”. Mas não deixou, nem por um instante, o abrigo em que se encontrava. Fisk registra: era “uma relíquia dos dias em que combateu os soviéticos: um nicho de oito metros de altura escavado na rocha, à prova até mesmo de ataques de mísseis”.

Em nome da vitória sobre os soviéticos, acordo com os extremistas

Num outro texto — um artigo analítico assinado por Dilip Hiro, intitulado “O custo da ‘vitória’ afegã” The Nation revive as circunstâncias da aliança que acabaria envolvendo Washington e Bin Laden. O cenário é o Afeganistão; a época, a última fase da Guerra Fria. Em 1979, um golpe militar havia levado ao poder grupos ligados à União Soviética (URSS). Anticomunista fervoroso, Zbigniew Brzezinsky, assessor de Segurança Nacional do então presidente Jimmy Carter, vislumbra uma oportunidade de passar da defesa ao ataque. Não quer apenas reinstalar em Kabul um governo aliado ao Ocidente. Pretende disseminar, entre as populações muçulmanas da URSS, um tipo de pensamento religioso capaz de incitá-las ao máximo contra o governo de Moscou. The Nation frisa: havia alternativas, mesmo para os que, como o assessor de Segurança Nacional, estavam empenhados em promover a Guerra Fria.

Exitiam no Afeganistão “diversos grupos seculares e nacionalistas opostos aos soviéticos”. Ao invés de apoiá-los, no entanto, a Casa Branca parte para o que julga ser uma cartada genial. Impulsiona as organizações afegãs mais fundamentalistas, reunidas, desde 1983, na Aliança Islâmica do Mujahedin Afegão (IAAM, em inglês).
Os instrutores valorizam ao máximo a guerra santa (Jihad) contra Moscou. A Casa Branca quer matar dois coelhos com uma só paulada. A suposta defesa do islamismo contra os ateus soviéticos serve para consolidar, no Paquistão, o poder de Zia ul-Haq, fiel aliado do Ocidente. O terceiro elo da coalizão é a Arábia Saudita, onde outro governo pró-americano, embora muito rico, necessita de reforço ideológico. Ao longo de alguns anos, os príncipes sauditas serão convidados a “doar” 20 bilhões de dólares para a cruzada da IAAM. Através da CIA, os Estados Unidos comparecerão com mais US$ 20 bi. Os rios de dinheiro verde servirão para recurtar e formar guerrilheiros fanatizados e armá-los até os dentes. Fazem parte de seu arsenal mísseis anti-helicópteros que serão decisivos para enfrentar e vencer tanto o governo pró-URSS quanto as próprias tropas soviéticas, que, em favor de seu aliado, ocuparam o país em 1979.

Um milionário saudita adere a estranhos “lutadores da liberdade”

É esse clima de extremismo e intolerância suscitado por Washington que atrairá o saudita Osama bin Laden ao Afeganistão. No início dos anos 80, quando chegou ao país, ele era apenas o jovem herdeiro milionário de uma família de empresários do ramo da construção. Estava fascinado pela jihad patrocinada pelos EUA. Foi o primeiro saudita a aderir a ela, e levou consigo, ao longo do tempo, pelo menos 4 mil compatriotas. Tornou-se líder dos “voluntários” no Afeganistão. Aproximou-se dos dirigentes do IAAM, que, graças ao apoio recebido da Casa Branca, constituiriam anos depois o governo Taliban. Construiu abrigos reforçados para depósito de armas, participou de ações guerrilheiras. Jamais lhe faltou apoio moral do Ocidente.
O repórter Robert Fisk relata: “Estava no Afeganistão em 1980, quando Laden chegou. Ainda tenho minhas notas de reportagem daqueles dias. Elas recordam que os guerilheiros mujahedin queimavam escolas e cortavam as gargantas das professoras, porque o governo tinha decidido formar classes mistas, com meninos e meninas. O Times de Londres os chamava de ‘lutadores da liberdade’. Mais tarde, quando os mujahedins derrubaram (com um míssil inglês Blowpipe) um avião civil afegão com tripulação e 49 passageiros, o mesmo jornal os chamou de ‘rebeldes’. Estranhamente, a palavra ‘terroristas’ nunca foi usada para qualificá-los”

A partir de 1989, com o colapso do governo pró-soviético no Afeganistão e da própria União Soviética, os “voluntários” começaram a voltar a seus países. Ao retornarem ao mundo árabe, explica Dilip Hiro, formaram um grupo à parte, que se tornou conhecido como os “afegãos”. Tinham marcas muito características. A intolerância e o desprezo pela vida humana eram os mesmos cultivados sob comando e por determinação consciente dos Estados Unidos. Haviam adquirido, nos anos da luta anti-soviética, alta capacitação em práticas terroristas. Eram, contudo, menos inexperientes do ponto de vista político. Passaram a observar que países como a Arábia Saudita e o Egito eram governados por elites tão submissas aos Estados Unidos quanto era subordinado aos soviéticos o governo afegão contra o qual lutaram.

A cobra volta-se contra o ninho em que se criou

A guerra do Golfo os voltou de vez contra Washington. Encerrada a campanha contra o Iraque, em 1991, a Casa Branca descumpriu a promessa de retirar da Arábia Saudita — país onde estão as cidades sagradas de Meca e Medina — as bases militares e os milhares de soldados mobilizados contra Saddan Hussein. Bin Laden e seus liderados lembraram que isso contraria a Sharia , lei islâmica. Em 1993, o rei Fahd, talvez o mais fiel aliado dos EUA no mundo árabe, ainda cortejou o milionário, chegando a ponto de nomeá-lo para um Conselho Consultivo real. Em 94, depois de novos desentendimentos, Bin Laden foi expulso da Arábia Saudita. Em 96, declarou uma jihad contra a presença norte-americana no país. Afirmou então que “expulsar do ocupante americano é o mais importante dever dos muçulmanos, depois do dever da crença em Deus”. Dois anos depois, uma declaração conjunta assinada por uma frente de organizações fundamentalistas formada por Bin Laden exortava: “A determinação de matar os americanos e seus aliados — civis e militares — é um dever individual para todo muçulmano que possa fazê-lo em qualquer país onde isso for possível, com objetivo de libertar de suas garras a Mesquita de Al-Aqsa [em Jerusalém] e a Mesquita Sagrada [Meca]. Isso está em consonância com as palavras de Deus todo poderoso”.

Em seu relato para The Nation, Robert Fisk lembra que Bin Laden não é o primeiro aliado com quem a Casa Branca se relaciona intimamente durante certo tempo, para mais tarde, quando já não necessita de seus serviços, acusá-lo — com ou sem motivos — de terrorista. Ele cita os casos de Saddan Hussein, visto como herói quando atacou com armas químicas o Irã; ou de Iasser Arafat, considerado “super-terrorista” quando liderava a luta pela libertação da Palestina e mais tarde “respeitável homem de Estado”, ao firmar com Israel acordos de paz jamais cumpridos.

Bastaria olhar para a América Latina para encontrar outros múltiplos exemplos de relações privilegiadas entre Washington e terroristas, praticantes de golpes de Estado, governantes tirânicos, corruptos, torturadores. Num outro sentido, menos direto, porém mais ameaçador, a aliança com o terror está, aliás, sendo reeditada neste exato momento. Bin Laden usa a opressão dos EUA e de Israel contra o mundo árabe como pretexto para justificar sua intolerância e atos criminosos. Todas as declarações dos governantes norte-americanos feitas após os atentados de 11 de setembro indicam que a Casa Branca pretendem apoiar-se no risco real do terror para desencadear uma ofensiva militar e política que, se não for barrada, transformará o planeta num local muito mais violento, antidemocrático e desigual. Talvez por isso, as sociedades tenham o direito de dizer que, contra a barbárie dos extremistas e do Império, a única saída é a construção de um mundo novo.
Outras Palavras