quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"BR-319 é desastrosa para Amazônia"

Entrevista com Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)
Liège Albuquerque escreve para "O Estado de SP":

Não se pode pensar em desenvolvimento econômico da Amazônia hoje sem políticas públicas reais de preservação do meio ambiente. A afirmativa é do ecólogo norte-americano Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) há mais de três décadas. O cientista é o segundo mais citado no mundo sobre aquecimento global. Entre outros prêmios ganhou o Nobel da Paz, em 2007, com Al Gore e pesquisadores de todo o mundo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, sigla em inglês). "O Ibama se recusa a conceder licença ambiental à BR-319 e mesmo assim o presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) insiste em não ver o óbvio, como se o desenvolvimento econômico da região possa ser possível sem esse respeito à floresta", destacou.

Crítico ferrenho da construção da BR-319 (Porto Velho-Manaus), já fruto de mal-estar de Lula com a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva e com o atual, Carlos Minc, Fearnside definiu como irônico o fato de o presidente ter comemorado sua construção na inauguração do gasoduto Coari-Manaus. "A BR-319 é a obra planejada mais desastrosa para a Amazônia", definiu. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Embora se especule que a chegada do gás não vai diminuir o preço da energia elétrica ao consumidor amazonense, o gasoduto Coari-Manaus é um ganho para a preservação do meio ambiente?

O gás natural é bem melhor para o meio ambiente do que o óleo diesel usado atualmente em Manaus. O lado negativo é que há planos para usar energia elétrica para beneficiar minérios na área de Pitinga, a norte de Manaus. Hoje o Polo Industrial de Manaus usa relativamente pouca energia para fabricar produtos eletrônicos, montar motocicletas, etc. Passar para usos mais exigentes de eletricidade seria um retrocesso.

- No discurso da inauguração do gasoduto, o presidente Lula terminou a fala comemorando que a BR 319 vai ser terminada em seu governo. Como o sr. avalia essa afirmação?

É, no mínimo, irônico que o presidente anuncie o seu apoio à obra planejada mais desastrosa para a Amazônia justamente na ocasião de um evento supostamente ambiental.

- Haveria formas de a BR-319 ser construída sem trazer essa degradação? É possível à região sobreviver economicamente sem essa estrada? Como?

A reabertura da BR-319 levaria a uma degradação em grande escala nas partes central e norte da Amazônia, por meio de estradas laterais planejadas, na parte oeste do Amazonas. As reservas na zona de "blindagem" planejadas não resolvem esses problemas, pois a migração seguiria ao longo da rodovia, inclusive até Roraima, e se espalharia pelas estradas laterais, que perfurariam a blindagem, chegando ao miolo do Estado do Amazonas, ao oeste do Rio Purus.

- Mas essa estrada não seria importante para a entrada e saída de mercadorias?

A rodovia não é necessária para a economia de Manaus, muito menos para a sua "sobrevivência". O Estudo de Impacto Ambiental até diz, textualmente, "representantes das indústrias de Manaus têm indicado que, no momento, a rodovia teria baixa importância para o Pólo Industrial de Manaus". (EIA, Vol. 1, p. 216). É 19% mais barato levar os produtos das fábricas de Manaus para São Paulo usando o sistema atual de barcaças e rodovia do que pela BR-319, mesmo recebendo a nova rodovia de graça, segundo os dados da tese de 2007 de Karenina Teixeira, da USP. O que faria sentido econômico é investir em um porto melhor, por exemplo, em Itacoatiara, e levar o frete em contêineres por navios oceânicos, via cabotagem, até Santos. Isto seria 37% mais barato que o sistema atual, segundo os dados da tese de Karenina Teixeira.

- A Hidrelétrica de Balbina é considerada o maior desastre ecológico na relação custo/benefício, pela degradação com o mínimo de energia elétrica produzida. A Região Norte agora está correndo o risco de cair no mesmo erro das hidrelétricas de Belo Monte (PA) e as do Rio Madeira (RO)?

Há diferenças, mas também há semelhanças. A pior semelhança é o governo jogar o seu peso para aprovar e realizar as obras sem ter considerado os impactos reais que elas vão ter, e também sem ter um análise adequada dos benefícios, que são muito menores do que vem sendo alardeados. As pessoas pensam que a energia vai para as lâmpadas e eletrodomésticos nas suas casas, quando, na verdade, o grosso vai para indústrias eletrointensivas de exportação, como na fabricação de alumínio, que traz benefícios mínimos para o Brasil. Há artigos sobre isso no meu site http://philip.inpa.gov.br.

- Qual seria a alternativa para geração de energia elétrica na Região Norte economicamente viável e sem grandes impactos ao meio-ambiente?

Antes de discutir alternativas para mais geração, é preciso discutir o que é feito com a energia. Grande parte da energia está sendo exportada, a preço de banana, na forma de lingotes de alumínio. Parar de fazer isso, fabricando apenas o alumínio consumido no Brasil, vale muito mais que qualquer obra hidrelétrica em discussão. Outra prioridade é a eficiência de uso. O Plano Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), lançado em dezembro passado, indica que 6% da energia no Brasil são usados para aquecer água. Só substituir os chuveiros elétricos do País por aquecedores de energia solar vale mais que a Hidrelétrica de Belo Monte.

(O Estado de SP, 3/12)

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