quarta-feira, 31 de julho de 2013
"Los días de Internet como una red verdaderamente global están contados"
En un artículo publicado en 'The Guardian', el británico John Naughton, profesor de tecnología de la Universidad a distancia Open University, analiza cuál debiera ser el verdadero objeto de debate en el caso Snowden.
"Sin él, no sabríamos cómo fue capaz la Agencia de Seguridad Nacional (NSA) de acceder a los mensajes de correo electrónico, cuentas de Facebook y videos de ciudadanos de todo el mundo. No estaríamos debatiendo si el Gobierno de EE.UU. debía haber convertido la vigilancia en una enorme empresa privatizada ni habría, por fin, un debate serio entre Europa […] y EE.UU. acerca de dónde se encuentra el equilibrio adecuado entre libertad y seguridad", declara Naughton.
"La verdadera historia es lo que nos cuentan las revelaciones de la NSA acerca de cómo funciona realmente el mundo en red y hacia dónde se dirige"
"Estos son resultados muy importantes y con consecuencias de primer orden que, sin embargo, para la mayoría de nuestros medios de comunicación, han pasado casi desapercibidos", prosigue el autor.
"En cambio, hemos sido alimentados con una corriente constante de especulación sobre los planes de viaje de Snowden, sus solicitudes de asilo, su estado de ánimo, su apariencia física, etc. El ángulo de interés humano ha prevalecido sobre la verdadera historia, que es la que nos cuenta las revelaciones de la NSA acerca de cómo funciona realmente el mundo en red y hacia dónde se dirige", añade.
Así, Naughton sugiere que el verdadero objeto de reflexión debería ser el hecho de que "los días de Internet como una red verdaderamente global están contados", pues el riesgo de que el sistema se balcanice, es decir, se divida en varias subredes geográficas o de una jurisdicción determinada por países que necesitan controlar cómo se comunican sus ciudadanos, es ya una realidad.
"La agenda de la libertad de Internet de la administración Obama es hoy tan digna de confianza como la agenda de la libertad de George Bush después de Abu Ghraib"
"La cuestión de la gobernanza de Internet" se ha convertido en polémico objeto de debate, pues "dado lo que sabemos sobre cómo EE.UU. y sus sátrapas han estado abusando de su posición privilegiada en la infraestructura global, la idea de que se permita a las potencias occidentales seguir controlándola se ha vuelto insostenible", subraya el autor.
Para el estudioso, "la agenda de la libertad de Internet de la administración Obama, es hoy tan digna de confianza como la agenda de la libertad de George Bush después de Abu Ghraib", asegura, y recuerda que "Google, Facebook, Yahoo, Amazon, Apple y Microsoft son componentes esenciales del sistema de vigilancia cibernética de EE.UU. y nada de lo que se almacene en sus servidores puede garantizar estar a salvo de la vigilancia o de ser descargado ilícitamente por los consultores contratados por la NSA".
Texto completo en: http://actualidad.rt.com/actualidad/view/101376-snowden-destino-internet-nsa-eeuu
TERRAMÉRICA – Aposta nos grãos andinos
por Leisa Sánchez*
Quito, Equador, 22 de julho de 2013 (Terramérica).- Com a venda de barras de amaranto e pratinhos de quinoa, Lucinda Duy ganha a vida. Ela tem 24 anos e vive na província de Cañar, na região interandina do Equador, onde se tenta resgatar do esquecimento os grãos andinos. Duy participou de uma exibição gastronômica no IV Congresso Mundial da Quinoa e do Primeiro Simpósio de Grãos Andinos, realizados entre 8 e 12 deste mês em Ibarra, capital da província de Imbabura, 120 quilômetros ao norte de Quito.
“Deve-se incentivar mais a preparar diferentes pratos (com grãos andinos), porque estamos acostumados a fazer o mais fácil”, observou Duy ao Terramérica. A sopa de quinoa é o mais comum, mas ela também a utiliza em tortilhas, sorvetes e salada de frutas. O caso de Duy reflete um momento especial para a agricultura e a alimentação andinas. Este é o Ano Internacional da Quinoa, promovido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Os grãos andinos de maior importância no Equador são o tremoço andino (Lupinus mutabilis sweet), uma leguminosa plantada em quase seis mil hectares, e a quinoa (Chenopodium quinoa), um pseudocereal que ocupa cerca de dois mil hectares, muito pouco se comparado com as extensões de arroz e milho, com quase 400 mil hectares cada um. No entanto, seria possível cultivar mais de 140 mil hectares de tremoço andino e quase 150 mil de quinoa, segundo o Manual Agrícola de Grãos Andinos. Outros dois grãos, o amaranto (Amaranthus hypochondriacus) e o caruru (Amaranthus quitensis) têm potencial semelhante.
A quinoa, de propriedades extraordinárias, terminou relegada da dieta cotidiana pela introdução de cultivos como trigo e cevada, entre outras razões. “Era considerada um alimento de índios, de pobres, de péssima aparência e gosto ruim”, e inclusive “erva daninha”, explicou ao Terramérica o chefe do Programa Nacional de Leguminosas e Grãos Andinos do Instituto Nacional Autônomo de Pesquisas Agropecuárias (Iniap), Eduardo Peralta. “Perdeu-se o costume de cultivá-la e consumi-la, e em muitas províncias desapareceu”, embora haja propriedades de agricultura familiar que mantêm parte da diversidade genética, e “a manejam e usam de acordo com seus costumes”, acrescentou.
Hoje se concentra na região interandina, nas províncias de Carchi, Imbabura, Pichinchia, Cotopaxi, Tungurahua, Bolívar e Chimborazo. O governo pretende estender o cultivo até dez mil hectares, até 2014, e incentiva sua incorporação na alimentação escolar. Além disso, foi criado este ano o Consórcio Equatoriano de Exportadores de Quinoa, com cinco empresas produtoras e comerciais que trabalham em cerca de 1.400 hectares. O consórcio concentra a oferta de produtos como barras energéticas, sopas, compotas, granola, farinha e biscoitos, tanto convencionais quanto com certificação orgânica.
Os preços da quinoa dispararam nos últimos anos, devido ao boom de demanda de um segmento de consumidores de alimentos saudáveis nos Estados Unidos e na Europa. Uma saca de 60 quilos é cotada a US$ 140 no mercado internacional, enquanto a orgânica chega a US$ 160. Os preços internos são menores e variam entre US$ 60 e US$ 90 a saca. Os consumidores do mundo rico podem ter descoberto a quinoa há pouco tempo, mas o Iniap estuda, há três décadas, sua adaptação a diferentes ambientes agroecológicos da serra equatoriana, sua produtividade, resistência a doenças, precocidade e qualidade do grão.
Das 608 variedades ou populações de quinoa catalogadas até 2002 pelo Iniap, 283 são equatorianas e 325 procedem de outros países, principalmente Bolívia e Peru. As cultivadas hoje neste país são Iniap Tunkahuan e Iniap Pata de Veado. Prosperam em altitudes entre dois mil e 3,8 mil metros de altitude, em temperaturas que variam de sete a 17 graus e com pouca chuva.
Peralta esclareceu que, embora a quinoa “seja a estrela dos cultivos este ano, suas princesas são o amaranto, o tremoço andino e o caruru”. Estes últimos contribuem para equilibrar e preservar os solos por serem usados como cultivos de rotação. Uma lógica camponesa, explicou, que “não a inventamos, tendo sido inventada pelos agricultores, e isso é o melhor”, afirmou.
A plantação da variedade Iniap Tunkahuan é rotativa com cultivos de batata, ervilha, fava, lentilha, milho e feijão, o que torna mais sustentável o sistema e permite melhores colheitas, pontuou Peralta. Assim seria possível prevenir que o Equador enfrente os problemas da extensão de uma monocultura com grande demanda, como acontece hoje com a Bolívia.
Outro desafio é inovar e gerar valor agregado. Marcelo Silva, coordenador-geral de Redes Comerciais do Vice-Ministério de Desenvolvimento Rural, disse ao Terramérica que o Equador deve focar nichos de mercado de alto valor agregado, protegendo as agriculturas familiar e camponesa, sem esquecer a ciência, a pesquisa e o comércio justo. “Talvez nosso mercado não esteja na quantidade e no volume, mas na alta qualidade”, ressaltou. O aumento da área produtiva deve estar relacionado com os preços justos oferecidos aos produtores, ressaltou.
Salomón Salcedo, secretário técnico do Ano Internacional da Quinoa na FAO, afirmou ao Terramérica que este alimento deve ser um aliado na luta contra a fome, que afeta 870 milhões de pessoas no mundo, das quais 49 milhões vivem na América Latina e no Caribe. “Sem dúvida, os países andinos por sua tradição milenar terão um papel fundamental e é preciso considerar o potencial da cooperação Sul-Sul, entre institutos de pesquisa e governos. A FAO pode facilitar esses processos”, enfatizou. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
Reproduzido de http://envolverde.com.br/ambiente/aposta-nos-graos-andinos/
Seguindo o boom da quinoa boliviana, o Equador incentiva este cultivo baseado na pesquisa e na agricultura sustentável.
Quito, Equador, 22 de julho de 2013 (Terramérica).- Com a venda de barras de amaranto e pratinhos de quinoa, Lucinda Duy ganha a vida. Ela tem 24 anos e vive na província de Cañar, na região interandina do Equador, onde se tenta resgatar do esquecimento os grãos andinos. Duy participou de uma exibição gastronômica no IV Congresso Mundial da Quinoa e do Primeiro Simpósio de Grãos Andinos, realizados entre 8 e 12 deste mês em Ibarra, capital da província de Imbabura, 120 quilômetros ao norte de Quito.
“Deve-se incentivar mais a preparar diferentes pratos (com grãos andinos), porque estamos acostumados a fazer o mais fácil”, observou Duy ao Terramérica. A sopa de quinoa é o mais comum, mas ela também a utiliza em tortilhas, sorvetes e salada de frutas. O caso de Duy reflete um momento especial para a agricultura e a alimentação andinas. Este é o Ano Internacional da Quinoa, promovido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Os grãos andinos de maior importância no Equador são o tremoço andino (Lupinus mutabilis sweet), uma leguminosa plantada em quase seis mil hectares, e a quinoa (Chenopodium quinoa), um pseudocereal que ocupa cerca de dois mil hectares, muito pouco se comparado com as extensões de arroz e milho, com quase 400 mil hectares cada um. No entanto, seria possível cultivar mais de 140 mil hectares de tremoço andino e quase 150 mil de quinoa, segundo o Manual Agrícola de Grãos Andinos. Outros dois grãos, o amaranto (Amaranthus hypochondriacus) e o caruru (Amaranthus quitensis) têm potencial semelhante.
A quinoa, de propriedades extraordinárias, terminou relegada da dieta cotidiana pela introdução de cultivos como trigo e cevada, entre outras razões. “Era considerada um alimento de índios, de pobres, de péssima aparência e gosto ruim”, e inclusive “erva daninha”, explicou ao Terramérica o chefe do Programa Nacional de Leguminosas e Grãos Andinos do Instituto Nacional Autônomo de Pesquisas Agropecuárias (Iniap), Eduardo Peralta. “Perdeu-se o costume de cultivá-la e consumi-la, e em muitas províncias desapareceu”, embora haja propriedades de agricultura familiar que mantêm parte da diversidade genética, e “a manejam e usam de acordo com seus costumes”, acrescentou.
Hoje se concentra na região interandina, nas províncias de Carchi, Imbabura, Pichinchia, Cotopaxi, Tungurahua, Bolívar e Chimborazo. O governo pretende estender o cultivo até dez mil hectares, até 2014, e incentiva sua incorporação na alimentação escolar. Além disso, foi criado este ano o Consórcio Equatoriano de Exportadores de Quinoa, com cinco empresas produtoras e comerciais que trabalham em cerca de 1.400 hectares. O consórcio concentra a oferta de produtos como barras energéticas, sopas, compotas, granola, farinha e biscoitos, tanto convencionais quanto com certificação orgânica.
Os preços da quinoa dispararam nos últimos anos, devido ao boom de demanda de um segmento de consumidores de alimentos saudáveis nos Estados Unidos e na Europa. Uma saca de 60 quilos é cotada a US$ 140 no mercado internacional, enquanto a orgânica chega a US$ 160. Os preços internos são menores e variam entre US$ 60 e US$ 90 a saca. Os consumidores do mundo rico podem ter descoberto a quinoa há pouco tempo, mas o Iniap estuda, há três décadas, sua adaptação a diferentes ambientes agroecológicos da serra equatoriana, sua produtividade, resistência a doenças, precocidade e qualidade do grão.
Das 608 variedades ou populações de quinoa catalogadas até 2002 pelo Iniap, 283 são equatorianas e 325 procedem de outros países, principalmente Bolívia e Peru. As cultivadas hoje neste país são Iniap Tunkahuan e Iniap Pata de Veado. Prosperam em altitudes entre dois mil e 3,8 mil metros de altitude, em temperaturas que variam de sete a 17 graus e com pouca chuva.
Peralta esclareceu que, embora a quinoa “seja a estrela dos cultivos este ano, suas princesas são o amaranto, o tremoço andino e o caruru”. Estes últimos contribuem para equilibrar e preservar os solos por serem usados como cultivos de rotação. Uma lógica camponesa, explicou, que “não a inventamos, tendo sido inventada pelos agricultores, e isso é o melhor”, afirmou.
A plantação da variedade Iniap Tunkahuan é rotativa com cultivos de batata, ervilha, fava, lentilha, milho e feijão, o que torna mais sustentável o sistema e permite melhores colheitas, pontuou Peralta. Assim seria possível prevenir que o Equador enfrente os problemas da extensão de uma monocultura com grande demanda, como acontece hoje com a Bolívia.
Outro desafio é inovar e gerar valor agregado. Marcelo Silva, coordenador-geral de Redes Comerciais do Vice-Ministério de Desenvolvimento Rural, disse ao Terramérica que o Equador deve focar nichos de mercado de alto valor agregado, protegendo as agriculturas familiar e camponesa, sem esquecer a ciência, a pesquisa e o comércio justo. “Talvez nosso mercado não esteja na quantidade e no volume, mas na alta qualidade”, ressaltou. O aumento da área produtiva deve estar relacionado com os preços justos oferecidos aos produtores, ressaltou.
Salomón Salcedo, secretário técnico do Ano Internacional da Quinoa na FAO, afirmou ao Terramérica que este alimento deve ser um aliado na luta contra a fome, que afeta 870 milhões de pessoas no mundo, das quais 49 milhões vivem na América Latina e no Caribe. “Sem dúvida, os países andinos por sua tradição milenar terão um papel fundamental e é preciso considerar o potencial da cooperação Sul-Sul, entre institutos de pesquisa e governos. A FAO pode facilitar esses processos”, enfatizou. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
Reproduzido de http://envolverde.com.br/ambiente/aposta-nos-graos-andinos/
segunda-feira, 29 de julho de 2013
Povos tradicionais têm papel crucial na conservação da biodiversidade
Por Elton Alisson
Avaliação é da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, que participará de desenvolvimento de programa com o objetivo de estimular a aproximação entre a ciência e os conhecimentos tradicionais e locais (foto:Edu Cesar)
Agência FAPESP – Na região do alto e do médio Rio Negro, no Amazonas, existem mais de 100 variedades de mandioca, cultivadas há gerações por mulheres das comunidades indígenas, que costumam fazer e compartilhar experiências de plantio, chegando a experimentar dezenas de variedades em seus pequenos roçados ao mesmo tempo.
Exemplo de conservação da agrobiodiversidade por populações tradicionais, o sistema agrícola do Rio Negro foi registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2010 como patrimônio imaterial do Brasil.
A partir da constatação de que essas práticas culturais geram uma diversidade de grande importância para a segurança alimentar, elaborou-se um projeto-piloto de colaboração entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e as organizações indígenas do médio e alto Rio Negro.
O projeto integrará uma iniciativa criada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com o objetivo de chegar a um programa que estimule a colaboração entre cientistas e detentores de conhecimentos tradicionais e locais.
A iniciativa foi anunciada por Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, professora emérita do Departamento de Antropologia da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP), na abertura da Reunião Regional da América Latina e Caribe da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES, na sigla em inglês), ocorrida no dia 11 de julho na sede da FAPESP, em São Paulo.
“O projeto-piloto será um bom exemplo de como é possível a colaboração entre a ciência e os conhecimentos tradicionais e locais, capazes de dar grandes contribuições para a conservação da diversidade genética de plantas – um problema extremamente importante”, disse Carneiro da Cunha, coordenadora do projeto.
“A conservação in situ de variedades de plantas, por excelência, pode e deve ser feita pelas populações tradicionais. O Brasil, ao promulgar o tratado da FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] sobre recursos fitogenéticos, se obrigou a estimular essa opção”, afirmou.
Carneiro da Cunha ressalvou que, diferentemente do que costuma se entender, os conhecimentos tradicionais não são um “tesouro”. Não são apenas dados que devem ser armazenados e disponibilizados para uso quando se desejar, como foi feito com a medicina ayurvédica, na Índia. De acordo com a antropóloga, a sabedoria tradicional é um processo vivo e em andamento, composto por formas de conhecer a natureza, além de métodos, modelos e “protocolos de pesquisa” que continuamente geram novos conhecimentos.
IPCC da biodiversidade
Criado oficialmente em abril de 2012, após quase dez anos de negociações internacionais, o IPBES tem por objetivo organizar o conhecimento sobre a biodiversidade no planeta para subsidiar decisões políticas em âmbito mundial, a exemplo do trabalho realizado nos últimos 25 anos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) em relação ao clima do planeta.
Para isso, o organismo intergovernamental independente realizará uma série de reuniões com pesquisadores da América Latina e Caribe, África, Ásia e Europa nos próximos dois meses, produzindo diagnósticos regionais que comporão um relatório sobre a biodiversidade do planeta.
Os documentos conterão as particularidades dos países de cada região e deverão levar em conta, além do conhecimento científico, a contribuição do conhecimento acumulado durante séculos pelas populações tradicionais e povos indígenas dessas regiões para auxiliar nas ações de conservação de biodiversidade.
“Uma das ações mais importantes do IPBES deverá ser o envolvimento de populações locais e indígenas desde o início do programa, chamando-as para participar do planejamento dos estudos, da identificação de temas de interesse comuns a serem estudados e do compartilhamento dos resultados”, disse Carneiro da Cunha.
“O IPCC, que iniciou suas atividades em 1988, só começou a pedir a contribuição do conhecimento dos povos tradicionais e indígenas para o desenvolvimento de ações para diminuir os impactos das mudanças climáticas globais depois da publicação de seu quarto relatório, em 2007”, contou.
Importância do conhecimento tradicional
De acordo com Carneiro da Cunha, os povos tradicionais e indígenas são muito bem informados sobre o clima e a diversidade biológica locais – e, por isso, podem ajudar os cientistas a compreender melhor as mudanças climáticas e o problema da perda da biodiversidade.
Esses povos costumam habitar áreas mais vulneráveis a mudanças climáticas e ambientais e são muito dependentes dos recursos naturais encontrados nessas regiões. Acompanham com minúcia cada detalhe que constitui e afeta diretamente sua vida e são capazes de perceber com maior acurácia mudanças no clima, na produtividade agrícola ou na diminuição de número de espécies de plantas e animais, por exemplo, apontou a antropóloga.
“Esse conhecimento minucioso é de fundamental importância. Até porque uma das limitações que esses painéis como o IPCC e, agora, o IPBES enfrentam é identificar problemas e soluções para lidar com as mudanças climáticas globais em nível local. Isso é algo que só quem mora há muitas gerações nessas regiões é capaz de perceber”, disse.
Segundo dados apresentados por Carneiro da Cunha e por Zakri Abdul Hamid, presidente do IBPES na abertura da reunião na FAPESP, há aproximadamente 30 mil espécies de plantas cultivadas no mundo, mas apenas 30 culturas são responsáveis por fornecer 95% dos alimentos consumidos pelos seres humanos; arroz, trigo, milho, milheto e sorgo respondem por 60%.
Isso porque, com a chamada “Revolução Verde”, ocorrida logo depois da Segunda Guerra Mundial, houve uma seleção das variedades mais produtivas e geneticamente uniformes, em detrimento de plantas mais adaptadas às especificidades de diferentes regiões do mundo. Diferenças de solo e clima foram corrigidas por insumos e defensivos agrícolas. Com isso, se espalhou uma grande homogeneidade de cultivares no mundo – levando à perda de muitas variedades locais.
“Houve um processo de erosão da diversidade genética das plantas cultivadas no mundo. Isso representa um enorme risco para a segurança alimentar porque as plantas são vulneráveis a ataques de pragas agrícolas, por exemplo, e cada uma das variedades locais de cultivares perdidas tinha desenvolvido defesas especiais para o tipo de ambiente em que eram cultivadas”, contou Carneiro da Cunha.
Um dos exemplos mais célebres dos impactos causados pela perda de diversidade agrícola, segundo a pesquisadora, foi a fome na Irlanda, que matou 1 milhão de pessoas no século XIX e causou o êxodo de milhares de irlandeses para os Estados Unidos.
Apenas duas das mais de mil variedades de batatas existentes na América do Sul haviam sido levadas para a Irlanda, no século XVI. Uma praga agrícola acabou com as plantações, levando à fome, uma vez que a batata já era o alimento básico na Irlanda e em outros países da Europa.
A partir daí, para evitar a ocorrência de problemas do mesmo tipo, vários países criaram bancos de germoplasma (unidades de conservação de material genético de plantas de uso imediato ou com potencial uso futuro). A medida por si só, no entanto, não basta, uma vez que as plantas coevoluem com os ambientes, que também mudam ao longo dos anos. Assim, é necessário complementar os bancos de germoplasma com ações de conservação in situ, ressaltou Carneiro da Cunha.
“É importante que se entenda que o conhecimento tradicional não é algo que simplesmente se transmitiu de geração para geração. Ele é vivo e os povos tradicionais e indígenas continuam a produzir novos conhecimentos”, ressaltou.
Entraves para aproximação
De acordo com a pesquisadora, apesar da importância da aproximação da ciência dos conhecimentos tradicionais e locais, o assunto só começou a ganhar relevância a partir da Convenção da Biodiversidade Biológica (CDB), estabelecida em 1992, durante a ECO-92.
A regulamentação do acesso ao conhecimento tradicional, previsto no artigo 8j da CDB, no entanto, ainda é um problema praticamente universal, afirmou a pesquisadora. “Peru e Filipinas já têm suas legislações. Mas ainda são poucos os países que editaram suas leis”, disse.
O Brasil ainda regula o acesso a recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados por meio de uma medida provisória e não se chegou ainda a um consenso para uma legislação nacional. “Não se pode ficar somente nessa atitude defensiva e acusar todo mundo de biopirataria, nessa ‘bioparanoia’ no país, que é um grande impedimento que teremos de superar”, avaliou.
É preciso estabelecer relações de confiança, afirmou a antropóloga, algo que só se consegue ao longo dos anos. Uma das formas ideais de se fazer isso, segundo ela, é quando a própria comunidade tradicional tem um problema para o qual está buscando solução e que também interessa aos cientistas.
Um exemplo disso ocorreu recentemente no âmbito do Conselho Ártico – organização intergovernamental que toma decisões estratégicas sobre o Polo Norte, reunindo oito países e 16 populações tradicionais, em sua maioria, pastores de renas.
Em parceria com as comunidades tradicionais transumantes (que deslocam periodicamente seus rebanhos de renas para regiões no Ártico, onde encontram melhores condições durante partes do ano), um grupo de pesquisadores dos países nórdicos, além da Rússia, Canadá e Estados Unidos, estudou os impactos das mudanças climáticas nos ecossistemas, na economia e na sociedade da região.
Feito em colaboração com a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa, na sigla em inglês) e com diversas universidades e instituições de pesquisas, o estudo resultou em um relatório decisivo, intitulado Informe de Resiliência do Ártico (ARR, na sigla em inglês), divulgado em 2004.
“Essa talvez tenha sido a experiência mais bem-sucedida até agora de colaboração da ciência e dos conhecimentos tradicionais e locais”, avaliou Carneiro da Cunha. “É importante que os cientistas conheçam o que se faz nas comunidades tradicionais e, por sua vez, os povos tradicionais também conheçam o que se faz nos laboratórios científicos”, disse.
Reproduzido de http://agencia.fapesp.br/17584
domingo, 28 de julho de 2013
Como deixamos vazar informações privadas
FERNANDO REINACH - O Estado de S.Paulo
Foi em Tóquio. Apresento uma jovem cientista japonesa a um amigo: "Como vocês
irão para o congresso em Kyoto, talvez Omuro possa te mostrar os templos
budistas". Os olhos de meu amigo, que encaravam a jovem, se desviaram por uma
fração de segundo para as mãos delicadas. Bastou eles voltarem para a face, e
ela, que não usava aliança, respondeu: "Pena que meu marido não vai me
acompanhar". Por meio de um simples olhar ele havia deixado vazar uma grande
quantidade de informação que foi captada e utilizada por Omuro.
Com pequenos atos, deixamos escapar involuntariamente informações que consideramos privadas. Captar essa informação e fazer uso dela é uma arte antiga. A novidade é que hoje deixamos um rastro enorme de informações digitais. Será possível usar essa informação para descobrir pensamentos e características pessoais? Um novo estudo demonstrou que é possível descobrir, com grande probabilidade de acerto, informações privadas simplesmente analisando os "likes" de uma pessoa no Facebook.
A internet está coalhada de pequenas mãos com o polegar para cima. São os "likes" - "curtir" ou "recomendar" - do Facebook. Quando um usuário do Facebook clica nesses ícones, demonstra apreciação ou aprovação. Essa informação é recebida por seus amigos, pelos donos da página e pelo próprio Facebook. Sua escolha se torna pública. Se você "curte" um carro, todos sabem que você gostou daquele veículo.
O que mais é possível deduzir com base nas "curtidas" de uma pessoa? É possível saber sua preferencia sexual, se seus pais se separaram, seu QI?
Cientistas convenceram 58.466 voluntários que utilizam o Facebook nos EUA a responder centenas de perguntas pessoais sobre assuntos particulares, como consumo de drogas e álcool, religião, política, preferencias sexuais, fidelidade conjugal e vida familiar. Além disso, o QI desses voluntários foi medido e suas características psicológicas foram determinadas. Também foram coletados todos os "likes" difundidos por cada um desses indivíduos.
Depois, os cientistas correlacionaram o conteúdo dos "likes" às características individuais, construindo enormes tabelas que relacionavam as características pessoais com os termos associados aos "likes". Descobriram que a palavra "dança" é mais escolhida por pessoas extrovertidas e "videogames", por introvertidos. Que "Harley-Davidson" está levemente associada a um QI baixo e "tempestades", a pessoas com QI mais alto. Foram feitas associações desse tipo com milhares de palavras para cada uma de dezenas de características. Muitas delas parecem óbvias, mas outras, como batata frita estar associada a pessoas de QI mais alto, Hillary com pessoas que têm muitos amigos e Yahoo com mulheres heterossexuais não são tão óbvias.
Feitas as associações entre palavras ou frases e características pessoais declaradas, os cientistas construíram um modelo matemático que usa os "likes" públicos para descobrir informações privadas. Cada uma das associações por si só não tem um alto poder preditivo (eu uso o Yahoo e não sou uma mulher heterossexual), mas, quando analisadas em conjunto, são capaz de fazer previsões precisas sobre comportamentos e características individuais.
Os resultados mostram que é possível, usando só os "likes" de um usuário do Facebook, saber seu sexo, idade, preferencia sexual, se é emocionalmente estável, seu QI, se fuma, bebe ou se droga, se é democrata ou republicano, se seus pais se separaram antes dele ter 21 anos, se é fiel, e dezenas de outros atributos pessoais. A previsão é mais confiável quanto mais a pessoa dá "likes". É claro também que o grau de confiança nessas previsões com o tema avaliado. Além disso, a previsão só é possível para os usuários americanos do Facebook, pois as associações dependem da cultura de cada país.
Os pesquisadores publicaram os resultados e criaram o site www.youarewhatyoulike.org, em que você pode logar com sua identidade no Facebook. Usando os dados de seus "likes", o site prediz suas características. Todos que usaram dizem que o resultado é impressionante.
Esses resultados demonstram o que muita gente suspeitava. A cada clique, deixamos vazar um pouco de nossa intimidade. Como fazemos isso dezenas de vezes por dia, ao longo de muitos anos, basta estatísticos competentes e um computador para juntar todas essas microdicas e, com elas, descobrir informações que guardamos a sete chaves tentando preservar nossa intimidade.
* FERNANDO REINACH É BIÓLOGO.
MAIS INFORMAÇÕES: PRIVATE TRAITS AND ATRIBUTES ARE PREDICTABLE FROM DIGITAL RECORDS OF HUMAN BEHAVIOR. PROC. NAT. ACAD. SCI. VOL. 110 PAG. 5802 2013.
Reproduzido de: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,como-deixamos-vazar-informacoes-privadas-,1057810,0.htm
Com pequenos atos, deixamos escapar involuntariamente informações que consideramos privadas. Captar essa informação e fazer uso dela é uma arte antiga. A novidade é que hoje deixamos um rastro enorme de informações digitais. Será possível usar essa informação para descobrir pensamentos e características pessoais? Um novo estudo demonstrou que é possível descobrir, com grande probabilidade de acerto, informações privadas simplesmente analisando os "likes" de uma pessoa no Facebook.
A internet está coalhada de pequenas mãos com o polegar para cima. São os "likes" - "curtir" ou "recomendar" - do Facebook. Quando um usuário do Facebook clica nesses ícones, demonstra apreciação ou aprovação. Essa informação é recebida por seus amigos, pelos donos da página e pelo próprio Facebook. Sua escolha se torna pública. Se você "curte" um carro, todos sabem que você gostou daquele veículo.
O que mais é possível deduzir com base nas "curtidas" de uma pessoa? É possível saber sua preferencia sexual, se seus pais se separaram, seu QI?
Cientistas convenceram 58.466 voluntários que utilizam o Facebook nos EUA a responder centenas de perguntas pessoais sobre assuntos particulares, como consumo de drogas e álcool, religião, política, preferencias sexuais, fidelidade conjugal e vida familiar. Além disso, o QI desses voluntários foi medido e suas características psicológicas foram determinadas. Também foram coletados todos os "likes" difundidos por cada um desses indivíduos.
Depois, os cientistas correlacionaram o conteúdo dos "likes" às características individuais, construindo enormes tabelas que relacionavam as características pessoais com os termos associados aos "likes". Descobriram que a palavra "dança" é mais escolhida por pessoas extrovertidas e "videogames", por introvertidos. Que "Harley-Davidson" está levemente associada a um QI baixo e "tempestades", a pessoas com QI mais alto. Foram feitas associações desse tipo com milhares de palavras para cada uma de dezenas de características. Muitas delas parecem óbvias, mas outras, como batata frita estar associada a pessoas de QI mais alto, Hillary com pessoas que têm muitos amigos e Yahoo com mulheres heterossexuais não são tão óbvias.
Feitas as associações entre palavras ou frases e características pessoais declaradas, os cientistas construíram um modelo matemático que usa os "likes" públicos para descobrir informações privadas. Cada uma das associações por si só não tem um alto poder preditivo (eu uso o Yahoo e não sou uma mulher heterossexual), mas, quando analisadas em conjunto, são capaz de fazer previsões precisas sobre comportamentos e características individuais.
Os resultados mostram que é possível, usando só os "likes" de um usuário do Facebook, saber seu sexo, idade, preferencia sexual, se é emocionalmente estável, seu QI, se fuma, bebe ou se droga, se é democrata ou republicano, se seus pais se separaram antes dele ter 21 anos, se é fiel, e dezenas de outros atributos pessoais. A previsão é mais confiável quanto mais a pessoa dá "likes". É claro também que o grau de confiança nessas previsões com o tema avaliado. Além disso, a previsão só é possível para os usuários americanos do Facebook, pois as associações dependem da cultura de cada país.
Os pesquisadores publicaram os resultados e criaram o site www.youarewhatyoulike.org, em que você pode logar com sua identidade no Facebook. Usando os dados de seus "likes", o site prediz suas características. Todos que usaram dizem que o resultado é impressionante.
Esses resultados demonstram o que muita gente suspeitava. A cada clique, deixamos vazar um pouco de nossa intimidade. Como fazemos isso dezenas de vezes por dia, ao longo de muitos anos, basta estatísticos competentes e um computador para juntar todas essas microdicas e, com elas, descobrir informações que guardamos a sete chaves tentando preservar nossa intimidade.
* FERNANDO REINACH É BIÓLOGO.
MAIS INFORMAÇÕES: PRIVATE TRAITS AND ATRIBUTES ARE PREDICTABLE FROM DIGITAL RECORDS OF HUMAN BEHAVIOR. PROC. NAT. ACAD. SCI. VOL. 110 PAG. 5802 2013.
Reproduzido de: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,como-deixamos-vazar-informacoes-privadas-,1057810,0.htm
sábado, 27 de julho de 2013
Primavera Brasileira ou golpe de direita?
Por Antonio Martins
Perguntas e respostas sobre um movimento que está mudando a cena do país – e cujo futuro, aberto, será decidido também por você
Por Antonio Martins | Imagens: Ninja (fotos) e Pirikart (quadrinhos)
“O Brasil não é para principiantes”, disse certa vez o compositor Tom Jobim. A sabedoria destas palavras está ecoando de novo a cada dia, nas duas últimas semanas. Entre 6 e 19 de junho, uma onda avassaladora de protestos de rua resgatou a ideia de que as lutas sociais valem a pena e marcou a emergência de uma cultura política de autonomia, redes sociais e horizontalidade. Um dia depois, as manifestações que deveriam celebrar este resgate foram em parte capturadas. Resvalaram para episódios de autoritarismo e intolerância, depois que a crítica às injustiças e à ausência de direitos foi direcionada contra os governos de esquerda e seus limites (vale ler este texto do repórter Tadeu Breda). Muitos dos que haviam se manifestado desde o início chocaram-se e recuaram. Foi inteligente, mas é hora de um novo passo. As ruas não se calarão, se quem luta por justiça estiver afastado delas. É preciso – e é possível – disputá-las. Este texto tentará explicar por quê e como, na forma urgente e imperfeita das perguntas e respostas.
1. É possível falar em Primavera Brasileira?
Ainda não, mas há sinais muito animadores de uma grande onda de mobilizações por direitos sociais, capaz de expandir em muito as conquistas – importantes, porém limitadas – dos dez anos de governos de esquerda. Em torno de um tema catalizador (os transportes urbanos e sua tarifa), claramente associado às desigualdades e a um modelo de metrópoles cada vez mais rejeitado, milhões de pessoas foram às ruas, em centenas de cidades. Outras reivindicações do mesma natureza, como o direito à moradia, emergiram.
Uma das grandes novidades das manifestações é que tiveram perfil completamente distinto do que marcava as lutas sociais brasileiras. Não foram convocadas nem pelos partidos de esquerda, nem pelos movimentos sociais tradicionais. A partir do chamado de um pequeno grupo, o Movimento Passe Livre (MPL), as multidões autoconvocaram-se, usando as redes sociais. Esta cultura política de autonomia não é inteiramente nova. Foi ela que suscitou, no início do século, grandes eventos, como os Fóruns Sociais Mundiais. Porém, é a primeira vez que se torna realmente popular, praticada por multidões. Este fato pode ter enorme importância. Sacode um cenário político que tende à estagnação, já que esquerda no governo tem grandes compromissos com o poder econômico e avança muito devagar; mas a alternativa institucional viável a ela é muito pior: os partidos conservadores e neoliberais.
A partir de 15 de junho, este movimento sofreu uma interferência que pode paralisá-lo ou inverter seu sentido. A mídia e os partidos à direita do PT, que até então o demonizavam e reprimiam, fizeram um grande giro tático. Passaram a turbiná-lo, ao mesmo tempo em que tentam capturá-lo. Procuram esvaziar a reivindicação de direitos e igualdade (ou seja, seu caráter “perigoso” de crítica social) e suscitar, em seu lugar, a luta genérica “contra a corrupção”. Ao fazê-lo tentam, ao mesmo tempo, voltar o movimento contra os governos de esquerda. Tirá-los do poder, seja de que modo for, é algo que, nos últimos dez anos, nunca saiu da agenda da direita.
Esta tentativa de captura é poderosa, porque a mídia de massas, embora desgastada e em declínio, ainda tem enorme influência no Brasil. Por isso, o futuro do movimento está em aberto. Vai depender de nossa capacidade de compreender o cenário e agir com sagacidade.
2. Há no ar uma tentativa de golpe antidemocrático?
Diversos sinais indicam que sim. Desde terça-feira (18/6), o jornalista Jânio de Freitas chamou atenção para a presença intensa de provocadores, em episódios como a tentativa de invadir a prefeitura de São Paulo. A ação que eles desenvolvem – radicalizar artificialmente os movimentos, para justificar a “restauração [autoritária] da ordem” – é típica em golpes de Estado na América Latina, como o do Brasil (1964) e Chile (1973). Além disso, as manifestações de quinta-feira (20/6) tiveram a presença ostensiva de skinheads e de grupos que agrediram militantes de esquerda. Neste dia, a TV Globo quebrou um tabu e deixou de transmitir todas as suas novelas, para “cobrir” as manifestações de maneira distorcida, em seu esforço para capturá-las. Já na sexta-feira (21/6) à noite, pequenos grupos cortaram, simultaneamente o tráfego de quase todas as rodovias que ligam São Paulo ao resto do país. Houve saques na Via Dutra e na Barra da Tijuca. São táticas totalmente estranhas aos movimentos sociais, adotadas para gerar medo e pedidos de intervenção.
A tentativa de golpe vai se intensificar nos próximos meses, porque uma série de fatores colocará em xeque as políticas que os governos de esquerda adotam há dez anos (Outras Palavras tratará do tema em breve). Será preciso fazer uma opção entre ampliá-las (redistribuindo riqueza a questionando privilégios) ou deixá-las para trás. Exatamente por isso, as ruas não podem ser abandonadas por quem luta por uma sociedade justa e liberta.
3. Como foi possível converter manifestações autônomas por direitos em territórios de preconceitos e violência?
A guinada tática que a mídia e as forças conservadoras fizeram, no final de semana passado, está extremamente nítida na “autocrítica” de Arnaldo Jabor na TV Globo, e nas capas de Veja desta semana e da anterior. O caráter desta ação – que consiste em turbinar as manifestações e ao mesmo tempo esvaziar ou mesmo inverter seu sentido – está debatido na questão 1 deste texto. A forma mais eficaz de executá-la é difundir a bandeira “contra o corrupção”, que deriva para “contra a PEC-37”. Poucos a conhecem, mas ela aciona automaticamente a ideia de que punir – os corruptos, os menores infratores ou os que adotam atitude sexual “desviante” – é a solução para os problemas nacionais. Uma frase que circulava ontem (22/6) no Twitter, associada à tag “#calabocadilma”, ilustra de forma caricatural este tipo de associação . Perguntava: “Os médicos cubanos já chegarão sabendo fazer a ‘cura gay’, ou terão de aprender aqui?”…
Para enfrentar esta tentativa de captura é importante compreender de onde ela tira sua força. Os manifestantes, em sua esmagadora maioria, têm menos de 25 anos. Além disso, estão apenas iniciando sua participação formação política. Conhecem ainda pouco do contexto e história dos governos de esquerda e da história institucional do Brasil antes deles. Veem, com toda razão, que o país é muito injusto e há enorme promiscuidade entre política e poder econômico. Mas não enxergam que a bandeira “contra a corrupção”, genérica e difusa, poupa, ao invés de colocar em xeque, aqueles que se beneficiam de nossas desigualdades. Também não se dão conta que o “fora Dilma”, claramente insinuado pela mídia, significaria, nas condições da política institucional de hoje, abrir espaço um governo diretamente ligado às elites.
A manobra dos conservadores é, contudo, extremamente arriscada. Ao engrossarem as manifestações, eles permitem, aos que queremos mudanças reais, dialogar com um público muito mais amplo. Também por este motivo, a saída não está em “deixar as ruas”, mas em abrir, nelas e nas redes sociais, uma disputa profunda de projetos.
4. Por que a tentativa de capturar os protestos é frágil e pode ser vencida?
Os conservadores não desejavam, nem convocaram os protestos. Apropriaram-se momentaneamente deles, usando seu peso e poder. Mas têm muito a temer. Se a agenda dos direitos continuar a se difundir, e se o espaço horizontal das ruas continuar a ser experimentado pelas multidões, logo entrarão em pauta temas que exigirão as mudanças sociais “perigosas” – muito mais profundas que as realizadas nos últimos anos.
Para isso, é necessário um esforço: romper a barreira da crítica genérica à “corrupção” e ao “poder”. Passar deste discurso ingênuo e inofensivo para a concretude das mudanças sociais; das cidades (e sociedades) para todos; da redistribuição de riquezas. É um passo árduo: exige enfrentar a avalanche da mídia em favor de conceitos massificantes e mistificadores, como “o gigante acordou”. Implica propor questões incomuns, porém de extrema potência: “quem é o gigante”? “quem se apropria da riqueza que ele produz”? “como torná-las de todos”?
É preciso notar que a dinâmica do debate nacional mudou. Nos últimos dez anos, nos acostumamos a uma disputa de visões de país permanente, porém de baixa intensidade. De repente, isto ficou para trás. A agressividade que os conservadores demonstraram, sua disposição de convocar tanto a violência policial extrema (como em São Paulo, em 14/6) quanto os skinheads não deve deixar dúvidas sobre o que está em jogo. Ao menos nesse momento, o antídoto eficaz contra o golpismo não é a moderação – é tornar mais concreta, e mais profunda, a agenda de direitos para todos.
5. Que temas permitem retomar uma pauta de direitos e mudanças sociais?
Um dos motes mais traiçoeiros que circulam nas manifestações é “o gigante acordou”. Seu apelo ao nacionalismo embrutecedor (“nação” é um conceito que pode servir tanto para unir contra a opressão externa quanto para mascarar nossas próprias desigualdades) é claro. Pior: repetido quase sempre por ingenuidade, ele contrabandeia para dentro do movimento uma ideia despolitizadora. Sugere que as lutas para mudar o Brasil estão começando hoje. Procura ocultar o esforço de décadas, feito pelos movimentos sociais e sociedade civil, para formular pautas ligadas à garantia de direitos para todos. Todas estas reivindicações são importantes, para romper a barreira mistificadora da mídia e das elites.
Porém talvez valha a pena, neste momento de disputa aguda de sentidos, concentrar energia naquelas que, por dialogarem com o sentimento das ruas, provocam e fazem refletir. Defini-las é algo que precisaremos fazer em conjunto. Eis a seguir algumas sugestões.
O primeiro alvo, quase óbvio, é a Rede Globo e os barões da mídia. Slogans contra a emissora da família Marinho espalharam-se e tiveram ressonância em todas as manifestações. Eles tocam numa grande encruzilhada do período em que estamos. O oligopólio das comunicações mantém enorme influência e age de modo ostensivo para disputar o sentido do movimento. Mas tem telhado de vidro fino: nunca foi tão amplo o setor da sociedade que compreende sua ação manipuladora.
A Globo precisa ser alvo de campanhas na internet, manifestações de rua, boicotes. Denunciar seu poder, símbolo do oligopólio, abre caminho para a bandeira da democratização das Comunicações, já expressa numa campanha. Denominada Para expressar a liberdade, construída em conjunto por ativistas e organizações, ela formulou e oferece, em sua página na internet, propostas concretas, argumentos e até um projeto de lei sobre o tema.
Também os que foram capturados pelas bandeiras “contra a corrupção” e “contra a PEC-37” voltam-se, no fundo, contra os privilégios e desigualdades. É preciso dar materialidade a estes sentimentos, mostrando que a direita não oferece alternativa alguma para eles . “Contra a corrupção” precisa desdobrar-se, por exemplo, em “Fora o Poder Econômico da Política”. É uma forma popular de abordar a Reforma Política – outra bandeira estratégica para mudar o país e indispensável neste momento decisivo. Diversos movimentos têm trabalhado em torno deste tema. Alguns deles já construíram, inclusive, uma Plataforma comum. Ela desenhou propostas (entre outras, ampliação do poder de plebiscitos e referendos; fim do 14º e 15º salário dos parlamentares; proibição do financiamento das empresas aos partidos). Reúne farta documentação: artigos, vídeos, programas de rádio, biblioteca. A riqueza deste material, construído coletivamente, evidencia como é primária e vazia a bandeira “contra a corrupção”.
O alcance que a luta contra o aumento das tarifas assumiu mostra como a agenda do Direito à Cidade toca a população brasileira. Dezenas de milhões de pessoas, que vivem nas periferias das metrópoles, deixaram de se sentir inferiores nos últimos dez anos. Percebem-se injustiçadas: sem elas, não se produziria uma imensa riqueza, da qual são excluídas. Querem igualdade e direitos (examine, por exemplo, esta convocatória, do Periferia Ativa). Além disso, a classe média é muito mais que os “coxinhas” da “luta contra a corrupção”. Ela inclui um setor criativo, libertário, defensor de um país para todos e disposto a participar de sua construção.
O Direito à Cidade – que talvez deva ser traduzido em conceitos como Reforma Urbana ou Cidades Livres – pode ser desdobrado em propostas que dialoguem com estes dois grupos sociais. Direito à moradia (inclusive no centro das metrópoles). Penalização da especulação imobiliária. Mobilidade urbana, com transportes públicos rápidos, confortáveis e baratos (The Economist, talvez a revista de maior repercussão no mundo, acaba de publicar uma matéria muito simpática à tarifa zero). Limitação do uso dos automóveis. Despoluição dos rios. Exigência de descarte apropriado do lixo. Ciclovias.
Não será possível abrir o leque da pauta dos direitos sociais sem falar em Reforma Tributária. Como frisa o economista Ladislau Dowbor, num texto recente, é preciso desfazer a crença segundo a qual o Brasil tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo. A verdade é outra: as maiorias pagam muitos tributos, porque uma pequena minoria, que tem altíssimo poder de contribuir, é pouco exigida e tem muitas brechas para sonegar.
A Reforma Tributária merece textos à parte. Mas precisamos nos preparar para propor mais e não menos impostos. Tributos inteligentes e progressivos, com claro sinal redistributivo. Tributos que corrijam a injustiça típica dos mercados, que transformem serviços dignos num direito (não numa mercadoria acessível a quem pode pagar) e que garantam cidades e um país para todos.
6. Que são as Assembleias Populares e como elas podem preparar uma nova fase da mobilização?
Elas surgiram neste domingo (23/6): três em São Paulo, por iniciativa do Movimento Passe Livre; em Fortaleza, Brasília e Belo Horizonte (esta, com mais de 2 mil pessoas: texto, vídeo). As Assembleias Populares permitem que a população se encontre e converse horizontalmente, livre da massificação da TV. Estabelecem um ambiente propício a debater a situação do país e, em especial, a desenvolver a consciência dos direitos e a mobilização por eles. Se continuarem a se espalhar, é provável que desencadeiem, muito em breve, uma nova onda de manifestações, agora mais potente.
Não há receita para as Assembleias: podem reunir moradores de uma região ou pessoas interessadas em discutir coletivamente um tema específico; ocorrer numa praça, num salão, numa casa ou mesmo nos pontos de ônibus (veja o que o Periferia Ativa prepara para 25/6, em São Paulo).
Também não é preciso esperar por ninguém, para organizar uma Assembleia. Qualquer organização, ou grupo de pessoas, pode e deve fazê-lo. O importante é não desperdiçar um momento raro, em que as multidões deixaram a passividade e sentem-se empoderadas para debater seu futuro coletivo.
Outras Palavras participa, com outros coletivos e movimentos, da organização de uma assembleia nesta terça-feira (25/6, às 19h), na Praça Roosevelt, em São Paulo. Debaterá a Ditadura da Mídia e as formas de enfrentá-la. Já está difundida no Facebook (com mais de 500 pessoas confirmadas, ao meio-dia de 24/6). Estamos prontos para divulgar outras iniciativas. Para comunicá-las, basta escrever para mobilizacao@outraspalavras.net
7. Qual o sentido do discurso de Dilma e como os movimentos podem tirar proveito dele?
Mais uma singularidade brasileira: diante dos protestos das últimas semanas, a postura da presidente da República foi distinta das adotadas, desde 2011, por todos os governantes que enfrentaram revoltas similares. Os ditadores árabes reagiram a bala. Em toda a Europa, os dirigentes mantêm as políticas de ataque aos direitos sociais, mesmo diante de manifestações gigantescas e do descontentamento da opinião pública. Obama ignorou o Occupy. Sob intensa pressão das ruas, Dilma, ao contrário, saudou as manifestações (“Elas mostram a força de nossa democracia”). Em seu pronunciamento de 21/6 (vídeo | texto), sugeriu que “o impulso desta nova energia política” pode ajudar a “fazer, melhor e mais rápido, muita coisa que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas”.
Em 24/6, deu dois novos passos. Passou a receber os movimentos que iniciaram os protestos (ontem, o Passe Livre; hoje – 25/6 – o PeriferiaAtiva e os sem-teto ligados ao MTST). E lançou, em reunião com governadores de Estado e prefeitos das capitais, um movimento inesperado. Sugeriu pactos pela Educação, Saúde, Mobilidade Urbana e Responsabilidade Fiscal. Mais importante: defendeu a ideia de um plebiscito, para que a população decida sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte, encarregada de reformar o sistema político.
A última proposta despertou reação imediata. Políticos conservadores e ministros do Supremo Tribunal Federal opinaram que ela é inconstitucional (o que parece esdrúxulo, pois sugere que as instituições são irreformáveis). Tudo indica que, se levada adiante, a iniciativa enfrentará enorme resistência – tanto entre as elites quanto no próprio Congresso Nacional. O poder econômico não quer rever um sistema que lhe dá enorme influência sobre as decisões políticas. Os detentores de mandato preferem não mexer nas regras que os elegeram.
Mas como os movimentos sociais, e os que foram as ruas, podem enxergar a iniciatva de Dilma?
Concentrar atenção apenas na proposta de Constituinte pode levar à paralisia. É um tema árido, pouco debatido entre a sociedade. E embora haja ampla consciência sobre a necessidade da reforma política, há muitas controvérsias sobre algumas das mudanças que ela implica. O risco é que, ao se dedicarem a resolvê-las, os movimentos dividam-se e dispersem a energia necessária para manter e ampliar a grande maré de reivindicações.
Porém, talvez valha considerar uma resposta dupla. Por um lado, manter o foco na luta por direitos. Continuar estimulando as assembleias populares, a formulação de demandas, a presssão em favor delas. Lembrar que elas não virão sem lutas (embora tenha recibido o Passe Livre ontem, Dilma não sinalizou vontade de agir em favor de suas reivindicações).
Ao mesmo tempo, não seria inteligente desprezar a proposta estratégica da Constituinte e da Reforma Política. Também o Brasil tem instituições que “não nos representam”. Arcaicas, extremamente corrompíveis, fechadas à participação direta dos cidadãos, pouquíssimo transparentes, elas são um dos alicerces que sustentam a injustiça social, a desigualdade e o modelo de “desenvolvimento” hostil à natureza.
Para mudar o país, será preciso sacudi-las. Por isso, a luta pela Constituinte pode ser uma bandeira paralela às reivindicações por direitos. Quanto mais multiplicarem-se as lutas reivindicatórias, mais ficará claro que o sistema político é um obstáculo a elas; e que é preciso reinventar também a democracia. E quanto mais os atuais poderes estiverem sob ameaça de uma vasta reforma, mais seus ocupantes tenderão a ceder às pressões populares…
8. Por que o Brasil estará diante de uma encruzilhada, nos próximos meses? Que papel jogará a mobilização social ?
Alcançar a redução simultânea da tarifa de ônibus nas duas maiores metrópoles do país, além de diversas outras capitais e grandes municípios, é provavelmente um feito inédito. Para tanto, centenas de milhares de brasileiros venceram as bombas da polícia e as botas de chumbo da passividade. Ao pagar a passagem com desconto, dezenas de milhões estão refletindo que “é possível”… Mas os vinte centavos conquistados são ínfimos, diante da importância que a vitória poderá assumir nos próximos meses. Ela introduz, no período de turbulências que o Brasil tende a atravessar, a potência rebelde das mobilizações sociais.
Nos últimos dez anos, os conflitos pela riqueza social no país foram relativamente amenos. As maiorias – em especial os economicamente mais pobres – tiveram algum alívio. É algo que vai bem além do Bolsa-família. O valor dos benefícios sociais cresceu, em termos reais. O salário-mínimo subiu bem acima da inflação. O desemprego caiu para um dos patamares mais baixos do mundo (5,5%, segundo o IBGE). O percentual de assalariados com carteira assinada – e, portanto, direitos trabalhistas reconhecidos – cresceu de 46% para 54%. Com as quotas, as Universidades deixaram de ser território exclusivo das elites.
Mas do ponto de vista econômico, os muito ricos também não tiveram motivos de queixa. O consumo ampliado dos que eram antes muito pobres movimentou os negócios e lucros. Como o Estado retomou as grandes obras de infraestrutura e abriu programas como o Minha Casa, Minha Vida, setores como o das empreiteiras voltaram a sorrir. Mineração e agronegócio surfaram na onda de uma alta internacional do preço das matérias-primas. Os ganhos dos grandes aplicadores com os juros pagos pelo Tesouro (e, portanto, por nós) caíram bastante, mas ainda estão entre os mais altos do mundo.
Este cenário – que criou uma zona de conforto e inibia questionamentos e transformações mais profundas – está se desfazendo rapidamente, a partir de duas mudanças importantes no panorama internacional. As cotações de bens primários – hoje, cerca de 54% das exportações do país – voltaram a cair. Uma provável alta das taxas de juros nos Estados Unidos está atraindo parte maior da riqueza monetária que circula no planeta e tornando mais difícil, para outros países, captá-la. Como a economia brasileira internalizou-se e se desindustrializou, estes fenômenos têm impacto. Estão na raiz, por exemplo, da alta do dólar e da inflação – duas tendências que já passaram a dominar o noticiário da velha mídia (as manifestações os afastaram momentaneamente) e serão explorados com intensidade crescente, nos próximos meses.
Como de costume, os conservadores buscam, diante das dificuldades, convocar o moralismo e os impulsos (auto-)punitivos de uma sociedade majoritariamente cristã. A causa estaria na “incompetência” dos últimos governos. A saída “natural” seria “apertar os cintos”: partir para políticas de corte de serviços públicos e direitos sociais, como fazem os países europeus. O Brasil deveria mostrar “bom comportamento”, para reconquistar a “confiança” dos mercados internacionais…
Também na política, o moralismo procura impedir que se enxergue o que é atraente e proibido. O impasse das reformas sociais limitadas dos últimos dez anos não precisa revertê-las Pode, ao contrário, estimular mudanças muito mais profundas. Já não se tratará, neste caso, apenas de uma redistribuição superficial da riqueza, comandada pelo Estado.
O sinais de Primavera vividos nas últimas semanas sugerem que, numa época marcada por crise civilizatória e busca de novas perspectivas, o Brasil pode estar pronto a se rever e reinventar a partir de baixo. O melhor deflagrador é a luta por direitos. A transporte rápido, bom e barato. A viver no centro das cidades. A uma revisão completa de prioridades do investimento público nas metrópoles, que assegure serviços públicos de qualidade nas periferias. À redução da jornada de trabalho para 44 horas semanais, que o Congresso Nacional engaveta há anos. Para compreender a diversidade de pautas ligadas à garantia de vida digna – e seu potencial de mobilização – vale espiar a série de fotos que registra a passeata realizada por movimentos da periferia de São Paulo, em 25/6, ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado.
Mas também é hora de suscitar os direitos ligados à sociedade da informação. Internet gratuita e universal. Quebra do oligopólio da mídia e efetiva liberdade de expressão. Livre circulação do conhecimento e cultura, com revisão das leis retrógradas de propriedade intelectual. Retomada de projetos paralisados, como os Pontos de Cultura.
A pauta dos direitos aciona, imediatamente, a do combate à desigualdade e aos privilégios. São Paulo tem a maior frota de helicópteros civis do planeta (mais de 500, à frente de Nova York e Tóquio…), enquanto 6 milhões de pessoas chacoalham, às vezes três ou mais horas por dia, em ônibus lotados, sujos e desconfortáveis. O Brasil, que ocupa o 85ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, e cujas ferrovias permanecem sucateadas, é o segundo do mundo, em número de jatos executivos.
Mas a consciência da desigualdade não precisa conduzir a um distributivismo primário. Não se trata de “democratizar” o padrão atual de consumo, mas de recriar as lógicas de produção e distribuição de riquezas. Também neste aspecto, as jornadas das últimas semanas são inspiradoras. Lutou-se pelo transporte coletivo, um bem comum. Abriu-se caminho para debater, por exemplo, cidades livres da ditadura do automóvel ou da poluição dos rios. Educação e Saúde públicas de excelência e inovadoras. Um uso de eletricidade menos voraz e alienado, para permitir uma matriz de fontes energéticas mais limpa. Um modelo de desenvolvimento do campo que valorize e estimule não a produção de commodities em latifúndios “modernos”, com uso maciço de agrotóxicos – mas o pequeno produtor e a diversidade de nossas culturas alimentares.
Um reexame do país, há muito adiado, foi aberto. Como se viu, nada está assegurado. Os próximos dias e meses serão cheio de surpresas, novas possibilidades e riscos. Mas estamos em muito melhores condições de viver estas nova fase agora, quando as ruas mostraram seu rosto – e sua voz rouca…
Reproduzido de http://outraspalavras.net/brasil/primavera-ou-golpe-tudo/
Perguntas e respostas sobre um movimento que está mudando a cena do país – e cujo futuro, aberto, será decidido também por você
Por Antonio Martins | Imagens: Ninja (fotos) e Pirikart (quadrinhos)
“O Brasil não é para principiantes”, disse certa vez o compositor Tom Jobim. A sabedoria destas palavras está ecoando de novo a cada dia, nas duas últimas semanas. Entre 6 e 19 de junho, uma onda avassaladora de protestos de rua resgatou a ideia de que as lutas sociais valem a pena e marcou a emergência de uma cultura política de autonomia, redes sociais e horizontalidade. Um dia depois, as manifestações que deveriam celebrar este resgate foram em parte capturadas. Resvalaram para episódios de autoritarismo e intolerância, depois que a crítica às injustiças e à ausência de direitos foi direcionada contra os governos de esquerda e seus limites (vale ler este texto do repórter Tadeu Breda). Muitos dos que haviam se manifestado desde o início chocaram-se e recuaram. Foi inteligente, mas é hora de um novo passo. As ruas não se calarão, se quem luta por justiça estiver afastado delas. É preciso – e é possível – disputá-las. Este texto tentará explicar por quê e como, na forma urgente e imperfeita das perguntas e respostas.
1. É possível falar em Primavera Brasileira?
Ainda não, mas há sinais muito animadores de uma grande onda de mobilizações por direitos sociais, capaz de expandir em muito as conquistas – importantes, porém limitadas – dos dez anos de governos de esquerda. Em torno de um tema catalizador (os transportes urbanos e sua tarifa), claramente associado às desigualdades e a um modelo de metrópoles cada vez mais rejeitado, milhões de pessoas foram às ruas, em centenas de cidades. Outras reivindicações do mesma natureza, como o direito à moradia, emergiram.
Uma das grandes novidades das manifestações é que tiveram perfil completamente distinto do que marcava as lutas sociais brasileiras. Não foram convocadas nem pelos partidos de esquerda, nem pelos movimentos sociais tradicionais. A partir do chamado de um pequeno grupo, o Movimento Passe Livre (MPL), as multidões autoconvocaram-se, usando as redes sociais. Esta cultura política de autonomia não é inteiramente nova. Foi ela que suscitou, no início do século, grandes eventos, como os Fóruns Sociais Mundiais. Porém, é a primeira vez que se torna realmente popular, praticada por multidões. Este fato pode ter enorme importância. Sacode um cenário político que tende à estagnação, já que esquerda no governo tem grandes compromissos com o poder econômico e avança muito devagar; mas a alternativa institucional viável a ela é muito pior: os partidos conservadores e neoliberais.
A partir de 15 de junho, este movimento sofreu uma interferência que pode paralisá-lo ou inverter seu sentido. A mídia e os partidos à direita do PT, que até então o demonizavam e reprimiam, fizeram um grande giro tático. Passaram a turbiná-lo, ao mesmo tempo em que tentam capturá-lo. Procuram esvaziar a reivindicação de direitos e igualdade (ou seja, seu caráter “perigoso” de crítica social) e suscitar, em seu lugar, a luta genérica “contra a corrupção”. Ao fazê-lo tentam, ao mesmo tempo, voltar o movimento contra os governos de esquerda. Tirá-los do poder, seja de que modo for, é algo que, nos últimos dez anos, nunca saiu da agenda da direita.
Esta tentativa de captura é poderosa, porque a mídia de massas, embora desgastada e em declínio, ainda tem enorme influência no Brasil. Por isso, o futuro do movimento está em aberto. Vai depender de nossa capacidade de compreender o cenário e agir com sagacidade.
2. Há no ar uma tentativa de golpe antidemocrático?
Diversos sinais indicam que sim. Desde terça-feira (18/6), o jornalista Jânio de Freitas chamou atenção para a presença intensa de provocadores, em episódios como a tentativa de invadir a prefeitura de São Paulo. A ação que eles desenvolvem – radicalizar artificialmente os movimentos, para justificar a “restauração [autoritária] da ordem” – é típica em golpes de Estado na América Latina, como o do Brasil (1964) e Chile (1973). Além disso, as manifestações de quinta-feira (20/6) tiveram a presença ostensiva de skinheads e de grupos que agrediram militantes de esquerda. Neste dia, a TV Globo quebrou um tabu e deixou de transmitir todas as suas novelas, para “cobrir” as manifestações de maneira distorcida, em seu esforço para capturá-las. Já na sexta-feira (21/6) à noite, pequenos grupos cortaram, simultaneamente o tráfego de quase todas as rodovias que ligam São Paulo ao resto do país. Houve saques na Via Dutra e na Barra da Tijuca. São táticas totalmente estranhas aos movimentos sociais, adotadas para gerar medo e pedidos de intervenção.
A tentativa de golpe vai se intensificar nos próximos meses, porque uma série de fatores colocará em xeque as políticas que os governos de esquerda adotam há dez anos (Outras Palavras tratará do tema em breve). Será preciso fazer uma opção entre ampliá-las (redistribuindo riqueza a questionando privilégios) ou deixá-las para trás. Exatamente por isso, as ruas não podem ser abandonadas por quem luta por uma sociedade justa e liberta.
3. Como foi possível converter manifestações autônomas por direitos em territórios de preconceitos e violência?
A guinada tática que a mídia e as forças conservadoras fizeram, no final de semana passado, está extremamente nítida na “autocrítica” de Arnaldo Jabor na TV Globo, e nas capas de Veja desta semana e da anterior. O caráter desta ação – que consiste em turbinar as manifestações e ao mesmo tempo esvaziar ou mesmo inverter seu sentido – está debatido na questão 1 deste texto. A forma mais eficaz de executá-la é difundir a bandeira “contra o corrupção”, que deriva para “contra a PEC-37”. Poucos a conhecem, mas ela aciona automaticamente a ideia de que punir – os corruptos, os menores infratores ou os que adotam atitude sexual “desviante” – é a solução para os problemas nacionais. Uma frase que circulava ontem (22/6) no Twitter, associada à tag “#calabocadilma”, ilustra de forma caricatural este tipo de associação . Perguntava: “Os médicos cubanos já chegarão sabendo fazer a ‘cura gay’, ou terão de aprender aqui?”…
Para enfrentar esta tentativa de captura é importante compreender de onde ela tira sua força. Os manifestantes, em sua esmagadora maioria, têm menos de 25 anos. Além disso, estão apenas iniciando sua participação formação política. Conhecem ainda pouco do contexto e história dos governos de esquerda e da história institucional do Brasil antes deles. Veem, com toda razão, que o país é muito injusto e há enorme promiscuidade entre política e poder econômico. Mas não enxergam que a bandeira “contra a corrupção”, genérica e difusa, poupa, ao invés de colocar em xeque, aqueles que se beneficiam de nossas desigualdades. Também não se dão conta que o “fora Dilma”, claramente insinuado pela mídia, significaria, nas condições da política institucional de hoje, abrir espaço um governo diretamente ligado às elites.
A manobra dos conservadores é, contudo, extremamente arriscada. Ao engrossarem as manifestações, eles permitem, aos que queremos mudanças reais, dialogar com um público muito mais amplo. Também por este motivo, a saída não está em “deixar as ruas”, mas em abrir, nelas e nas redes sociais, uma disputa profunda de projetos.
4. Por que a tentativa de capturar os protestos é frágil e pode ser vencida?
Os conservadores não desejavam, nem convocaram os protestos. Apropriaram-se momentaneamente deles, usando seu peso e poder. Mas têm muito a temer. Se a agenda dos direitos continuar a se difundir, e se o espaço horizontal das ruas continuar a ser experimentado pelas multidões, logo entrarão em pauta temas que exigirão as mudanças sociais “perigosas” – muito mais profundas que as realizadas nos últimos anos.
Para isso, é necessário um esforço: romper a barreira da crítica genérica à “corrupção” e ao “poder”. Passar deste discurso ingênuo e inofensivo para a concretude das mudanças sociais; das cidades (e sociedades) para todos; da redistribuição de riquezas. É um passo árduo: exige enfrentar a avalanche da mídia em favor de conceitos massificantes e mistificadores, como “o gigante acordou”. Implica propor questões incomuns, porém de extrema potência: “quem é o gigante”? “quem se apropria da riqueza que ele produz”? “como torná-las de todos”?
É preciso notar que a dinâmica do debate nacional mudou. Nos últimos dez anos, nos acostumamos a uma disputa de visões de país permanente, porém de baixa intensidade. De repente, isto ficou para trás. A agressividade que os conservadores demonstraram, sua disposição de convocar tanto a violência policial extrema (como em São Paulo, em 14/6) quanto os skinheads não deve deixar dúvidas sobre o que está em jogo. Ao menos nesse momento, o antídoto eficaz contra o golpismo não é a moderação – é tornar mais concreta, e mais profunda, a agenda de direitos para todos.
5. Que temas permitem retomar uma pauta de direitos e mudanças sociais?
Um dos motes mais traiçoeiros que circulam nas manifestações é “o gigante acordou”. Seu apelo ao nacionalismo embrutecedor (“nação” é um conceito que pode servir tanto para unir contra a opressão externa quanto para mascarar nossas próprias desigualdades) é claro. Pior: repetido quase sempre por ingenuidade, ele contrabandeia para dentro do movimento uma ideia despolitizadora. Sugere que as lutas para mudar o Brasil estão começando hoje. Procura ocultar o esforço de décadas, feito pelos movimentos sociais e sociedade civil, para formular pautas ligadas à garantia de direitos para todos. Todas estas reivindicações são importantes, para romper a barreira mistificadora da mídia e das elites.
Porém talvez valha a pena, neste momento de disputa aguda de sentidos, concentrar energia naquelas que, por dialogarem com o sentimento das ruas, provocam e fazem refletir. Defini-las é algo que precisaremos fazer em conjunto. Eis a seguir algumas sugestões.
O primeiro alvo, quase óbvio, é a Rede Globo e os barões da mídia. Slogans contra a emissora da família Marinho espalharam-se e tiveram ressonância em todas as manifestações. Eles tocam numa grande encruzilhada do período em que estamos. O oligopólio das comunicações mantém enorme influência e age de modo ostensivo para disputar o sentido do movimento. Mas tem telhado de vidro fino: nunca foi tão amplo o setor da sociedade que compreende sua ação manipuladora.
A Globo precisa ser alvo de campanhas na internet, manifestações de rua, boicotes. Denunciar seu poder, símbolo do oligopólio, abre caminho para a bandeira da democratização das Comunicações, já expressa numa campanha. Denominada Para expressar a liberdade, construída em conjunto por ativistas e organizações, ela formulou e oferece, em sua página na internet, propostas concretas, argumentos e até um projeto de lei sobre o tema.
Também os que foram capturados pelas bandeiras “contra a corrupção” e “contra a PEC-37” voltam-se, no fundo, contra os privilégios e desigualdades. É preciso dar materialidade a estes sentimentos, mostrando que a direita não oferece alternativa alguma para eles . “Contra a corrupção” precisa desdobrar-se, por exemplo, em “Fora o Poder Econômico da Política”. É uma forma popular de abordar a Reforma Política – outra bandeira estratégica para mudar o país e indispensável neste momento decisivo. Diversos movimentos têm trabalhado em torno deste tema. Alguns deles já construíram, inclusive, uma Plataforma comum. Ela desenhou propostas (entre outras, ampliação do poder de plebiscitos e referendos; fim do 14º e 15º salário dos parlamentares; proibição do financiamento das empresas aos partidos). Reúne farta documentação: artigos, vídeos, programas de rádio, biblioteca. A riqueza deste material, construído coletivamente, evidencia como é primária e vazia a bandeira “contra a corrupção”.
O alcance que a luta contra o aumento das tarifas assumiu mostra como a agenda do Direito à Cidade toca a população brasileira. Dezenas de milhões de pessoas, que vivem nas periferias das metrópoles, deixaram de se sentir inferiores nos últimos dez anos. Percebem-se injustiçadas: sem elas, não se produziria uma imensa riqueza, da qual são excluídas. Querem igualdade e direitos (examine, por exemplo, esta convocatória, do Periferia Ativa). Além disso, a classe média é muito mais que os “coxinhas” da “luta contra a corrupção”. Ela inclui um setor criativo, libertário, defensor de um país para todos e disposto a participar de sua construção.
O Direito à Cidade – que talvez deva ser traduzido em conceitos como Reforma Urbana ou Cidades Livres – pode ser desdobrado em propostas que dialoguem com estes dois grupos sociais. Direito à moradia (inclusive no centro das metrópoles). Penalização da especulação imobiliária. Mobilidade urbana, com transportes públicos rápidos, confortáveis e baratos (The Economist, talvez a revista de maior repercussão no mundo, acaba de publicar uma matéria muito simpática à tarifa zero). Limitação do uso dos automóveis. Despoluição dos rios. Exigência de descarte apropriado do lixo. Ciclovias.
Não será possível abrir o leque da pauta dos direitos sociais sem falar em Reforma Tributária. Como frisa o economista Ladislau Dowbor, num texto recente, é preciso desfazer a crença segundo a qual o Brasil tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo. A verdade é outra: as maiorias pagam muitos tributos, porque uma pequena minoria, que tem altíssimo poder de contribuir, é pouco exigida e tem muitas brechas para sonegar.
A Reforma Tributária merece textos à parte. Mas precisamos nos preparar para propor mais e não menos impostos. Tributos inteligentes e progressivos, com claro sinal redistributivo. Tributos que corrijam a injustiça típica dos mercados, que transformem serviços dignos num direito (não numa mercadoria acessível a quem pode pagar) e que garantam cidades e um país para todos.
6. Que são as Assembleias Populares e como elas podem preparar uma nova fase da mobilização?
Elas surgiram neste domingo (23/6): três em São Paulo, por iniciativa do Movimento Passe Livre; em Fortaleza, Brasília e Belo Horizonte (esta, com mais de 2 mil pessoas: texto, vídeo). As Assembleias Populares permitem que a população se encontre e converse horizontalmente, livre da massificação da TV. Estabelecem um ambiente propício a debater a situação do país e, em especial, a desenvolver a consciência dos direitos e a mobilização por eles. Se continuarem a se espalhar, é provável que desencadeiem, muito em breve, uma nova onda de manifestações, agora mais potente.
Não há receita para as Assembleias: podem reunir moradores de uma região ou pessoas interessadas em discutir coletivamente um tema específico; ocorrer numa praça, num salão, numa casa ou mesmo nos pontos de ônibus (veja o que o Periferia Ativa prepara para 25/6, em São Paulo).
Também não é preciso esperar por ninguém, para organizar uma Assembleia. Qualquer organização, ou grupo de pessoas, pode e deve fazê-lo. O importante é não desperdiçar um momento raro, em que as multidões deixaram a passividade e sentem-se empoderadas para debater seu futuro coletivo.
Outras Palavras participa, com outros coletivos e movimentos, da organização de uma assembleia nesta terça-feira (25/6, às 19h), na Praça Roosevelt, em São Paulo. Debaterá a Ditadura da Mídia e as formas de enfrentá-la. Já está difundida no Facebook (com mais de 500 pessoas confirmadas, ao meio-dia de 24/6). Estamos prontos para divulgar outras iniciativas. Para comunicá-las, basta escrever para mobilizacao@outraspalavras.net
7. Qual o sentido do discurso de Dilma e como os movimentos podem tirar proveito dele?
Mais uma singularidade brasileira: diante dos protestos das últimas semanas, a postura da presidente da República foi distinta das adotadas, desde 2011, por todos os governantes que enfrentaram revoltas similares. Os ditadores árabes reagiram a bala. Em toda a Europa, os dirigentes mantêm as políticas de ataque aos direitos sociais, mesmo diante de manifestações gigantescas e do descontentamento da opinião pública. Obama ignorou o Occupy. Sob intensa pressão das ruas, Dilma, ao contrário, saudou as manifestações (“Elas mostram a força de nossa democracia”). Em seu pronunciamento de 21/6 (vídeo | texto), sugeriu que “o impulso desta nova energia política” pode ajudar a “fazer, melhor e mais rápido, muita coisa que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas”.
Em 24/6, deu dois novos passos. Passou a receber os movimentos que iniciaram os protestos (ontem, o Passe Livre; hoje – 25/6 – o PeriferiaAtiva e os sem-teto ligados ao MTST). E lançou, em reunião com governadores de Estado e prefeitos das capitais, um movimento inesperado. Sugeriu pactos pela Educação, Saúde, Mobilidade Urbana e Responsabilidade Fiscal. Mais importante: defendeu a ideia de um plebiscito, para que a população decida sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte, encarregada de reformar o sistema político.
A última proposta despertou reação imediata. Políticos conservadores e ministros do Supremo Tribunal Federal opinaram que ela é inconstitucional (o que parece esdrúxulo, pois sugere que as instituições são irreformáveis). Tudo indica que, se levada adiante, a iniciativa enfrentará enorme resistência – tanto entre as elites quanto no próprio Congresso Nacional. O poder econômico não quer rever um sistema que lhe dá enorme influência sobre as decisões políticas. Os detentores de mandato preferem não mexer nas regras que os elegeram.
Mas como os movimentos sociais, e os que foram as ruas, podem enxergar a iniciatva de Dilma?
Concentrar atenção apenas na proposta de Constituinte pode levar à paralisia. É um tema árido, pouco debatido entre a sociedade. E embora haja ampla consciência sobre a necessidade da reforma política, há muitas controvérsias sobre algumas das mudanças que ela implica. O risco é que, ao se dedicarem a resolvê-las, os movimentos dividam-se e dispersem a energia necessária para manter e ampliar a grande maré de reivindicações.
Porém, talvez valha considerar uma resposta dupla. Por um lado, manter o foco na luta por direitos. Continuar estimulando as assembleias populares, a formulação de demandas, a presssão em favor delas. Lembrar que elas não virão sem lutas (embora tenha recibido o Passe Livre ontem, Dilma não sinalizou vontade de agir em favor de suas reivindicações).
Ao mesmo tempo, não seria inteligente desprezar a proposta estratégica da Constituinte e da Reforma Política. Também o Brasil tem instituições que “não nos representam”. Arcaicas, extremamente corrompíveis, fechadas à participação direta dos cidadãos, pouquíssimo transparentes, elas são um dos alicerces que sustentam a injustiça social, a desigualdade e o modelo de “desenvolvimento” hostil à natureza.
Para mudar o país, será preciso sacudi-las. Por isso, a luta pela Constituinte pode ser uma bandeira paralela às reivindicações por direitos. Quanto mais multiplicarem-se as lutas reivindicatórias, mais ficará claro que o sistema político é um obstáculo a elas; e que é preciso reinventar também a democracia. E quanto mais os atuais poderes estiverem sob ameaça de uma vasta reforma, mais seus ocupantes tenderão a ceder às pressões populares…
8. Por que o Brasil estará diante de uma encruzilhada, nos próximos meses? Que papel jogará a mobilização social ?
Alcançar a redução simultânea da tarifa de ônibus nas duas maiores metrópoles do país, além de diversas outras capitais e grandes municípios, é provavelmente um feito inédito. Para tanto, centenas de milhares de brasileiros venceram as bombas da polícia e as botas de chumbo da passividade. Ao pagar a passagem com desconto, dezenas de milhões estão refletindo que “é possível”… Mas os vinte centavos conquistados são ínfimos, diante da importância que a vitória poderá assumir nos próximos meses. Ela introduz, no período de turbulências que o Brasil tende a atravessar, a potência rebelde das mobilizações sociais.
Nos últimos dez anos, os conflitos pela riqueza social no país foram relativamente amenos. As maiorias – em especial os economicamente mais pobres – tiveram algum alívio. É algo que vai bem além do Bolsa-família. O valor dos benefícios sociais cresceu, em termos reais. O salário-mínimo subiu bem acima da inflação. O desemprego caiu para um dos patamares mais baixos do mundo (5,5%, segundo o IBGE). O percentual de assalariados com carteira assinada – e, portanto, direitos trabalhistas reconhecidos – cresceu de 46% para 54%. Com as quotas, as Universidades deixaram de ser território exclusivo das elites.
Mas do ponto de vista econômico, os muito ricos também não tiveram motivos de queixa. O consumo ampliado dos que eram antes muito pobres movimentou os negócios e lucros. Como o Estado retomou as grandes obras de infraestrutura e abriu programas como o Minha Casa, Minha Vida, setores como o das empreiteiras voltaram a sorrir. Mineração e agronegócio surfaram na onda de uma alta internacional do preço das matérias-primas. Os ganhos dos grandes aplicadores com os juros pagos pelo Tesouro (e, portanto, por nós) caíram bastante, mas ainda estão entre os mais altos do mundo.
Este cenário – que criou uma zona de conforto e inibia questionamentos e transformações mais profundas – está se desfazendo rapidamente, a partir de duas mudanças importantes no panorama internacional. As cotações de bens primários – hoje, cerca de 54% das exportações do país – voltaram a cair. Uma provável alta das taxas de juros nos Estados Unidos está atraindo parte maior da riqueza monetária que circula no planeta e tornando mais difícil, para outros países, captá-la. Como a economia brasileira internalizou-se e se desindustrializou, estes fenômenos têm impacto. Estão na raiz, por exemplo, da alta do dólar e da inflação – duas tendências que já passaram a dominar o noticiário da velha mídia (as manifestações os afastaram momentaneamente) e serão explorados com intensidade crescente, nos próximos meses.
Como de costume, os conservadores buscam, diante das dificuldades, convocar o moralismo e os impulsos (auto-)punitivos de uma sociedade majoritariamente cristã. A causa estaria na “incompetência” dos últimos governos. A saída “natural” seria “apertar os cintos”: partir para políticas de corte de serviços públicos e direitos sociais, como fazem os países europeus. O Brasil deveria mostrar “bom comportamento”, para reconquistar a “confiança” dos mercados internacionais…
Também na política, o moralismo procura impedir que se enxergue o que é atraente e proibido. O impasse das reformas sociais limitadas dos últimos dez anos não precisa revertê-las Pode, ao contrário, estimular mudanças muito mais profundas. Já não se tratará, neste caso, apenas de uma redistribuição superficial da riqueza, comandada pelo Estado.
O sinais de Primavera vividos nas últimas semanas sugerem que, numa época marcada por crise civilizatória e busca de novas perspectivas, o Brasil pode estar pronto a se rever e reinventar a partir de baixo. O melhor deflagrador é a luta por direitos. A transporte rápido, bom e barato. A viver no centro das cidades. A uma revisão completa de prioridades do investimento público nas metrópoles, que assegure serviços públicos de qualidade nas periferias. À redução da jornada de trabalho para 44 horas semanais, que o Congresso Nacional engaveta há anos. Para compreender a diversidade de pautas ligadas à garantia de vida digna – e seu potencial de mobilização – vale espiar a série de fotos que registra a passeata realizada por movimentos da periferia de São Paulo, em 25/6, ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado.
Mas também é hora de suscitar os direitos ligados à sociedade da informação. Internet gratuita e universal. Quebra do oligopólio da mídia e efetiva liberdade de expressão. Livre circulação do conhecimento e cultura, com revisão das leis retrógradas de propriedade intelectual. Retomada de projetos paralisados, como os Pontos de Cultura.
A pauta dos direitos aciona, imediatamente, a do combate à desigualdade e aos privilégios. São Paulo tem a maior frota de helicópteros civis do planeta (mais de 500, à frente de Nova York e Tóquio…), enquanto 6 milhões de pessoas chacoalham, às vezes três ou mais horas por dia, em ônibus lotados, sujos e desconfortáveis. O Brasil, que ocupa o 85ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, e cujas ferrovias permanecem sucateadas, é o segundo do mundo, em número de jatos executivos.
Mas a consciência da desigualdade não precisa conduzir a um distributivismo primário. Não se trata de “democratizar” o padrão atual de consumo, mas de recriar as lógicas de produção e distribuição de riquezas. Também neste aspecto, as jornadas das últimas semanas são inspiradoras. Lutou-se pelo transporte coletivo, um bem comum. Abriu-se caminho para debater, por exemplo, cidades livres da ditadura do automóvel ou da poluição dos rios. Educação e Saúde públicas de excelência e inovadoras. Um uso de eletricidade menos voraz e alienado, para permitir uma matriz de fontes energéticas mais limpa. Um modelo de desenvolvimento do campo que valorize e estimule não a produção de commodities em latifúndios “modernos”, com uso maciço de agrotóxicos – mas o pequeno produtor e a diversidade de nossas culturas alimentares.
Um reexame do país, há muito adiado, foi aberto. Como se viu, nada está assegurado. Os próximos dias e meses serão cheio de surpresas, novas possibilidades e riscos. Mas estamos em muito melhores condições de viver estas nova fase agora, quando as ruas mostraram seu rosto – e sua voz rouca…
Reproduzido de http://outraspalavras.net/brasil/primavera-ou-golpe-tudo/
sexta-feira, 26 de julho de 2013
Fármaco brasileiro melhora imunidade de cães com leishmaniose
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Estudo publicado recentemente na revista Acta Tropica mostrou que um fármaco desenvolvido no Brasil e batizado de P-MAPA (abreviação de agregado polimérico de fosfolinoleato-palmitoleato de magnésio e amônio proteico) melhorou o estado clínico e a imunidade de cães com sintomas de leishmaniose. Segundo os pesquisadores, a droga poderia ser usada como adjuvante no tratamento convencional.
A pesquisa foi realizada na Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba (FMVA), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e contou com apoio da FAPESP.
Foram selecionados 20 animais que apresentavam pelo menos três sinais característicos da doença, entre eles emagrecimento acentuado, alopecia, crescimento anormal das unhas e lesões de pele, em especial na ponta das orelhas.
Após a confirmação do diagnóstico, os cães foram separados em dois grupos. Metade foi tratada com injeções intramusculares de P-MAPA durante 45 dias. A outra metade recebeu apenas placebo durante o mesmo período.
“O grupo tratado apresentou uma clara melhora clínica, especialmente relacionada ao ganho de peso e massa muscular, recuperação das lesões cutâneas e crescimento de pelos em áreas de alopecia. Também analisamos uma série de parâmetros para ver se a imunidade celular havia aumentado”, contou Valéria Marçal Felix de Lima, professora da FMVA e coordenadora da pesquisa.
Nos animais infectados, contou a pesquisadora, a imunidade celular tende a diminuir à medida que a doença progride, o que favorece o aumento da carga parasitária.
Para verificar se a droga era capaz de evitar esse quadro, os pesquisadores realizaram uma biópsia de pele da orelha dos animais e analisaram a carga parasitária nas amostras por um método conhecido como PCR em tempo real (reação em cadeia da polimerase, na sigla em inglês).
Ao final do tratamento, os cães tratados com P-MAPA mostraram redução na carga parasitária de cem vezes comparado ao observado no início do tratamento. Além disso, comparado ao grupo controle, o tratamento com P-MAPA estimulou cinco vezes mais a produção de uma citocina chamada interferon gamma (IFNγ), responsável por ativar as células de defesa e favorecer o combate ao protozoário causador da doença.
O tratamento, por outro lado, reduziu em cerca de três vezes a quantidade de outra citocina chamada interleucina 10 (IL-10), capaz de desativar as células de defesa e permitir a proliferação do patógeno.
Para Lima, os resultados sugerem que o P-MAPA poderia ser usado como auxiliar no tratamento da leishmaniose em cães.
“As drogas hoje disponíveis não conseguem eliminar o parasita totalmente. O cão fica sujeito a recaídas. Além disso, são muito tóxicas para os animais”, contou a pesquisadora.
Até pouco tempo atrás, a legislação brasileira proibia o tratamento de cães infectados pelo protozoário Leishmania chagasi, pois acreditava-se que o sacrifício era a melhor forma de evitar a transmissão para humanos, que ocorre pela picada do mosquito-palha (Phlebotomus pappatasi). “Mas a legislação está se tornando mais flexível e aceitando o tratamento dos animais”, contou Lima.
Embora no artigo publicado na Acta Tropica os pesquisadores não tenham explorado os mecanismos de ação do medicamento, estudos anteriores mostraram que ele é capaz de estimular determinados receptores celulares relacionados à imunidade inata.
Considerado um imunomodulador, o P-MAPA já demonstrou resultados promissores no combate a alguns tipos de câncer e a outras doenças infecciosas, como tuberculose e malária. Leia mais em http://agencia.fapesp.br/15913.
A molécula foi desenvolvida a partir de substâncias existentes no fungo Aspergillus oryzae pela rede de pesquisa Farmabrasilis – entidade sem fins lucrativos criada em 2001 e constituída por cientistas brasileiros, chilenos, europeus e norte-americanos.
O artigo Improvement in clinical signs and cellular immunity of dogs with visceral leishmaniasis using the immunomodulator P-MAPA (doi: 10.1016/j.actatropica.2013.04.005), pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0001706X13001034.
Agência FAPESP – Estudo publicado recentemente na revista Acta Tropica mostrou que um fármaco desenvolvido no Brasil e batizado de P-MAPA (abreviação de agregado polimérico de fosfolinoleato-palmitoleato de magnésio e amônio proteico) melhorou o estado clínico e a imunidade de cães com sintomas de leishmaniose. Segundo os pesquisadores, a droga poderia ser usada como adjuvante no tratamento convencional.
A pesquisa foi realizada na Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba (FMVA), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e contou com apoio da FAPESP.
Foram selecionados 20 animais que apresentavam pelo menos três sinais característicos da doença, entre eles emagrecimento acentuado, alopecia, crescimento anormal das unhas e lesões de pele, em especial na ponta das orelhas.
Após a confirmação do diagnóstico, os cães foram separados em dois grupos. Metade foi tratada com injeções intramusculares de P-MAPA durante 45 dias. A outra metade recebeu apenas placebo durante o mesmo período.
“O grupo tratado apresentou uma clara melhora clínica, especialmente relacionada ao ganho de peso e massa muscular, recuperação das lesões cutâneas e crescimento de pelos em áreas de alopecia. Também analisamos uma série de parâmetros para ver se a imunidade celular havia aumentado”, contou Valéria Marçal Felix de Lima, professora da FMVA e coordenadora da pesquisa.
Nos animais infectados, contou a pesquisadora, a imunidade celular tende a diminuir à medida que a doença progride, o que favorece o aumento da carga parasitária.
Para verificar se a droga era capaz de evitar esse quadro, os pesquisadores realizaram uma biópsia de pele da orelha dos animais e analisaram a carga parasitária nas amostras por um método conhecido como PCR em tempo real (reação em cadeia da polimerase, na sigla em inglês).
Ao final do tratamento, os cães tratados com P-MAPA mostraram redução na carga parasitária de cem vezes comparado ao observado no início do tratamento. Além disso, comparado ao grupo controle, o tratamento com P-MAPA estimulou cinco vezes mais a produção de uma citocina chamada interferon gamma (IFNγ), responsável por ativar as células de defesa e favorecer o combate ao protozoário causador da doença.
O tratamento, por outro lado, reduziu em cerca de três vezes a quantidade de outra citocina chamada interleucina 10 (IL-10), capaz de desativar as células de defesa e permitir a proliferação do patógeno.
Para Lima, os resultados sugerem que o P-MAPA poderia ser usado como auxiliar no tratamento da leishmaniose em cães.
“As drogas hoje disponíveis não conseguem eliminar o parasita totalmente. O cão fica sujeito a recaídas. Além disso, são muito tóxicas para os animais”, contou a pesquisadora.
Até pouco tempo atrás, a legislação brasileira proibia o tratamento de cães infectados pelo protozoário Leishmania chagasi, pois acreditava-se que o sacrifício era a melhor forma de evitar a transmissão para humanos, que ocorre pela picada do mosquito-palha (Phlebotomus pappatasi). “Mas a legislação está se tornando mais flexível e aceitando o tratamento dos animais”, contou Lima.
Embora no artigo publicado na Acta Tropica os pesquisadores não tenham explorado os mecanismos de ação do medicamento, estudos anteriores mostraram que ele é capaz de estimular determinados receptores celulares relacionados à imunidade inata.
Considerado um imunomodulador, o P-MAPA já demonstrou resultados promissores no combate a alguns tipos de câncer e a outras doenças infecciosas, como tuberculose e malária. Leia mais em http://agencia.fapesp.br/15913.
A molécula foi desenvolvida a partir de substâncias existentes no fungo Aspergillus oryzae pela rede de pesquisa Farmabrasilis – entidade sem fins lucrativos criada em 2001 e constituída por cientistas brasileiros, chilenos, europeus e norte-americanos.
O artigo Improvement in clinical signs and cellular immunity of dogs with visceral leishmaniasis using the immunomodulator P-MAPA (doi: 10.1016/j.actatropica.2013.04.005), pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0001706X13001034.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Biossensor detecta pesticida na água, solo e alimentos
Agência USP
Um projeto de pesquisa conjunto entre o Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) resultou na idealização, construção e patenteamento de um biossensor que é capaz de, num curto espaço de tempo (minutos), detectar a existência do pesticida metamidofós na água, solo e alimentos contaminados. O estudo foi motivado pela existência de grandes índices do pesticida nos lençóis freáticos e nas grandes lavouras do Estado de Mato Grosso.
Izabela Gutierrez de Arruda, que atualmente é pós-graduanda no IFSC, é orientada pelo professor Romildo Jerônimo Ramos, da UFMT, e co-orientada por Nirton Cristi Silva Vieira. Durante seu mestrado na UFMT, ela decidiu abraçar o projeto conjunto com o IFSC por intermédio do professor Francisco Eduardo Gontijo Guimarães (ex-orientador de Nirton). A ideia de desenvolver o biossensor surgiu em um encontro realizado pelo Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO) e o projeto teve apoio da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O biossensor foi construído exclusivamente para detectar o pesticida metamidofós, mas ele está também preparado para ser adaptado para a detecção de outros pesticidas que pertençam às classes dos organofosforados ou carbamatos, o que aumenta a sua utilidade e importância. O metamidofós não só é largamente utilizado nos trabalhos agrícolas no Mato Grosso, como também em todo o País e, por ser extraordinariamente forte, penetra facilmente no solo e, consequentemente, nos lençóis freáticos. Devido a sua composição química, este pesticida interage livremente no sistema nervoso central do ser humano, atacando-o rapidamente, causando danos irreversíveis no cérebro, podendo levar à morte.
O sensor é de fácil construção, sendo constituído por uma película muito fina — nanométrica, onde é imobilizada a enzima acetilcolinesterase (exatamente igual a que existe no cérebro humano). Quando a enzima entra em contato com as moléculas do pesticida, sua ação é inibida, produzindo menos prótons quando comparado com a enzima sem a presença do pesticida: essa diferença de prótons é lida e mostrada num pequeno aparelho onde é introduzida essa película, acusando, assim, os índices de contaminação.
Resposta em poucos minutos
Para o professor Guimarães, este é um daqueles trabalhos que visam diretamente o bem-estar social e por isso a ideia foi patenteada. É o primeiro registro de patente da UFMT em quarenta anos de existência da universidade. Atualmente, todas as análises referentes a contaminação por pesticidas no Estado de Mato Grosso são enviadas para São Paulo ou Rio de Janeiro. Com este biossensor, pode não mais haver essa necessidade, pois o equipamento — do tamanho de um medidor de índices de diabetes —, cujo protótipo está sendo desenvolvido no IFSC, confere a resposta em poucos minutos.
A equipe de pesquisadores procura agora, preferencialmente, uma indústria nacional de biotecnologia que tenha interesse e que compre a ideia para a comercialização do aparelho completo (que poderá custar entre R$ 100,00 e R$ 200,00 cada unidade).
Izabela destaca que o trabalho é de âmbito social e de impacto ecológico. “Este pesticida é utilizado em larga escala no Mato Grosso e em muitas regiões do nosso País”, alerta. “Se a região do Pantanal poderá ser ameaçada por este pesticida, pela sua localização, outros países que fazem fronteira com o Brasil poderão sentir também esse perigoso efeito, até porque a contaminação pode chegar aos reservatórios de água potável e nos grandes rios do Estado”.
Confirmando a preocupação de Izabela, pesquisas feitas pelo professor Wanderlei Pignati, pesquisador da UFMT e um dos maiores especialistas nacionais em pesticidas, confirmou a presença de vários pesticidas nos principais rios, poços artesianos e, inclusive, em animais, no Mato Grosso. Outro trabalho de Pignati comprovou também a existência de índices de pesticidas no leite materno. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está com um processo aberto para banir esse pesticida do mercado, proibindo sua produção, tal como já acontece em vários países da União Europeia.
“O desenvolvimento desse trabalho incluiu conhecimentos das áreas da física, química, biologia, e ciência e engenharia de materiais, valorizando todo o aspecto relacionado com interdisciplinaridade”, comentam Izabela e Nirton. Além do registro de patente, um artigo foi aceito e outro foi enviado para revistas especializadas nas áreas de biossensores e nanotecnologia. Izabela recebeu recentemente uma Moção de Congratulações apresentada pela deputada estadual Luciane Bezerra (MT).
Reproduzido de http://www.plurale.com.br/
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Um projeto de pesquisa conjunto entre o Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) resultou na idealização, construção e patenteamento de um biossensor que é capaz de, num curto espaço de tempo (minutos), detectar a existência do pesticida metamidofós na água, solo e alimentos contaminados. O estudo foi motivado pela existência de grandes índices do pesticida nos lençóis freáticos e nas grandes lavouras do Estado de Mato Grosso.
Izabela Gutierrez de Arruda, que atualmente é pós-graduanda no IFSC, é orientada pelo professor Romildo Jerônimo Ramos, da UFMT, e co-orientada por Nirton Cristi Silva Vieira. Durante seu mestrado na UFMT, ela decidiu abraçar o projeto conjunto com o IFSC por intermédio do professor Francisco Eduardo Gontijo Guimarães (ex-orientador de Nirton). A ideia de desenvolver o biossensor surgiu em um encontro realizado pelo Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO) e o projeto teve apoio da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O biossensor foi construído exclusivamente para detectar o pesticida metamidofós, mas ele está também preparado para ser adaptado para a detecção de outros pesticidas que pertençam às classes dos organofosforados ou carbamatos, o que aumenta a sua utilidade e importância. O metamidofós não só é largamente utilizado nos trabalhos agrícolas no Mato Grosso, como também em todo o País e, por ser extraordinariamente forte, penetra facilmente no solo e, consequentemente, nos lençóis freáticos. Devido a sua composição química, este pesticida interage livremente no sistema nervoso central do ser humano, atacando-o rapidamente, causando danos irreversíveis no cérebro, podendo levar à morte.
O sensor é de fácil construção, sendo constituído por uma película muito fina — nanométrica, onde é imobilizada a enzima acetilcolinesterase (exatamente igual a que existe no cérebro humano). Quando a enzima entra em contato com as moléculas do pesticida, sua ação é inibida, produzindo menos prótons quando comparado com a enzima sem a presença do pesticida: essa diferença de prótons é lida e mostrada num pequeno aparelho onde é introduzida essa película, acusando, assim, os índices de contaminação.
Resposta em poucos minutos
Para o professor Guimarães, este é um daqueles trabalhos que visam diretamente o bem-estar social e por isso a ideia foi patenteada. É o primeiro registro de patente da UFMT em quarenta anos de existência da universidade. Atualmente, todas as análises referentes a contaminação por pesticidas no Estado de Mato Grosso são enviadas para São Paulo ou Rio de Janeiro. Com este biossensor, pode não mais haver essa necessidade, pois o equipamento — do tamanho de um medidor de índices de diabetes —, cujo protótipo está sendo desenvolvido no IFSC, confere a resposta em poucos minutos.
A equipe de pesquisadores procura agora, preferencialmente, uma indústria nacional de biotecnologia que tenha interesse e que compre a ideia para a comercialização do aparelho completo (que poderá custar entre R$ 100,00 e R$ 200,00 cada unidade).
Izabela destaca que o trabalho é de âmbito social e de impacto ecológico. “Este pesticida é utilizado em larga escala no Mato Grosso e em muitas regiões do nosso País”, alerta. “Se a região do Pantanal poderá ser ameaçada por este pesticida, pela sua localização, outros países que fazem fronteira com o Brasil poderão sentir também esse perigoso efeito, até porque a contaminação pode chegar aos reservatórios de água potável e nos grandes rios do Estado”.
Confirmando a preocupação de Izabela, pesquisas feitas pelo professor Wanderlei Pignati, pesquisador da UFMT e um dos maiores especialistas nacionais em pesticidas, confirmou a presença de vários pesticidas nos principais rios, poços artesianos e, inclusive, em animais, no Mato Grosso. Outro trabalho de Pignati comprovou também a existência de índices de pesticidas no leite materno. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está com um processo aberto para banir esse pesticida do mercado, proibindo sua produção, tal como já acontece em vários países da União Europeia.
“O desenvolvimento desse trabalho incluiu conhecimentos das áreas da física, química, biologia, e ciência e engenharia de materiais, valorizando todo o aspecto relacionado com interdisciplinaridade”, comentam Izabela e Nirton. Além do registro de patente, um artigo foi aceito e outro foi enviado para revistas especializadas nas áreas de biossensores e nanotecnologia. Izabela recebeu recentemente uma Moção de Congratulações apresentada pela deputada estadual Luciane Bezerra (MT).
Reproduzido de http://www.plurale.com.br/
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Os andares de quem constrói consciente
Duda Menegassi
Quem quer edificar seu futuro em pilares sustentáveis precisa investir em estruturas que permitam a cidade crescer e ainda assim, se manter ecológica. Consciente disso, a prefeitura de Vancouver se preocupa com ferramentas que correspondam ao crescimento populacional ao mesmo tempo em que atendam as metas para se tornar a cidade mais verde do mundo. As green buildings são uma das apostas da cidade para garantir seu desenvolvimento sustentável.
O conceito de green buildings foca principalmente na maior eficiência do uso de energia, água e materiais, para aumentar o aproveitamento e evitar desperdícios; e em reduzir os impactos ao meio ambiente sem reduzir o bem-estar dos moradores da construção. Como órgão certificador desse tipo de prédio, surgiu o LEED (Leadership in Energy and Environmental Design). A LEED é uma ferramenta para medir o nível de sustentabilidade de uma construção, reconhecida à nível internacional, que certifica os merecedores numa escala: Silver, Gold e Platinum, sendo este último a mais alta posição possível.
O LEED leva em conta sete categorias para avaliar uma edificação. São eles: espaço sustentável, eficiência no uso da água, energia e atmosfera, materiais e recursos, qualidade ambiental interna e créditos de prioridade regional. Ou seja, são relevados aspectos como o respeito ao ecossistema durante a implementação do edifício, uso consciente da água e da energia, a eficiência energética, o uso de materiais recicláveis ou reciclados e a geração de resíduos. Essa soma dá o resultado que a cidade de Vancouver espera para 2020, a redução em 20% do uso de energia e das emissões de efeito estufa em residências, comparada aos níveis de 2007.
Para garantir que seu futuro será construído com selo verde, Vancouver decretou em julho de 2010 que todas as novas construções necessitam preencher ao menos os quesitos de prédios industriais com certificação de ouro da LEED. E esticando o olhar ao horizonte, exigirá a partir de 2020 que todos os prédios construídos sejam neutros de carbono em operações.
Em 2010, foi construído em Vancouver o primeiro prédio residencial do Canadá que gera toda a energia que necessita por conta própria. Para tal, os padrões normais de consumo de eletricidade foram reduzidos com medidas que levaram em conta o acesso à luz solar, o sombreamento e a ventilação natural. Um sistema de recuperação de calor e placas de energia solar garante a água quente. Além disso, os moradores foram estimulados a diminuir o uso de energia, com medidas simples que evitam o desperdício. O esforço foi premiado com a certificação mais alta da LEED, Platinum.
Apartamentos com paredes externas envidraçadas garantem o máximo aproveitamento da luz do dia – que durante o verão em Vancouver vai até às dez da noite. E as janelas abertas permitem que as correntes de ar natural substituam o ar condicionado. Telhados literalmente verdes, com grama e árvores, também colaboram para manter o prédio fresco. “Não há lugar como o nosso lar”, ensina a sabedoria popular, nada mais adequado, então, do que fazer que a casa de cada indivíduo respeite o grande lar que é o planeta Terra.
Reproduzido do Jornal O ECCO
http://www.oeco.org.br/
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