quinta-feira, 30 de junho de 2011

Centrais sindicais criticam fusão entre varejistas

Temendo demissões e alta de preços, sindicalistas reagem à ação arquitetada entre governo e Pão de Acúçar

As Centrais Força Sindical, CUT e UGT criticaram a fusão entre a rede francesa de supermercados Carrefour e o Grupo Pão de Açúcar, anunciada terça-feira (28), alertando sobre eventuais demissões nas lojas, monopolização do varejo e uso de R$ 4 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na transação.

“A UGT manifesta sua contrariedade a que recursos públicos, oriundos dos trabalhadores, sejam direcionados para financiar o nascimento de um gigante monopolista de proporções nunca vistas em toda a história brasileira”, reagiu a central.

Ricardo Patah, presidente da entidade e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, que representa os funcionários das duas redes, garantiu que a preocupação maior é com o trabalhador. “Como as duas empresas têm sede em São Paulo, há cargos administrativos que devem se sobrepor. Queremos a manutenção de empregos”, disse.

A Força Sindical atentou para um eventual monopólio no segmento. “A fusão pode ser o início de uma concentração predatória, que poderá gerar monopólio no setor varejista”. A entidade defende que a “concentração não pode ditar regras no mercado, com impacto negativo para os consumidores, como a administração de preços”.

O presidente da CUT, Artur Henrique, afirmou que a central é contra o uso de recursos do BNDES em fusões de empresas privadas. “Quem ganha com isso? Qual o beneficio para a sociedade? Essa concentração em verdadeiros monopólios não vai fazer com que os preços aos consumidores sejam cada vez mais elevados?”, questionou.

Governo

A compra das ações do Carrefour no Brasil ainda não foi acertada, já que um imbróglio acionário promete emperrar a decisão. O grupo francês Casino, sócio do Pão de Açúcar que almeja o controle majoritário a partir de 2012, pretende barrar a fusão. O Casino é o principal concorrente do grupo Carrefou na França.

O governo brasileiro defende a ideia de que com os r$ 4 bilhões que o BNDES pretende investir na fusão, o mercado varejista brasileiro teria um gigante nacional, não internacional. o líder do governo no senado Romero Jucá, afirmou que a empresa de Abílio Diniz passaria a ser um “player” internacional, caso ocorra a fusão.

No entanto, a operação de fusão daria ao pão de açúcar o controle de apenas 11% das ações do Carrefou em nível mundial.

(com agência sindical)
Brasil De Fato

Onde mora a inteligência


por Rubem Alves*

Retorno ao lugar onde parei, na Escola da Ponte, em Portugal (Veja aqui, aqui e aqui). A menina que me levava me havia dito umas coisas que me espantaram por não combinarem com aquilo que eu pensava saber sobre as escolas. Foi então que me veio à cabeça a sabedoria do Riobaldo: “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Sem intenção consciente, o dito do Riobaldo passou por uma transformação pedagógica e virou “a inteligência não está na saída nem na chegada, ela se dispõe para a gente é no meio da travessia”. A inteligência acontece no “estar indo”. Quando ela não está indo, ela está dormindo…

Lembrei-me dos meus anos de ginásio, a pedagogia que os professores usavam naqueles tempos, e não sei se as coisas mudaram, porque o hábito tem um poder muito grande… Pois os professores me ensinaram as coisas que estavam na chegada, mas não me contaram como foi que a travessia tinha sido feita.

O professor entrou em sala e anunciou: equação do segundo grau. Aí, ele se pôs a falar e a escrever símbolos no quadro negro. Aprendi automaticamente, sem entender, porque tinha memória boa: “x = -b + ou – raiz quadrada de b2 – 4ac sobre 2a”. Lembro-me de um colega que não havia entendido a coisa, estava perturbado com o símbolo “x” e veio me perguntar: “Afinal, qual é mesmo o valor de “x”?

Eu sabia que a fórmula para se determinar o valor de “x” não havia caído dos céus. Ela aparecera na cabeça de algum matemático que a deduzira séculos atrás depois de uma longa travessia numa jangada feita de pensamentos. O dito matemático a descobriu porque seus pensamentos estavam infelizes. “Ostra feliz não faz pérola”. O que é dor para a ostra é uma interrogação para a cabeça.

Mas por onde o pensamento matemático navegou para fazer a travessia, isso o professor não ensinou. É possível que ele não soubesse, ou que achasse que isso não importava. Para que entender a gravidez se o nenê já nasceu? O que importa é comer o bolo e não saber a receita…

Me ensinaram também as três leis dos movimentos dos planetas que Kepler descobriu, curtinhas, fáceis de guardar na memória. Mas essas três leis na minha memória em nada contribuíram para dar poder à minha inteligência. Enquanto a memória trabalhava para decorar a “chegada”, minha inteligência dormia. Nada me contaram sobre os caminhos fascinantes por onde errou o pensamento do astrônomo por dezoito anos. Uma hipótese errada atrás da outra, um caminho que não levava a lugar algum depois do outro. Por que gastar tempo com os erros da “travessia”, se se pode ir diretamente à “chegada”, conclusão? Não se percebe que, ao assim proceder, o aluno ganha uma memória musculosa e uma inteligência flácida…

Pensar é como escalar montanhas. Um alpinista recusaria o caminho rápido e seguro de chegar ao topo da montanha via helicóptero, sem sofrer e sem suar. Onde está a graça? O que ele deseja são os medos, os calafrios, os desafios da montanha, o que ele vê enquanto sobe… A arte de pensar se ensina fazendo a inteligência seguir o caminho da travessia, com todos os seus erros e enganos.

PS: Se você ficou curioso sobre a história da equação de segundo grau, consulte o Google.

* Rubem Alves é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp.

** Publicado originalmente no Portal Aprendiz.
Envolverde

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Altamira. Conflitos anunciados


Tensão em Altamira tende a se acentuar com a chegada de um grande número de pessoas e o êxodo de moradores que serão desalojados por Belo Monte.


JBNem mesmo a hidrelétrica de Belo Monte ensaia sair do papel, já começaram os conflitos na região de Altamira, no Pará. Previsto desde as discussões iniciais sobre o projeto, os problemas imobiliários se alastram por toda parte. Dezenas de famílias já estão desalojadas. Elas são oriundas de áreas conhecidas como baixões, que serão alagados pela usina. Outras tantas estão a caminho da cidade sob a promessa de que lá encontrão mais oportunidades de trabalho e melhor qualidade de vida.

O medo do possível alagamento e a incerteza em relação às indenizações prometidas pelo governo federal e pelo consórcio Norte Energia – responsável pela obra –, tem provocado a mudança de dezenas dessas famílias para terrenos que ficam às margens de Altamira, ou mesmo para a própria cidade, onde a especulação imobiliária e a procura por casas têm elevado de forma vertiginosa o preço dos aluguéis.

Para Éden Magalhães, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), há uma forte pressão sobre as comunidades da periferia de Altamira. “Os moradores não sabem até hoje para onde irão quando da desocupação de suas terras. Sabem somente que a região será alagada pelo lago da usina. Nem o governo nem a Norte Energia esclarecem para onde serão deslocados.”

Em fuga dos eminentes perigos que a obra já os traz, esses moradores têm sido vítimas das mais sórdidas artimanhas. Os que ocuparam terrenos em Altamira estão, violentamente, sendo retirados dos locais, sob a alegação de que se trata de áreas particulares, ou até mesmo pertencentes à Eletronorte, como no caso das 90 famílias que foram obrigadas a desocupar um terreno, no início da semana, pela Polícia Militar.

Em outros casos, famílias estão sendo ameaçadas e até coagidas a deixarem suas propriedades. O clima na região já é tenso e tende a se agravar ainda mais com a criação de uma população de sem tetos na região, oriunda de desalojados e homens e mulheres em busca de uma vida melhor.

Mais do mesmo

A exemplo de outros empreendimentos encabeçados pelo Estado, como o Complexo do Rio Madeira, em Rondônia, e a Transposição do Rio São Francisco, no Nordeste, não se pode esperar melhor qualidade de vida, riquezas, ou desenvolvimento econômico, urbano e social. Ao contrário. Esse tipo de empreendimento tende a marginalizar os mais pobres e a propiciar o acúmulo de capital somente aos grandes empresários e latifundiários.

Em Rondônia, com as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, a população se viu crescer assustadoramente em quantidade, mas não em qualidade. Os registros de conflitos armados, uso de drogas e álcool, abuso e exploração sexual cresceram. Seguindo o mesmo ritmo, o desemprego também alcançou patamares ainda mais altos. Não há infraestrutura nem atendimento à saúde, educação e segurança eficientes e eficazes que atendam a todas as demandas da numerosa população.

Em documento entregue em maio deste ano às autoridades em Brasília, a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, denunciou que, além das violações trabalhistas encontradas nas obras do Complexo do Madeira, o índice de migração foi 22% maior que o previsto, os casos de estupro aumentaram em 208% e quase 200 crianças permaneceram fora da escola.

Quando da publicação do relatório, eles ainda denunciaram surtos de viroses, jornadas excessivas de trabalho e outras más condições que a obra ocasionou. Os cerca de 21 mil trabalhadores da hidrelétrica de Jirau reclamam da piora na qualidade de vida. Estão sem casas de alvenaria, longe de suas terras, onde plantaram e colhiam, e do rio, onde pescavam, além de receberem renda inferior ao que recebiam anteriormente.

Assim como Rondônia, Altamira não tem capacidade para receber o grande número de pessoas que a obra levará para a região. Os problemas ambientais, sociais e econômicos se repetirão. O maior medo então é que todas as violações de direitos humanos verificadas na obra do Complexo do Rio Madeira sejam também apontadas quando da construção de Belo Monte.

No caso da Transposição, obra polêmica, que supostamente beneficiaria a região Nordeste e semiárida do Brasil, exemplos do insucesso do projeto não faltam. A obra atinge somente 5% do território nordestino e 0,3% da população do semiárido, beneficiando os grandes agricultores e latifundiários, pois grande parte do projeto passa por essas propriedades, e não onde está o povo da região. Se concretizada, a Transposição ainda afetará todo o ecossistema ao redor do Rio São Francisco.

Polêmica maior da obra questiona ainda a quem servirá a Transposição. O projeto não resolverá o problema das populações difusas, pois a água além de abastecer as grandes fazendas, abastecerá as populações urbanas do Nordeste. O Rio São Francisco é ainda fonte de alimento e renda para diversos povos indígenas, comunidades quilombolas e pescadores tradicionais. O projeto não servirá também a eles, que já sentem os graves impactos e danos ambientais da obra.

Para Magalhães, a situação em Altamira não será diferente da vivida pela população de Rondônia e demais áreas onde existem empreendimentos do governo federal. Por isso, ele acredita que somente com a população altamirense mobilizada e conscientizada sobre os verdadeiros impactos da obra será possível barrar Belo Monte, caso contrário a situação se repetirá em diversas regiões do país.

* Publicado originalmente pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e retirado do site IHU On-Line.Envolverde

terça-feira, 28 de junho de 2011

“A geopolítica angloamericana”


Desde século XVI, EUA e Inglaterra desenvolvem, com êxito, estratégias interessadas em “dominar o mundo”. Mas para onde expandi-lo, agora?


“Venho hoje reafirmar uma das mais antigas,
uma das mais fortes alianças que o mundo já viu.
Há muito é dito que os Estados Unidos e a Grã Bretanha
compartilham de uma relação especial”
Barack Obama: “Discurso no Parlamento Britânico”, em 25/5/ 2011




Por José Luís Fiori


Existe uma idéia generalizada de que a Geopolítica é uma “ciência alemã”, quando na verdade ela não é nem uma ciência, nem muito menos alemã. Ao contrário da Geografia Política, que é uma disciplina que estuda as relações entre o espaço e a organização dos estados, a Geopolítica é um conhecimento estratégico e normativo que avalia e redesenha a própria geografia, a partir de algum projeto de poder específico, defensivo ou expansivo. O “Oriente Médio”, por exemplo, não é um fenomeno geográfico, é uma região criada e definida pela política externa inglesa do século XIX, assim como o “Grande Médio Oriente”, é um sub produto geográfico da “guerra global ao terrorismo”, do governo Bush, do início do século XXI. Por outro lado, a associação incorreta, da Geopolítica com a história da Alemanha, se deve a importância que as idéias de Friederich Ratzel (1844-1904) e Karl Haushofer (1869-1946) tiveram – direta ou indiretamente – no desenho estratégico dos desastrosos projetos expansionistas da Alemanha de Guilherme II (1888-1918) e de Adolf Hiltler (1933-1945). Apesar disto, as teorias destes dois geógrafos transcenderam sua origem alemã, e idéias costumam reaparecer nas discussões geopolíticas de países que compartilham o mesmo sentimento de cerco militar e inferioridade na hierarquia internacional. Mas a despeito disto, foi na Inglaterra e nos Estados Unidos que se formularam as teorias e estratégias geopolíticas mais bem sucedidas da história moderna.

Sir Walter Raleigh (1554-1618), conselheiro da Rainha Elizabeth I, definiu no fim do século XVI, o princípio geopolítico que orientou toda a estratégia naval da Inglaterra, até o século XIX. Segundo Raleigh, “quem tem o mar, tem o comércio do mundo, tem a riqueza do mundo; e quem tem a riqueza do mundo, tem o próprio mundo”. Muito mais tarde, quando a marinha Britânica já controlava quase todos os mares do mundo, o geógrafo inglês Halford Mackinder (1861-1947) formulou um novo princípio e uma nova teoria geopolítica, que marcaram a política externa inglesa do século XX. Segundo Mackinder, “quem controla o “coração do mundo” comanda a “ilha do mundo”, e quem controla a ilha do mundo comanda o mundo”. A “ilha do mundo seria o continente eurasiano, e o seu “coração” estaria situado – mais ou menos – entre o Mar Báltico e o Mar Negro, e entre Berlim e Moscou. Por isto, para Mackinder, a maior ameaça ao poder da Inglaterra seria que a Alemanha ou a Rússia conseguissem monopolizar o poder dentro do continente eurasiano. Uma idéia-força que moveu a Inglaterra nas duas Guerras Mundiais, e que levou Winston Churchill a propor – em 1946 — a criação da “Cortina de Ferro” que deu origem a Guerra Fria.

Do lado norte-americano, o formulador geopolítico mais importante da primeira metade do século XX, foi o Almirante Alfred Mahan (1840-1914), amigo e conselheiro do Presidente Theodor Roosevelt, desde antes da invenção da Guerra Hispano-Americano, no final do século XIX. A tese geopolítica fundamental de Mahan, sobre a “importância do poder naval na história”, não tem nenhuma originalidade. Repete Walter Raleigh, e reproduz a história da Marinha Britânica. E o mesmo acontece com as idéias de Nicholas Spykman (1893-1943), o geopolítico que mais influenciou a estratégia internacional dos EUA na segunda metade do século XX. Spykman desenvolve e muda um pouco a teoria de Mackinder, mas chega quase às mesmas conclusões e propostas estratégicas. Para conquistar e manter o poder mundial, depois da Segunda Guerra, Spykman recomenda que os EUA ocupem o “anel” que cerca a Rússia, do Báltico até a China, aliando-se com a Grã Bretanha e a França, na Europa, e com a China, na Ásia.

No cômputo final, o que diferencia a geopolítica anglo-americana é a sua pergunta fundamental: “que partes do mundo há que controlar, para dominar o mundo”. Ou seja, uma pergunta ofensiva e global, ao contrário dos países que se propõem apenas a conquista e o controle de “espaços vitais” regionais. Além disto, a Inglaterra e os EUA ganharam, e no início do século XXI, mantém sua aliança de ferro com o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia: derrotaram e cercaram a Rússia; mantém seu protetorado atômico sobre a Alemanha e o Japão; expandiram sua parceria e seu cerco preventivo da China; estão refazendo seu controle da África; e mantém a América Latina sob a supervisão da sua IVº Frota Naval. E acabam de reafirmar sua decisão de manter sua liderança geopolítica mundial.

Existe, entretanto, uma grande incógnita no horizonte geopolítico anglo-americano. Uma vez conquistado o poder global, é indispensável expandi-lo, para mantê-lo. Mas, para onde expandi-lo?


José Luís Fiori é professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, e autor do livro “O Poder Global”, da Editora Boitempo, 2007
Outras Palavras

sábado, 25 de junho de 2011

Sustentabilidade na escola

André Trigueiro

Já reparou que, quando o assunto é educação, tudo no Brasil é urgente? Salários dignos para os professores, escolas bem aparelhadas, universalização digital, etc. Educação é um raríssimo consenso nacional e, apesar disso, a impressão que fica é a de que os avanços, embora existam, se diluem frente a tantas demandas urgentes.

Tão preocupante quanto a extensa lista de prioridades – o que deveria inspirar um grande projeto nacional apartidário e de longo prazo – é reconhecer que os debates sobre modernização dos conteúdos pedagógicos ficam invariavelmente em segundo plano. Uma escola descontextualizada de seu tempo, encapsulada nas rotinas burocráticas que apequenam sua perspectiva transformadora, está condenada ao marasmo que entorpece sua história e o seu legado. É uma escola que não consegue mobilizar professores, alunos e a comunidade ao seu redor em torno de objetivos comuns que emprestem sentido à existência da própria instituição.

Qual a função social da escola num mundo que experimenta uma crise ambiental sem precedentes na história da humanidade? Nossa capacidade de redesenhar o modelo de desenvolvimento e construir uma nova cultura baseada em valores sustentáveis depende fundamentalmente da coragem de mudar o que está aí. Que ajustes poderiam ser aplicados à grade curricular para tornar essa escola mais apta a preparar esses jovens para os imensos desafios que temos pela frente? Que novos gêneros de informação deveriam mobilizar a comunidade escolar na busca por respostas para questões pontuais sobre as quais não é mais possível negar a importância ou a urgência do enfrentamento? Como preparar essas novas gerações para um mundo que projeta um futuro difícil e extremamente desafiador em função das mudanças climáticas, escassez de água doce e limpa, produção monumental de lixo, destruição sistemática da biodiversidade, transgenia irresponsável, crescimento desordenado e caótico das cidades, entre outros fatores que geram desequilíbrio e instabilidade?

O mundo mudou e a educação deve acompanhar as mudanças em curso. Nossa espécie é responsável pelo maior nível de destruição jamais visto em nenhum outro período da história e, se somos parte do problema, devemos ser parte da solução. Mas não há solução à vista sem educação de qualidade e urgente que estabeleça novas competências, novas linhas de investigação científica, um novo entendimento sobre o modelo de desenvolvimento em que estamos inseridos e a percepção do risco iminente de colapso. Precisamos promover uma reengenharia de processos em escala global que inspire novos e importantes movimentos em rede. Isso não será possível sem as escolas.

A escola de hoje deve ser o espaço da reinvenção criativa, um laboratório de ideias que nos libertem do jugo das “verdades absolutas”, dos dogmas raivosos que insistem em retroalimentar um modelo decadente. Pobres dos alunos que passam anos na escola sem serem minimamente estimulados a participar dessa grande “concertação” em favor de um mundo melhor e mais justo. Quantos talentos adormecidos, quanto tempo e energia desperdiçados, quanta aversão acumulada ao espaço escolar justamente pelo desinteresse brutal e legítimo da garotada a algo que não lhes toca o coração, não lhes instiga positivamente o intelecto, não lhes nutre o espírito? Qual o futuro dessa escola? São cadáveres insepultos.

Uma escola que use a sustentabilidade como mote desse revirão pedagógico amplo e inovador terá como princípio ético a construção de um mundo onde tudo o que se faça, onde quer que estejamos, considere os limites dos ecossistemas, a capacidade de suporte de um planeta onde os recursos são finitos. Temos ciência, tecnologia e conhecimento para isso. Novas gerações de profissionais das mais variadas áreas serão desafiados a respeitar esse princípio sem prejuízo de sua atividade fim. Tudo isso poderia ser resumido em uma palavra: sobrevivência. A mais nobre missão das escolas no Século 21 será nos proteger de nós mesmos.
Mercado Ético

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Dilma: salve nossas florestas



Assine a petição

A Câmara dos Deputados acaba de aprovar o esvaziamento do Código Florestal brasileiro. Se não nos mobilizarmos agora, enormes extensões de nossas florestas poderão ficar vulneráveis a um devastador desmatamento.

O projeto de lei gerou revolta e protestos generalizados em todo o país. E a tensão está subindo: nas últimas semanas diversos ativistas ambientais respeitados foram assassinados, supostamente por matadores contratados por madeireiros ilegais. É essencial agir agora mesmo. Estão tentando silenciar qualquer crítica enquanto a lei está sendo discutida no Senado. Mas a presidente Dilma tem o poder de vetar as mudanças se conseguirmos persuadi-la a superar a pressão política e assumir o papel de uma verdadeira líder em questões ambientais.

Setenta e nove por cento dos brasileiros querem que Dilma vete as mudanças no Código Florestal, mas nossas vozes estão sendo desafiadas por lobbies de madeireiros. Agora, depende de todos nós nos mobilizarmos para calar esses lobbies. Vamos nos unir agora em um gigantesco apelo para dar fim aos assassinatos e à exploração ilegal de madeira e salvar nossas florestas. Assine o abaixo-assinado a seguir - ele será entregue a Dilma assim que conseguirmos 500.000 assinaturas.AVAAZ.Org

Assine a petição

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Espanha: e agora?



Após mega-manifestações em dezenas de cidades, dois articuladores do movimento dos “indignados” debatem o futuro e afirmam: “apenas começamos”

Por Josep Maria Antentas e Esther Vivas | Tradução: Antonio Martins

A indignação superou outra vez todos os cálculos, tomando maciçamente as ruas e mostrando a brecha aberta entre o mal-estar social e as políticas adotadas nas instituições. De 15 de maio a 19 de junho, acumularam-se forças e se teceram cumplicidades, não apenas no local (acampamentos e bairros), mas igualmente com amplos setores sociais que se sentiram identificados com nossa crítica rotunda à classe política e a um sistema bancário e financeiro a quem responsabilizamos pela crise atual. O lema “não somos mercadorias em mãos de políticos e banqueiros” sintetiza as duas demandas.

As e os indignados manifestaram-se sem ambiguidades, àqueles que sucumbiram aos “mercados” e que, exigindo políticas de cortes orçamentários, não as aplicaram a si mesmos. “Queremos políticos mileuristas” [gíria espanhola para quem recebe salários próximos de mil euros mensais], era uma das consignas aplaudidas com entusiasmo na manifestação. A democracia atual torna-se cada vez mais vazia de conteúdo, para uma cidadania com vontade de decisão e de controle sobre suas próprias vidas. Um voto a cada quatro anos não é suficiente para quem reivindica a política como exercício quotidiano de seus direitos, no dia a dia, e de baixo para cima.

O cerco conservador e midiático ao movimento, após a ação diante do parlamento catalão, em 15 de junho, não suportou uma indignação social coletiva que vai além dos e das acampadas. Equivoca-se quem pense que o movimento é coisa de jovens ou ativistas. Ou quem o considere em mero problema de ordem pública. Os “mesmos de sempre” agora são muitos. Dois anos e nove meses de crise pesam. O movimento expressa uma corrente profunda de mal-estar social, que finalmente emergiu e, como é de hábito, de modo imprevisto e com formas inovadoras. Não estamos diante de um fenômeno conjuntural ou passageiro. Vivemos as primeiras ondas de um novo ciclo de mobilizações, lançado pelas manifestações de 15 de maio e os acampamentos que se seguiram.


Na mesma data, as ruas tomadas de Barcelona

De 15 de maio a 19 de junho, recuperou-se a confiança na ação coletiva. Passou-se do ceticismo e resignação ao sí, se puede. As revoltas no mundo árabe, as mobilizações na Grécia e o “não pagaremos a crise” do povo islandês pesaram com força no imaginário coletivo. Deram-lhe poderoso impulso, permitindo recuperar a confiança no “nós”. A globalização das resistências, daquele movimento altermundista que já tem mais de dez anos, revive de novo, num cenário bem distinto, marcado pela crise.

Depois da jornada de 15 de junho, em que o movimento viu-se imerso numa batalha pela legitimidade, as manifestações de domingo eram um teste para mostrar solidez diante dos ataques recebidos. Tratava-se de traduzir em ação nas ruas as simpatias populares despertadas. Assim foi. O 19 de junho mostrou a ampliação do movimento, sua capacidade de mobilização de massas e sua explosiva expansão, em tempo muito curto. O crescimento, em comparação a maio, não é apenas quantitativo, mas também qualitativo, em termos de diversificação da base social e composição generacional.

E agora? Os desafios do movimento incluem reforçar seu enraizamento territorial, estimular assembleias locais e mecanismos de coordenação estáveis. Trata-se, também, de buscar laços com a classe trabalhadora, os setores em luta e o sindicalismo combativo, e manter a pressão sobre os sindicatos majoritários – desconcertados por uma mudança no panorama político e social que não previam.

E preciso conseguir vitórias concretas. Embora seja vitória parcial, o bloqueio de muitos despejos de moradores endividados aponta o caminho e soma novas energias. Visto de modo mais amplo, o movimento enfrenta o desafio de combinar seu caráter generalista, de crítica global ao atual modelo econômico e à classe política, com o fortalecimento das lutas concretas contra os cortes de serviços públicos e as políticas que procuram transferir o custo da crise para os de baixo.

O 19 de junho marcou um ponto de inflexão que encerra a primeira fase aberta com o 15 de maio e prepara a etapa seguinte, de um movimento que apenas começou.

* Josep Maria Antentas é professor de sociologia da Universidade Autônoma de Barcelona. Esther Vivas é membro do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais da Universidade Pompeu Fabra. Ambos participaram ativamente da organização dos acampamentos que ocuparam praças no Estado espanhol, entre 15 de maio e 12 de junho. Agora, ajudam a articular a luta contra banqueiros e políticos — e por uma nova democracia.
Outras palavras

segunda-feira, 20 de junho de 2011

IPCC estuda geoengenharia para minimizar aquecimento


por Fabiano Ávila, do CarbonoBrasil

Talvez motivada pela lentidão das negociações climáticas, entidade sugere que cientistas avaliem possibilidades para refletir os raios solares e até o depósito de ferro nos oceanos para estimular o crescimento de algas que absorvam o CO2.

O jornal britânico The Guardian teve acesso a documentos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) destinados para os cientistas que formam o grupo de trabalho em geoengenharia da entidade e revelou que utilizar essa opção para lidar com as mudanças climáticas está sendo considerada com seriedade.

O grupo de cientistas se reunirá na próxima semana em Lima, no Peru, e tem como principal objetivo fornecer sugestões para os governos de quais tecnologias de geoengenharia seriam mais eficientes e seguras.

Entre as propostas que o IPCC pede para serem avaliadas estão:

- Dispersar aerossóis de enxofre na estratosfera para refletir parte dos raios solares de volta para o espaço;

- Depositar grandes quantidades de ferro nos oceanos para o crescimento de algas que absorvam o CO2;

- Realizar a bioengenharia de culturas agrícolas para que tenham uma cor que reflita os raios solares;

- Suprimir a formação de nuvens do tipo cirrus, que agem acentuando o efeito estufa.

De acordo com o The Guardian, outras medidas que podem ser estudadas são a dispersão de partículas de água do mar nas nuvens para que reflitam os raios solares, a pintura de branco das estradas e telhadas em todo o mundo e diferentes maneiras de capturar e armazenar os gases do efeito estufa.

Apesar das idéias parecerem ficção científica, algumas delas já foram inclusive tiradas do papel. No começo de 2009, um navio de pesquisas alemão carregado com 20 toneladas de sulfato de ferro partiu em direção à Antártica com o objetivo de injetar o material no fundo do oceano. A operação acabou sendo suspensa no último momento pelo governo alemão que atendeu aos pedidos da comunidade internacional.

Realizar projetos de geoengenharia sempre levantou muita polêmica, tanto que em 2010 a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) aprovou uma moratória desse tipo de iniciativa. Entretanto, a moratória permite a continuidade de estudos em pequena escala em circunstâncias controladas.

Mesmo a Sociedade Americana de Meteorologia (AMS), entidade que defende o uso da geoengenharia, alerta que ainda são necessários muitos estudos antes que seja feita qualquer alteração de grande porte nos sistemas terrestres.

“O potencial para ajudar a sociedade, assim como os riscos de consequências inesperadas, exigem mais pesquisas, regulamentações e transparência nas iniciativas”, ressalta a instituição.

Contrários até mesmo a continuidade de estudos sobre o assunto, 125 grupos ambientais e de direitos humanos de 40 países, incluindo a Friends of the Earth International e a Via Campesina, entregaram uma carta nesta semana para o presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, alertando que a entidade não tem competência para avaliar a opção da geoengenharia.

“Perguntar a um grupo de cientistas que trabalham com geoengenharia se é preciso fazer mais pesquisas sobre o assunto é igual perguntar se um urso quer mel”, afirma a carta. Segundo os ambientalistas, essa não é uma questão apenas cientifica, é política.

A geoengenharia voltou a ganhar força depois que foi registrado que em 2010 as emissões bateram um novo recorde histórico, apesar de todas as promessas dos governos mundiais. De acordo com a Agência Internacional de Energia, o ano passado registrou a emissão de 30,6 gigatoneladas de dióxido de carbono.

Além disso, o ritmo das negociações internacionais está muito lento, tornando praticamente impossível que seja criado um acordo climático global nos próximos meses.

A própria presidente da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), Christiana Figueres, afirmou que talvez seja preciso adotar tecnologias mais radicais para conter o aquecimento em no máximo 2°C e evitar as piores consequências das mudanças climáticas.

“Nós estamos nos colocando em uma situação onde precisaremos utilizar métodos mais drásticos para retirar as emissões da atmosfera”, concluiu Figueres.
Envolverde

terça-feira, 14 de junho de 2011

Toni Negri vê a Espanha rebelde

Por Antonio Negri | Tradução: Bruno Cava



De dentro das praças e acampamentos, filósofo e militante italiano discute formas de organização, demandas e perspectivas do movimento na Espanha

Na última semana, estive na Espanha a trabalho. Estive naturalmente envolvido com os “indignados”: atravessei algumas praças e acampamentos, questionei e discuti com muitos companheiros. Quem são os “indignados”? Não pretendo responder — há dezenas de narrativas facilmente encontráveis sobre isso. Relato aqui somente alguns apontamentos.

Democracia Real Ya nasceu dois meses antes do 15 de maio. É uma associação de militantes digitais, menos radicais, porém mais eficazes que o grupo Anonymous. Já havia movimentos desde janeiro de 2011 contra a Lei Sinde, que pune a pirataria na Internet; e articularam um discurso e uma luta contra a assinatura daquele acordo entre PP e PSOE (direita e esquerda), que viabilizara essa lei, promovida inclusive pelo vice-presidente americano. Em conseqüência, a associação incita à recusa do voto: “no les votes!”, e desenvolve um discurso sobre o sistema representativo espanhol, contra o bipartidarismo, com a exigência de uma nova lei eleitoral proporcional, dirigida a favorecer o pluralismo e a equidade.

Um segundo grupo interessante é o V de Vivienda. É um movimento de luta pela moradia, começado em 2005 (“por uma moradia digna”) e desenvolvido em rede, como reação ao estouro da bolha imobiliária. Em rede, convocam manifestações, produzem verdadeiros “enxames”, com grandes mobilizações iniciais que, contudo, encontraram dificuldade em obter um impacto político mais duradouro.

Um terceiro movimento é o dos “hipotecados”. Surge em Barcelona e constitui uma plataforma de ajuda recíproca das famílias e indivíduos que, por causa de hipoteca ou débito bancário ou insolvência privada, terminaram despejados. Valoriza muito a aparição midiática — inclusive nos meios tradicionais. Esta competência foi muito importante para as lutas e a construção do 15-M.

Um quarto grupo se formou nas várias assembléias e coletivos do cognitariado urbano. Esses não possuem militantes orgânicos. Trata-se essencialmente de uma esquerda intelectual, que protesta e coopera em rede, assumindo posições radicalíssimas contra a precariedade e a incerteza do trabalho, além de contestar os baixos salários. São grupos do trabalho imaterial crescidos na crise, “dentro e contra”.

Além desses, em certo momento, principalmente em abril deste ano, se apresentou na cena também uma rede da “esquerda autônoma” sindical, — geralmente ligada à Izquierda Unida: Juventud Sin Futuro. O nome diz tudo. Esta organização começa uma ampla agitação, com a importante capacidade de repercutir nos grandes jornais, e tenta convocar uma manifestação em 7 de abril. É um prólogo importante, haja vista que, entre 7 de abril e 15 de maio, o anúncio da “grande manifestação” se dissemina de modo viral pelas redes.

Quem é a gente que se reuniu no 15 de maio nas praças da Espanha? Existem dois componentes de peso. O primeiro é essencialmente a classe média empobrecida, desempregados, pequenos empresários em crise, profissionais que não conseguiram sucesso, ou foram rejeitados pelas empresas, trabalhadores autônomos recentemente golpeados pela crise, ou assediados pelo fisco, — a quem se juntam os cidadãos sem casa própria e sem condições de adquiri-la, os que vivem como inquilinos. Um segundo componente, fortemente majoritário nos acampamentos, é o cognitariado metropolitano: trabalhadores digitais e cognitivos, precários do setor dos serviços e de todos os gêneros de atividade imaterial, estudantes e jovens sem futuro. Alguns poucos imigrantes também apareceram nas manifestações e assembléias para se expressar. No movimento, muitas mulheres se destacaram nas discussões e lideraram a organização dos acampamentos. Esses sujeitos constituem um movimento que não é identitário, que não é simplesmente movimento de solidariedade. Todos falam em primeira pessoa. É um movimento contra a crise e a pobreza, de toda a classe média (num sentido amplo).

Indignados. Foram os meios de comunicação que impuseram este nome, importado do célebre opúsculo de Stéphane Hessel. Nisso, o movimento reconheceu rapidamente uma tentativa de reduzi-lo a mero protesto moral, de relegá-lo a um terreno não-político (com a ameaça implícita que, se começasse a atuar politicamente, haveria repressão). O movimento reagiu imediatamente: pacífico, praticando a “recusa à violência”, teorizada e proclamada como “recusa do medo”. Este é um dado constante e importantíssimo na formação e na firmeza do movimento. Exprime a consciência que, quando há medo, se é levado naturalmente a responder violentamente à violência; que o governo tenta amedrontar (um gesto hobbesiano) para incitar uma resposta do movimento, tão violenta quanto vazia e, como resultado, legitimar a repressão. A resistência não-violenta do movimento permitiu uma aceleração extraordinária, uma enorme expansão (metrópoles, cidades, vilas), a sua aparição como “evento” irrefreável.

A linguagem do movimento é simples e popular, mas não populista. Foi sugerido na Democracia Real Ya: “não somos uma mercadoria nas mãos dos banqueiros e políticos”. A linguagem foi trabalhada nas redes e pela incrível quantidade de comunicações, agenciamentos, sites e fóruns no facebook, tuíter etc. Que, em uma democracia real o poder seja ação que exercitamos sobre a ação do outro — e assim fica implícita a dissolução de toda autonomia do político — constitui a chave da linguagem do movimento. A isso se junta a crítica da constituição democrática, aos três poderes tradicionais (legislativo, executivo, judiciário), porque não correspondem mais às funções originais. A dimensão pública do Estado, quando não é atravessada pela participação dos cidadãos, não pode mais ser considerada legítima. Nas formas atuais, o público não passa de uma superestrutura do privado. Exige-se, portanto, um novo poder constituinte, visando à construção do comum. Pode-se dizer, mais claramente, que o movimento dos indignados é um movimento radicalmente constituinte?

Nele, propõe-se um novo modelo de representação. De um lado, as redes; de outro, as assembléias. Partindo das assembléias nas praças centrais das cidades, se chega “em rede” às assembléias locais, nos bairros das metrópoles e, finalmente, às pequenas cidades e vilas. O retorno, por sua vez, é direto e veloz. A organização da base — pela base — pelas assembléias constitui assim o percurso e a estrutura da “democracia real”, além da representação. A rede oferece uma temporalidade imediata. Já na organização/difusão espacial (quando os tempos são mais longos), as assembléias institucionalizam o movimento.

O 15-M parece nascer do nada. Não é verdade: além do papel dos grupos, além da casualidade (latente e perversa) da crise, se notam no movimento acumulações, sedimentações, recomposições ao longo do tempo.

Pra começar, há analogia com o que ocorreu em março de 2004, quando o “movimento contra a guerra”, insurgido contra Aznar nos dias anteriores às eleições, protestou ante a atribuição dos atentados terroristas na estação central de Madrid aos bascos e ao ETA. Também nesse caso se tratou da produção de um enorme enxame, à época convocado através dos telefones celulares, que transformou radicalmente o clima eleitoral e pavimentou o acesso de Zapatero e dos socialistas ao governo: a dita “comuna de Madrid”.

Diferentemente, hoje, não existe aquela enorme tensão, aquele grande medo, aquela violência, que então se disseminava pelos movimentos. Hoje há uma percepção maior da própria força, logo maior maturidade. Naquele momento, uma vez eleito, Zapatero tenta responder às dinâmicas do movimento, mas propõe ainda outra vez uma opção de representação política — que rapidamente se revelou uma mistificação, e insultante na medida em que foi encarada como traição. Agora não existe mais nenhuma hipótese reformista, existe no lugar disso a consciência da impossibilidade de modificar o sistema. Existe a percepção (sobretudo depois do resultado eleitoral desastroso para os socialistas, que tem a ver com o grande impacto da abstenção — cerca de 50%) que o movimento pode realmente fazer e desfazer os governos, mas hoje a isso se acrescenta um imaginário modificado, visto que nenhuma hegemonia partidária poderá mais corresponder ao movimento. “Ninguém nos representa”. O sistema constitucional está em crise.

A continuidade pode ser também registrada a respeito das formas de organização. Na configuração material dos acampamentos, resgataram-se particularmente as formas de luta dos operários da Sintel [NT. cujos trabalhadores fizeram greve por 11 meses seguidos, em 2001-02], que por meses e meses acamparam no centro de Madrid, depois do fechamento da empresa deles. A tradição do “acampar” foi recepcionada pela luta operária. Isto mostra como a interseção dos movimentos representa hoje uma passagem essencial na produção das lutas multitudinárias. Mesmo quando os organismos oficiais do movimento operário (sindical e partidário) se excluem da manifestação, a tradição das lutas operárias se inclui no processo e o desenvolve.

A partir dessa nota, vale a pena recordar outro elemento fundamental no 15-M — é o “Republicanismo” implícito, o lembrete melancólico, mas radical, de 1936. Toda a história da Espanha na modernidade é aqui colocada em jogo, contra uma governamentalidade capitalista e clerical, reacionária e repressiva, liberal e reformista, que não encontra par noutros países da Europa.

Tudo isso ajuda a compreender a dinâmica de organização deste movimento. Irrompe de um amadurecimento capilar, numa dimensão microssocial, completamente voluntarista. Há um máximo de cooperação, que não se produz simplesmente por indivíduos ou coletivos, mas se organiza “todos juntos”, na sinergia. Igualmente a elaboração teórica é coletiva. Nas assembléias todos têm direito à palavra. O nível da discussão é por vezes descontínuo, mas sempre rico de intervenções competentes, no mérito e na eficácia da proposta. Parece incrível, mas, de verdade, ocorreram formidáveis e inovadoras experiências, seja sobre o terreno da cooperação organizacional, seja sobre a elaboração teórica — experiências nunca repetitivas, burocráticas ou inúteis. Há uma maturidade geral que desenvolveu novas habilidades — porém, especialmente, que evitou contraposições dogmáticas e/ou sectárias. Aqueles que já estavam organizados em grupos não foram excluídos, mas implicados no “todos juntos”. Não houve necessidade de um “savoir faire” político particular, mas somente de competência e capacidade de participar de um projeto comum.

Os dois processos fundamentais de organização que se integraram foram a comunicação em rede (que permite a articulação de centralizações e descentralizações territoriais) e a interseção de componentes sociais (que permite a recomposição programática do proletariado social).

Considerando a característica da recomposição (dos movimentos e dos programas), compreende-se também um espírito constituinte, que evita amálgamas politicamente contraditórios (por exemplo, entre grupos e organizações que disputam usualmente a hegemonia um contra o outro) e, por isso, não gera enfatuações sectárias ou abstratas, puramente dogmáticas. Os indignados falam entre si, nas assembléias ou na rede, de programas, de coisas por fazer, de metas conjuntas, de problemas concretos… O espírito constituinte predomina. “Todos juntos” — aqui se constrói o comum.

Uma organização de subsistência totalmente horizontal foi criada, com a cozinha e o serviço de policiamento da praça acampada, com uma centralização informática e informativa, com horários definidos em assembléia, com decisões, comissões jurídicas e médicas etc.

Quais são os mecanismos de decisão do movimento? Democracia direta, logo decisões tomadas de modo assemblear, atreladas à curta duração nas funções de representação (porta-vozes). Sabe-se que tomar uma decisão nessas condições exige longo tempo, que o processo decisório muitas vezes deve elevar-se acima dos efeitos tumultuados de uma discussão caótica. Contudo, isto não impede de chegar, através da nomeação de porta-vozes (a cada dia substituídos), à tomada de decisão, e a sua comunicação pública — com legitimidade consensual. Seja a decisão, seja a discussão que se produziu, tudo é arquivado no site do movimento. Corre em paralelo ao processo uma verificação em rede das decisões tomadas. Põe-se assim em movimento uma estrutura policêntrica de decisão e, enquanto nas assembléias a decisão exige longo tempo, nas redes a verificação da decisão se dá muito velozmente.

Este processo decisório constroi uma novidade radical em relação às melhores experiências de movimentos recentes (Seattle, Gênova etc), quando as decisões coletivas dificilmente conseguiam associar expressão exata dos comportamentos à urgência do evento, juntar a continuidade com a extensão da iniciativa… Para não falar de sua institucionalidade.

Como já dissemos, o movimento surgiu na soma de iniciativas de vários grupos, num período de experimentação de mobilizações ágeis, da repetição de ações em flash: e ao final se deu, em concomitância com as manifestações gigantes, a decisão de acampar. O acampamento e a consolidação da modalidade assemblear que o seguiu representam assim uma relativa ruptura/descontinuidade com o modelo de decisão em rede. Tanto mais que, nos acampamentos, a composição social se complica. Ao lado dos sujeitos citados acima, encontramos também frações marginais do proletariado (cognitivo ou não): desocupados, migrantes, “loucos” e/ou “hippies”, e alguns pequeno-burgueses arruinados e desesperados… Tudo isso pode criar problemas que, por um lado não podem ser agilmente resolvidos, por outro também não vamos exagerá-los, de modo a não romper o processo global de organização e decisão. Outra prova do “bom senso” deste movimento.

Os temas programáticos discutidos nas assembléias e retomados na circulação em rede, sempre firmados em documentos, são fundamentalmente os seguintes:

Trabalho precário. Requerem-se trabalho e/ou renda para todos. A discussão não implica ideologias “trabalhistas” (os sindicatos foram excluídos, a UGT e a CO, bem como outras forças políticas): dizer “trabalho para todos” significa dizer “renda para todos”. O tema da renda universal é bastante disseminado. E se torna hegemônico quando os trabalhadores autônomos de 2ª Geração representam a maioria da assembléia. E adicionalmente: redução da jornada laboral, aposentadoria aos 65 anos, seguridade do trabalho, proibição de demissões, ajuda aos desempregados etc.

Direito à moradia. Expropriação do estoque de moradias não vendidas e transferência delas ao mercado de aluguéis controlados. Plano para o cancelamento das hipotecas etc.

Tributação. A crítica é muito forte à desigualdade de tratamento dos trabalhadores, sejam independentes ou dependentes, da parte do fisco. Aumento da tributação sobre as grandes fortunas e os bancos. Relançamento do imposto patrimonial. Controle real e efetivo das fraudes fiscais e da fuga de capitais através dos ditos paraísos fiscais. Mas o tom da discussão é acima de tudo contra os bancos, contra a estrutura financeira etc. Proibição de injeção de capital nos bancos responsáveis pela crise. Controle social dos bancos. Sanções para o movimento especulativo e as más práticas bancárias. O conceito fundamental exprimido nas assembléias é que existe uma grande riqueza social, mas ela é expropriada pelo fisco e pelos bancos. As operações bancárias tais quais hoje estão repletas de usura em relação aos pobres, e de prepotência diante da sociedade. Requer-se a generalização da Lei Tobin inclusive nas transferências internas e internacionais entre os bancos.

Sistema eleitoral. A solicitação pela mudança da lei eleitoral e das regras de representação é pesadíssima e assunto da mais alta urgência. Entende-se que o sistema bipolar espanhol seja intolerável, que as duas grandes forças parlamentares são igualmente corruptas e responsáveis pela crise. Solicita-se assim que o sistema eleitoral seja modificado no sentido do voto proporcional, e uma proposta de referendo sobre o tema (500 mil assinaturas) já foi lançada. Além disso, mais democracia participativa: não ao controle da Internet e revogação da Lei Sinde, generalização do método referendário etc.

Sistema judiciário. Considera-se completamente nas mãos dos políticos e banqueiros, incapaz de perseguir a corrupção e, sobretudo, inapto para corrigir o déficit de representação ou promover um senso igualitário ao sistema normativo como um todo. Quando se fala em justiça, se contrapõe à corrupção política um discurso de dignidade — e não aqui um moralismo pequeno-burguês, mas um sentimento forte de autonomia ética e política.

Serviços comuns. Reorganização dos serviços de saúde. Contratação de sindicatos de professores, para garantir uma taxa mais correta de alunos por sala de aula aula e grupos de reforço escolar. Gratuidade da educação universitária. Financiamento público da pesquisa, para assegurar a sua independência. Transportes públicos de qualidade e ecologicamente sustentáveis. Constituição de redes de controle local e serviços municipais etc.

Alguns temas foram evitados nas assembléias. O tema “nacional” em primeiro lugar — vale dizer que não colidiram nacionalismos diversos (coisa muito costumeira no debate político espanhol), se falou em todas as línguas, castelhano, basco, catalão etc. Esse é um elemento extremamente importante na experiência dos acampamentos. Outros temas por enquanto exclusos da discussão: a Europa e, parcialmente, a guerra (às vezes contestada a despesa militar do governo). A essência do debate sobre esses temas é bastante bizarra, e corresponde, todavia, à informação insuficiente e à forte ambigüidade que geralmente se sente em relação ao tema europeu e ao da Aliança Atlântica.

O que pode tornar-se esse movimento em uma perspectiva temporal mais longa? Ele pode constituir um contra-poder permanente e/ou organizar-se como poder constituinte. É difícil prever qual será o caminho. Se organizando uma espécie de dualismo do poder (acontecimental e periódico); ou se desenvolvendo um poder constituinte que tenta uma penetração e uma transformação das estruturas do estado. Certo é que, de dentro da prática da Praça contra o Governo, aparece positivamente o projeto de uma regeneração republicana: a República contra o Estado; como na tradição espanhola (antes e através da guerra civil) esse projeto fora vivenciado. Na Espanha, trinta anos depois do fim do franquismo, falta ainda uma crítica do fascismo, carece ainda uma denúncia da continuidade da direita negocista e financeira em relação ao regime franquista. Isto significa que o movimento — também e sobretudo no seu êxodo atual — se situa radicalmente à esquerda, mas certo fora daquela esquerda representada por Zapatero — cuja ação política sempre consistiu em uma gestão servil do capital. O 15-M não se opõe à política em geral, mas ao sistema dos partidos.

Como dito, se fala pouco da Europa nos acampamentos. Quando nela se fala, recorda-se a sua opacidade. E, entretanto, é particularmente evidente a necessidade de um relé [relais] europeu, da assunção de uma dimensão continental à discussão política.

O que ocorrerá daqui pra frente, depois do tempo breve das manifestações? Três possibilidades devem ser consideradas. A primeira: o fim da frustração. A segunda: uma radicalização que se aglutina. Mas a terceira é aquela de uma reterritorialização estável, nos bairros, na sociedade, com uma capacidade de mobilização contínua. Parece que os manifestantes querem agrupar-se e articular-se em um movimento sócio-político, com particularidades em todas as regiões, com uma auto-gestão em escala territorial. A cada dia 15 do mês, os grupos nos territórios deveriam colocar-se de acordo sobre uma plataforma de reivindicações e um calendário de mobilizações. Assim se dará, seguramente, a continuidade do movimento, — pelo menos até as eleições gerais do próximo ano. Resta compreender se a adesão da população permanecerá tão maciça no próximo período. Isto dependerá em parte do comportamento das autoridades: se reprimem o movimento, a solidariedade que o caracteriza deverá reforçá-lo. Em qualquer caso, os problemas fundamentais que sobram em aberto são, em primeiro lugar, aqueles ligados à reterritorialização do movimento e, além disso, a construção de uma rede europeia.
OutrasPalavras

Maioria silenciosa contra mudança no Código Florestal


por Sérgio Abranches, do Ecopolítica

Pesquisa Datafollha encomendada por ONG’s ambientalistas mostra que maioria dos eleitores não concorda com a maneira pela qual deputados alteraram Código Florestal.


SantiagoPesquisa de opinião não dá uma medida precisa. Depende do formato da pergunta. Opiniões podem variar significativamente, quando a formulação das questões muda. É preciso cuidado na formulação, de modo a não induzir respostas. As perguntas publicadas no relatório, são objetivas e sempre incluem uma alternativa que permite ao entrevistado concordar com as teses dos ruralistas. Ela afere um sentimento geral. Não tenta, como alguns críticos disseram, conduzir a opinião pública. Seria possível imaginar perguntas mais pertinentes, por exemplo, a uma sondagem acadêmica de atitudes. Daria mais precisão. Mas, como sondagem de opinião pública, nada há nessa pesquisa que vicie seus resultados.

Esses resultados mostram que a população está relativamente informada sobre a votação: 62% tomaram conhecimento dela e 47% se julgam “mais ou menos” ou “bem” informados.

A maioria esmagadora, 85%, concorda com a tese de que é preciso dar prioridade à proteção das florestas e rios, mesmo que, em alguns casos, isso prejudique a produção agropecuária. Só 10% concordam com o contrário: dar prioridade à produção agropecuária mesmo que, em alguns casos, isso prejudique florestas e rios.

O mais interessante é que não há diferença significativa nas respostas das pessoas do Norte-Centro Oeste e do Sul, as duas regiões com políticos mais mobilizados para mudar o Código Florestal, e as pessoas do Sudeste e Nordeste. Os percentuais são praticamente os mesmos em todas as regiões.

Perguntados especificamente sobre anistia – perdão a quem desmatou – o perfil das respostas é bastante interessante: 48% são contra qualquer perdão, para que a punição sirva de lição para as gerações futuras; 45% concordam com a anistia, desde que quem desmatou concorde em repor a vegetação. Apenas 5% defendem a anistia geral e irrestrita. Com relação às multas pendentes, cuja cobrança foi adiada até dezembro pela presidente Dilma Rousseff e eram a principal razão da pressa dos ruralistas em aprovar as mudanças, 79% são contra perdoá-las e 19% são a favor. Maioria importante, de 77%, é contra isentar proprietários da recuperação das florestas que foram desmatadas ilegalmente.

Outro tema importante é o da permanência de atividades agropecuárias em áreas de risco, como encostas íngremes: 66% são favoráveis à permanência apenas daquelas atividades que “segurem o solo e não representem risco de acidente”; 25% acham que toda atividade deve ser removida dessas áreas. Só 7% apóiam a permanência incondicional.

Perguntadas sobre o que pensam do alerta da presidente Dilma Rousseff de que vetará a anistia aos desmatadores, 79% apóiam esse veto da presidente.

Como explicar a atitude de parlamentares que justificaram seu voto nas mudanças do Código e na emenda do PMDB, que prevê a anistia aos desmatadores, dizendo que estavam atendendo a uma demanda de suas bases?

Como mais de 300 deputados votaram a favor, certamente não podem todos eles ter sido eleitos pelos perto de 10% da opinião pública que apóiam as mudanças no Código. A maioria dos eleitores da maior parte desses deputados provavelmente responderia a essa pesquisa da mesma forma que os entrevistados responderam. Talvez os parlamentares não estivessem pensando realmente nas suas bases, ou seja, na maioria dos eleitores que neles votaram. Estariam pensando mais no financiamento de campanha e nos grupos mais organizados com os quais se relacionam em seus territórios eleitorais. Com relação aos eleitores, a aposta que até 2014, na próxima eleição, se esqueçam do que eles fizeram, principalmente no início do mandato.

Mesmo admitindo que pesquisa de opinião é imprecisa, que mudando a pergunta a resposta pode mudar, ela revela maior sensibilidade com a conservação de florestas e mananciais por parte dos eleitores, do que por parte dos deputados. As perguntas são suficientemente objetivas e formuladas com opções que permite aferir o sentimento geral da população. Há sempre alternativas para que o entrevistado adote a posição dos ruralistas e elas não estão redigidas de forma a provocar rejeição. Ainda assim, pesquisa de opinião é imprecisa e a opinião é volátil.

Mas a diferença existe, é real e, provavelmente, de uma ordem de magnitude que permite dizer que os parlamentares não consultaram seus eleitores. Aqueles que lhes dão os votos necessários para atingir o quociente eleitoral e ganharem uma cadeira na Câmara. Não foi um voto apoiado na base, foi um voto apoiado em núcleos de interesses especiais.

Políticos tendem a apostar na memória curta do eleitor e na gratidão durável dos financiadores. É uma indicação do peso desigual do poder econômico e dos grupos organizados nas decisões, em comparação com a opinião pública. A sociedade só consegue influenciar decisões quando gera um movimento de massas, persistente, que força os representantes a ouvir a voz dos cidadãos. A maioria silenciosa raramente influencia o processo legislativo.

Envolverde/Publicado originalmente no site Ecopolítica.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Indígenas impedem primeira reunião de Comitê Gestor do Xingu

Renato Santana
Fotos: Eden Magalhães
Cimi


Em ato político, povos indígenas tomaram a mesa e denunciaram manipulação


O circo para instituir o Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) do Xingu, nesta sexta-feira, dia 3 de junho, em Altamira (PA), não aconteceu da forma que o Governo Federal, o consórcio Norte Energia e latifundiários queriam. Em ato político, lideranças indígenas tomaram a mesa da primeira reunião e denunciaram manipulação na indicação de indígenas ao comitê. Integrantes da Casa Civil e da Secretaria Especial da Presidência da República conduziam a farsa.

Antônia Melo, líder do Xingu Vivo, leu nota de repúdio a licença concedida pelo Ibama à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e ao final todos se retiraram em flagrante sinal de que não reconhecem o Comitê Gestor - composto por representantes dos governos federal, estadual e municipais, entidades patronais e supostamente por comunidades indígenas, movimentos sociais, organizações ambientais, entidades sindicais dos trabalhadores rurais, urbanos e de pescadores.

Conforme relatos de quem estava no ato, enquanto representantes do governo tentavam dar início à reunião e diziam que Belo Monte não seria como Tucuruí (usina hidrelétrica instalada também no Pará), nas palavras do deputado federal Zé Geraldo (PT/PA), fazendeiros e madeireiros bradavam xingamentos racistas contra os indígenas e demais integrantes do Movimento Xingu Vivo. Aos cochichos, ameaçavam de morte e outras violências quem estava ali contra a farsa do Comitê Gestor e o crime de Belo Monte. A presença do governo não os intimidou. Ao contrário, parece ter incentivado.

“Conversamos com alguns indígenas Arara que estavam listados como membros do Comitê e não sabiam de nada. Sequer foram consultados”, disse Éden Magalhães, secretário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) presente no ato do Movimento Xingu Vivo. A indígena Sheila Juruna, importante liderança dos povos originários, ressaltou que os indígenas não foram consultados sobre o grande empreendimento e tampouco sobre a composição do Comitê. Disse que a resistência a Belo Monte não vai cessar.

Na quinta-feira, 2 de junho, a presidente Dilma Roussef determinou ao ministro da Justiça José Eduardo Cardozo o envio da Força Nacional ao Pará. A justificativa foi o quinto assassinato, em menos de duas semanas, de uma liderança camponesa. No entanto, a primeira tarefa da Força Nacional foi cumprida nesta reunião do Comitê Gestor como forma de intimidar ações de protesto da militância contrária a construção da usina de Belo Monte.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O novo Código Florestal e o atual panorama politico. Uma análise. Entrevista especial com Fabiano Santos à IHU On-Line

Para o cientista político Fabiano Santos, a votação do novo Código Florestal é um episódio bastante revelador que explica a situação política brasileira atual. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, ele diz que “existe uma força econômica que se expressa na busca de espaço político importante no campo. A essa força se dá o nome de agrobusiness. Esse setor, em vários episódios no desempenho do processo econômico brasileiro, sustentou alguns fundamentos importantes na economia”. O episódio também revela, segundo o professor, a desatenção do governo federal em relação ao processo econômico e político em movimento. “Foi o Congresso quem deu voz ao novo Código. Só quando a coalizão já estava montada, o governo quis vetar, mas não conseguiu”, constata.

Fabiano afirma ainda que, no caso da votação do novo Código Florestal, não houve uma mudança de ideias de partidos da base aliada do governo como o PCdoB. Ocorreu que “os interesses do partido se aliaram aos interesses do agrobusiness por uma questão tática momentânea. Portanto, não há um deslocamento do partido em direção a uma postura menos esquerda por conta disso. O que está em jogo é a visão nacionalista do processo”.

Fabiano Santos é cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UFRJ.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que a votação do novo Código Florestal expressa sobre a política brasileira contemporânea?

Fabiano Santos – É um episódio muito interessante e revelador sob vários aspectos da política brasileira na atualidade. Existe uma força econômica que se expressa na busca de espaço político importante no campo. A essa força se dá o nome de agrobusiness. Esse setor, em vários episódios no desempenho do processo econômico brasileiro, sustentou alguns fundamentos importantes na economia. É natural, portanto, que ele se organize e busque políticas no governo que atendam aos seus interesses. É um setor, por outro lado, que tem conflitos importantes com outras forças sociais – seja do ponto de vista da economia, seja do ponto de vista de valores ou das inclinações políticas.

Além disso, é possível que essa força estabeleça coalizões com setores e com outros atores políticos que, naturalmente, parecem possuir interesses antagônicos. Existe, porém, espaço para corrigir os pontos em que o interesse é mutuo. Nesse caso da votação do Código Florestal, foi exatamente isto que acabou aparecendo. O agrobusiness se articulou bem com os partidos e com os setores dos partidos. Juntos, conseguiram avançar em alguns pontos. Houve uma articulação importante no âmbito partidário e societal e o processo foi sendo desenvolvido com articulações que resultaram em coalizões. Por isso, ele foi bem sucedido na sua tramitação.

Outra coisa que esse episódio revela sobre a política contemporânea brasileira é que o governo não deu atenção para o avanço do projeto do Código a tempo de fazer uma negociação que pudesse ser mais palatável à presidenta Dilma e ao partido principal do governo. O projeto avançou e o governo não observou que havia um processo econômico e político em movimento embutido nessa questão. Foi o Congresso quem deu voz ao novo Código. Só quando a coalizão já estava montada, o governo quis vetar, mas não conseguiu.

Temos lições a esse respeito: o governo não pode achar que o Congresso não faz nada e que basta usar medida provisória e orçamento para que se consiga governar ou que basta distribuir cargos para os ministros do PMDB que o assunto esteja resolvido. Não é assim que funciona a política; o governo tem que aprender com isso. Ele se isolou e perdeu. Ele foi derrotado por conta dessa concepção política errada. Além disso, existem forças vivas na economia e na política que se articulam independentemente do governo e tentam produzir políticas que atendam aos seus interesses.

IHU On-Line – Como o senhor analisa as forças políticas a favor e contra o Código Florestal? Que partidos defendem o Código e quais são contrários?

Fabiano Santos – Todos os partidos estão um pouco incomodados com as restrições impostas pelo atual Código em relação às possibilidades de expansão da economia. Todos os partidos da base, do PMDB ao PCdoB, indicaram voto a favor. Dois partidos se posicionaram contra: o PT e o PV. Claramente, o que ocorre entre o PT e o PV é uma disputa por um eleitorado de classe média urbana. Este é um eleitorado voltado para uma agenda que podemos chamar de pós-industrial.

Dentro dessa agenda, a questão ambiental é muito importante. Parece que isso assustou o PT na eleição de 2010, quando a Marina Silva teve uma votação muito expressiva. Há uma clara estratégia do partido de cativar esse eleitorado, não deixando que escape para uma terceira via. O fato de o PT ter perdido suas bases na intelectualidade e nas classes mais urbanas também contribui para essa tentativa que o partido fez de se mostrar contra o Código como se pudesse colocar o Brasil numa posição claramente frágil em relação a essa questão ambiental.

Existem forças partidárias, na sua maioria avassaladora, que precisavam de algumas mudanças importantes, pois a expansão da economia depende de algumas liberações que o código implica. Do outro lado dessas forças estavam o PT e o PV numa disputa pela opinião pública nacional e internacional. Tem, portanto, presente aí nesse espaço, um conflito de ideias, um conflito de interesses e um conflito eleitoral.

IHU On-Line – Como compreender que um deputado filiado ao PCdoB, como Aldo Rebelo, que se diz de esquerda e faz alianças com o PT, propõe um novo Código Florestal que favorece os ruralistas? A postura do PCdoB mudou ao longo do tempo?

Fabiano Santos – Não. O PCdoB não mudou. Ele é de esquerda, mas é um partido nacionalista. É uma esquerda que observa na questão nacional um ponto fundamental para avançar no processo do socialismo. Não há como desassociar o socialismo do nacionalismo. O PCdoB segue essa linha há muito tempo, assim como o PDT e PSB.

A esquerda nacionalista do Brasil expressa o interesse de quem tem um tipo de discordância em relação à soberania completa e absoluta do Estado brasileiro sobre determinadas parcelas da região nacional, principalmente a Amazônia. Essa é uma disputa real. O PCdoB está muito atento a esse ponto e tem uma posição muito firme. Nesse caso do Código Florestal, os interesses do partido se aliaram aos interesses do agrobusiness por uma questão tática momentânea. Portanto, não há um deslocamento do partido em direção a uma postura menos esquerda por conta disso. O que está em jogo é a visão nacionalista do processo.

IHU On-Line – A aprovação do Código Florestal pelos deputados pode ser considerada uma derrota do movimento social?

Fabiano Santos – Não. Ela é uma derrota de alguns movimentos sociais apenas. Por isso, essa aprovação também é uma vitória de outros movimentos sociais. Há vários movimentos sociais articulados a favor da aprovação da mudança do Código. O agrobusiness é um movimento social, porém ligado ao capital. Não é um movimento social tal como a Sociologia observa, mas é um movimento no sentido que compõe um grupo de interesses que se articula e luta na política para reverter os interesses em políticas públicas.

IHU On-Line – Alguns sociólogos e cientistas políticos dizem que PT e PSDB trocam acusações, se dizem diferentes, mas, estarão juntos no futuro. O senhor concorda? Em que aspectos os partidos se parecem e se distanciam no jeito de fazer política?

Fabiano Santos – Não há como pensarmos nos dois partidos juntos se os termos do conflito permanecerem como estão. Por isso, discordo dessa análise porque não vejo como o desdobramento do conflito, tal como ele ocorre hoje, pode resultar numa eventual união no futuro.

O PT é um partido de base sindical que tem no seu nascimento uma postura socialista. Evidentemente, ele vai se readequando à realidade. Todavia, não tem na sua estratégia e discurso uma postura revolucionária, mas tem a defesa de teses importantes que são contrárias às forças da direita. Por exemplo, uma maior participação do Estado na coordenação do desenvolvimento econômico; utilização dos bancos públicos e estatais para impulsionar os investimentos; a participação dos sindicatos como sociedade nas grandes empresas para definir política estratégica de investimento. Portanto, existe no PT uma ideia, consagrada no segundo governo Lula, que é a de visão de capitalismo do Estado.

E não é essa a visão do PSDB. Este partido está, cada vez mais, saindo do centro – onde nasceu – e indo para uma extrema direita. Eles estão se deslocamento naturalmente por essa dinâmica eleitoral.

Por que eles se parecem, então? Porque são os maiores partidos e competem por um eleitor que dá o voto de minerva nas eleições. Por isso, acabam tentando construir alianças de coalizão nas diversas camadas econômicas. Isso acaba aproximando-os. Eles têm que apoiar as mesmas políticas: o PSDB diz que não vai acabar com o Bolsa Família e o PT que não vai estatizar a economia toda.

IHU On-Line – Como compreender as alianças partidárias feitas no Brasil, em que partidos se aliam em alguns estados ou municípios e são concorrentes em outros?

Fabiano Santos – Essa é uma discussão no federalismo político brasileiro. Nós temos diversos subsistemas estaduais e municipais. Cada estado tem uma determinada história partidária e isso dá certa autonomia. Por exemplo, o PT foi muito perseguido porque organizou as forças da esquerda no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e em São Paulo. No Rio de Janeiro, quem fez isso foi o PDT. Nessas forças populares, hoje, o PMDB acaba sendo referência. Em diferentes estados, por diferentes motivos, os partidos foram se agrupando e decidindo suas estratégias de diversas maneiras. O que temos no âmbito nacional é a existência de subsistemas político-partidários e não um sistema que vale para todos os estados.

IHU On-Line – Para muitos especialistas, o Greenpeace fez muito mais do que os partidos de esquerda na oposição ao Código Florestal. Podemos dizer que os partidos são cada vez menos referência para parcela da sociedade? Podem estar sendo substituídos por outras forças políticas e sociais?

Fabiano Santos – Substituindo não, mas têm seu trabalho complementado. Sempre existiu a ideia de grupos de interesse que se articulam e tentam pressionar o sistema político seja no Congresso, no Executivo ou no Judiciário. Faz parte. Não vejo isso como algo que esteja expressando uma doença institucional grave. Há um complemento do âmbito participativo ao âmbito representativo. Os partidos se aproveitam disso para avançar em suas agendas. No caso específico, o PT e o PV estavam muito isolados. O PT estava dividido, sem saber como entrar na discussão. Já o PV tinha posição clara, mas não tem força real.

IHU On-Line – Que avaliação faz do governo Dilma? Percebe o início de uma crise no governo a partir da derrota da votação do Código Florestal e da suspensão dos kits para combater a homofobia nas escolas? Alguns veículos também especulam em torno da ausência da presidenta nas últimas semanas. O recuo da distribuição do kit tem algo a ver com a preservação da imagem do ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, no sentido de evitar uma crise futura?

Fabiano Santos – Às vezes, as coisas acontecem ao mesmo tempo e, com isso, tendemos a fazer uma leitura conspiratória. É perfeitamente possível o governo ter visto o material dos kits e ter dito: “O material não está bom; vamos refazer porque a ideia não é bem essa”. Isso não está vinculado ao que ocorreu na implantação do Código Florestal. O governo acerta e erra e vai ajustando as estratégias conforme a dinâmica. Isso é natural. A política não é uma prática onde se vê o caminho todo de uma vez por todas, cuja estratégia é definida uma só vez. Conforme as coisas vão acontecendo, elas vão sendo ajustadas.

Creio que foi uma decisão acertada o fato de o governo ter endurecido na questão da distribuição de cargos do segundo escalão com perfil mais técnico. Na votação do salário mínimo, o governo se saiu muito bem. A questão da economia está sendo bem administrada, a economia dá sinais muito positivos. Há ainda projetos que vão ser implantando, vai sair um projeto muito bonito em relação à pobreza. Agora, na questão do Congresso, o governo vem agindo mal, mas isso acontece desde o governo Lula. Esse sempre foi um ponto fraco para o PT, pois ele não sabe como agir em relação ao Congresso. E, por isso, sempre fica exposto a tensões e crises a partir dessa via. Há uma leitura errada que de que negociar com o Congresso é algo muito caro. A posição com a qual a presidenta partiu para a negociação foi muito dura, errada e isso culminou numa derrota. Com o Congresso é preciso negociar.

Outra coisa é o Palocci. Não está claro para mim se os motivos são suficientemente fortes para explodir uma crise e torná-la insustentável. O governo continua e segue em frente. Se ele ficar no governo, continuará mantendo a posição discreta como tem feito até agora. Caso contrário, será substituído por alguma liderança que não esteja tão dentro da disputa localizada em São Paulo.

IHU On-Line – Então, a fragilidade não é de Dilma e sim do PT?

Fabiano Santos – Há um problema no partido de tentar definir uma estratégia mais coesa, mais nacional. Está claro que a briga está em São Paulo, e isso tenciona a base, deixa todo mundo insatisfeito.

IHU On-Line – Como analisa a relação entre PT e PMDB na condução do governo federal?

Fabiano Santos – Os dois partidos têm algo a ganhar se o governo for bem sucedido, mas também têm muito a perder no âmbito local. O PT está sendo muito bem sucedido no seu espraiamento para todos os rincões do Brasil. O PMDB sempre foi hegemônico. Portanto, os dois partidos têm um conflito eleitoral de base no poder local. O PT está um pouco obcecado pela questão do PMDB, como se a adesão e a distribuição de cargos para o PMDB resolvesse o problema do governo no Congresso. O PMDB é um partido dividido, tem facções. Por isso, não faz bem para o país haver essa dobradinha como se isso fosse a chave da governabilidade plena. O sistema é mais complexo do que isso.

IHU On-Line – O que significa a intervenção de Lula na conjuntura política nos últimos dias, quando ele declarou aos ministros que quer participar mais ativamente da política?

Fabiano Santos – Houve uma percepção de que Dilma precisava de um apoio na partida política com os partidos. E a pessoa que tem essa sapiência, memória e capacidade é o Lula. Essa parte a Dilma ainda está aprendendo. É natural que quando tenha o perigo de surgir algo que possa levar o governo a um prejuízo maior se tente uma solução de emergência. E Lula é uma solução de emergência. Ele conseguiu reverter a situação e criar bases para que o estrago não seja grande.

IHU On-Line – Como vê os partidos brasileiros? Eles são conservadores em alguma medida?

Fabiano Santos – A variedade de posições é grande. A multiplicidade de possibilidades é interessante. Há partidos à esquerda no ambiente econômico, mas também são mais conservadores no campo comportamental. Há partidos que não são de esquerda no âmbito econômico e social e também não são liberais do ponto de vista social. Alguns partidos têm influência de linhas religiosas, outros puramente laicos. Essa diversidade desperta a riqueza da sociedade. Tem partido para todo gosto.
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