quinta-feira, 25 de novembro de 2010

MPF/PA questiona na Justiça barragem no rio Teles Pires, divisa do PA e MT

Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente exige avaliação dos impactos sobre toda a bacia hidrográfica; complexo projetado pelo governo vai barrar seis vezes o mesmo rio

O Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) ajuizou ação civil pública na Justiça Federal em Belém pedindo que seja decretada a nulidade dos Estudos de Impacto Ambiental da Usina Hidrelétrica de Teles Pires, uma das seis barragens previstas para o rio de mesmo nome, que divide o Pará do Mato Grosso. Os procuradores da República Cláudio Dias, de Santarém, e Felício Pontes, de Belém, pedem que os estudos sejam refeitos porque contém falhas “insanáveis”.

O problema mais grave do estudos é o fato de avaliar isoladamente os impactos da usina Teles Pires, quando o mesmo rio vai ter que suportar outras cinco barragens, de acordo com o projeto do governo federal. A resolução nº 01/1986, do Conselho Nacional de Meio Ambiente, que regulamenta o licenciamento de hidrelétricas, exige avaliação de impactos sobre toda a bacia hidrográfica.

O MPF/PA cita o jurista Paulo Leme Machado, um dos principais nomes do direito ambiental, para qualificar como viciado o licenciamento, porque deixa de considerar a totalidade dos impactos do empreendimento. “Licenciar por partes pode representar uma metodologia ineficiente, imprecisa, desfigurada da realidade, e até imoral: analisando-se o projeto em fatias isoladas, e não sua totalidade ambiental, social e econômica, podendo ficar ocultas as falhas e os danos potenciais, não se podendo saber se as soluções parciais propostas serão realmente aceitáveis”, diz o doutrinador.

Além do que chama de “fatiamento do licenciamento”, o MPF/PA lista outras dez falhas nos estudos da usina Teles Pires, todas apontadas em relatório do Tribunal de Contas da União, como provas da necessidade de se rever e determinar o licenciamento global para todas as barragens do rio.

Um dos problemas detectados pelo TCU está no chamado Rima, o relatório de impacto ambiental, espécie de resumo dos estudos que deve ter linguagem mais acessível para ser compreendido sobretudo pela população diretamente afetada.

No caso de Teles Pires, o TCU apontou justamente o oposto: “o Rima não foi apresentado de forma objetiva e adequada a sua compreensão, com informações traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possa entender as vantagens e as desvantagens do projeto, bem como todas as consequências ambientais de sua implementação. Isso porque a linguagem empregada frequentemente utiliza termos técnicos, de difícil entendimento pelo público leigo”.

Ainda de acordo com o TCU, os problemas não estão restritos ao Rima: o próprio Eia falhou ao não considerar o custo comparativo do projeto da hidrelétrica com alternativas tecnológicas nem confrontar a situação com a hipótese de não execução do projeto. (veja abaixo as todas as irregularidades apontadas pelo TCU)

Na ação, o MPF/PA pede a suspensão imediata do licenciamento da usina Teles Pires e a proibição de que o Ibama conceda Licença Prévia até que sejam sanadas as deficiências do Estudo de Impacto. O caso será julgado pela 9ª Vara Federal em Belém.

Confira a lista das deficiências do Eia-Rima apontadas pelo TCU.

Fonte: Ministério Público Federal no Pará

EcoDebate

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Reforma do Código Florestal reduzirá estoques potenciais de 7 bilhões de toneladas de CO2

Dados preliminares de estudo do Observatório do Clima estimam que, se forem aprovadas as alterações no Código Florestal conforme o substitutivo proposto pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), há um risco potencial de quase 7 bilhões de toneladas de carbono acumuladas em diversos tipos de vegetação nativa a serem lançadas na atmosfera. Isto representaria 25,5 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa, mais de 13 vezes as emissões do Brasil no ano de 2007.

Um dos dispositivos propostos no Projeto de Lei 1876/99 que altera o Código Florestal trata da isenção de manter e recuperar a reserva legal em pequenas propriedades rurais (até quatro módulos fiscais). A isenção também se aplica ao equivalente a quatro módulos em grandes e médias propriedades. Tal medida é a que tem maior impacto potencial nas emissões de gases do efeito estufa e deixaria uma área total de 69,2 milhões hectares sem proteção da reserva legal, área maior que o estado de Minas Gerais. Segundo o levantamento do Observatório do Clima, o estoque potencial estimado de carbono nestas áreas é de 6,8 bilhões de toneladas, correspondendo a um volume de gases do efeito estufa de 25 bilhões de toneladas de CO2eq (gás carbônico equivalente).

Uma segunda modificação importante prevê a redução de 30 metros para 15 metros na área de preservação de matas ciliares em rios com até 5 metros de largura. Esta mudança faria com que os seis biomas brasileiros deixassem de estocar 156 milhões de toneladas de carbono, correspondendo a mais de 570 milhões de toneladas de CO2eq, numa área de 1,8 milhão de hectares, o equivalente a mais de 2 milhões de campos de futebol.

De acordo com André Ferretti, coordenador do Observatório do Clima, o estudo contempla apenas uma das diversas facetas das propostas de modificação do Código Florestal. “Com a aprovação do texto, a meta do Brasil de reduzir as emissões nacionais de gases causadores do aquecimento global viraria pó, além dos inúmeros impactos causados à biodiversidade”, avalia.

As modificações podem comprometer gravemente a meta brasileira de redução de emissões estipulada na Política Nacional de Mudanças Climáticas. O Brasil assumiu ano passado, em Copenhague, o compromisso de cortar aproximadamente 1 bilhão de toneladas de suas emissões de gases no ano de 2020.

(IPAM)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Consciente, consumidor brasileiro valoriza marcas ligadas a causas socialmente relevantes

Pesquisa global realizada pela Edelman aponta tendências na relação entre consumidores, empresas e causas socialmente relevantes


O brasileiro tem se tornado um consumidor mais consciente, atuante e atento à relação entre marcas e causas socialmente relevantes, sendo um dos que mais se engajam em todo o mundo. A conclusão é apontada pelos resultados da quarta edição anual da pesquisa Goodpurpose®, conduzida pela Edelman junto a mais de 7 mil consumidores, distribuídos em 13 países.

De acordo com os resultados da pesquisa, o público do maior país da América Latina tem alta predisposição para valorizar, recomendar e manter-se leal a marcas cuja atuação relacionada a propósitos seja consistente. Entre 2007 e 2010, a crença neste cenário aumentou. Para os respondentes, a percepção de que as organizações atuam de forma genuína sobre propósitos subiu de 46% para 64%. Dentre as marcas cujo legado positivo já se faz presente figuram Natura, Omo, Petrobras, Ypê, Nestlé e Coca-Cola.

“As marcas de maior sucesso são as que conseguem gerar benefícios sociais em conexão com seus negócios”, afirma Yacoff Sarkovas, CEO da Edelman Significa. Segundo o executivo, consistência e visão de longo prazo são fatores essenciais para empresas que desejam construir marcas por meio de causas: “as atitudes de uma marca devem refletir suas crenças e princípios, assim como a estratégia do seu negócio”.

Em comparação ao resto do mundo, o brasileiro aumentou severamente seu grau de envolvimento em causas. No país, 64% consideram-se mais engajados diante dos 34% correspondentes aos números globais. O consumidor local também se diz mais consciente sobre empresas que, além de buscarem resultados financeiros, envolvem-se genuinamente em temas de interesse social. O brasileiro mostra-se predisposto a confiar, promover e comprar produtos de organizações cujas práticas e ações pautam-se por princípios e valores concretos.

Na dimensão individual, o consumidor nacional acredita cada vez mais em sua condição de agente de transformação. Frente ao levantamento de 2009, sua confiança nas instituições governamentais caiu de 62% para 52%. No sentido inverso - de 1% para 11% - deu-se o incremento da autoestima dos respondentes como potenciais defensores de causas. No entanto, a ação pessoal não é considerada incompatível com atitudes das marcas. Segundo a pesquisa, 84% dos brasileiros acreditam que, juntos, marcas e consumidores podem fazer mais por uma causa do que se atuassem de modo separado.

“Nos mercados emergentes, a notável aparição do ‘consumidor cidadão’ aconteceu rapidamente por conta das batalhas acerca de questões socialmente relevantes como as que gravitam em torno do meio ambiente e direitos humanos. Eles entendem o significado da causa e a querem no centro de suas vidas e interações com as marcas”, afirma Carol Cone, diretora da área de marca e cidadania corporativa da Edelman.

Se em 2007 a qualidade era preponderante na decisão de compra (61% contra 38% neste ano), em 2010 a decisão distribui-se entre propósito social da marca (19%) e lealdade (15%). Um engajamento desta magnitude, todavia, requer ações consistentes de comunicação. Na pesquisa, 82% dos respondentes acreditam que marcas devem divulgar sua atuação em causas para elevar o nível de conhecimento público sobre tais iniciativas.

“Propósito é o quinto P do marketing. É uma contribuição vital para o obsoleto mix de produto, preço, praça e promoção”, diz , diretor global de criatividade e consumo da Edelman e fundador da iniciativa Goodpurpose. Em sua opinião, “o propósito permite às marcas ter um nível de engajamento mais profundo junto a seu consumidor - e isso permite que as pessoas coloquem sua própria marca na estratégia de marketing por meio da colaboração junto às empresas, em prol de causas socialmente importantes”.

Outros números-chave da pesquisa no Brasil:

> 84% concordam que marcas e consumidores, ao trabalharem juntos por uma causa, podem fazer mais do que se agissem separadamente.

> 80% tendem a recomendar marcas que apoiam boas causas em detrimento das que não o fazem.

> 74% trocariam de marca se uma outra, de qualidade similar, apoiasse uma boa causa.

> 94% dos consumidores acreditam que a atuação sobre propósitos deve equilibrar interesses sociais e de negócio.

> 76% creem que não basta às corporações simplesmente transferir dinheiro para causas; elas devem integrar os propósitos às suas estratégias e rotinas de negócio.

> 72% gostariam de trabalhar para uma companhia se ela apoiasse ativamente uma causa.

> 60% investiriam em uma companhia socialmente ativa.

Fonte: Maxpress
(Instituto Carbono Brasil)

sábado, 20 de novembro de 2010

Prêmio Dardos




É sempre muito prazeroso e lisonjeiro receber um prêmio, mais ainda quando vem pelas mãos de uma guerreira como a Manuela do "Sustentabilidade é Ação "! A Manuela e outras tantas pessoas da blogosfera são exemplos de desprendimento, persistência, companheirismo e esperança de um mundo melhor!

Para mim é sempre uma enorme responsabilidade receber este prêmio, que como uma tocha olímpica precisa ser passada adiante, alimentando nossos ânimos para continuar lutando pelas causas que acreditamos como a justiça, equidade social e sustentabilidade ambiental.

"«O Prêmio Dardos é o reconhecimento dos ideais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc... que em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, e suas palavras. Estes selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os blogueiros, uma forma de demonstrar o carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web»"

Receber o prêmio implica aceitar as suas regras, que neste caso são: 1 - Exibir a imagem do selo no blogue; 2 - Revelar o link do blogue que atribuiu o prêmio; 3 - Escolher 10, 15 ou 30 blogues para premiar.

Assim, antes de mais nada agradeço a Manuela e também indico o "
Sustentabilidade é Ação
" e mais:

Blog de Ronilson Paz

Bicho do Meio

Flor do Cerrado

Medio Ambiente Y Cambio climatico

Evolução Sustentável

Saudável e Orgânico

AgroEcologia

Mídias na Educação

Xingu Vivo para Sempre

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Amazônia está aquecendo


“As variações climáticas das chuvas são rotineiras. O que nos chama a atenção é que num intervalo de cinco anos, do início da primeira de 2005 até agora, nós tivemos a mais drástica seca, a terceira maior seca no rio Amazonas e, ainda, tivemos a maior enchente do mesmo rio em 2009″, fala Carlos Nobre ao analisar os fenômenos climáticos extremos que têm atingido diretamente a Amazônia. Em entrevista, concedida por telefone, à IHU On-Line, o meteorologista Carlos Nobre analisou as secas que assolam a região amazônica e analisou as consequências de uma possível savanização de parte da floresta. E questionou: “o que está acontecendo? Nós ainda não temos uma explicação completa sobre o porquê estamos vendo tantos recordes sendo quebrados em termos de cheias e secas na bacia do rio Amazonas em tão pouco espaço de tempo”.

Carlos Nobre é engenheiro eletrônico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Na Massachussets Institute of Technology (EUA), realizou o doutorado em meteorologia. Recebeu o título de pós-doutor da University of Maryland (EUA). Atualmente, é pesquisador sênior no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É autor das obras Amazonian deforestation and climate (New York: John Wiley and Sons, 1996) e Regional Hidrological Impacts of Climatic Change - Impact Assessment and Decision Making (Oxfordshire: International Association of Hidrological Sciences, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que há de anormal nessas secas na Amazônia?

Carlos Nobre - As variações climáticas das chuvas são rotineiras. O que nos chama a atenção é que num curto intervalo de cinco anos, do início da primeira seca em 2005, nós tivemos a mais drástica seca agora, a terceira maior seca no rio Amazonas, e, ainda, tivemos a maior enchente do mesmo rio em 2009. Em cinco anos, portanto, tivemos alguns recordes climáticos quebrados. A questão é: o que está acontecendo? Nós ainda não temos uma explicação completa sobre o porquê estamos vendo tantos recordes sendo quebrados em termos de cheias e secas na bacia do rio Amazonas em tão pouco espaço de tempo. Isso gerou uma enorme tensão internacional que está estudando esses fenômenos. Nós esperamos que, talvez em 2011, nós consigamos algumas explicações.

A causalidade, o que fez as chuvas atrasarem, nós podemos explicar. A questão é: por que essa coincidência de extremos climáticos num curtíssimo espaço de tempo? Há 108 anos nós registramos todos os fenômenos de clima da Amazônia e não há nada parecido com o que vivemos hoje. Uma das possibilidades, não é a única, não temos certeza ainda, é: se o planeta continuar aquecendo desta forma como está acontecendo atualmente, em até 50 anos esse tipo de extremidade se tornará uma variação climática habitual. Portanto, se não conseguirmos reverter o aquecimento global esta é uma amostra de como será o clima no futuro.

IHU On-Line - Como o senhor caracteriza as secas na Amazônia?

Carlos Nobre - Tem dois tipos de secas na Amazônia: as secas que são causadas, principalmente, por perturbações climáticas que se originam no Oceano Pacífico associadas com seu aquecimento ou esfriamento e isso causa uma seca acentuada no norte e leste da Amazônia, ao redor de toda a América do Sul Tropical.

Outro tipo de seca é induzida pelo Oceano Atlântico mais quente que muda a circulação atmosférica em cima da Amazônia, diminuindo as chuvas uma vez que o transporte de umidade diminui. Todo o sistema do Oceano Atlântico está dentro do continente e influencia diretamente no nosso clima. Então, essas são as tipologias de secas e hoje nós temos um bom entendimento desses dois tipos. O que nós não temos ainda é a capacidade de prever a longo prazo, como por exemplo, como vai ser o regime de chuvas num intervalo de um ano ou dois anos.

IHU On-Line - Qual é a redução na quantidade de chuvas necessária para desestabilizar a floresta?

Carlos Nobre - Existe um cálculo para isso. É sempre uma combinação dos níveis de chuva e aumento de temperatura. Então, se o aquecimento global ou o desmatamento na Amazônia causarem uma mudança permanente do clima em que a soma média da região diminuía em torno de 10% ou 15% e a temperatura aumente quatro graus, as duas coisas ocorrendo, mais de 50% da Amazônia se tornará uma região propícia a outros tipos de vegetação. Com isso, ou teremos uma floresta seca ou um tipo de savana bastante destacada, diferente do cerrado do centro e do sul da Amazônia, pelo empobrecimento. Esses são os cenários previstos, portanto.

IHU On-Line - Muito do clima do Brasil depende do clima da Amazônia. Com uma possível savanização de parte da Amazônia, quais seriam as consequências para o clima do país?

Carlos Nobre - Hoje, não conseguimos estabelecer uma relação clara entre as chuvas da Amazônia e o clima do país. Há um número pequeno de estudos que indicam a relação com a chuva de inverno no sul no Brasil, norte da Argentina, Uruguai, Foz do Iguaçu… A floresta é muito importante para o clima da própria Amazônia. Disso tenho certeza. As chuvas seriam maiores na Amazônia se não houvesse a floresta. A influência do clima da Amazônia no resto do país e no clima do mundo é algo que nós temos alguma ideia, mas não há qualquer comprovação forte. No entanto, pode haver mudanças nesse sentido se a Amazônia for desmatada.

IHU On-Line - Como podemos entender o efeito de fertilização do CO2 sobre a floresta amazônica?

Carlos Nobre - O CO2, de modo geral, é um combustível da fotossíntese. Quanto mais CO2 houver na atmosfera, até um certo limite, as plantas gostam, elas produzem mais matéria orgânica. O que nós não sabemos é como um sistema complexo como uma floresta tropical, que não é uma coisa simples, responde ao aumento do CO2. O que sabemos é que uma floresta tropical não responde da mesma maneira que uma plantinha qualquer. Vários experimentos foram feitos no hemisfério norte mostraram que nesses ambientes o quanto essas florestas acumula de CO2 é 25% acima do valor máximo que ela precisa para o crescimento. Isso porque um sistema complexo responde a uma série de fatores e não somente ao CO2.

A grande incerteza em relação à Amazônia é que não sabemos como a floresta tropical responderá por que nunca fizemos um experimento desses. Isso porque é uma experiência muita complexa e muito difícil, porque é preciso criar um ambiente de muitas árvores, necessita da implementação de sensores de gás carbônico e tem que manter a atmosfera enriquecida de CO2 até um certo valor por muitos anos. É algo nada trivial e na Amazônia seria menos trivial ainda. Portanto, não sabemos como a floresta tropical responde ao aumento da quantidade de CO2 na atmosfera.

As florestas, de um modo geral, aguentam mais as mudanças climáticas. Portanto, elas respondem perfeitamente ao aumento de CO2 porque ela é muito resistente. Mas não sabemos qual é a resposta de uma floresta tropical. Aí está a grande questão.

IHU On-Line - O que é necessário fazer para mudar essas previsões?

Carlos Nobre - Duas coisas: uma está ao alcance das mãos dos brasileiros. É a construção de políticas públicas que foquem na redução dos desmatamentos da Amazônia. Isso vem ocorrendo nos últimos anos. Vamos dizer que estamos no caminho certo uma vez que o desmatamento está diminuindo. Precisamos continuar e reduzir para zero. Agora, mesmo que consigamos fazer tudo isso, se o aquecimento global continuar sem alterações, na segunda metade deste século já vamos ter efeitos muito graves na Amazônia. E isso pode levar a um risco de savanização da Amazônia. Podemos zerar o desmatamento, mas isso terá um efeito muito pequeno com o advento do aquecimento global. Temos que criar uma estratégia mundial de redução das emissões, não só no Brasil. Esse é o grande desafio. Se não reduzirmos as emissões das florestas tropicais, em especial a Amazônia, pagar emos um preço muito alto.

(IHU On-Line)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Os latifúndios de ideias


Ladislau Dowbor

A concentração de renda e a destruição ambiental continuam sendo os nossos grandes desafios. São facetas diferentes da mesma dinâmica: na prática, estamos destruindo o planeta para a satisfação consumista de uma minoria, e deixando de atender os problemas realmente centrais. Como explicar que, com tantas tecnologias, produtividade e modernidade, estejamos reproduzindo o atraso? Em particular, como a sociedade do conhecimento pode se transformar em vetor de desigualdade?

O prêmio Nobel Kenneth Arrow considera que os autores de “Apropriação indébita: como os ricos estão tomando a nossa herança comum”, Gar Alperovitz e Lew Daly, “se baseiam em fontes impecáveis e as usam com maestria. Todo mundo irá aprender ao ler este livro”. Eu, que não sou nenhum prêmio Nobel, venho aqui contribuir com a minha modesta recomendação, transformando o meu prefácio em instrumento de divulgação. Mania de professor, querer comunicar o entusiasmo de boas leituras. E recomendação a não economistas: os autores deste livro têm suficiente inteligência para não precisar se esconder atrás de equações. A leitura flui.

A quem vai o fruto do nosso trabalho, e em que proporções? É a eterna questão do controle dos nossos processos produtivos. Na era da economia rural, os ricos se apropriavam do fruto do trabalho social, por serem donos da terra. Na era industrial, por serem donos da fábrica. E na era da economia do conhecimento, a propriedade intelectual se apresenta como a grande avenida de acesso a uma posição privilegiada na sociedade. Mas para isso, é preciso restringir o acesso generalizado ao conhecimento, pois se todos tiverem acesso, como se cobrará o pedágio, como se assegurará a vantagem de minorias?

Um argumento chave desta discussão, é naturalmente a legitimidade da posse. De quem é a terra, que permitia as fortunas e o lazer agradável dos senhores feudais? Apropriação na base da força, sem dúvida, legitimada em seguida por uma estrutura de heranças familiares. Uma vez aceito, o sistema funciona, pois na parte de cima da sociedade forma-se uma aliança natural ditada por interesses comuns.

Na fase industrial, um empresário pega um empréstimo no banco – e para isso ele já deve pertencer a um grupo social privilegiado – e monta uma empresa. Da venda dos produtos, e pagando baixos salários, tanto auferirá lucros pessoal como restituirá o empréstimo ao banco. De onde o banco tirou o dinheiro? Da poupança social, sob forma de depósitos, poupança esta que será transformada na fábrica do empresário. Aqui também, vale a solidariedade dos proprietários de meios de produção, e o resultado de um esforço que é social será em boa parte apropriado por uma minoria.

Mudam os sistemas, evoluem as tecnologias, mas não muda o esquema. Na fase atual, da economia do conhecimento, coloca-se o espinhoso problema da legitimidade da posse do conhecimento. A mudança é radical, relativamente aos sistemas anteriores: a terra pertence a um ou a outro, as máquinas têm proprietário, são bens “rivais”. No caso do conhecimento, trata-se de um bem cujo consumo não reduz o estoque. Se transmitimos o conhecimento a alguém, continuamos com ele, não perdemos nada, e como o conhecimento transmitido gera novos conhecimentos, todos ganham. A tendência para a livre circulação do conhecimento para o bem de todos torna-se portanto poderosa.

A apropriação privada de um produto social deve ser justificada. O aporte principal de Alperovitz e de Daly, neste pequeno estudo, é de deixar claro o mecanismo de uma apropriação injusta – Unjust Deserts – que poderíamos explicitar com a expressão mais corrente de apropriação indébita. Ao tornar transparentes estes mecanismos, os autores na realidade estão elaborando uma teoria do valor da economia do conhecimento. A força explicativa do que acontece na sociedade moderna, com isto, torna-se poderosa.

Para dar um exemplo trazido pelo autor, quando a Monsanto adquire controle exclusivo sobre determinada semente, como se a inovação tecnológica fosse um aporte apenas dela, esquece o processo que sustentou estes avanços. “O que eles nunca levam em consideração, é o imenso investimento coletivo que carregou a ciência genética dos seus primeiros passos até o momento em que a empresa toma a sua decisão. Todo o conhecimento biológico, estatístico e de outras áreas sem o qual nenhuma das sementes altamente produtivas e resistentes a doenças poderia ter sido desenvolvida – todas as publicações, pesquisas, educação, treinamento e ferramentas técnicas relacionadas sem os quais a aprendizagem e o conhecimento não poderiam ter sido comunicados e fomentados em cada estágio particular de desenvolvimento, e então passados adiante e incorporados, também, por uma força de trabalho de técnicos e cientistas – tudo isto chega à empresa sem custo, um presente do passado” (55) Ao apropriar-se do direito sobre o produto final, e ao travar desenvolvimentos paralelos, a empresa canaliza para si gigantescos lucros da totalidade do esforço social, que ela não teve de financiar. Trata-se de um pedágio sobre o esforço dos outros. Unjust Deserts.

Se não é legítimo, pelo menos funciona? A compreensão do caráter particular do conhecimento como fator de produção já é antiga. Uma jóia a este respeito é um texto, de 1813, de Thomas Jefferson: “Se há uma coisa que a natureza fez que é menos suscetível que todas as outras de propriedade exclusiva, esta coisa é a ação do poder de pensamento que chamamos de idéia….Que as idéias devam se expandir livremente de uma pessoa para outra, por todo o globo, para a instrução moral e mútua do homem, e o avanço de sua condição, parece ter sido particularmente e benevolente desenhada pela natureza, quando ela as tornou, como o fogo, passíveis de expansão por todo o espaço, sem reduzir a sua densidade em nenhum ponto, e como o ar no qual respiramos, nos movemos e existimos fisicamente, incapazes de confinamento, ou de apropriação exclusiva. Invenções não podem, por natureza, ser objeto de propriedade.”1

O conhecimento não constitui uma propriedade no mesmo sentido que a de um bem físico. A caneta é minha, faço dela o que quiser. O conhecimento, na medida em que resulta de um esforço social muito amplo, e constitui um bem não rival, obedece a outra lógica, e por isto não é assegurado em permanência, e sim por vinte anos, por exemplo, no caso das patentes, ou quase um século no caso dos copyrights, mas sempre por tempo limitado: a propriedade é assegurada por sua função social – estimular as pessoas a inventarem ou a escreverem – e não por ser um direito natural.

O merecimento é para todos nós um argumento central. Segundo as palavras dos autores, “nada é mais profundamente ancorado em pessoas comuns do que a idéia de que uma pessoa tem direito ao que criou ou ao que os seus esforços produziram”.(96) Mas na realidade, não são propriamente os criadores que são remunerados, e sim os intermediários jurídicos, financeiros e de comunicação comercial que se apropriam do resultado da criatividade, trancando-o em contratos de exclusividade, e fazem fortunas de merecimento duvidoso. Não é a criatividade que é remunerada, e sim a apropriação dos resultados: “Se muito do que temos nos chegou como um presente gratuito de muitas gerações de contribuições históricas, há uma questão profunda relativamente a quanto uma pessoa possa dizer que “ganhou merecidamente” no processo, agora ou no futuro.”(97)

As pessoas em geral não se dão conta das limitações. Hoje 95% do milho plantado nos EUA é de uma única variedade, com desaparecimento da diversidade genética, e as ameaças para o futuro são imensas. Teremos livre acesso às obras de Paulo Freire apenas a partir de 2050, 90 anos depois da morte do autor. O livre acesso às composições de Heitor Villalobos será a partir de 2034. Isto está ajudando a criatividade de quem? Patentes de 20 anos há meio século atrás podiam parecer razoáveis, mas com o ritmo de inovação atual, que sentido fazem? Já são 25 milhões de pessoas que morreram de Aids, e as empresas farmacêuticas (o Big Pharma) proíbem os países afetados de produzir o coquetel, são donas de intermináveis patentes. Ou seja, há um imenso enriquecimento no topo da pirâmide, baseado não no que estas pessoas aportaram, mas no fato de se apropriarem de um acúmulo historicamente construído durante sucessivas gerações.

Nesta era em que a concentração planetária da riqueza social em poucas mãos está se tornando insustentável, entender o mecanismo de geração e de apropriação desta riqueza é fundamental. Os autores não são nada extremistas, mas defendem que o acesso aos resultados dos esforços produtivos devam ser minimamente proporcionais aos aportes. “A fonte de longe a mais importante da prosperidade moderna é a riqueza social sob forma de conhecimento acumulado e de tecnologia herdada”, o que significa que “uma porção substantiva da presente riqueza e renda deveria ser realocada para todos os membros da sociedade de forma igualitária, ou no mínimo, no sentido de promover maior igualdade”.(153)

Um livro curto, muito bem escrito, e sobretudo uma preciosidade teórica, explicitando de maneira clara a deformação generalizada do mecanismo de remuneração, ou de recompensas, que o nosso sistema econômico gerou. Trata-se aqui de um dos melhores livros de economia que já passaram por minhas mãos. Bem documentado mas sempre claro na exposição, fortemente apoiado em termos teóricos, na realidade o livro abre a porta para o que podemos qualificar de teoria do valor, mas não da produção industrial, e sim da economia do conhecimento, o que Daniel Bell qualificou de “knowledge theory of value”. A Editora Senac tomou uma excelente iniciativa ao traduzir e publicar este livro. Vale a pena. (www.editorasenacsp.com.br )

Ladislau Dowbor, professor de economia e administração da PUC-SP, é autor de Democracia Econômica e de Da propriedade Intelectual à Sociedade do Conhecimento, disponíveis em http://dowbor.org

1 Citado por Lawrence Lessig, The Future of Ideas: the Fate of the Commons in an Connected World – Random House, New York, 2001, p. 94
OutrasPalavras

Guaranis promovem terceiro encontro internacional

Entre 15 e 19 de novembro, os indígenas estarão reunidos no Paraguai para insistir no cumprimento dos seus direitos

Indígenas do Paraguai, Bolívia, Brasil e Argentina realizam entre os dias 15 e 19 de novembro o 3º Encontro Continental do Povo Guarani em Assunção, no Paraguai.

O evento tem como objetivo principal, segundo os organizadores, insistir no efetivo cumprimento dos direitos dos povos indígenas, consagrados nas Constituições e Convênios Internacionais ratificados pelos países, a fim de garantir o direito à terra e ao território para sua reprodução social e cultural.

Estarão em debate, entre outros temas, autodeterminação dos povos indígenas, ferramentas jurídicas para a defesa da terra e do território; autogestão e governabilidade dos povos; e articulação continental do povo Guarani.

Entre as entidades que apoiam o encontro estão a Coordenação Nacional da Pastoral Indígena (Conapi), do Paraguai; a Equipe Nacional da Pastoral Aborígene (Endepa), da Argentina; a Rede de Entidades Privadas a Serviço dos Povos Indígenas, do Paraguai; e Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Brsil.


Histórico

Os dois primeiros encontros foram organizados e realizados no Brasil, como um espaço de encontro e busca de uma articulação dos Guarani na região do Cone Sul.

O primeiro encontro ocorreu em fevereiro de 2006, no município de São Gabriel (RS) e teve com ponto de partida os 250 anos da morte do líder Sepé Tiaraju e de seus 1,5 mil soldados. Do encontro resultou a Campanha Guarani, com a articulação de várias organizações sociais.

A segunda mobilização aconteceu em Porto Alegre (RS), em abril de 2007, e teve como tema principal Ywy Rupá (como os indígenas denominam o território Guarani), que foi dividida, estabelecendo fronteiras entre países e estados. A partir dessa mobilização surgiu a campanha internacional Povo Guarani, Grande Povo; Vida, terra e futuro.
Brasil de Fato

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Rumo ao fim da globalização?


Por Mario Osava, da IPS




Rio de Janeiro, Brasil, 10/11/2010 – Uma “grave regressão” da economia mundial, com um foco generalizado de barreiras alfandegárias e ao fluxo de capitais, é um resultado possível diante da previsível incapacidade do Grupo das 20 maiores economias (G-20) de encontrar soluções para a crise atual.

O mais provável é que o G-20 comece a sofrer um “progressivo desmantelamento” em sua cúpula de Seul, dias 11 e 12 deste mês, porque se assenta em “coalizões que não se sustentam” e seus membros vivem conflitos insolúveis, segundo Fernando Cardim, professor da brasileira Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Apenas “uma diplomacia surpreendente” poderia neste momento produzir algum entendimento que abra caminho para “uma solução coletiva”, que é a única saída para a crise econômica mundial, afirmou o professor. “Tomara que a visão do abismo” estimule o espírito colaborador dos governantes, acrescentou.

O G-20 reúne as principais potências industriais e de economias emergentes de caráter muito diferente: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, Turquia e a União Europeia.

De Seul sairá apenas “vento” afirmou Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio e ex-diretor do Banco Central brasileiro. Ele prevê um período de “estagflação” mundial, com paralisação ou desaceleração da atividade econômica nos países emergentes que vinham crescendo, agravando a inflação.

“Após três décadas de globalização, o sistema produtivo de bens e serviços está mundialmente integrado” e sofreria uma séria desordem se um foco de protecionismo travar os fluxos comerciais e de investimentos, afirmou Mariano Laplane, diretor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, no Estado de São Paulo.

Para Cardim, isto representaria “o caos” para os países asiáticos “que dependem muito das exportações” e afetaria gravemente as nações latino-americanas vulneráveis ao comércio externo, como Argentina, Chile e México. O Brasil, por seu grande mercado interno e uma relativa autossuficiência, poderia sofrer menos, concordam Cardim e Freitas. Isto é atribuído à “gordura acumulada” pelo país, cujo crescimento econômico cairia de 5% para 3% ao ano, disse Freitas.

O pessimismo se acentuou depois que o banco central dos Estados Unidos (FED) anunciou que comprará títulos do Tesouro no valor de US$ 600 bilhões nos próximos oito meses, inundando o mercado de dólares e desvalorizando a moeda ainda mais. A reação geral será maior controle do fluxo de capitais, como “primeiro passo” e, se isto não der resultado, virá, então, uma onda de protecionismo comercial, provocando uma “desaceleração da atividade econômica” nos países emergentes que estão sustentando a economia mundial, afirmou Freitas.

Os Estados Unidos buscam solucionar sua crise transferindo os custos para o resto do mundo. A política adotada pelo FED entre 1979 e 1981, elevando aos poucos as taxas de juros para mais de 20% ao ano para vencer a inflação, submergiu grande parte do mundo em uma crise que custou uma ou duas “décadas perdidas” aos países endividados. Agora, o “sinal inverteu”, tenta-se superar a recessão e desvalorizar o dólar para aumentar as exportações, em detrimento dos demais. Mas “os países emergentes hoje possuem meios para se defender”, disse Laplane.

O Brasil, por exemplo, adquiriu elevadas reservas cambiais que se aproximam dos US$ 300 bilhões, pagando um custo brutal para mantê-las devido à sua elevada taxa básica de juros, atualmente em 10,75%. Como não conseguiu deter a desvalorização do dólar frente ao real, passou a gravar alguns capitais estrangeiros com taxas que aumentaram de 2% para 6%.

O governo terá que adotar “outras medidas de seleção” de capitais, sem excluir a exigência de que permaneçam no país por determinado tempo, como faz o Chile, afirmou Laplane, reconhecendo, porém, que “tudo será insuficiente diante da avalanche” causada pela medida do FED em relação a um Brasil muito atraente por sua taxa de juros e seu crescimento econômico. Estados Unidos e China têm suas razões para manterem desvalorizadas suas moedas, mas as nações emergentes contam com “uma força moral nada desprezível”, pois buscam evitar um “retrocesso econômico” desastroso para todos, que daria lugar a uma guerra comercial e ao fechamento do mercado de capitais, acrescentou.

“Em algum momento prevalecerá a sensatez” em defesa de um “sistema econômico aberto e integrado” que o G-2 (China e Estados Unidos) “está tornando inviável”, previu Laplane. Na realidade, todos os países sempre “procuram transferir problemas internos para fora”, mas são muito diferentes os efeitos da ação das potências, e “hoje todos reagem”, o que abre “um período muito perigoso, com um potencial ilimitado de conflitos”, disse Cardim.

Em 2009, houve um “clima de cooperação” diante do medo de uma depressão econômica mundial. Contudo, superado o “pânico”, voltou a tradição de “lançar os custos sobre os ombros dos demais”, disse Cardim. Além disso, o fortalecimento opositor nas eleições parlamentares dos Estados Unidos impede o governo de moderar seu apetite. “Evitar um colapso” como o de 1930 foi positivo, mas “só Deus sabe o que virá depois do G-20, e será um tempo de tensão e regressão”, concluiu Cardim.

No momento acontece a guerra cambial, expressão criada pelo ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega. O futuro “depende de até onde chegar a política monetária norte-americana”, porque, se a inflação subir muito, forçará à alta de juros, desarmando a armadilha da crescente desvalorização do dólar, segundo Freitas.

A chuva de dólares gerada pela decisão norte-americana acentuará a alta dos preços de produtos agrícolas e minerais, pela especulação que tende a se reforçar e retomar os níveis de 2007. A inflação e a fome se somarão ao desemprego como ameaças do novo formato que está assumindo a crise econômica mundial. IPS/Envolverde
(IPS/Envolverde)

Europa e Estados Unidos: Duas potências à deriva

Roberto Sávio

Roma, novembro/2010 – Com a recente declaração da chanceler Angela Merkel sobre o fracasso do modelo multicultural na Alemanha, vai se completando o giro de cunho xenófobo na Europa. Segundo as pesquisas, se um partido xenófobo se apresentasse agora em eleições na Alemanha obteria cerca de 15% dos votos. Além disso, países-símbolo da tolerância, como Holanda ou Suécia, são apenas os últimos casos de governos condicionados por partidos que pedem a expulsão dos estrangeiros e o retorno a uma nação pura e homogênea.

Segundo as Nações Unidas (UNFPA, 2009), a Europa deveria acolher, até 2015, pelo menos 20 milhões de imigrantes para continuar sendo competitiva no plano mundial. O envelhecimento da população europeia é tão rápido que, pela primeira vez, pessoas com mais de 50 anos superam as menores de 18. Por este motivo, o sistema de previdência social está destinado a sofrer uma crise estrutural se não houver trabalhadores suficientes para pagar as contribuições correspondentes.

É representativo das carências da classe política europeia o fato de nenhum governo ter buscado implantar uma política de educação para fazer seus cidadãos compreenderem a importância dos imigrantes para o desenvolvimento nacional e que tenha sido permitido que se estendesse o mito da perda de postos de trabalho por parte dos europeus, bem como o de que os imigrantes representam um perigo para a ordem pública. Hoje em dia, cerca de 70% das novas empresas são o resultado da iniciativa de imigrantes (OCDE, 2009) e somente 1% destes está envolvido em atividades criminosas (embora representem uma parte importante da população carcerária).

Se passarmos à imagem da Europa como potência econômica a situação é ainda pior. Não só a balança de pagamentos ficará cada vez mais desequilibrada, como também os países europeus estão perdendo progressivamente cotas do mercado mundial, com exceção da Alemanha. Segundo as projeções, se a Europa não reverter as tendências atuais, será superada pela China em 2015 com motor da economia mundial. Esses dados não chegam às pessoas comuns, mas existe a perda de credibilidade nas instituições europeias e uma crescente divergência com as instituições políticas. O Eurobarômetro de 2010 indica que apenas 52% dos cidadãos europeus estão dispostos a votar.

A mesma situação, embora de modo obviamente diferente, se apresenta nos Estados Unidos. A crise financeira, o desemprego, a perda da casa por milhões de pessoas, a impossibilidade de se aposentar e a necessidade de continuar trabalhando para sobreviver, o aumento da pobreza, que afeta um em cada dez norte-americanos, a redução dos serviços, incluindo educação e infraestruturas estatais cada vez mais endividadas, produzem um único resultado: a desconfiança com relação ao governo, que chega ao ponto de deixar o presidente Barack Obama com aprovação pública de 43% e que 49% dos entrevistados pela rede CNN declararem que preferem George W. Bush.

As eleições de novembro mostraram um retrocesso do Partido Democrata, o que tornará ainda mais difícil a segunda metade do governo Obama. Isto ocorre apesar de Obama ter conseguido cumprir reformas de grande importância como aquela, quase inteira, do sistema sanitário, aquela bastante reduzida do sistema educacional e aquela muito tímida do sistema financeiro.

Também aqui estamos diante de uma fuga para o futuro, outro aspecto furta-cor de uma crise profunda, que no caso norte-americano se deve, além dos fatores internos, ao reconhecimento de que a superpotência está perdendo a capacidade de cumprir seu “destino manifesto”, segundo o qual os Estados Unidos seriam um país diverso dos demais e, por ser universal seu sistema de valores, que está destinado a governar o mundo.

O Tea Party, movimento conservador em crescimento nos Estados Unidos, é formado por duas grandes vertentes: uma quer reduzir o governo à mínima expressão e considera Obama um perigoso socialista que deseja converter os Estados Unidos em uma segunda Europa, e que, portanto, é preciso reduzir ao máximo os impostos e dar liberdade total ao cidadão. O segundo filão acredita que a decadência norte-americana se deve a uma conspiração internacional e que é hora de vestir as calças e tirar de cena os ineficientes intelectuais como Obama.

Esta marcha à deriva de Europa e Estados Unidos ocorre enquanto não apenas China, Índia e Brasil, mas também diversos países emergentes, da Indonésia à Malásia, da Coreia à Argentina, marcham a um ritmo de crescimento econômico muito superior. Uma das características da crise é que os protagonistas não têm a capacidade de ver além de seu próprio mundo. Segundo as projeções das Nações Unidas (Unctad, 2010), a China superará os Estados Unidos dentro de dez anos. Poderá o Norte do mundo deixar de buscar bodes expiatórios e de fugir do real problema e, por outro lado, começar a cumprir, antes que seja tarde, políticas que resistam aos desafios destes tempos? Quem escreve este artigo não está nada convencido de que assim será. Envolverde/IPS

* Roberto Sávio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS).
(IPS/Envolverde)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

"A felicidade é uma ideia fundamental"


Eduardo Febbro, da Página/12*

A figura esbelta, a firmeza juvenil da voz e o aperto de mão sólido – pouco comum na França – introduzem o personagem real de Alain Badiou. Esse filósofo original é o pensador francês mais conhecido fora das fronteiras do seu país. Sua obra, extensa e sem concessões, abrange uma crítica ferrenha ao que Alain Badiou chama de “materialismo democrático”, isto é, um sistema humano em que tudo tem valor mercantil. Badiou nunca renunciou a defender um conceito que muitos acreditam estar queimado pela história: o comunismo.

Em sua pena, Badiou fala mais da “ideia comunista” ou ” hipótese comunista” antes que do sistema comunista em si. Segundo o filósofo francês, tudo o que estava na ideia comunista, sua visão igualitária do ser humano e da sociedade, merece ser resgatado. A ideia comunista “ainda está, historicamente, em seus inícios”, diz Badiou.

O horizonte de sua filosofia é polifônico: seus componentes não são a exposição de um sistema fechado, mas sim um sistema metafísico exigente que inclui as teorias matemáticas modernas – Gödel – e quatro dimensões da existência: o amor, a arte, a política e a ciência. Pensador crítico da modernidade numérica, Badiou definiu os processos políticos atuais como uma”guerra das democracias contra os pobres”. O filósofo francês é um excelso teórico dos processos de ruptura e não era mero panfletário. Badiou convoca com método a repensar o mundo, a redefinir o papel do Estado, traça os limites da “perfeição democrática”, reinterpreta a ideia de República, reatualiza as formas possíveis e não aceitas de oposição e coloca no centro da evolução social a relegitimação das lutas sociais.

Alain Badiou propõe um princípio de ação sem o qual, sugere, nenhuma vida tem sentido: a ideia. Sem ela, toda existência é vazia. Em seus mais de 70 anos, Badiou introduziu em sua reflexão a questão do amor em um livro brilhante e comovedor que acaba de sair na França e no qual o autor de “O ser e o evento” (Ed. UFRJ, 1998) define o amor como uma categoria da verdade, e o sentimento amoroso, como o pacto mais elevado que os indivíduos podem moldar para viver.

Eis a entrevista.

A “ideia” e o “materialismo democrático”

Página/12 - O senhor defende um princípio básico da nossa inscrição na existência, do qual se desprendem também nossos compromissos políticos: uma vida sem ideias não é uma vida.

Alain Badiou - A verdadeira pergunta da filosofia consiste em saber o que é uma vida verdadeira, o que é viver, o que é o destino. Mas a filosofia deve contribuir com respostas mínimas a essas perguntas. Minha resposta, que, por sua vez, é uma hipótese e uma conclusão, é que a verdadeira vida é uma via que aceita estar sob o signo da ideia. Dito de outra forma, uma vida que aceita ser outra coisa do que uma vida animal. Em todas as situações, sempre persiste a vontade de querer algo, e essa vontade só tem sentido em relação a uma vontade de transformação.

Página/12 - Como essa ideia da ideia se inscreve em plena ditadura do que o senhor chama de “materialismo democrático”? Em suma, como existe, com que ideia, em um mundo onde tudo tem forma de produto?

Alain Badiou - Esse é o principal problema da vida contemporânea. Estabeleceu-se um regime de existência no qual tudo deve ser transformado em produto, em mercadoria, incluindo os textos, as ideias, os pensamentos. Marx havia antecipado isso muito bem: tudo é medível segundo seu valor monetário. O que é, então, uma vida sob o signo da ideia em um mundo como esse? É preciso uma distância com a circulação geral. Mas essa distância não pode ser criada só com a vontade. É preciso que algo nos ocorra, um acontecimento que nos leve a tomar posição frente ao que passou. Pode ser um amor, um levante político, uma decepção, enfim, muitas coisas. Ali é posta em jogo a vontade para criar um mundo novo que não estará à ordem do mundo tal como ele é, com sua lei de circulação mercantil, mas sim por um elemento novo da minha experiência.

A “ideia comunista”

Página/12 - O senhor é um dos poucos pensadores que ainda defendem isso que o senhor chama de “a ideia comunista”. O senhor propõe o comunismo como uma ilusão atual.

Alain Badiou - Sei muito bem que algumas empresas que se reivindicaram como comunistas fracassaram, porque não conseguiram criar o mundo novo que pretendiam e acabaram provocando danos consideráveis e situações terríveis. Temos duas opções: ou dizemos que essa hipótese comunista de um mundo que não estaria regulado pela mercadoria, o produto, não pode se realizar, e então nos resignamos ao mundo tal como ele é; ou mantemos a hipótese comunista. Se a mantivermos, também é preciso conservar a palavra. Se tiramos da experiência histórica a conclusão de que é preciso abandonar a palavra, isso seria um retrocesso não necessário. Podemos fazer nosso próprio balanço do que ocorreu no século XX a partir da possibilidade de redefinir o que é o comunismo como porvir possível. Essa é a minha escolha. Sei que se trata de um trabalho longo, que requer muita reflexão e que será mais mundial do que antes. A primeira batalha consiste em manter a força e o significado dessa palavra.

Página/12 - O que pode se recuperar, o que pode se voltar a ler do que o comunismo foi, com todo um naufrágio real na sua prática? Que mensagem ainda existe na ideia comunista?

Acredito que podemos voltar ao que o comunismo queria dizer não só para Marx, mas também para muitos revolucionários do século XIX. Para eles, o comunismo tinha um sentido comum que era a ideia de uma sociedade extraída do princípio do interesse, isto é, uma sociedade que não é governada pelo fato de que um homem busca seu interesse, mas sim pela ideia da associação dos homens. É essa associação que define os projetos ou as metas coletivas. No século XX, essa ideia se converteu na de um Estado todo-poderoso que resolve todos os problemas propostos à sociedade. Entre a definição do século XIX e a do século XX há uma enorme distância.

Página/12 - O que ocorreu entre as duas?

A obsessão do poder. As organizações operárias, militantes, revolucionárias, que haviam sido esmagadas várias vezes no século XIX, se obstinaram com a ideia do poder e a pergunta “como vencer?”. Houve duas alternativas a essa convicção:há os que se uniram à democracia parlamentar ordinária com a ideia de vencer fazendo-se eleger. Mas, claro, foram eleitos e não mudaram nada, o mundo continuou sendo o mesmo. Do outro lado, há aqueles que se lançaram na organização da sublevação armada. Mas, lamentavelmente, fizeram isso mediante a militarização violenta da ação política, que desembocou em Estados militarizados que resolviam os problemas com a violência. Chegamos, de alguma forma, a um final porque nem a hipótese da via pacífica e eleitoral, nem a hipótese de um aparato estritamente militar encarregado de resolver os problemas políticos levaram ao comunismo, segundo o sentido original do termo. E o problema da ação política atual é totalmente obscuro. Assistimos a uma mundialização capitalista sem freios, e, nela, as forças políticas dão mostras de mais debilidade do que de forças.

A impunidade e a violência

Seja qual for a situação mundial na qual nos encontremos, na África, no Oriente Médio, na Ásia, na América Latina ou nas democracias ocidentais, enfrentamos a mesma indolência, o mesmo selvagismo, a mesma impunidade, a mesma assimetria por parte dos poderes, a mesma violência.

Estou profundamente convencido de que a forma em que a sociedade está organizada em escala planetar alimenta e cria chamados à violência. A razão principal radica em que, para o sistema, a realidade humana é a concorrência. A ideia de Hobbes segundo a qual o homem é um lobo para o homem constitui a convicção profunda da nossa sociedade. Por essa razão, gera violência constante: a sociedade dá o direito geral para que, em seu próprio interesse, se pisoteie os demais. A imprensa mais ordinária faz o elogio dessa violência. Os jornais falam de como tal banco esmagou o outro, de como as pessoas foram expulsas etc., etc. Isso, dizem, é a vida, a concorrência. Mas é preciso pagar o preço.

Enquanto não enunciarmos que as sociedades devem se constituir com base na associação e não na concorrência, permaneceremos no elemento primordial da violência. Não digo que a violência vai desaparecer. A sociedade alimenta sistematicamente a violência e depois se vê obrigada a combatê-la com uma repressão terrível. Como a violência é constantemente incitada, faz falta um aparato policial para controlá-la. O resultado é que terminamos agregando à violência social a violência do Estado. Devemos mudar os pilares da existência coletiva. Mas o ser humano é capaz de outra coisa que toda essa violência: é capaz de entrega, de amor. Tem uma dupla capacidade. Pode ser um animal de concorrência, mas também um animal altruísta, interessado na ação coletiva, capaz de encarnar ideais, pode ser um apaixonado ou um cientista desinteressado. Saber que aspecto do ser humano nós alentamos é uma decisão fundamental.

Dentro dos sistemas políticos ocidentais, há algo que se degradou profundamente no último quarto de século. Essa evolução drástica está perfeitamente retratada em dois livros seus: o “Manifesto pela filosofia” (Aoutra, 1991), dos anos 1980, e o “Segundo Manifesto”, publicado no ano passado.

O Primeiro Manifesto reúne as últimas esperanças do mundo de antes. Mas, nos últimos 20 anos, houve coisas essenciais que mudaram, entre elas, a hegemonia do capitalismo liberal competitivo e violento. Interveio também outra coisa: uma espécie de clara cumplicidade com esse sistema por parte dos intelectuais, incluindo os franceses. Foi uma forma de dizer que não se poder fazer nem esperar outra coisa, que o mundo natural é assim. Isso se acelerou com o desaparecimento da União Soviética e dos Estados Socialistas. Em minha opinião, estes já haviam morrido há muito tempo. Sua experiência já não tinha mais força, já não propunha nada novo à humanidade. O que é certo é que o desaparecimento completo de tudo isso foi vivido pelo capitalismo liberal como uma vitória que lhe abria o espaço do mundo inteiro para se desenvolver.

As formas de violência e de cumplicidade intelectual com essa violência se desenvolveram muito. Acho que isso começou no final dos anos 1970. A nova figura fundamental é que a opinião, ao invés de estar drasticamente dividida, é massivamente consensual. Esse resultado muda o horizonte, a perspectiva de um filósofo. O filósofo é aquele que sempre luta contras as opiniões dominantes, isto é, as opiniões do poder. Hoje, o combate é muito mais complexo e singular que o dos anos 1960. Nesses anos, os filósofos críticos e comprometidos politicamente dominavam o cenário intelectual. Isso se inverteu. Hoje, eles são os cachorros guardiões daqueles que mandam. Estivemos, com os anos Bush, em uma combinação extraordinária de violência e de mentiras. No fundo, os ocidentais, incluindo a população, foram culpados porque aceitaram tudo isso. É preciso sair de tudo isso. A humanidade não poderá continuar nesse caminho, senão irá rumo à sua eliminação. Trata-se de reconstruir uma visão de mundo e da ação afastada desse horror.

A ilusão tecnológica

A tecnologia também faz parte dessa sociedade, dessa violência. As novas tecnologias instauraram uma espécie de ilusão igualitária, que é muito incômoda, que parece dizer nas entrelinhas: posto que estamos conectados, todos somos iguais. Pois bem, não há nada mais virtual do que essa igualdade. A realidade está presente, as diferenciações são patentes, o pensamento tecnológico contaminou o pensamento humano.

A tecnologia é a realização de uma ideologia que existia antes. Acredito que é a ideologia que cria a tecnologia, e não ao contrário. Essa falsa concepção da igualdade é muito antiga. A desigualdade atual considera de forma abstrata que os diferentes indivíduos são iguais. Pretende-se crer que os indivíduos têm a seu alcance o mesmo sistema de possibilidades. As pessoas não têm a mesma realidade, mas se argumenta que contam com as mesmas possibilidades. É a mitologia com a qual se dizia que, nos EUA, o vendedor de jornais pode se converter em milionário e, por conseguinte, é igual a qualquer milionário. Com esse argumento, a única diferença está em que um realizou a possibilidade de ser milionário, e o outro, não. Há então uma concepção tradicional e falaz da igualdade própria do mundo burguês e competitivo. Todos podemos competir! Essa é a igualdade competitiva.

Mas penso que a tecnologia da Internet e a conexão universal são a realização material e tecnológica dessa ilusão igualitária. Essa ilusão está muito ligada ao materialismo democrático porque inclui a ideia de que todas as opiniões valem e são iguais. Estamos conectados, e o que eu digo vale tanto quanto o que o outro diz! Com tal de que as coisas circulem, tem valor. Isso é falso. O real continua sendo violentamente desigual, competitivo, brutal, indolente. Não basta ter uma máquina onde podemos dizer o que pensamos para ter acesso à igualdade. Na realidade, quanto mais se expande esse tipo de igualdade ilusória, menos poder as pessoas têm. Observe a crise que vivemos: estávamos todos conectados e logo irrompeu a realidade para nos dizer: atenção, de repente tudo pode ruir! A crise veio para lembrar que essa espécie de euforia igualitária na qual estávamos era artificial. No mundo competitivo, a igualdade é sempre artificial. E essa igualdade artificial pode ser uma igualdade tecnológica justamente porque a tecnologia é um artifício.

A reinvenção do amor

Página/12 - O senhor é um dos poucos filósofos contemporâneos que introduziu em sua reflexão algo único, isto é, o amor. O senhor repete frequentemente que é preciso reinventar o amor. Como se faz isso?

O amor é um gesto muito forte, porque significa que é preciso aceitar que a existência de outra pessoa se converta em nossa preocupação. Minha ideia sobre a reinvenção do amor quer dizer o seguinte: posto que o amor se refere a essa parte da humanidade que não está entregue à concorrência, ao selvagismo; posto que, em sua intimidade mais poderosa, o amor exige uma espécie de confiança absoluta no outro; posto que vamos aceitar que esse outro esteja totalmente presente em nossa própria vida, que nossa vida esteja ligada de maneira interna a esse outro, pois bem, já que tudo isso é possível, isso nos prova que não é verdade que a competitividade, o ódio, a violência, a rivalidade e a separação são a lei do mundo.

O amor está ameaçado pela sociedade contemporânea. Essa sociedade bem que gostaria de substituir o amor por uma espécie de regime comercial de pura satisfação sexual, erótica etc. Então, o amor deve ser reinventado para ser defendido. O amor deve reafirmar seu valor de ruptura, seu valor de quase loucura, seu valor revolucionário como nunca se fez antes. Não devemos deixar que o amor seja domesticado pela sociedade atual – que sempre busca domesticá-lo. Em outros tempos, as sociedades clericais e tradicionais buscaram domesticá-lo pelo casamento e pela família. Hoje, busca-se domesticar o amor com uma mistura de pornografia livre e de contrato financeiro. Mas devemos preservar a potência subversiva do amor e apartá-lo dessas ameaças. E isso é extensivo a outras coisas: a arte também deve se afastar da potência do mercado, a ciência igualmente. Ali onde há um pensamento humano ativo e desinteressado, há um combate para libertá-los dos interesses.

Página/12 - O senhor também diz que o amor é um processo de verdade.

O amor traz à luz a diferença. No amor, aceitamos nos colocar de dois a dois para explorar não aquilo que os românticos acreditavam, isto é, a fusão, mas sim para aceitar a diferença do outro, aceitá-la apaixonadamente. O amor é todo o contrário do individualismo que nos propõem. É-nos proposto uma soberania do indivíduo, mas, na realidade, o indivíduo sozinho é soberano de seus próprios interesses. Ao fazermos algo interessante, deixamos de ser soberanos. Se realizamos uma demonstração matemática, os outros matemáticos virão verificar se é certa, dependemos deles. No amor, acontece o mesmo. A soberania é compartilhada com a presença do outro. A ideia da soberania individual é pobre, porque excluiu as atividades interessantes da vida humana. O indivíduo se torna criador quando aceita deixar de ser soberano.

Página/12 - O que resta a um casal apaixonado em um mundo como este? A revolta, a música, a poesia, o sexo, a indiferença, a violência, a sabedoria? Quais são os eixos de uma emancipação positiva frente a essa máquina infernal que é o mundo?

Na situação de crise e de desorientação atual, o mais importante é manter as mãos sobre o timão da experiência que estamos realizando, seja no amor, na arte, na organização coletiva, no combate político. Hoje, o mais importante é a fidelidade: em um ponto, embora seja em um só, é preciso tentar não ceder. E para não ceder devemos ser fiéis ao que aconteceu, ao acontecimento. No amor, é preciso ser fiel ao encontro com o outro, porque vamos criar um mundo a partir desse encontro. Claro, o mundo exerce uma pressão contrária e nos diz: “Cuidado, defenda-se, não se deixe abusar pelo outro”. Com isso, nos está sendo dito: “Voltem para o comércio ordinário”. Então, como essa pressão é muito forte, o fato de manter o timão para o rumo, de manter vivo um elemento de exceção, já é extraordinário. É preciso lutar para conservar o excepcional que nos ocorre. Depois veremos. Dessa forma, salvaremos a ideia e saberemos o que é exatamente a felicidade. Não sou um asceta. Não estou pelo sacrifício. Estou convencido de que, se conseguirmos organizar uma reunião com operário e pusermos em marcha uma dinâmica, se pudermos superar uma dificuldade no amor e nos reencontrarmos com a pessoa que amamos, se fizermos uma descoberta científica, aí começamos a compreender o que é a felicidade. A felicidade é uma ideia fundamental.

*Tradução: Moisés Sbardelotto.

(IHU On-Line)

sábado, 6 de novembro de 2010

Xingu Vivo para Sempre



O Movimento Xingu Vivo para Sempre lançou seu
novo site http://www.xinguvivo.org.br ,
uma importante ferramenta de luta contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte.

O site traz notícias do cotidiano das
lutas das populações do Xingu e seus parceiros, estudos, dados técnicos, processos jurídicos, além do Estudo de Impacto Ambiental e os mapas produzidos pelo
empreendimento.

O Movimento Xingu Vivo para Sempre pede a colaboração de todos na divulgação do site, que ainda está em fase de construção de seu conteúdo. Visite e colabore!





Monte para um público mais amplo.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Com seca no Amazonas, número de peixes-boi mortos chegam a 300




KÁTIA BRASIL
DE MANAUS

O Batalhão Ambiental da Polícia Militar do Amazonas informou nesta sexta-feira que a matança de peixes-boi por caçadores está sem controle no Estado. Ao menos 300 animais foram mortos desde setembro, quando a seca se intensificou no Amazonas.

Nesta época do ano, o animal busca refugio nos lagos. Com a estiagem, os lagos secaram. Os animais, que atingem 3 m de comprimento e pesam até 450 kg, se tornaram presas fáceis.

O peixe-boi é considerado pelo Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) o mamífero aquático mais ameaçado de extinção do Brasil. Sua caça é considera um crime ambiental.

A polícia chegou ao número com base em depoimentos de agentes ambientais, que são ribeirinhos que trabalham voluntariamente na proteção dos animais e denunciaram a matança.

Um dos relatos chegou nesta sexta-feira ao Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Segundo o instituto, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piaguçu Purus (400 km de Manaus) os caçadores mataram ao menos 200 peixes-bois. "Isso significa dizer que são 30 toneladas de carne para comercializar. Isso é um caso de polícia", afirma o pesquisador Anselmo d'Affonseca.

Conforme os depoimentos, no município de Silves (203 km de Manaus) 64 animais foram mortos. Treze animais morreram em Manacapuru (80 km da capital) e dois em Tefé (525 km da capital).

O comandante do Batalhão Ambiental, major Miguel Mouzinho Marinho, afirmou que três equipes foram deslocadas hoje para os municípios de Silves, Codajás e Manacapuru. Ele disse que os policiais não têm como chegar à região do Piaguçu Purus por falta de navegabilidade dos rios. "Infelizmente perdemos o controle [da situação]. A natureza levou anos para recuperar [a espécie] e agora ocorreu essa matança", afirmou Marinho.

Segundo o pesquisador do Inpa Anselmo d'Affonseca, passa bem o filhote de peixe-boi resgatado no lago do Ariaú, em Iranduba. O animal chegou ao Inpa na quarta-feira. É uma fêmea que tem dois anos de idade e 64 kg. "O caçador matou a mãe e o filhote não morreu porque os agentes ambientais o resgataram", disse.

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piaguçu Purus é administrada pelo Ceuc (Centro Estadual de Unidades de Conservação). As famílias da reserva recebem R$ 50 do programa Bolsa Floresta, da Fundação Amazônia Sustentável.
Imagem:Sete pinceladas

Tudo termina no mar




Já dizia o velho sábio que tudo termina no mar. Tudo, até o lixo.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), não há um número exato da quantidade de lixo, tóxico ou não tóxico, encontrado no oceano. O que se sabe, de acordo com a agência da ONU, é que nas últimas duas décadas o problema do lixo marinho persiste grave e crescente.

Em um relatório produzido em 2005, o UNEP estima que cerca de 6,4 milhões de toneladas de lixo marinho são descartadas nos oceanos e mares a cada ano. Segundo outros cálculos, cerca de 8 milhões de itens de lixo marinho são despejados nos oceanos e mares todos os dias, dos quais aproximadamente 5 milhões (resíduos sólidos) são jogados de navios ou acidentalmente perdidos por eles. Estima-se ainda que mais de 13.000 fragmentos de lixo plástico estão, atualmente, flutuando em cada quilômetro quadrado de oceano.

No centro da questão está o crescimento econômico desorganizado, a falta de planejamento urbano sustentável e a deficiência na regulamentação de padrões internacionais, nacionais e regionais para o descarte e gestão do lixo (seja doméstico, industrial, fluvial ou marinho). Esses fatores, somados à falta de educação ecológica de boa parte da população mundial, potencializam a degradação ambiental oceânica, tornando o debate sobre a questão ainda mais urgente.

O saldo da poluição é cruel. Anualmente um milhão de aves marinhas, 100 mil mamíferos aquáticos e milhares de peixes morrem por intoxicação, ingestão, enredamento ou sufocamento causado pelo lixo.

Embora as águas salgadas abriguem milhares de espécies de plantas e animais, sendo esse o mais amplo espaço habitável do planeta, o problema do lixo marinho não afeta apenas esse rico ecossistema. O desequilíbrio causado pela poluição oceânica afeta as atividades produtivas, econômicas e a cadeia alimentar da qual dependemos. Além disso, e não menos importante, os oceanos desempenham um papel essencial na manutenção da estabilidade climática do planeta, que garante a vida na Terra.

O debate é amplo, complexo e global, originando diversos estudos sobre o tema. Exatamente por isso, o Mercado Ético, a Global Garbage e o projeto Projeto Lixo Marinho disponibilizam a partir de hoje, artigos mensais de especialistas mundiais ligados à questão do lixo marinho.

O material, em português no site do Mercado Ético e em inglês alemão no site da Global Garbage, tem o objetivo de compartilhar conhecimento sobre as causas, consequências e possíveis soluções para a questão do lixo marinho.

Esperamos que as experiências trazidas por esses pesquisadores tragam luz ao debate e que a divulgação das ideias, dados e fontes possam, acima de tudo, inspirar uma mudança de comportamento em benefício da vida.

Mercado Ético/Por João Frias