quarta-feira, 30 de junho de 2010

Um design ecológico para a democracia

Leonardo Boff
A democracia é seguramente o ideal mais alto que a convivência social historicamente elaborou. O princípio que subjaz à democracia é este: “o que interessa a todos, deve poder ser pensado e decidido por todos”.

Ela tem muitas formas, a direta, como é vivida na Suíça, na qual a população toda participa nas decisões via plebiscito.

A representativa, na qual as sociedades mais complexas elegem delegados que, em nome de todos, discutem e tomam decisões. A grande questão atual é que a democracia representativa se mostra incapaz de recolher as forças vivas de uma sociedade complexa, com seus movimentos sociais. Em sociedades de grande desigualdade social, como no Brasil, a democracia representativa assume características de irrealidade, quando não de farsa. A cada quatro ou cinco anos, os cidadãos têm a possibilidade de escolher o seu “ditador” que, uma vez eleito, faz mais a política palaciana do que estabelece uma relação orgânica com as forças sociais.

Há a democracia participativa que significa um avanço face à representativa. Forças organizadas, como os grandes sindicatos, os movimentos sociais por terra, teto, saúde, educação, direitos humanos, ambientalistas e outros cresceram de tal maneira que se constituíram como base da democracia participativa: o Estado obriga-se a ouvir e a discutir com tais forças as decisões a tomar. Ela está se impondo por todas as partes especialmente na América Latina.

Há ainda a democracia comunitária que é singular dos povos originários da América Latina e pouco conhecida e reconhecida pelos analistas. Ela nasce da estruturação comunitária das culturas originárias, do norte até o sul de Abya Yala, nome indígena para a América Latina. Ela busca realizar o “bem viver” que não é o nosso “viver melhor” que implica que muitos vivam pior. O “bem viver” é a busca permanente do equilíbrio mediante a participação de todos, equilíbrio entre homem e mulher, entre ser humano e natureza, equilíbrio entre a produção e o consumo na perspectiva de uma economia do suficiente e do decente e não da acumulação. O “bem viver” implica uma superação do antropocentrismo: não é só uma harmonia entre os humanos mas com as energias da Terra, do Sol, das montanhas, das águas, das florestas e com Deus. Trata-se de uma democracia sociocósmica, onde todos os elementos são considerados portadores de vida e por isso incluídos na comunidade e com seus direitos respeitados..

Por fim estamos caminhando rumo a uma superdemocracia planetária. Alguns analistas como Jacques Attalli (Uma breve historia do futuro, 2008) imaginam que ela será a alternativa salvadora em face a um superconflito que poderá, deixado em livre curso, destruir a humanidade. Esta superdemocracia resultará de uma consciência planetária coletiva que se dá conta da unicidade da família humana e de que o planeta Terra, pequeno, com recursos escassos, superpovoado e ameaçado pelas mudanças climáticas obrigará os povos a estabelecer estratégias e políticas globais para garantir a vida de todos e as condições ecológicas da Terra.

Esta superdemocracia planetária não anula as várias tradições democráticas, fazendo-as complementares. Isso se alcança melhor mediante o biorregionalismo. Trata-se de um novo design ecológico, quer dizer, outra forma de organizar a relação com a natureza, a partir dos ecossistemas regionais. Ao contrário da globalização uniformizadora, ele valoriza as diferenças e respeita as singularidades das biorregiões, com sua cultura local, tornando mais fácil o respeito aos ciclos da natureza e a harmonia com a mãe Terra.

Temos que rezar para que este tipo de democracia triunfe senão ignoramos totalmente para onde seremos levados.

Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Amazônia perdeu 161 km² de floresta em abril e maio, diz Imazon


Por Aldrey Riechel, do Amazônia.org.br


O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) registrou uma redução no desmatamento da Amazônia nos meses de abril e maio de 2010, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em abril deste ano, o desmatamento atingiu 65 km² (queda de 47% em relação a abril de 2009) e, em maio, somou 96 km² (redução de 39% em relação a maio de 2009).

Em abril de 2010, o desmatamento ocorreu principalmente no Estado de Mato Grosso (59%), seguido de Pará (23%) e Rondônia (10%). O restante da devastação ocorreu no Amazonas (6%) e no Acre (2%). Já em maio, o desmatamento foi maior no Amazonas (33%) seguido de Mato Grosso (26%), Rondônia (22%), Pará (17%) e Acre, com apenas 2%.

A maior parte da devastação aconteceu em áreas privadas ou sob diversos estágios de posse, em ambos os meses. Porém, os dados podem estar subestimados, já que a cobertura de nuvens no período só possibilitou o monitoramento de 45% da Amazônia, em abril, e de 50% em maio.

O Imazon também divulgou os dados do desmatamento acumulado de agosto de 2009 a maio de 2010 (oito primeiros meses do atual calendário de desmatamento). Nesse período, foram desmatados 1.161 km² de floresta, ou seja, houve um aumento de 7% na derrubada de árvores, em comparação com o período anterior (agosto de 2008 a maio de 2009), quando a devastação foi de 1.084 km².

Os dados do Imazon haviam revelado um crescimento de 24% do desmatamento acumulado 2009/2010 em relação ao observado no período anterior. Porém, a redução expressiva da devastação nos últimos dois meses, fez com que a ascensão do desmatamento acumulado caísse para 7%, em relação ao mesmo período do ano anterior.

Em relação à degradação florestal -florestas intensamente exploradas por atividade madeireira e/ou queimadas-, a área da Amazônia afetada, em abril e maio de 2010, totalizou 64 km².

Emissões por desmatamento cresceram 9%

Desde janeiro de 2010, o Imazon também reporta as estimativas do carbono comprometido, isto é, do carbono florestal emitido devido a queimadas e decomposição de resíduos de biomassa provenientes do desmatamento na Amazônia Legal. Segundo os dados obtidos, a devastação acumulada no período de agosto de 2009 a maio de 2010 resultou no comprometimento de 76 milhões de toneladas de CO2 equivalente, sujeitas a emissões diretas e futuras por eventos de queimada e decomposição.

Isso representa um aumento de 9% em relação ao período anterior (agosto de 2008 a maio de 2009), quando o carbono florestal afetado pelo desmatamento representou 69 milhões de toneladas de CO2 equivalente.

Veja os dados do desmatamento do Imazon na íntegra:

Transparência Florestal da Amazônia Legal (Abril e Maio de 2010)
(Envolverde/Amazônia.org.br)

Paz de cemitério no Xingu


Por Rodolfo Salm*

A eletricidade gerada nas hidrelétricas não é "limpa" porque os lagos resultantes são fábricas contínuas de metano.

O economista e ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, publicou na edição de 31/05 do Valor Online, um artigo com críticas ao setor elétrico brasileiro. Ele observou que os lucros anuais das concessionárias elétricas, predominantemente estrangeiras, cresceram 230% durante o governo Lula e que o consumidor brasileiro "é sangrado pelo custo de energia elétrica e subsidia as exportações de alumínio, aço, celulose de fibra curta, ferro-silício e ferro-manganês entre outros". Excelente. Ele poderia ter parado por aí em vez de entrar em detalhes sobre Belo Monte, que mostrou não conhecer.

Um bom exemplo de sua falta de intimidade com o tema é a citação das denúncias que apontam riscos de perdas na atividade pesqueira. Ele pergunta "se não haveria peixes" na represa resultante da barragem. Haveria, sim, evidentemente. Mas em quantidade e qualidade muito inferiores e de uma comunidade totalmente distinta daquelas que vivem em rios de água corrente. Para começar, seriam dizimadas mais de uma centena de espécies de acaris (os "cascudos" dos aquários), que precisam das águas correntes da Volta Grande do Xingu. A coleta e venda desses peixes, inclusive para exportação, constituem uma das importantes atividades econômicas da região, que seriam extintas com a construção da barragem. O fim de apenas uma das várias empresas que comercializam esses peixes eliminaria aproximadamente o mesmo número de empregos diretos permanentes que seriam criados com Belo Monte. É importante reforçar essa informação principalmente quando somos acusados de ser contra os empregos e o consumo de bens e serviços civilizados. Além disso, também desapareceriam inúmeras espécies de peixes de grande porte, muito importantes e extremamente apreciadas para a alimentação humana - da família dos bagres, por exemplo. Para liquidar o assunto, eu convidaria o professor a jogar uns pedacinhos de pão na água. Primeiramente, na beira do lago da represa de Tucuruí (hidrelétrica construída no rio Tocantins nos anos 1980); e depois aqui no Xingu preservado, na frente de Altamira, para ver onde pulariam os peixes e onde os pães afundariam intocados.

Lessa cita a crítica dos ambientalistas com relação aos prejuízos ao turismo e nos pergunta ainda se não haveria potencial turístico em um grande reservatório artificial. Para responder, basta visitar as regiões das grandes hidrelétricas e conferir em quais delas existem turistas de toda parte e pousadas de luxo, como temos aqui na Volta Grande do Xingu, algumas cobrando quase R$ 1 mil de diária de pessoas que querem conhecer este monumento fluvial que agora seria destruído por Belo Monte, com magnitude comparável aos Saltos de Sete Quedas, destruídos para a construção de Itaipu. Peixes magníficos já eliminados ou bastante raros em outras regiões, como a pirarara, atraem hoje para esta região um seleto tipo de turismo que busca a pesca esportiva artesanal, de potencial de agressão praticamente zero ao ambiente. Além do mais, não é possível que o professor considere tratar-se da mesma coisa banhar-se em águas correntes e na água parada de um lago podre. Isso sem falar no enorme potencial inexplorado de um rio de águas azuis cristalinas, com cachoeiras, corredeiras, peixes em abundância e praias de areia branca.

Quanto à acusação de que não avaliamos a emissão alternativa de CO2 em comparação à termeletricidade, isso não é verdade. Temos insistido ao máximo na divulgação da ideia, profundamente sustentada cientificamente, de que a eletricidade produzida nas hidrelétricas não pode de forma alguma ser classificada como "limpa" porque, além de todos os desmatamentos direta e indiretamente a ela ligados, fonte de emissão de CO2, os lagos resultantes são uma fábrica contínua de metano, o que faz os grandes projetos de hidrelétricas serem tão poluentes quanto termelétricas de potência equivalente.

Ele também afirma que a perda da biodiversidade na região não teria sido avaliada até o momento. Trata-se de um grave equívoco. Todas as partes, até mesmo os proponentes do projeto e o seu Estudo de Impacto Ambiental admitem que haveria grande perda. Na verdade, a biodiversidade de nada menos que metade da Amazônia, o maior reservatório do planeta, está seriamente ameaçada pelos projetos das hidrelétricas do Xingu.

Tudo isso para quê? Para alimentar, como bem observou o professor, os imensos e crescentes lucros das concessionárias elétricas estrangeiras? Para que o brasileiro seja mais sangrado ainda ao ter que subsidiar a construção de Belo Monte, que destruiria nossa floresta e envergonharia o país? Por que o caso de Belo Monte seria diferente e não subsidiaria "as exportações de alumínio, aço, celulose de fibra curta, ferro-silício, ferro-manganês", ainda mais considerando-se a sanha energética de grandes mineradoras na Amazônia, que são na verdade um dos objetivos finais da energia que querem produzir ali?

Finalmente, em outra passagem, o professor Lessa escreveu que "para o ambientalista radical, a intervenção antrópica é sempre condenável; é contrário ao desenvolvimento social. Gosta do padrão neolítico e admira a paz de cemitério". Mas não é "paz de cemitério" o que se vê hoje no Xingu e sim vida, em suas formas mais variadas e espetaculares. E culturas humanas das mais variadas, que têm o direito de existir. A paz de morte existiria, sim, nas margens dos lagos das barragens, decorados com paliçadas das árvores mortas.

*Rodolfo Salm é PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, professor da Universidade Federal do Pará e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte.

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Leganda: Aldeia Aiha do povo Kalapalo, Parque Indígena do Xingu, Mato Grosso, 2002
Crédito: Beto Ricardo/ISA

Descontaminação coletiva de lâmpadas


Academia EcoFit e Naturalis Brasil realizam, neste sábado, a Operação Papa-Lâmpadas.

Com a proposta de conscientizar a população sobre a importância do descarte ecologicamente correto das lâmpadas fluorescentes, a academia EcoFit Club, em parceria com a Naturalis Brasil, empresa especializada na descontaminação de lâmpadas fluorescentes, promoverão, no dia 03 de julho, sábado, a Operação Papa-Lâmpadas. Trata-se de uma campanha de coleta e descontaminação deste material, cujos riscos, poucos conhecem.

As lâmpadas fluorescentes são responsáveis por 70% da luz artificial utilizada no mundo. Consomem cinco vezes menos energia que uma lâmpada tradicional, e duram até 45 vezes mais. Por estas vantagens, se tornaram predominantes neste mercado. Porém, existe um outro lado, pouco abordado e do qual a maior parte dos consumidores não tem conhecimento. Para produzir a chamada luz fria, estas lâmpadas possuem em sua composição uma carga de mercúrio, um metal tóxico, cancerígeno e extremamente prejudicial à saúde e ao meio ambiente.

No Brasil são consumidas cerca de 100 milhões de lâmpadas fluorescentes por ano. Desse total, 94% são descartadas em aterros sanitários, sem nenhum tipo de tratamento, contaminando o solo e a água, além de, se rompidas, liberarem vapor de mercúrio, que será aspirado por quem as manuseia.

Diversas empresas e campanhas vêm alertando a população sobre os males causados pelo mercúrio contido em pilhas e baterias. Entretanto a presença deste metal nas lâmpadas, apesar de seu volume ser ainda maior do que nas pilhas, é pouco citada. A academia Ecofit e a Naturalis Brasil se uniram com o ideal de conscientizar a população sobre o risco que este resíduo representa e a importância do descarte correto deste material.

Com um processo licenciado pela CETESB, a Naturalis Brasil faz a descontaminação in loco, levando o Papa-Lâmpadas até o local gerador do resíduo. Este equipamento possui um duplo sistema de filtros: o pó de fósforo é retido em um filtro de celulose e o mercúrio é retido por um carvão ativado. Após a descontaminação, praticamente todos os materiais da lâmpada são reciclados.

Dia 03 de julho, das 10h às 15h, na entrada da Ecofit, uma equipe receberá lâmpadas fluorescentes de qualquer tipo ou tamanho. Além de receber o material, a equipe mostrará o processo de descontaminação e seu funcionamento. A academia sugere transportá-las embaladas em jornal, papelão ou plástico bolha para evitar possíveis acidentes.

[Campanha de Coleta e Descontaminação de Lâmpadas Fluorescentes. Dia 03 de julho (sábado), das 10h às 15h, na Ecofit Club - Rua Cerro Corá, 580, Alto de Pinheiros, São Paulo].
(Envolverde/Assessoria de Imprensa)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Projeto mapeia vegetação em municípios do Mato Grosso


Por Redação do INPE

Os primeiros resultados do mapeamento dos biomas Floresta e Cerrado no Mato Grosso mostram como evoluiu a ocupação das terras em São José do Xingu, Colniza, Água Boa e Reserva do Cabaçal. O Panamazônia, projeto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), classifica as condições dos biomas em fragmentos florestais, desflorestamento e rebrotas, entre outras legendas. As mudanças da cobertura vegetal se revelam no estudo dos mapas feitos a partir de imagens de satélites.

Foram utilizadas imagens de 1973 a 1980, obtidas pelo sensor MSS dos satélites Landsat, complementadas por mosaicos de 1990 e 2000 do Geocover. As imagens mais recentes, de 2009, são do Modis, sensor a bordo dos satélites Terra e Aqua. O processamento e todo o trabalho para a visualização e interpretação das imagens, como a ortorretificação, foram realizados com o software Spring. Ao estudo das imagens se somam os resultados obtidos durante verificações em campo.

São José do Xingu e Colniza, situados no bioma Floresta, e Água Boa e Reserva do Cabaçal, em áreas classificadas como savanas (Cerrado), foram selecionados para a verificação em campo pela equipe do Panamazônia por apresentarem desflorestamentos e rebrotas em diferentes níveis. Enquanto em São José do Xingu e Água Boa há grandes áreas desmatadas, em Colniza e Reserva do Cabaçal a vegetação está mais preservada.

A equipe do Panamazônia está estendendo o mapeamento para todos os municípios do Mato Grosso, com o objetivo de gerar informações que possam ser utilizadas pelos gestores locais.

A figura abaixo mostra a localização dos municípios estudados e os principais resultados quantitativos. Foram considerados dados obtidos em dois trabalhos de campo, realizados em novembro de 2009 e maio de 2010.

Mais informações na página http://www.dsr.inpe.br/panamazon
(Envolverde/Inpa)

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Proposta permite período de cinco anos sem controle do desmatamento

Bruno Calixto, da Amazonia.org.br

A proposta de mudança do Código Florestal brasileiro, indicada pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), vai permitir cinco anos sem qualquer controle do desmatamento - contrariando a afirmação do projeto de que durante cinco anos o desmatamento seria proibido.

A interpretação é de Ana Cristina Barros, da ONG The Nature Conservancy (TNC). Ela acompanha os debates e as votações do Código Florestal na Comissão Especial para a Reforma do Código Florestal Brasileiro, na Câmara dos Deputados.

A ambientalista destaca três pontos prejudiciais do substitutivo apresentado pelo deputado Aldo Rebelo: o período de cinco anos sem controle do desmatamento, a anistia dos desmatamentos ilegais ocorridos até 2008, e a isenção de reserva legal para propriedades de até quatro módulos fiscais.

Ana Cristina também criticou o “clima de cabo-de-guerra” entre ruralistas e ambientalistas. “Os deputados vão querer votar para dizer ‘ganhei essa batalha’, e não necessariamente para fazer um bem para o Brasil”.

A próxima reunião para debater a reforma do Código Florestal acontece na próxima segunda-feira (28/6), às 14h.

Confira a entrevista na íntegra.

Amazonia.org.br - O deputado Aldo Rebelo disse que fez mais de 50 audiências públicas sobre o Código Florestal. Os ambientalistas não participaram dessas audiências?

Ana Cristina Barros - Não sabia que eram mais de cinqüenta, mas soube de algumas audiências. Soube da audiência de Mato Grosso, a de Goiânia. Infelizmente não pude participar de nenhuma. Depois eu soube que o meu nome foi aprovado para falar nas audiências públicas, mas o convite nunca foi efetivamente enviado.

Acho que as audiências públicas são um processo importante de discussão, de propostas, um espaço para abrir o debate à sociedade. Mas elas não deveriam ser tratadas nem como escudo nem como a única forma de informação.

Falando pela TNC, nós temos uma série de trabalhos de campo, mostrando que dá sim para implementar o código florestal. São trabalhos que mostram que existem empresas de produtores rurais interessadas em comprovar a qualidade ambiental de sua produção, e parece que isso não entrou como subsídio no texto proposto na comissão.

Também me surpreendeu não haver menção ao decreto Mais Ambiente, a regulamentação mais recente relacionada ao Código Florestal, que institui o Cadastro Ambiental Rural e cria cinco anos de prazo para o produtor se regularizar. É uma tentativa de regularização que a gente considera louvável, pois não recebe mais o produtor com uma multa quando ele se apresenta ao governo para se regularizar, e ainda permite que as multas sejam suspensas a partir do momento em que ele assume um compromisso. Dá pra citar também os termos de ajustamento de conduta com a pecuária no Pará. Ou seja, várias iniciativas como essas, que estavam criando condições gradativas para a regularização, parece que não foram usadas como insumo. No conteúdo do substitutivo elas não aparecem e não foram contestadas no relatório.

Amazonia.org.br - O que a TNC considera prejudicial nas propostas do substitutivo para o novo código?

Ana Cristina - A gente identificou quase uma dúzia dos assuntos dos mais quentes. Outras organizações chegaram a listar até 30 pontos. Para não fazer uma lista enorme, eu destaco três.

O primeiro, e mais importante, é o período de desmatamento liberado no país. A proposta diz que no prazo de cinco anos os Estados devem implementar programas de regularização ambiental, e, dentro desse tempo, ela diz que, por um lado, o
desmatamento está proibido, mas, por outro, as multas estão suspensas. E ainda diz que o produtor que já esteja em algum processo de regularização tem a possibilidade de, unilateralmente, romper esse compromisso. Eu só consigo traduzir isso como um período de cinco anos sem qualquer controle sobre o desmatamento.

Amazonia.org.br - Então a proposta diz que são cinco anos com desmatamento proibido, mas o que acontece na verdade é o oposto?

Ana Cristina - Exatamente. Quando você diz que são cinco anos sem desmatamento, mas nesse período tira todos os instrumentos de controle - e não tira administrativamente, mas escreve na lei que as multas estão suspensas - você na verdade está fazendo o oposto.

O segundo ponto mais grave é a anistia do desmatamento ilegal acontecido até 22 de julho de 2008. O texto anistia o desmatamento que já aconteceu, e cria um período onde não tem governo.

O terceiro ponto é a isenção de reserva legal para áreas de até quatro módulos fiscais. Na Amazônia, um módulo fiscal pode ter 100, 150 hectares, então são áreas de 400, 500 hectares que poderão desmatar a reserva legal.

Amazonia.org.br - O argumento do relator é de que essa isenção facilitaria a atividade da agricultura familiar. Qual seria a alternativa para o pequeno agricultor?

Ana Cristina - Se a gente definir pequeno agricultor pelo Estatuto da Terra, isenta da reserva legal apenas o minifúndio, que é aquela propriedade de até um módulo fiscal. Isso se for para seguir na linha da isenção de reserva legal, o que não necessariamente é a melhor medida.

O pequeno produtor rural muitas vezes é dependente da reserva legal - ele tira produtos não-madeireiros, produtos da floresta, uma agropecuária que usa sombreados, e pode até extrair madeira de vez em quando. Ele tem muito mais o uso potencial da sua reserva legal. Assumindo que é para isentar a reserva legal para alguém, isenta o minifúndio, um módulo.

Agora, a receita ideal é dar subsídios ao pequeno agricultor para manter sua reserva, como o decreto - que não saiu - que facilita a tramitação da burocracia de averbação da reserva legal e a capacitação do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] para que possa dar melhor assistência aos produtores. Acho que é como propõem os movimentos sociais: o que a gente precisa não é a mudança do código, mas um conjunto de políticas que permitam o seu cumprimento.

Amazonia.org.br - Outro ponto polêmico no substitutivo é a redução das Áreas de Proteção Permanente, as APPs.

Ana Cristina - Acho que isso é problemático, principalmente porque o parecer dá aos Estados a competência para fazer isso. Um problema que foi levantado - não é a minha área, mas foi levantado pelo pessoal da área urbana - é que ele define que as APPs urbanas devem ser registradas como parte do plano diretor de uma cidade, e dá direito pleno à prefeitura para revogar a APP. Ou seja, as cinco mil prefeituras do país vão ter direito de revogar a APP, e você pode imaginar o que vai acontecer com especulação imobiliária

Amazonia.org.br - Qual a sua expectativa para a votação do código? Acredita que será aprovado?

Ana Cristina - É de uma apreensão enorme. O que eu vejo é que a comissão tem uma parcialidade muito grande, uma representação que chamamos de ruralista, mas que não representa todos os produtores rurais.

Meu medo, por conta do ano eleitoral, do debate ter sido colocado num cabo de guerra entre ambientalistas e ruralistas, é que os deputados vão querer votar para dizer ‘ganhei essa batalha’, e não necessariamente para fazer um bem para o Brasil.

(Amazonia.org.br)

Estudo da ONU mostra avanços desiguais nas Metas do Milênio

Carlos Araújo

Documento mostra progressos lentos em direção à redução da pobreza mas ainda há lacunas entre ricos e pobres, pessoas que vivem em zonas urbanas e rurais, homens e mulheres.

O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que, apesar da crise financeira, o mundo continua a fazer progressos lentos em direção à redução da pobreza.

Durante lançamento nesta quarta-feira do relatório anual de avaliação sobre as Metas do Milênio, Ban revelou que a taxa global de pobreza deverá cair para 15% até 2015.

Ásia

Isto significa que 920 milhões de pessoas irão continuar a viver abaixo da linha da pobreza, ou seja, metade do número total de 1990. Ban Ki-moon ressaltou que a maior queda foi registrada na Ásia.

Ele também destacou os enormes progressos alcançados pela África Subsaariana na acesso à educação primária e os avanços na saúde infantil e igualdade de gênero na América Latina e Caribe.

O Secretário-Geral também fez referência a alguns dados negativos contidos no documento. Ban afirmou que os progressos alcançados nos oito objetivos foram desiguais, citando a persistência de lacunas entre ricos e pobres, pessoas que vivem em zonas urbanas e rurais, homens e mulheres.

Ban disse que o cumprimento das Metas do Milênio ultrapassa a questão de desenvolvimento. O mais importante, segundo ele, é o crescimento econômico global.

Ele enfatizou que é importante reconhecer um fato simples: nos dias de hoje, o dinamismo econômico está nos países emergentes. Foi por isso que decidiu realizar três visitas à África este mês, para destacar a importância do alcance das Metas do Milênio.

Grupo de Sensibilização

O Secretário-Geral destacou ainda a necessidade de priorizar medidas nas áreas de desemprego e trabalho decente, segurança alimentar e vontade política.

Ban anunciou também a criação de um Grupo de Sensibilização sobre os objetivos do milênio, que será presidido pelo Presidente Paul Kagame do Ruanda e pelo primeiro ministro espanhol, Jose Luis Zapatero, e que incluirá várias personalidades, incluindo a moçambicana, Graça Machel, mulher de Nelson Mandela.

*Apresentação: Daniela Traldi, da Rádio ONU, em Nova York.

Para ouvir esta notícia clique em: http://downloads.unmultimedia.org/radio/pt/real/2010/10062311i.rm
ou acesse: http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/detail/181647.html

(Envolverde/Rádio ONU)

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Organizações pressionam governo contra aprovação de arroz transgênico


Por Karol Assunção, da Adital

Amanhã (24), as atenções de ambientalistas e produtores de arroz estarão voltadas para a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Neste dia, membros da CTNBio poderão votar a favor ou contra o plantio e o consumo do Arroz Liberty Link LL 62, cereal transgênico resistente ao herbicida glufosinato de amônio.

De acordo com documento divulgado por diversas organizações e entidades sociais, tal arroz, desenvolvido pela empresa Bayer, ainda não foi aprovado por nenhum país. "O arroz não é plantado nem consumido em nenhum país. A população do Brasil poderá virar cobaia mundial de um produto que não foi aprovado em nenhum outro lugar", destaca Gabriel Fernandes, integrante da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA).

Segundo Fernandes, hoje (23), a CTNBio inicia uma reunião sobre o assunto e, provavelmente, já na quinta-feira o tema será levado à votação em plenário. Para ele, é importante que o governo se posicione de forma contrária à liberação do arroz. "É praticamente certo que, quando colocado em votação, eles [integrantes da CTNBio] vão aprovar", comenta.

Por conta disso, Fernandes comenta que, durante essa semana, as organizações irão acompanhar as reuniões da Comissão e pressionar o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), instância acima da CTNBio, a emitir um posicionamento sobre o assunto. "O Conselho tem mais poder do que a CTNBio, mas está de costas para essa questão. Cobramos uma postura mais firme do governo e do Conselho", demanda.

Conforme o documento assinado pelas entidades sociais, até mesmo produtores e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Arroz e Feijão já expressaram opinião contrária à liberação. Em audiência pública realizada no ano passado, Flávio Breseghello, integrante da Embrapa Arroz e Feijão, revelou que a empresa não é a favor do arroz LL 62.

"Em audiência pública, o pesquisador apresentou a posição oficial ‘autorizada pela presidência’, frisando que a empresa não é contra os transgênicos e nem contra a modificação genética do arroz, mas que neste caso o produto da Bayer ‘agravará os problemas já existentes’", ressalta o comunicado das organizações sociais.

Segundo o integrante da AS-PTA, além da questão de produção, a preocupação em torno da liberação do arroz transgênico também é por conta do consumo. "O arroz é o alimento básico do brasileiro", comenta.

De acordo com ele, o arroz LL 62 trará consequências para as pessoas porque, resistente ao agrotóxico, o cereal não morrerá, mas absorverá o veneno. "Vamos consumir um alimento com nível de resíduo que não sabemos quanto é", afirma, destacando que o glufosinato de amônio é tóxico para mamíferos. "O arroz transgênico não vai trazer benefício para o ambiente, para o produtor, nem para o consumidor", resume.

Além de AS-PTA, outras 33 entidades e organizações sociais assinam o documento, o qual está disponível neste endereço (Envolverde/Adital)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

As contradições e as consequências do relatório de Aldo Rebelo

Raul Silva Telles do Valle, do Instituto Socioambiental

Após oito meses de algum mistério, finalmente o deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP) apresentou à sociedade, semana passada, sua proposta de modificação no Código Florestal brasileiro. Foram necessárias duas reuniões da comissão especial, da qual ele é relator, para que o deputado concluísse a leitura quase que na íntegra – pois, autorizado pelos entediados deputados presentes, pulou algumas partes – do relatório de 270 páginas, que ele mesmo qualificou como enfadonho.

Quem se deu o trabalho de botar sentido no imenso trololó, no entanto, chega rapidamente a duas conclusões:

o relatório, apesar de erudito, parte de vários pressupostos equivocados – alguns factuais, o que é grave, e, outros, ideológicos, o que é normal numa democracia;
e, pior, é contraditório com o voto e com o substitutivo apresentados.
Desconhecimento histórico, anistia atual

O relatório começa dizendo que o Código Florestal de 1965 não é ruim. Para Aldo, “os problemas não devem ser buscados nos seus princípios, mas sim nas absurdas alterações que sofreu em anos recentes”, as quais teriam, “do dia para a noite”, colocado à margem da lei um grande número de atividades produtivas, como o “café, maçã e uva em encostas e topos de morros em Minas Gerais, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul”.

Quem conhece um pouco da história da legislação sabe que deputado está enganado. Talvez tenha sido ludibriado pelos seus novos amigos. Afinal esses pontos do relatório foram integralmente incorporados do discurso ruralista. Mas a quais alterações estará ele se referindo? Pois desde 1934 é proibido ao proprietário derrubar as florestas que tenham como função “evitar a erosão das terras pela ação dos agentes naturais”, o que o código de 1965 deixou claro que eram as encostas e os topos de morro.

Portanto, no mínimo há 45 anos é proibido cultivar nessas áreas, isso se houvesse dúvidas de que zonas de alta inclinação são justamente as mais suscetíveis à erosão pelos agentes naturais.

Deve estar se referindo às tais ocupações “históricas”, feitas pelos colonos europeus do início do século XX nas regiões acidentadas do sul do país, às quais tanto se refere o ex-ministro da Agricultura e atual deputado Reinhold Stephanes (PMDB/PR). Mas, então, por que no projeto apresentado por Aldo são considerados “consolidados”, para fins de anistia, os desmatamentos ilegais feitos até julho de 2008?

Nem mesmo os projetos apresentados pelos ruralistas “puro sangue” tiveram a coragem de propor a anistia para ilegalidades cometidas há tão pouco tempo, quando não havia qualquer sombra de dúvida que desmatar encostas íngremes,
além de um atentado ao bom senso, é um atentado à lei.

Ademais, as modificações sofridas pelo Código Florestal ao longo dos últimos anos além de não serem tantas, não o desfiguraram, como quer fazer crer o relator. Talvez as alterações mais profundas tenham sido as realizadas em 1986, quando, em função da grande enchente ocorrida alguns anos antes no Vale do Itajaí, o Congresso Nacional aprovou o aumento do tamanho das faixas de mata ciliar (de 5 para 30 metros) que deveriam ser protegidas, sobretudo para os rios menores, como forma de evitar tantos prejuízos materiais e humanos.

Outra grande modificação foi feita em 1996, com aumento da RL na Amazônia de 50% para 80%. Se estivéssemos falando de ocupações feitas antes dessas épocas nesses locais, seria razoável pensar em regras diferentes. Não necessariamente anistia, pois enchentes não pegam apenas os que ocuparam “ilegalmente”, mas regras de apoio ao cumprimento da lei, mesmo que fosse por via de compensação. Mas o projeto trilha o caminho mais fácil, do ponto de vista político, e, simplesmente, permite a anistia tão desejada pelos ruralistas.

Todas as demais alterações realizadas, quase todas por meio da MP 2166, foram no sentido de fazer valer alguns dos dispositivos que já existiam na lei – como a que mandou averbar a reserva legal, para impedir que fosse fracionada ad infinitum – ou, então, para facilitar a aplicação da lei. Esse é o caso, por exemplo, da regra que permite a compensação de reserva legal ou a que aceita que agricultores familiares possam computar maciços de frutíferas e exóticas como parte de sua RL. Podem não ter sido suficientes, como a experiência vem mostrando, mas nem de longe tornaram a lei “inaplicável”.

Reserva Legal é importante, mas não precisa existir

Inaplicável ficará a lei se o projeto Aldo for aprovado. Isso porque, muito sorrateiramente, ele abre diversas brechas para que ela seja legalmente descumprida, ao mesmo tempo que, apesar das muitas críticas, nada propõe para que ela seja mais eficaz do que foi até hoje.

Embora diga no relatório que “decidiu” manter a RL, e reprise a possível inutilidade ecológica de se manter milhares de minúsculas ilhas de florestas, o deputado propõe uma nova regra que, na prática, diminui a RL em todo o país, tanto para desmatamentos passados como para os futuros.

Em sua proposta os imóveis de até quatro módulos fiscais – que na Amazônia pode significar mais de 400 hectares – não precisam ter mais RL. Os que hoje têm, poderiam desmatá-las. Frise-se: não se trata de um suposto benefício ao agricultor familiar, como dito no relatório, mas uma regra extensível a toda e qualquer área com até quatro módulos, independentemente da condição econômica e social do proprietário.

O que vai acontecer com essa regra? Simples: fazendas com mais de quatro módulos serão artificialmente divididas em diversas matrículas, de forma que cada uma delas seja isenta da reserva. Na Amazônia, muitas fazendas de 1000 hectares – algo entre 10 e 15 módulos em grande parte da região – serão divididas em duas ou três matrículas, ficando com áreas mínimas de reserva ou mesmo sem nenhuma. E isso não é mera hipótese.

Hoje no Mato Grosso – estado que, apesar de todos os problemas, é reconhecido como o que tem o sistema mais avançado de licenciamento rural – as RLs já são averbadas por matrículas, e não pela área total do imóvel[1]. Hoje isso não é um problema, pois em todas as matrículas tem que se garantir a RL, mas com a nova regra haverá uma avenida para fraudes generalizadas, pois não há como o poder público fazer esse controle, ou, se há, não foi dito pelo relator como fazê-lo.

Mas não é só isso. Para todos os demais imóveis ela será calculada apenas com base na área do imóvel que superar os quatro módulos. Assim, um imóvel com 10 módulos em Goiás terá uma RL de 20% sobre seis módulos, e não mais sobre toda a área do imóvel. Isso significa que todas as áreas de reserva legal do país diminuirão, permitindo-se, pelo projeto, que essas áreas “a mais” sejam inclusive legalmente derrubadas. As áreas de reserva, que já são, em sua maioria, pequenas, ficarão minúsculas.

Somando-se tudo, o projeto, considerando-se apenas esse ponto, é uma bomba para a política nacional de biodiversidade, que se apóia na recuperação das reservas legais como estratégia para recuperação de biomas ameaçados, e de clima, que se apóia na queda do desmatamento no cerrado e Amazônia para atingir as metas de redução de emissões de gases efeito estufa.

Dois pesos, duas medidas

Em seu relatório, Aldo propõe uma medida de bom senso: diante de regras novas, que vão fazer a lei ser aplicada de verdade, deveria haver um período de transição, no qual os proprietários e os órgãos ambientais pudessem se adaptar e se preparar para mudar a atual situação. Como lembrou o próprio relator durante a leitura de seu texto, a maior parte dos municípios nem sequer tem órgãos ambientais constituídos.

Nessa lógica, ele propõe uma troca: durante cinco anos ninguém pode ser multado ou compelido a recuperar áreas ilegalmente desmatadas, mesmo que já tenha firmado um termo de compromisso para tanto.

Nesse período os estados devem criar programas de regularização que, por sua vez, podem dispensar em definitivo a recuperação de áreas de APP e permitir a desoneração de RL – para aqueles imóveis que já não tenham sido desonerados pela própria lei – mediante doação de recursos a um fundo público ou compensação em outro estado (como fiscalizar isso se o controle será todo centrado em cada estado?). Por outro lado, nesse mesmo período ninguém pode mais desmatar. Parece justo, se não olharmos os detalhes.

O “desmatamento zero” proposto vale apenas para áreas de floresta. Como o projeto conceitua floresta como algo diferente de savana (cerrado) e outras formações florestais, fica claro que o desmatamento zero será apenas para a Amazônia, pois na Mata Atlântica já há lei específica que proíbe novos desmatamentos.

Além disso, aqueles que houverem protocolado pedidos de desmatamento permanecerão com o direito de desmatar. Portanto, na lógica do relator, o dever de recuperação é relativo, pode ser suspenso ou mesmo anulado. Mas o direito de desmatar é sagrado, e mesmo um protocolo no órgão ambiental já resguarda o proprietário do “desmatamento zero”.

Mas o pior não é isso. Pelo projeto, serão os municípios – esses mesmos sem órgão ambiental – que passarão a autorizar desmatamentos dentro ou fora de RL e APPs, já que eles são integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). Como não há qualquer condição estabelecida no projeto para que ele possa exercer sua competência, basta ter prefeito que está valendo.

Como, em grande parte das cidades do interior, os maiores fazendeiros são os próprios prefeitos ou fazem parte da turma destes, o efeito dessa medida pode ser imaginado. Em toda a Amazônia surgirão milhares de protocolos de pedidos de desmatamento feitos até 2008. No frigir dos ovos, estaremos trocando compromissos de recuperação por um desmatamento zero fictício.

Em resumo

A proposta de Aldo Rebelo, embora diga que a lei é velha, não avança em nada de novo que não seja anistias e menos proteção. Na leitura de seu relatório ele mesmo observou que, naquilo que realmente importa, as medidas para fazer a lei ser bem aplicada (incentivos econômicos), seu projeto “ficou apenas na intenção”, pois não sabe de onde tirar recursos num país “pobre”, onde falta dinheiro para atividades essenciais como saúde e educação.

Na parte concreta, sua proposta é um retrocesso imenso na legislação florestal brasileira. Embora diga que beneficia os pequenos, anistia os grandes. Embora afirme que a lei é boa, a desfigura por completo. Embora fale sobre a importância das florestas, permite o aumento do desmatamento e o fim da recuperação.

É uma pena que o relator não tenha compreendido que muitas das riquezas que geramos dependem da manutenção de florestas e dos serviços ambientais que elas prestam. Se tivesse internalizado esse fato, seguramente faria uma proposta bastante diferente, e não veria a conservação e recuperação de florestas apenas como custos, mas como investimento.

No entanto, partiu do suposto de que não há desenvolvimento sem subjugar a natureza, e que a conservação é um luxo inadequado a países “pobres”. Não entendeu nada.
(Instituto Socioambiental)

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Colheitas predadoras


Por Emilio Godoy

México, 16/6/2010 – A monocultura agroindustrial viola direitos de alimentação, trabalhistas, territoriais e ambientais na América Latina, segundo informe divulgado no dia 14, na capital mexicana. O estudo “Açúcar Vermelho, Desertos Verdes” diz que essas atividades “destroem a biodiversidade, contaminam e esgotam fontes e cursos de água, desgastam os solos, causam deslocamento forçado, despojam” de recursos naturais as famílias camponesas e indígenas e causam graves danos à saúde por causa do uso de agrotóxicos.

O trabalho, de 255 páginas, foi preparado pela Coalizão Internacional para o Habitat, uma rede internacional pró-moradia, pela não governamental Food First Information and Action Network (Fian), e pela rede internacional Solidariedade Suécia-América Latina, com o objetivo de avaliar o impacto das monoculturas na região. “O modelo de desenvolvimento aplicado incentiva a agroexportação. Os governos nacionais aplicam políticas de apoio a esse modelo”, disse à IPS Natalia Landívar, delegada da Fian no Equador e que participou da apresentação do estudo.

O informe analisa os casos da colheita de palma africana no México, Colômbia e Equador, da cana-de-açúcar no Brasil e na América Central, da soja na Argentina, do abacaxi na Costa Rica, e da indústria florestal no Chile, entre outros casos. Este tipo de cultivo começou na região em meados do século passado e ganharam auge na década de 70, quando os países latino-americanos despontaram como fornecedores de matéria-prima para os mercados das nações industrializadas.

O fenômeno “é parte de uma complexa rede de controle e dominação, que inclui a disputa pelo poder, dos mercados financeiros, do uso da mão-de-obra violentada e das fontes de energia”, disse à IPS o costarriquenho Gerardo Cerdas, coordenador do movimento Grito dos Excluídos Continental, também presente ao ato.

Por exemplo, a produção de soja argentina, que hoje ocupa mais de 16 milhões de hectares e é destinada primordialmente à exportação, passou de 10 milhões de toneladas em 1991 para 48 milhões em 2007, crescimento empurrado pela alta do preço nos mercados internacionais, que era de US$ 180 a tonelada em 1991, e subiu para US$ 580 a tonelada em 2008.

As empresas “vêm pela concentração da terra, para desmatar e explorar as famílias camponesas”, denunciou à IPS Paulo Aranda, dirigente do Movimento Nacional Camponês de Indígena da Argentina, que assistiu a apresentação e cuja organização luta contra o plantio de soja geneticamente modificada. Na Costa Rica, o cultivo de abacaxi se estende por cerca de 54 mil hectares, o que deu a esse país centro-americano o título de principal produtor mundial, cujo mercado mais importante é o dos Estados Unidos, talvez pelo fato de a multinacional Del Monte ser a maior compradora.

“O abacaxi cresceu pela força de agroquímicos, provocou a contaminação da água, perda de ecossistemas, degradação da terra e exploração trabalhista”, assegurou à IPS Soledad Castro, do Centro de Direito Ambiental e dos Recursos Naturais da Costa Rica, que também participou da apresentação do estudo.

Em uma nova fase, o desenvolvimento das monoculturas passou do fornecimento de matéria-prima para a elaboração de combustíveis, como o etanol proveniente da cana-de-açúcar e o biodiesel obtido a partir do óleo de palma africana, e cuja principal motivação é abastecer o “faminto” mercado norte-americano.

A proliferação de produtos agrícolas, para elaborar combustíveis também se deve ao esgotamento do petróleo como fonte de energia e ao fato de a produção e uso de hidrocarbonos propiciar a emissão de gases contaminantes, como o dióxido de carbono (CO²), responsáveis pelo aumento da temperatura global. O Brasil surgiu como o principal gerador de etanol de cana da região, com produção superior a 27 bilhões de litros, e busca replicar seu modelo produtor no México, Japão, na América Central e em vários países africanos.

No México, são diversos os engenhos que investiram em instalação para gerar etanol, embora o consumo nacional não cresça, pois o projeto-piloto para sua mistura com gasolina a partir do próximo ano, na cidade de Guadalajara, está paralisado. A licitação, realizada pela estatal Petróleo Mexicanos para a compra de 658 milhões de litros de etanol, fracassou e uma nova está em andamento, embora os produtores prefiram mais a ideia de vender ao mercado norte-americano, que demanda mais e paga melhor. “Os agrocombustíveis são uma tentativa para manter artificialmente a atual matriz energética, que é totalmente inviável”, enfatizou Gerardo Cerdas.

As organizações sociais que se opõem às monoculturas querem aproveitar o fórum do Comitê de Segurança Alimentar Mundial da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), que se reunirá em outubro, para promover suas propostas. “O apoio internacional é para favorecer a agroindústria e não para as economias camponesas”, ressaltou a equatoriana Natalia Landívar.

O relatório sugere diversificar a produção agrícola, atender as necessidades alimentares das famílias, empregar práticas agroecológicas, reduzir os custos energéticos do sistema agrícola e, relacionado com este aspecto, aproveitar a biomassa gerada dentro dos sistemas agrícolas. IPS/Envolverde
(IPS/Envolverde)

terça-feira, 15 de junho de 2010

ALERTA!



Sete das grandes ONGs ambientalistas se reuniram para explicar tudo que você precisa saber sobre o Código Florestal e as tentativas de neutralizar a legislação no Brasil.

O site SOS Florestas oferece um resumo da questão, notícias, blog, uma seção de verdades e mentiras e outra sobre como as leis ambientais afetam a vida de todos nós, além de artigos e entrevistas mais aprofundados.

Há ainda um link para assinar o manifesto “Diga não ao desmatamento e à premiação da ilegalidade”, promovido pela Avaaz. Mais de 90 mil pessoas já assinaram e o objetivo é chegar a pelo menos 100 mil.

Vai lá!

(Página 22)

Amazônia em tempo real

O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) liberou ao público dados em tempo real sobre a Amazônia, antes disponíveis apenas a pesquisadores. As informações disponibilizadas são do Projeto de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera (LBA). Ao todo são mais de 50 indicadores ambientais obtidos através de equipamentos instalados nas torres de pesquisa do projeto, localizadas em uma área de floresta primária a 50 km de Manaus.

Entre outras coisas, será possível acessar informações sobre solo, árvores, concentração de gás carbônico na área da copa das árvores e acima delas, temperatura e umidade do ar. “Essas medidas contínuas geram diversas informações científicas que permitem conhecer o comportamento da floresta, a interação dela com a atmosfera e a reação da vegetação, por exemplo, a um ano seco ou chuvoso”, afirma Antônio Manzi, gerente executivo do LBA.

Os dados, atualizados a cada dez minutos, podem ser acessados através do site
Karina Miotto/ O ECO

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O ponto sem volta


Gisele Neuls

Quem foi criança nos anos 1970 ou 1980 muito provavelmente já brincou de Pega Varetas. O jogo, ainda à venda, consiste em deixar cair um punhado de palitos coloridos sobre uma mesa e, depois, coletar todos de uma determinada cor sem mexer nos demais. Mais que sorte, exige uma boa dose de destreza, pois muitas vezes um palito aqui mexe com outro acolá. É exatamente isso que acontece quando uma espécie é extinta na natureza. Mas, neste caso, a mesa é gigantesca e há centenas de milhares de varetas espalhadas.

A imagem lúdica é usada pelo pesquisador da Unicamp Thomas Michael Lewinsohn para ilustrar por que as crescentes perdas de diversidade biológica no planeta colocam em risco nossa própria sobrevivência. Se no jogo de varetas as variáveis que determinam o sucesso dos jogadores se limitam à sua quantidade, tamanho, forma, peso e disposição sobre a mesa, no tabuleiro da Terra as variáveis são infinitamente mais complexas, indo do clima e da geografia à economia e à política.

“O que chamamos de biodiversidade é um conjunto muito rico de organismos que formam sistemas vivos e são essenciais à qualidade e integridade de todo tipo de vida no planeta, inclusive a nossa”, explica o pesquisador, que preside a Associação
Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação. “Não é simplesmente uma coleção de organismos vivos, mas um grande emaranhado de relações que se mantêm funcionando como sistema. Possui uma capacidade de recuperação grande, mas não ilimitada”, completa.

Comprometer essa capacidade de recuperação, ou resiliência, gera problemas como erosão, perda de capacidade de recarga de aquíferos, eutrofização e muitos outros efeitos difíceis de prever e acompanhar. Isso porque as relações dentro do sistema que mantêm a Terra funcionando tal como a experimentamos hoje não são lineares.

Em todo o mundo, diversos esforços de avaliação e construção de cenários são empreendidos para que se descubra a partir de que ponto nossa interferência nos ecossistemas leva a uma situação irreversível. Os resultados têm mostrado que precisamos mudar urgentemente nossa forma de interagir com o ambiente e utilizar os recursos da biodiversidade, passando a operar dentro dos limites dos ecossistemas. Em 22 de maio, fixado como Dia Internacional da Biodiversidade, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou que a perda de espécies está chegando a um ponto sem volta.

Na Suécia, cientistas do Centro de Resiliência de Estocolmo, sob a direção de Johan Rockström, há anos estudam os fatores que influenciam na resiliência dos ecossistemas. Eles acreditam que já têm algumas respostas sobre quais os limiares
dos sistemas e processos da Terra que, uma vez cruzados, podem gerar mudanças ambientais que tornariam a vida da nossa espécie bem difícil.

Em um artigo publicado na revista Nature, no ano passado, Rockström e seus colegas mostraram que há pelo menos nove processos que configuram limites para a manutenção das atuais condições de vida no planeta. São eles diminuição da camada de ozônio, acidificação dos oceanos, uso da água doce, mudanças no uso da terra, poluição química, lançamento de aerossóis na atmosfera, mudanças climáticas, perda da biodiversidade, e interferência nos ciclos de nitrogênio e fósforo. Para os três últimos, os pesquisadores acreditam que já queimamos a linha.

Embora a extinção das espécies seja um processo natural, está claro que nossas atividades nos dois últimos séculos aceleraram esse processo. Em seu artigo, Rockström mostra que os registros fósseis para vida marinha, por exemplo, são de até uma extinção por milhão de espécies por ano; para mamíferos o número não chega a uma espécie por milhão/ ano. A atual taxa de extinção de espécies é pelo menos cem vezes maior do que isso, e algumas estimativas chegam a mil. Os pesquisadores de Estocolmo dizem que o limite seguro seria até dez vezes maior do que os registros arqueológicos apontam como taxa natural de extinção das espécies na Terra.

Efeito rebote

Ainda que a perda de biodiversidade ocorra no nível local e regional, os efeitos podem ser globais, afetando a forma como o planeta funciona. Não se pode considerar a perda de biodiversidade como um dado isolado, ela interage com diversos outros fatores, como o clima e a qualidade da água e do solo. A perda de biodiversidade também pode aumentar a vulnerabilidade dos ecossistemas terrestres e aquáticos às mudanças no clima e na acidez dos oceanos. O prejuízo não é apenas para a natureza selvagem, aquela procurada para descanso e fruição nas férias. Mesmo com todos os avanços de tecnicização e engenharia genética, a agricultura depende vitalmente dos serviços ambientais dos ecossistemas.

Alterações nos sistemas naturais que levam à perda de espécies polinizadoras já provocam prejuízos a algumas culturas. Um exemplo é o estudo desenvolvido com produtores de café pelos pesquisadores brasileiros Paulo de Marco Jr. e Flávia Monteiro Coelho. Eles compararam a floração do café em diferentes tipos de plantio com e sem remanescentes florestais próximos. Os resultados, publicados em 2004 na revista Biodiversity and Conservation, mostram que as plantações próximas de fragmentos florestais tiveram um aumento de 14,6% na produção de flores, independente da técnica de plantio. A diferença de produtividade pode ser relacionada com os serviços de polinização prestados por insetos das matas próximas.

O pequeno krill é outro exemplo dessa complexa rede de relações ecológicas e seus impactos econômicos. Como o crustáceo é fonte direta de alimento para várias espécies marinhas, desde moluscos e peixes até aves e mamíferos, sua extinção afetaria até mesmo o turismo de observação de baleias no litoral baiano, que só no ano passado recebeu mais de 3 mil visitantes. Pesquisas na Antártida apontam que ele está ameaçado pela pesca excessiva e pela mudança de temperatura no oceano austral.

Se as populações de krill diminuírem drasticamente, é possível que no futuro os observadores de baleias saiam decepcionados de suas excursões – um mercado global que anualmente cresce 11% e movimenta mais de US$ 1,5 bilhão, segundo dados do Instituto Baleia Jubarte. Sem o alimento que várias espécies buscam nas águas geladas do oceano austral, muitas poderão não ter energia suficiente para se reproduzirem nas águas quentes do Atlântico.

Paulo Gustavo Prado, diretor de Política Ambiental da Conservação Internacional, afirma que há tempos a perda de biodiversidade afeta diretamente nossa qualidade de vida. Os surtos de hantavirose em Brasília são um exemplo claro. A expansão urbana sobre o Cerrado no Distrito Federal leva à perda de habitat e traz ratos de espécies selvagens para áreas residenciais. A maior incidência de doenças tropicais como malária e febre amarela também são um efeito bem conhecido do desmatamento. É o que aconteceu no garimpo de Bom Futuro, em Rondônia, que gerou uma epidemia de malária em 1991.

Prado não tem dúvidas de que já provocamos danos irreversíveis à biodiversidade. “O caso mais notório e simples de constatar é o dos ursos polares, que por derretimento do gelo no Polo Norte estão ficando sem habitat.” A Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) adiciona mais três pressões diretas sobre biodiversidade, além da perda de habitats e das mudanças climáticas citadas nos exemplos do ambientalista: poluição e invasão de espécies exóticas e superexploração de recursos como a pesca com redes de arrasto e nos períodos de defeso.

O tamanho do problema

Por conta das pressões apontadas pela CBD, estima-se que um quarto das espécies de plantas e mamíferos existentes no mundo estão ameaçadas de extinção. Para aves, as estimativas estão em torno 37%; para insetos, o número chega a 75%. Apesar dos esforços para conservação feitos no mundo todo, a terceira edição do relatório GBO-3, lançado no início de maio pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), alerta que as perdas de biodiversidade e de habitats tendem a se agravar severamente ao longo do século XXI.

Os dados compilados no GBO-3 mostram cenários preocupantes. A tendência é que as florestas tropicais seguirão sendo convertidas em lavouras e pastagens e a sobrepesca continuará causando estragos nos ecossistemas marinhos, com drástica redução nos cardumes.

As mudanças de temperatura, as espécies invasoras, a poluição e a construção de barragens aumentarão a pressão sobre as espécies de água doce. Sem falar nos frágeis recifes de corais, ameaçados tanto pelo aquecimento das águas quanto pela acidificação e pela poluição nos mares.

As mudanças climáticas também provocarão mais estragos sobre a biodiversidade, alterando a distribuição geográfica de espécies e as características da vegetação de vários lugares, como a Amazônia. A forma e a escala que essas alterações poderão tomar são imprevisíveis. Um dos efeitos esperados é a migração de espécies marinhas das regiões tropicais para águas mais frias, o que diminuiria a biodiversidade nos ocea-nos tropicais e impactaria diretamente a indústria da pesca.

A contaminação por nitratos e fosfatos oriundos da agricultura e de esgotos, uma das linhas que queimamos, segundo os pesquisadores de Estocolmo, ameaça cobrir rios e lagos de algas por muitos anos. A eutrofização causada pelo excesso de algas diminui o oxigênio dissolvido na água e acaba com grande parte da fauna aquática.

Avaliadas sob o ponto de vista dos serviços ambientais prestados pelos ecossistemas, as perdas atuais, resultantes de desmatamento e degradação florestal, significam prejuízos entre US$ 2 trilhões e US$ 4,5 trilhões por ano. Um quadro que poderia ser revertido com investimentos anuais de US$ 45 bilhões em conservação e restauração de áreas degradadas, de acordo com o GBO-3.

Lacunas de conhecimento

Se os dados sobre o que já perdemos de espécies são alarmantes, pensar em tudo que ainda falta conhecer sobre a vida no planeta aciona outro alerta: o cenário pode ser ainda mais dramático. Há uma grande imprecisão nas estimativas sobre o número de espécies que coabitam a Terra conosco. Mesmo com técnicas cada vez mais sofisticadas de coleta, identificação e análise, a tarefa de mapear todas as formas de vida do planeta é digna de Hércules.

Os dados existentes são mais precisos para os grupos mais bem estudados ao longo do tempo, como as plantas superiores e vertebrados terrestres. Árvores, mamíferos, aves, répteis de grande porte estão nesse patamar. Quando se fala em risco de extinção de um quarto das espécies vivas de mamíferos atualmente, o dado está num cenário em que mais de 98% das espécies foram avaliadas. E, ainda assim, há novidades para se descobrir. A biologia molecular está contribuindo para refinar a classificação das espécies, mostrando diferenças invisíveis até então, um tipo de avanço que permitiu descrever uma nova espécie de elefante na África em 2001.

Mas a história é outra quando se olha para invertebrados, micro-organismos e organismos inferiores. Os dados que apontam risco de extinção de três quartos das espécies de insetos são baseados na avaliação de menos de 0,1% do total de espécies. No que diz respeito a artrópodes, os números variam na ordem de milhões: podem existir entre 2 milhões e 30 milhões de espécies no mundo.

Isso se deve tanto às dificuldades de coleta quanto de classificação e identificação. Bactérias, fungos e algas, para os quais o próprio conceito de espécie que temos atualmente não se encaixa perfeitamente, podem chegar a 100 milhões circulando por aí.

Na opinião de Thomas Lewinsohn, se houvesse dez vezes mais pessoas trabalhando com esse tipo de pesquisa, ainda assim não se daria conta do serviço neste século. “Calcula-se que as espécies de besouros passam de 1 milhão. Se este número estiver correto, faltaria identificar pelo menos 700 mil. No ritmo atual, levaríamos 650 anos pra terminar o estudo”, aponta o ecólogo.

No Brasil, que abriga em torno de 15% do total da diversidade biológica do planeta, o conhecimento é fragmentado e incompleto. Não temos uma biblioteca de referência eficiente sobre o tema e boa parte das coleções taxonômicas de nossa biota está espalhada pela Europa e os Estados Unidos. As coleções nacionais limitam-se às regiões mais desenvolvidas, povoadas ou de fácil acesso, e o recente incêndio no Butantan mostra como são vulneráveis. Para completar, temos pouquíssimos especialistas em taxonomia, a difícil arte de identificar uma espécie.

A boa notícia é que a produção de conhecimento vem aumentando. Dados da Avaliação do Estado do Conhecimento da Biodiversidade Brasileira, encomendada pelo MMA e publicada em 2005, indicam que a cada ano 700 novas espécies animais são identificadas. O mesmo está acontecendo com as plantas. Segundo Gustavo Martinelli, pesquisador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a cada dois dias é descrita uma nova planta no Brasil. Martinelli, que coordena o ponto focal do Brasil na CBD, comemorou em maio o cumprimento de uma das metas da Convenção, com o lançamento da lista atualizada de espécies da flora brasileira conhecida. A última datava de 1916.
Mercado Ético

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Homenagem ao meu irmão que partiu

Soneto da separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Moraes