quarta-feira, 31 de março de 2010

Tecnologia Suja
Carvão alimenta boa parte da "nuvem" da internet, diz Greenpeace

Sendo a Internet um meio poderoso de comunicação, e nós usuários dessas redes de relacionamento, creio que não será difícil orquestrarmos uma ação de repúdio ou boicote a estas empresas poluidoras, como forma de pressão para que operem com tecnologias mais limpas.Minha casa Meu mundo.

A "nuvem" de dados que está se tornando o coração da internet cria uma nuvem muito real de poluição, com a construção de centrais de processamento de dados por empresas como Facebook e Apple, cuja energia tem por base a queima do carvão, afirma um relatório do Greenpeace divulgado nesta terça-feira (30).

Uma nova instalação do Facebook utilizará energia de uma geradora cujo principal combustível é o carvão, enquanto a Apple, que lançará o iPad em 3 de abril, está construindo uma central de armazenagem de dados em uma região da Carolina do Norte (EUA) que tem eletricidade gerada por carvão, afirmou a organização ambiental no estudo.

"A última coisa de que precisamos é de mais infraestrutura em nuvem construída em locais onde isso represente alta na demanda por energia suja acionada a carvão", conclui o Greenpeace, cujo argumento é o de que as empresas da web deveriam ser mais cuidadosas quanto aos locais em que constroem suas centrais de dados e deveriam intensificar a pressão em Washington por energia mais limpa.

O crescente volume de filmes domésticos, fotos e dados de negócios superou a capacidade dos computadores pessoais e mesmo das centrais médias de processamento de dados empresariais, o que estimula a criação de imensas centrais de servidores equipadas com dezenas de milhares de máquinas especializadas, que formam a "nuvem".

O relatório surge em meio a um novo debate norte-americano sobre criar ou não limites ou outras medidas que reduzam o uso de combustíveis com teor pesado de carbono, como o carvão, a fim de limitar alterações no clima.

Apple, Facebook, Microsoft, Yahoo! e Google: todas operam ao menos algumas centrais de processamento de dados para as quais é necessário uso intensivo de energia gerada pela queima de carvão, informa o Greenpeace.

As empresas se recusaram a oferecer detalhes sobre suas centrais de processamento de dados, mas todas elas disseram que levam em conta as questões ambientais em suas decisões de negócios; a maioria também declarou estar promovendo medidas agressivas de eficiência energética.

Se consideradas como um país, centros de processamento de dados e telecomunicações globais ficariam em quinto lugar em consumo de energia no mundo em 2007, atrás dos Estados Unidos, China, Rússia e Japão, afirma o relatório do Greenpeace.

O grupo baseou suas descobertas em uma série de dados, incluindo estudo federal norte-americano de 2005 e uma pesquisa de 2008 realizada por Climate Group and the Global e-Sustainability Initiative, que o Greenpeace atualizou em parte com informações da Agência de Proteção Ambiental dos EUA. (Fonte: Folha Online)

Uma solução por três dólares


Sanjay Suri, da IPS

Uma reunião de alto nível na capital britânica examinará esta semana como arrecadar US$ 100 bilhões para financiar esforços contra a mudança climática. Enquanto isso, em Washington, será discutido como fabricar fogões por US$ 3 em todo o mundo. O segundo encontro é muito mais ambicioso do que se imagina, e pode trazer simultaneamente benefícios à saúde. Pretende distribuir mais de 500 milhões de fogões não poluentes. A organização Ashden Awards for Sustainable Energy, com sede na Grã-Bretanha, premia iniciativas no campo das energias alternativas e faz campanha pela distribuição de fogões limpos em todo o mundo.

“Lutar contra a mudança climática e melhorar a saúde dos mais pobres do mundo, em geral, são vistas como prioridades que competem entre si”, diz um informe do Ashden Awards. “Porém, algumas tecnologias cumprem as duas tarefas ao mesmo tempo”. Por exemplo, os fogões que não contaminam o ar. “Em quase metade dos lares do mundo, cerca de três bilhões, os alimentos são cozidos sobre fogo ou em fogões que utilizam madeira, esterco, carvão, palha, cascas e carvão vegetal”, indica o informe divulgado no dia 28, em Londres.

“Os níveis de contaminação gerados pela fumaça e por gases como o monóxido de carbono (emitidos por esses fogões) são, em geral, centenas de vezes maiores do que os tolerados nas ruas ou em uma fábrica”, acrescenta o documento. “Cerca de 1,6 milhão de pessoas morrem por ano como resultado disto, incluindo um milhão de menores de cinco anos, em sua maioria vítimas de pneumonia infantil”, alerta o informe. Conseguir 500 milhões de fogões que não poluem para estes lares pode representar substancial melhoria deste problema. Mas esta é uma grande quantidade, e não está claro como obter.

“Essa é a principal questão que a reunião da Fundação das Nações Unidas e da Fundação Shell, em Washington, deverá tratar para que possamos ter algumas estratégias detalhadas”, disse à IPS a diretora técnica do Ashden Awards, Anne Wheldon. Os fogões limpos de fato existem, e a custo muito baixo. “Por exemplo, no Camboja os fabricantes tradicionais foram capacitados para produzir uma versão melhorada, que é vendida por apenas US$ 3″, disse Wheldon. “Também começamos a ver uma produção em escala industrial que pode ajudar a baratear o custo dos fogões disponíveis de forma mais rápida e em nível global”, acrescentou.

“Um fogão bastante básico, fabricado pela Shengzhou Stove Manufacturer, custa US$ 3,50, enquanto outros modelos estão entre US$ 8 e US$ 12. A Envirofit também começou a fabricar em massa”, disse Wheldon. Na China, existe uma produção em grande escala. Aproximadamente 180 milhões de fogões melhorados foram introduzidos, entre 1983 e 1995, e são utilizados pela maioria da população, diz o informe de Ashden. Além disso, recentemente Pequim renovou seus esforços para fornecer uma nova geração de fogões mais eficientes. Estes avanços são possíveis em qualquer parte do mundo, assegurou Wheldon. “Se forem produzidos fogões que as pessoas realmente queiram usar, é muito provável conseguir cem mil, e há uma ampla gama de formas de fazer isto bem feito e em diferentes circunstâncias”, acrescentou.

Como exemplos, citou um programa liderado pelo governo na Eritréia, outro dirigido por organizações não governamentais em Bangladesh e outro que melhora a produção comercial existente no Camboja. “Esses programas provavelmente poderiam crescer”, disse Wheldon. Os cálculos de Ashden sugerem que um programa mundial para fabricar 500 milhões de fogões melhorados poderia salvar centenas de milhares de vidas por ano, e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de gases-estufa equivalentes a um bilhão de toneladas de dióxido de carbono por ano. “Esses investimentos deveriam atrair grandes somas no mercado de carbono”, diz o informe.

“Calculamos que cada fogão melhorado possa manter fora da atmosfera uma tonelada de dióxido de carbono por apenas US$ 3, o que é um negócio muito bom em um mercado no qual as compensações por emissões de carbono podem ser vendidas entre US$ 20 e US$ 30 a tonelada”, acrescenta. O mercado de carbono poderia financiar fogões limpos de várias formas, disse Wheldon. Por exemplo, “subsidiando diretamente um programa governamental ou não governamental que forneça fogões a baixo custo, ou de graça, como o programa da Eritréia. E também “subsidiando de forma direta as vendas comerciais ou apoiando uma organização que coordene os produtores independentes e assuma a responsabilidade pelo controle de qualidade”,

Desde 2001, 18 projetos com fogões limpos na África, América Latina e Ásia ganharam prêmios Ashden. A maioria desses programas cresceu e se desenvolveu, diz o informe. IPS/Envolverde

terça-feira, 30 de março de 2010

A Páscoa da Terra Crucificada


Por Leonado Boff*

A páscoa é uma festa comum a judeus e a cristãos e encerra uma metáfora da atual situação da Terra, nossa devastada morada comum. Etimologicmente, páscoa significa passagem da escravidão para a liberdade e da morte para a vida. O Planeta como um todo está passando por uma severa páscoa. Estamos dentro de um processo acelerado de perda: de ar, de solos, de água, de florestas, de gelos, de oceanos, de biodiversidade e de sustentabilidade do própro sistema-Terra. Assistimos estarrecidos aos terremotos no Haiti e no Chile, seguidos de tsunams. Como se relaciona tudo isso com a Terra? Quando as perdas vão parar? Ou para onde nos poderão conduzir? Podemos esperar como na Páscoa que após a sexta-feira santa de paixão e morte, irrompe sempre nova vida e ressurreição?

Precisamos de uma olhar retrospectivo sobre a história da Terra para lançarmos alguma luz sobre a crise atual. Antes de mais nada, cumpre reconhecer que terremotos e devastações são recorrentes na história geológica do Planeta. Existe uma "taxa de extinção de fundo" que ocorre no processo normal da evolução. Espécies existem por milhões e milhões de anos e depois desparecem. É como um indivíduo que nasce, vive por algum tempo e morre. A extinção é o destino dos indivíduos e das espécies, também da nossa.

Mas além deste processo natural, existem as extinções em massa. A Terra, segundo geólogos, teria passado por 15 grandes extinções desta natureza. Duas foram especialmente graves. A primeira ocorrida há 245 milhões de anos por ocasião da ruptura de Pangéia, aquela continente único que se fragmentou e deu origem aos atuais continentes. O evento foi tão devastador que teria dizimado entre 75-95% das espécies de vida então existentes. Por debaixo dos continentes continuam ativas as placas tectônicas, se chocando umas com as outras, se sobrepondo ou se afastando, movimento chamado de deriva continental, responsável pelos terremotos.

A segunda ocorreu há 65 milhões de anos, causada por alterações climáticas, subida do nivel do mar e arquecimento, eventos provocados por um asteróide de 9,6 km caido na América Central. Provocou incêndios infernais, maremotos, gases venenosos e longo obscurecimento do sol. Os dinossauros que por 133 milhões de anos dominavam, soberanos, sobre a Terra, desapareceram totalmente bem como 50% das espécies vivas. A Terra precisou de dez milhões de anos para se refazer totalmente. Mas permitiu uma radiação de biodiversidade como jamais antes na história. O nosso ancestral que vivia na copa das árvores, se alimentando de flores, tremendo de medo dos dinossauros, pôde descer à terra e fazer seu percurso que culminou no que somos hoje.

Cientistas (Ward, Ehrlich, Lovelock, Myers e outros) sustentam que está em curso um outra grande extinção que se iniciou há uns 2,5 millhões e anos quando extensas geleiras começaram a cobrir parte do Planeta, alterando os climas e os níveis do mar. Ela se acelerou enormemente com o surgimento de um verdadeiro meteoro rasante que é o ser humano através de sua sistemática intervenção no sistema-Terra, particularmente nos último s séculos. Peter Ward (O fim da evolução, 1977, p.268) refere que esta extinção em massa se nota claramente no Brasil que nos últimos 35 anos está extinguindo definitivamente quatro espécies por dia. E termina advertindo:"um gigantesco desastre ecológico nos aguarda".

O que nos causa crise de sentido é a exitência dos terremotos que destroem tudo e dizimam milhares de pessoas como no Haiti e no Chile. E aqui humildemente temos que aceitar a Terra assim como é, ora mãe generosa, ora madrasta cruel. Ela segue mecanismos cegos de suas forças geológicas. Ela nos ignora, por isso os tsunamis e cataclismos são aterradoras. Mas nos passa informações. Nossa missão de seres inteligentes é descodificá-las para evitar danos ou usá-las em nosso benefício. Os animais captam tais informações e antes de de um tsunami fogem para lugares altos. Talvez nós outrora, sabíamos captá-las e nos defendíamos. Hoje perdemos esta capacidade. Mas para suprir nossa insuficiência, está ai a ciência. Ela pode descodificar as informações que previamente a Terra nos passa e nos sugerir estratégias de autodefesa e salvamento.

Como somos a própria Terra que tem consciência e inteligência, estamos ainda na fase juvenil, com pouco aprendizado. Estamos ingressando na fase adulta, aprendendo melhor como manejar as energias da Terra e do cosmos. Então a Terra, através de nosso saber, deixará que seus mecanismos sejam destrutivos. Todos vamos ainda crescer, aprender e amadurecer.

A Terra pende da cruz. Temos que tirá-la de lá e ressuscitá-la. Então celebraremos uma páscoa verdadeira, e nos será permitido desejar: feliz Páscoa.

*Leonardo Boff é Teólogo e autor de Nossa ressurreição na morte, Vozes 2007.
(Envolverde/O autor)

Projeto disponibiliza obras de coleção histórica sobre a economia, a política e a natureza do Brasil


Semana de novidades de leitura na rede. Noticiamos que a Editora Unesp disponibilizou dezenas de livros para baixar de modo gratuito. Falamos também da USP e de seu selo editorial Brasiliana: a universidade pôs no ar o conteúdo de periódicos históricos, todos digitalizados e, também, a preço zero.

Agora, descobrimos uma ação homônima da iniciativa da editora da USP. Uma boa notícia para quem se interessa por livros raros e pela história do Brasil. Está disponível on-line a Coleção Brasiliana, que reúne obras de autores brasileiros e estrangeiros que retrataram o país nos campos da história, sociologia, economia, antropologia e história natural, da época colonial à década de 1990.

Originalmente editada pela Companhia Editora Nacional a partir da década de 1930, a coleção era composta por 415 volumes com alguns títulos selecionados pelo educador e sociólogo Fernando de Azevedo e pelo historiador e imortal da Academia Brasileira de Letras Américo Jacobina Lacombe.

Por enquanto, o projeto Brasiliana Eletrônica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), dispõe de 60 obras e a expectativa é que todas da coleção original sejam digitalizadas. No portal é possível ler, copiar e imprimir os livros, que são apresentados como fac-símiles da primeira edição e também como textos revisados e transcritos para a ortografia atual. Além disso, algumas das obras contêm informações adicionais, como estudos críticos e biografia dos autores e tradutores.

Links: Cultura Acadêmica
Coleção Brasiliana

Ciência Hoje

segunda-feira, 29 de março de 2010

Minerais de sangue em nossos computadores e celulares


Por Sérgio Abranches (*)

A alta tecnologia está ligada à guerra e à barbárie não apenas por meio da indústria de armas. Computadores, celulares e outros equipamentos eletrônicos podem ser parte de uma trágica conexão entre tecnologias avançadas e o sofrimento humano, o trabalho escravo e guerras intermináveis. Parece exagerado?

Basta ler o relatório publicado em 2009 “Faced with a gun, what can you do? War and the militarisation of mining in eastern Congo” (“Diante de um revólver, fazer o quê? Guerra e a militarização da mineração no leste do Congo”) da ONG Global Witness. Ele nos conta sobre os “minerais da guerra” ou “minerais de sangue”, que são amplamente usados na indústria eletrônica. Matérias primas na cadeia de suprimentos dessas indústrias de alta tecnologia podem ser provenientes de várias partes das províncias de Kivu, onde grupos armados e o próprio exército congolês controlam o comércio de cassiterita (minério de estanho), ouro, columbita-tantalita, volframita (tungstênio) e outros minerais. O relatório documenta uma história bilionária de brutalidade, tirania e corrupção. Não é muito diferente do que a maioria de nós sabe sobre diamantes, depois de ter visto o filme “Diamantes de Sangue”, dirigido por Edward Zwick, com Leonardo Di Caprio, Djimon Hounsou, e Jennifer Connely, ou o documentário da National Geographic, Blood Diamond (Diamond of War).

Na sua luta mais ampla para conquistar poder econômico, político e militar, todas as facções guerreiras cometeram os mais horríveis abusos dos direitos humanos, incluindo matança generalizada de civis desarmados, estupros, tortura e pilhagem, recrutamento de soldados infantis para lutar em suas fileiras, e o deslocamento a força de centenas de milhares de pessoas. A atração das riquezas minerais do leste do Congo é um dos fatores que os incentiva. Quando esses minerais chegam a seus destinos finais – os mercados internacionais da Europa, Ásia e América do Norte – sua origem e o sofrimento causado por esse comércio já foram esquecidos há muito.

Esses minerais terminam dentro de produtos avançados de grandes companhias globais, relata a Global Witness:

Muitos dos principais comptoirs – atacadistas baseados em Goma e Bukavu – compram, vendem e exportam minerais produzidos por esses grupos armados ou que os beneficiam. Eles incluem o Groupe Olive, Muyeye, MDM, Panju e outros. O fato de que esses comptoirs sejam licenciados oficialmente e tenham registro junto ao governo congolês serve de cobertura para a lavagem de minerais que estão financiando o conflito. Entre os clientes desses comptoirs estão companhias da Ásia e da Europa, como a Thailand Smelting and Refining Corporation (THAISARCO), a quinta maior produtora de estanho do mundo, propriedade da gigante dos metais britânica Amalgamated Metal Corporation (AMC); a britânica Afrimex; e várias companhias belgas como Trademet e Traxys. Essas empresas vendem minerais a uma gama de processadoras e manufaturas incluindo firmas da indústria eletrônica. Agentes econômicos estão fazendo vista grossa para o impacto de suas atividades. Eles continuam a alegar ignorância sobre a origem de seus suprimentos e se escondem por trás de um amontoado de outras desculpas por não serem capazes de excluir minerais que alimentam a guerra de sua cadeia de suprimentos.

O relatório diz que a cassiterita (minério de estanho) é o mais importante dos minerais de sangue tanto em termos de quantidade, quanto de preço. Ela tem muitos usos como componente na produção de soldas, revestimento de estanho e ligas. Os usuários finais são as indústrias eletrônica e de latas de estanho. Soldas eletrônicas representaram mais de 44% de todo o estanho refinado em 2007. Em 2007 e 2008, diz a Global Witness, a assim chamada República Democrática do Congo respondeu por 5% da produção global de minério de estanho.

Os atacadistas – comptoirs – são, de acordo com a Global Witness, uma parte crítica nessa cadeia de suprimento e exportação de minerais, em um quadro de violência, exploração e degradação humana e ambiental.

“Nós todos acabamos comprando minerais que, de alguma forma, foram produzidos ilegalmente. Vocês não podem apenas nos pedir para parar. Não teríamos outra alternativa se não fechar”, um representante de comptoir disse à Global Witness.

A Global Witness escreveu para perto de 200 empresas, no mundo todo, perguntando sobre suas práticas de comércio na República Democrática do Congo.

Algumas das empresas que responderam à Global Witness afirmaram que estavam comprometidos com a aplicação e o aperfeiçoamento de melhorar suas políticas de auditoria e verificação. Contudo as políticas ou códigos internos de conduta a que eles se referem são bastante genéricos e não incluem salvaguardas específicas contra o comércio de minerais que financiam a guerra.

A visão da Global Witness à época do relatório era que a indústria não tinha um plano coerente para enfrentar a dimensão da guerra no comércio mineral.

A indústria tomou algumas medidas para enfrentar o problema, coordenadas por sua associação, a ITRI – International Tin Research Institute (Instituto Internacional de Pesquisa sobre o Estanho). O Instituto defende que a “Fase 1” de seu projeto, implementada em julho de 2009, foi “um abrangente plano de auditoria e verificação para minérios de estanho exportados da República Democrática do Congo (RDC)”. Ele está agora anunciando a “Fase 2” dessa política, chamada de Iniciativa para a Cadeia de Suprimento do Estanho (iTSCi, na sigla em inglês).

O ITRI diz que a iTSCi representa “o primeiro teste de campo prático concebido para enfrentar as preocupações com os “minerais de conflito” daquela região e demandou comprometimento significativo e financiamento da ordem de US$ 600 mil para ser concebido e poder ser implementado”.

A Fase 2 consiste em um “teste piloto que começará a rastrear minerais e prover informação verificável sobre sua procedência de províncias minerais específicas no leste da RDC; algo que não era possível até agora”.

A iniciativa tem o apoio de um grupo de consumidores finais pesos pesados da indústria eletrônica, como Apple, Dell, HP, IBM, Intel, Lenovo, Microsoft, Motorola, Nokia, Nokia Siemens Networks, Philips, RIM, Sony, Telefônica, Western Digital e Xerox.

Kay Nimmo, Diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios diz que a indústria pode agora, “dar um passo adiante no projeto iTSCi” o qual “demonstra realmente o compromisso do setor de estanho, e agora do tântalo, em encontrar uma solução para essa difícil questão”.

É uma atitude positiva e bem vinda, mas parece ainda uma resposta fraca para um problema tão brutal. A Global Witness reconhece que muitas empresas de mineração e de eletrônica – principalmente TI e celulares – têm políticas claras para sustentabilidade de suas cadeias de suprimento, mas os procedimentos de auditoria e verificação não são adequados à identificação do controle dos paramilitares sobre uma larga fatia do suprimento de minerais.

Um Grupo de Especialistas foi indicado pela ONU em 2004 para examinar a questão e, em 2008, divulgou um relatório recomendando que estados membros da ONU “tomassem medidas apropriadas para garantir que exportadores e consumidores de minerais congoleses sob sua jurisdição conduzissem auditorias e verificações em seus supridores e não aceitassem garantias verbais de compradores sobre a origem de seu produto”.

O plano do ITRI de rastrear minerais e prover informação verificável de procedência pode ser um instrumento importante para a certificação de origem na cadeia de suprimento. Casos similares de bens ilegais entrando no processo de produção de grandes empresas globalmente competitivas mostram que só os consumidores industriais finais têm o poder de impor o cumprimento de regras para limpeza da cadeia de suprimento. Daí a importância do envolvimento de empresas como Apple, Dell, HP, Microsoft, Xerox.

A situação não parece ter mudado muito desde que a Global Witness publicou seu relatório e o ITRI implementou a Fase 1 de seu projeto. Annie Dunnebacke, recém-chegada de uma viagem de campo de um mês ao Congo, relata que:

Por mais de uma década a riqueza mineral do país tem incentivado e fornecido base financeira para que o conflito no Congo continue. A não ser que o governo e doadores internacionais implementem uma estratégia abrangente que elimine de uma vez por todas os motores econômicos desse conflito, a população local continuará a sofrer e o futuro do país continuará ameaçado.

Emilie Serralta, também parte time de campo da Global Witness recém chegado do Congo, acrescenta que a capacidade dos ex-rebeldes de retirar renda das minas significa que eles podem se rearmar, se decidirem que a paz não lhes interessa mais. Esse é perigo particularmente agudo considerando a história dos ex-comandantes de reverter à rebelião quando não conseguem o que querem.

A Global Witness disse, em uma nota de imprensa recente, ter evidência de que companhias do leste do Congo e de Rwanda continuam comprando diretamente das minas militarizadas.

Algumas firmas da indústria se comprometeram no papel a adotar práticas de rastreamento mais preciso na cadeia de suprimento e de compras responsáveis, mas até agora, empresas comprando minerais do leste do Congo não saíram da retórica e não colocaram em prática medidas de auditoria e verificação que tenham credibilidade.

Annie Dunnebacke argumenta, nessa nota de imprensa, que não é suficiente as empresas se apoiarem em promessas ou guias preenchidas por seus supridores. Se as empresas querem evitar serem cúmplices no conflito armado e nos abusos de direitos humanos, têm que fazer investigações para descobrir exatamente de que minas os produtos estão saindo e quem está se beneficiando desse comércio. A informação sobre quem controla que minas é de conhecimento geral nas cidades mercantis do leste do Congo. As empresas comprando minerais das áreas militarizadas não podem alegar ignorância.

Leia a mtéria original no link - http://www.ecopolitica.com.br/2010/03/23/minerais-de-sangue-em-nossos-computadores-e-celulares/.
(Envolverde/Ecopolítica)

Poluição da Ásia roda o mundo pela estratosfera

Fabiano Ávila, CarbonoBrasil/Agências Internacionais

Estudo patrocinado pela NASA demonstra que o fenômeno das monções joga partículas de poluentes dos países asiáticos a até 40 km de altura, onde ficam circulando por anos podendo causar alterações climáticas e danos à camada de ozônio.

O crescimento econômico desenfreado de países como China, Índia e Indonésia tem como um de seus fatores negativos a grande poluição resultante da expansão industrial e do aumento da frota de veículos. Até aí alguém poderia pensar que isso é um problema deles e que os seus próprios governos deveriam tomar atitudes para resolver a situação. Mas um estudo publicado na última semana na revista Science comprovou o que já era uma crença entre cientistas e ambientalistas: a poluição atmosférica da Ásia circula todo o planeta.

A descoberta envolve o fenômeno das monções, ventos sazonais acompanhados de chuvas fortes que acontecem principalmente no sudeste asiático. Pesquisadores do Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica (NCAR), com o apoio da NASA, conseguiram demonstrar que as monções carregam as partículas poluidoras produzidas na Ásia para a estratosfera e que esses poluentes ficam em suspensão viajando pelo globo por vários anos até que finalmente descem para camadas mais baixas da atmosfera ou são dispersos.

“A monção é um dos sistemas de circulação mais poderosos do planeta e se forma bem onde existe uma grande concentração de poluentes. Com isso, o fenômeno age como uma avenida para a poluição chegar até a estratosfera”, explicou Willian Randel, principal autor do estudo “Monção Asiática Transporta Poluição para a Estratosfera” (”Asian Monsoon Transport of Pollution to the Stratosphere”).

Utilizando imagens de satélites e modelos computacionais, os pesquisadores conseguiram identificar os padrões de circulação atmosférica associados às monções. Para isolar apenas a atividade do fenômeno, os cientistas mapearam a presença de cianeto de hidrogênio, elemento produzido principalmente pela queima de vegetação. Dessa forma, foi possível acompanhar durante a época de queimadas no sudeste da Ásia como essas particulas eram impulsionadas pelas monções para a estratosfera e depois mapear sua viagem pelo mundo.

Além do cianeto de hidrogênio, partículas de carbono negro, dióxido sulfúrico, óxidos nitrogenados e outros poluentes também acabam chegando à estratosfera

“Já se suspeitava desse papel da monção, mas agora mostramos como isso realmente acontece”, afirmou o professor Peter Bernath, da Universidade de York, na Inglaterra.

O estudo sugere ainda que o impacto dos poluentes da Ásia na estratosfera deve aumentar nas próximas décadas por causa do rápido crescimento industrial da região. Além disso, as mudanças climáticas podem alterar em breve o comportamento das monções, apesar de ainda não estar claro se o fenômeno ficará mais intenso ou mais ameno.

Segundo os pesquisadores, mais estudos devem ser realizados para conhecer todos os possíveis efeitos dos poluentes na estratosfera. Mas já se sabe, por exemplo, que eles podem se transformar em aerossóis, que são nocivos para a camada de ozôni, e também que devem ter impacto no clima do planeta, ao impedir a passagem de raios solares.

Mas uma conclusão é fácil de ser percebida, a da necessidade de leis globais para controlar as emissões de poluentes. A ciência cada dia mais reforça as teorias que afirmam que tudo no meio ambiente está interligado e cada novo estudo deveria ser encarado como mais um motivo para legislações e acordos internacionais mais rígidos.

(CarbonoBrasil)

sexta-feira, 26 de março de 2010

A história da água engarrafada



Annie Leonard, a produtora de A História das Coisas e A História do Cap and Trade, lançou no Dia Mundial da Água o seu novo documentário: The Story of Bottled Water (ou, em tradução livre, A História da Água Engarrafada).

O vídeo, com duração de oito minutos, questiona a falta de consciência ecológica dos cidadãos que compram garrafas de água enquanto poderiam beber água tratada. Annie também apresenta o dano que essa prática causa ao planeta, como o aumento da poluição e o mal uso de dinheiro.
Os argumentos do documentário estão baseados em:

pesquisas científicas comprovam que água em garrafa muitas vezes tem menor qualidade do que a filtrada;
testes de opinião pública mostram a água tratada como de “gosto mais puro” que a mineral;
a água armazenada em garrafas plásticas pode custar até 2 mil vezes mais que a tratada.
O vídeo mostra que tudo isso só acontece porque as empresas que “fabricam” a água engarrafada precisam continuar crescendo, então eles investem em propagandas que moldem a atitude das pessoas em relação ao consumo de água. Por consequência, fazem uma imagem negativa da água filtrada.

“Elas dizem que a água tratada não é pura, seduzem o cliente com uma imagem de água de ‘fonte limpa e bem cuidada’ e, além disso, as águas engarrafadas são constantemente associadas a pessoas de boa condição financeira”, são outros argumentos de Annie.

Outro dado alarmante é o da poluição. O “lixo” resultado da indústria de garrafas de plástico é grande suficiente para dar cinco voltas redor do mundo. A indústria da água polui tanto quanto qualquer outra - gasta energia, transporte e ainda produz lixo que nem sempre é reciclado. Annie completa que, geralmente, as garrafas plásticas vão para lixões ou são enceneradas, muito raro, são recicladas.

Como solução para o problema, o vídeo estimula os cidadãos a dizerem não para a água engarrafada e a encorajarem os políticos a investirem em tratamento de água e prevenção da poluição dos rios. Ele incentiva do uso de bebedouros e o boicote às garrafas de água nas escolas, nas organizações e em toda a cidade.

Água engarrafada é desperdício de dinheiro

Mas Annie também traz estatísticas confortantes. Ela informa uma diminuição no índice de uso de águas engarrafadas - dados comprovam que restaurantes se preocupam mais com a venda de garrafas de água e que muitos consumidores usam a garrafa apenas como refil, enchendo-as com água tratada todo o tempo, pois escolheram poupar o dinheiro da compra.

O vídeo termina com a seguinte afirmativa: “carregar uma garrafa de água é tão ruim quanto uma grávida fumar cigarro”. E conclui: “Nós não vamos mais seguir as demandas do mercado, vamos escolher as nossa próprias demandas,e a nossa demanda será: água limpa e segura para todos”.

* Projeto do Instituto Ecodesenvolvimento
Mercado Ético

Futuro conjunto

Veja a cobertura completa do V Fórum Urbano Mundial


A Organização das Nações Unidas (ONU) lançou hoje (26) uma Campanha Urbana Mundial em prol da criação de cidades mais sustentáveis. A iniciativa foi tomada pela ONU em parceria com diversas entidades a partir da constatação de que o mundo precisa se unir para lidar com os problemas trazidos pelas mudanças climáticas, como a intensificação de desastres naturais, com as freqüentes crises energéticas e alimentares que vários países hoje vivenciam e com a constatação de que as cidades são agentes e vítimas de tais problemas. O lançamento da iniciativa foi feito durante o 5º Fórum Urbano Mundial, realizado segunda até hoje na capital carioca.

A idéia da campanha é unir cidades em todo o mundo – não só por meio dos governos, mas também da sociedade civil organizada e setores produtivos – na troca de experiência, tecnologias e recursos para a construção de cidades resilientes, isto é, capazes de se adaptar às mudanças climáticas e mitigar seus efeitos, além dos desafios sociais. A campanha será coordenada pelo programa da ONU para habitação, a ONU-Habitat.A idéia da ONU é começar a campanha com a adesão de 100 cidades.

Clique aqui para visitar site da iniciativa das 100 cidades

Além desta iniciativa, a Campanha Urbana Mundial também vai disponibilizar na internet uma base de dados de boas políticas de atuação e um catálogo de métodos e ferramentas de gestão a serem aplicadas para a criação de cidades mais sustentáveis, além de realizar encontros, estimular estudos e concursos sobre os temas urbanos.

“A tarefa que temos diante de nós é imensa, mas trata-se de um trabalho que deveríamos ter feito ontem. Trabalharemos para a aceitação universal de que o mundo se tornou urbano”, disse a diretora-executiva da ONU-Habitat, Anna Tibaijuka, durante o encerramento do evento.

Resultados múltiplos

O lançamento da campanha foi apenas um dos vários resultados do 5º Fórum Urbano Mundial. Durante os cinco dias de evento, outros compromissos foram firmados, principalmente entre os setores publico e privado. O comprometimento da multinacional The Coca-Cola Company para o fornecimento de recursos para tratamento de água e esgoto em países da Ásia, África e América do Sul, e a parceria entre a GE e o governo brasileiro para a instalação de sistemas de iluminação mais eficientes durante a Copa do Mundo em 2014 foram alguns deles.

Mas, segundo participantes, o principal resultado foi a constatação de que os problemas são muito similares entre os países e que, apesar das diferenças estruturais, as soluções podem ser adaptadas, como a adoção de telhados verdes para aumentar o conforto térmico nas casas e o uso de produtos eficientes até políticas para a criação de cidades de baixo impacto.

Estrutura falha

Apesar dos bons resultados, o governo brasileiro demorou muito para liberar o recurso que seria usado no evento – o que aconteceu só no dia 23 de fevereiro – obrigando a empresa responsável pela organização fazer tudo em apenas um mês.

Todos os participantes sofreram as conseqüências. Uma falha na construção do telhado que ia do limite do teto dos armazéns onde foram realizados os encontros até a beira do cais impossibilitou a circulação do ar, fazendo com que o único local de passagem entre os armazéns se tornasse uma verdadeira estufa. Na segunda-feira, dia de grande calor no Rio de Janeiro, centenas de pessoas tiveram de ser socorridas, a maioria da equipe de trabalho, segundo um dos médicos que fizeram parte da equipe de atendimento.

Para Haidara Abdou Barakou, participante do Niger, o transporte é que deixou a desejar. “Quando chegamos no aeroporto não havia ninguém para nos recepcionar e do hotel para o local do evento era terrível”, disse.O ECO/Cristiane Prizibisczki

WWF: Fotografe a sua Hora do Planeta




Amanhã, dia 27 de março, às 20:30h todos vão apagar as luzes durante a Hora do Planeta. E você pode registrar este momento. Fotografe e filme seu bairro, sua casa e seus amigos e poste no flickr ou no
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quinta-feira, 25 de março de 2010

Copa do Mundo deixará “elefantes brancos”, diz pesquisador

Isabela Vieira, da Agência Brasil

O Brasil enfrentará desafios estruturais para a realização da Copa do Mundo de 2014. De acordo com o geógrafo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Christopher Gaffney, o país caminha para a construção de elefantes brancos e demonstra falta de planejamento e de transparência nos gastos públicos. As informações constam de estudo apresentado na terça-feira (23/3), durante o Fórum Social Urbano (FSU).

Segundo a pesquisa, não há controle nos gastos com a construção ou a recuperação de estádios das 12 cidades que receberão as competições. Ainda de acordo com o pesquisador, como o governo não conseguiu apoio da iniciativa privada para construção das arenas, que devem ter capacidade para 50 mil pessoas, fará aportes por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que destina R$ 4,8 bilhões para Copa do Mundo, sendo R$ 400 mil para cada município.

Gaffney disse também que a aplicação de dinheiro não conta com mecanismos de acompanhamento social e os orçamentos para reforma de três arenas foram extrapolados em menos de nove meses. Como exemplo, a pesquisa cita o Maracanã, no Rio, cujo orçamento inicial passou de R$ 500 milhões para R$ 600 milhões de 2009 para 2010, o Estádio do Morumbi, em São Paulo, que passou de R$ 136 milhões para R$ 240 milhões e do Estádio da Fonte Nova, em Salvador, de R$ 400 milhões para R$ 591 milhões.

O estudo questiona ainda o retorno dos investimentos governamentais na Copa, que também incluem infraestrutura urbana, transporte e benefícios fiscais. Gaffney estima que apenas para o retorno dos gastos com os estádios a ocupação das arenas deverá ser quadruplicada em relação a atual, embora os torcedores devam pagar mais pelos ingressos. Os preços passarão de R$ 20 e R$ 30 para R$ 45 e R$ 60.

“Vai ter que arranjar torcedor disposto a pagar o dobro. Isso porque têm cidades do Norte e Nordeste que não tem tradição futebolística para lotar os estádios, como foi dito aqui e isso vai ser difícil depois da Copa. Ou seja, esses estádios devem acabar se tornando uma coisa que a gente conhece bem: os elefantes brancos”, afirmou o geógrafo, em referência a obras sem função social, com elevado custo de manutenção.

A pesquisa da UFF também chama atenção para o deslocamento dos torcedores no país durante a competição e alerta para o desafio da implementação de melhorias no transporte. “Não há uma estrutura ferroviária ligando o país e o próprio presidente da CBF reconheceu que o problema para a Copa são os aeroportos”, afirmou. Segundo o geógrafo, os R$ 6 bilhões anunciados pelo governo federal para os aeroportos são insuficientes.

(Agência Brasil)

Belo Monte
BNDES é notificado sobre co-responsabilidade de impactos da usina

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que já se dispôs a ser o maior financiador da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu, em Altamira, no Pará, será advertido da co-responsabilidade pelos impactos da obra, que assumirá com a efetivação do empréstimo. Nesta quarta-feira (24/3), às 11h, integrantes de movimentos sociais e ONGs, além de representantes das populações indígenas e ribeirinhas de Altamira, realizam uma manifestação criativa em frente à sede do BNDES, para acompanhar a entrega da notificação à direção do banco.

Hoje os movimentos sociais de Altamira, com apoio de organizações nacionais, entregam ao BNDES uma notificação extrajudicial que adverte o banco sobre a fragilidade da licença ambiental expedida pelo Ibama. De acordo com o instrumento jurídico, a licença não oferece nenhuma garantia de que a obra é viável do ponto de vista socioambiental, uma vez que a avaliação técnica do órgão, que afirmou que “não há elementos suficientes para atestar a viabilidade ambiental do empreendimento”, foi desconsiderada no ato do licenciamento. Nesse sentido, o financiamento pelo banco seria ilegal, e se a obra vier a ser construída, ele será, de acordo com a legislação brasileira, responsabilizado pelos prejuízos socioambientais que não foram previstos.

Segundo a notificação, se os eventos danosos anunciados nos pareceres técnicos do Ibama vierem efetivamente a ocorrer, o BNDES seria passível de ser cobrado por todos os custos decorrentes dos impactos sobre a fauna, flora e pessoas da região, quaisquer que sejam os seus valores, e inclusive aqueles que são impossíveis de se valorar.

A notificação também aponta que, como gestor de recursos públicos, e comprometido, conforme seu estatuto social, a realizar “exame técnico e econômico-financeiro de empreendimento, projeto ou plano de negócio, incluindo a avaliação de suas implicações sociais e ambientais” para aprovar qualquer transação financeira, o BNDES tem o dever de considerar todas as variáveis que envolvem a obra.

Impactos de Belo Monte

A notificação destaca o atropelo com que o Ibama concedeu a licença prévia de Belo Monte, desconsiderando as observações da equipe que fez o Parecer Técnico 06/2010, que não aceitava a solução proposta para alguns dos impactos socioambientais que afetarão a região.

Um dos importantes impactos que não foi considerado diz respeito à qualidade da água. Estudo realizado por especialistas da Universidade de Brasília (UnB), a pedido do Ibama, e entregue poucos dias antes da emissão da licença, afirma que a modelagem utilizada no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é equivocada e insuficiente para fazer prognósticos futuros de como ficará a qualidade da água. Afirma também que, ao contrário do que diz o estudo elaborado pela Eletrobrás, é alta a probabilidade de que a água ao longo de 144 km do rio Xingu fique “podre” (eutrofizada) e abaixo dos parâmetros mínimos exigidos pela Resolução 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o que deveria impedir a expedição da licença.

Outro ponto importante diz respeito aos impactos na região da Volta Grande do rio Xingu, um trecho de mais de 100 km de rio, onde moram centenas de famílias, e que viverá uma “eterna seca” caso a obra seja construída, pois grande parte da água do rio será desviada para os canais a serem construídos. O problema é que a licença contrariou a decisão da equipe técnica do Ibama, que afirma que a quantidade de água que a Eletrobrás propõe liberar para esse trecho - e que foi aceita pela diretoria do órgão - é insuficiente para manter o modo de vida dessas pessoas, pois, com as alterações profundas no ciclo natural, não haveria mais como pescar ou navegar.

Além do BNDES, todos os demais financiadores também deverão ser notificados.
CIMI

quarta-feira, 24 de março de 2010

O mundo não vai acabar

Artigo de Marcelo Gleiser

"Certamente, os maias não sabiam nada sobre a fusão nuclear"

Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "Criação Imperfeita". Artigo publicado na "Folha de SP":

O ataque é constante, um dilúvio de cataclismos horrendos que marcam o fim do mundo: tudo isso ocorrendo no dia 21 de dezembro de 2012 (ou será no dia 23?). Pelo mundo afora, milhões de pessoas escrevem em blogs, rezam, formam grupos e portais de "informação", acreditando que essas previsões sejam diversas do "bug do milênio" (alguém se lembra?) ou de centenas de outras profecias apocalípticas que falharam e que as pessoas têm uma incrível habilidade de esquecer.

Gostaria de contra-atacar essa onda de medos apocalípticos usando, sim, a luz da ciência e da razão. Mesmo que muitas dessas previsões sejam supostamente baseadas em ciência, a verdade é que não são. Se fossem, deveríamos levá-las a sério (o Sol, é verdade, explodirá em 5 bilhões de anos).

1) Fim do calendário maia: Deixando de lado o fato de que os maias não tinham como prever o fim do mundo, vamos examinar a "evidência" que mostra a relação entre o fim do calendário deles e o fim do mundo.

Os especialistas Linda Schele e David Freidel encontraram referências a eventos ocorrendo muito após o fim do calendário. Outros afirmam que a noção judaico-cristã de apocalipse não fazia parte da cultura maia. A fonte da profecia vem de um local no México chamado Tortuguero.

Especialistas mal conseguem decifrar os fragmentos encontrados lá: "O décimo terceiro [b'ak'tun] termina (no) 4 Ajaw, o 3º do Uniiw [3 K'ank'in]. Preto...ocorrerá. (Será) a queda (?) de Bolon Yookte" K'uh ao grande (ou vermelho?)..." Desse fragmento a uma previsão do fim do mundo baseada no profundo conhecimento cósmico dos maias é um salto vergonhoso.

2) Alinhamento galáctico: Alguns afirmam que os maias sabiam do alinhamento periódico entre o Sol, a Terra e o centro da nossa galáxia. Afirmam também que esse alinhamento causará o fim do mundo. A verdade é que esse alinhamento aproximado ocorre todo mês de dezembro. E a Terra sobrevive há mais de 4 bilhões de anos! Mesmo que todos os planetas se alinhassem -o que não ocorrerá em 2012 ou nas próximas décadas-, o efeito sobre a Terra seria desprezível.

Lembre-se de que a força da gravidade cai em proporção ao quadrado da distância. Se somarmos todas as massas dos planetas, obtemos em torno de 450 massas da Terra. O Sol, sozinho, tem uma massa 332 mil vezes maior do que a da Terra! Ou seja, a perturbação causada pelos planetas ou pelo centro galáctico é irrelevante.

3) Planeta Nibiru (ou Planeta X): Supostamente, os sumérios sabiam de um planeta que vai colidir com a Terra em 2012. Acontece que esse planeta simplesmente não existe! Se existisse, teria já sido detectado por astrônomos. Se fosse colidir com a Terra em 2012, seria visível a olho nu. Um objeto dessa magnitude causaria (pequenas) perturbações em outros planetas e asteroides facilmente detectáveis.

4) Tempestade solar: O Sol tem um ciclo de atividade de 11 anos e o próximo máximo ocorre entre 2012 e 2014. Plasma lançado da sua superfície pode atingir a Terra, causando auroras em altas latitudes. Alguns distúrbios mais violentos podem danificar satélites e causar apagões. O Sol poderia nos causar problemas sérios, mas não há previsão de que isso vá ocorrer em 2012 ou nos próximos milhões de anos.

Certamente, os maias não sabiam nada sobre a fusão nuclear.

Esse frenesi todo é irracional, promulgado por alguns setores dos meios de comunicação e oportunistas. Quem escolhe acreditar nisso está fechando os olhos para 400 anos de ciência, preferindo viver escravizado por medos que pertencem à Idade Média.
(Folha de SP/Jciência)

terça-feira, 23 de março de 2010

O MAPA DOS PESADELOS
Lideranças partidárias deturpam o Zoneamento Socioeconômico e Ecológico de Mato Grosso (ZSEE/MT)

Na calada da noite, deputados estaduais mato-grossenses distorcem o projeto de lei que institui ZSEE/MT e propõem um modelo de desenvolvimento, ultrapassado, excludente, ecologicamente inviável e socialmente equivocado.

As redes socioambientais: REMTEA, FLEC e FORMAD, integrantes do Grupo de Trabalho de Mobilização Social (GTMS), e as entidades que assinam este documento, se posicionam frontalmente contra o conteúdo do substitutivo do Zoneamento Socioeconômico Ecológico – ZSEE/MT, que surgiu da manga das ditas lideranças partidárias da Assembléia Legislativa e não respeitou o processo de elaboração do ZSEE/MT estabelecido pelo decreto federal nº4297 de 10 de julho de 2002, alterado pelo Decreto Federal nº6288/2007.

A proposta resulta em uma alteração prejudicial das características e definição das áreas e usos, desconsiderando um diagnóstico ecológico, econômico e social embasado por mais de 20 anos de trabalho da equipe técnica do Executivo, que posteriormente passou por um processo de participação e mobilização social por todo o Estado de Mato Grosso. O projeto apresentado pelo deputado Dilceu Dal Bosco representa uma posição unilateral de um setor econômico específico do Estado em detrimento de outros igualmente importantes para a economia.

Desta forma, refutamos várias diretrizes e alterações propostas nesse novo documento por sua total falta de respaldo popular, legal e técnico. Destacamos a seguir alguns pontos críticos do documento:

· Exclusão de 14 Terras Indígenas em processo de homologação e de demarcação em curso. As lideranças partidárias estaduais erram ao avançar sobre um assunto de competência federal;
· Exclusão de 9 áreas propostas para Unidades de Conservação, além de outras 3 que tiveram suas áreas muito reduzidas. A redução destas áreas corresponde a 73% das áreas propostas para criação de Unidades de Conservação presente no primeiro substitutivo, resultado das audiências públicas.
· Flexibilização de reserva legal em todo o estado inclusive nos ambientes florestais, de áreas frágeis, e nos pantanais do Araguaia e do Guaporé, sem critérios claros e embasados, o que invalida esta proposição do ponto de vista legal
· Redução de 34% da área de floresta que foram destinadas para uso mais intensivo. Isso significa desconsiderar a relevância e potencial da economia de base florestal no Estado.
· Exclusão de áreas de necessidade de proteção aos recursos hídricos, como as cabeceiras dos rios Xingu e Teles Pires também perdeu área para o uso mais intensivo. No total a expansão da categoria consolidada avançou em cerca de 70% sobre as subcategorias de proteção aos recursos hídricos e florestas o que demonstra total desconsideração sobre os estudos que estabeleceram os limites ecológicos destas áreas.
· Exclusão de políticas específicas destinadas à agricultura familiar ao excluir do documento a expressão pequenos produtores. A intenção de eliminar as políticas específicas destinadas à agricultura familiar em grandes regiões do estado é injustificável dada a relevância deste segmento para a segurança alimentar.
· A permissão de plantio da cana-de-açúcar e produção sucroalcooleira para os Biomas do Cerrado e Amazônia de Mato Grosso não estão liberadas pelo Decreto Federal do Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar (Decreto nº 6.961, de 17 de setembro de 2009). Este é um dos exemplos, que a proposta evidencia falta de embasamento técnico e jurídico e incompatibilidade com a legislação federal.

O substitutivo das lideranças partidárias em questão é apresentado de maneira ilegítima, sem um estudo sério e transparência, num processo autoritário e antidemocrático, que representa, assim, um total descaso com a participação da sociedade nas audiências públicas da própria Assembléia Legislativa.

Mesmo com ressalvas, as entidades que abaixo assinam e reconhecem o documento do primeiro substitutivo que tramita na Comissão do Zoneamento da AL como válido para início da negociação, pois o mesmo atende os passos recomendados no processo de elaboração e consulta do zoneamento.

Reafirmamos nosso compromisso na aprovação do ZSEE/MT que considere as potencialidades naturais e a grande diversidade social de Mato Grosso, afinal, este instrumento de política pública é que direcionará sustentabilidade do Estado de Mato Grosso de maneira mais justa tanto ambientalmente, quanto socialmente.
Assim posto, assinam esse documento:

GTMS - Grupo de Trabalho de Mobilização SocialL
FLEC – Fórum de Lutas das entidades de Cáceres
FORMAD - Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento
REMTEA – Rede Mato-grossense de Educação Ambiental
A.A.A.V - Associação Amigos da Amazônia Viva
ADUNEMAT – Associação dos docentes da UNEMAT
ARPA – Associação Rondonopolitana de Proteção Ambiental
Associação das Mulheres Araras do Pantanal
AXA -Articulação Xingu AraguaiaCBFJ - Centro Burnier Fé e Justiça
CTA de Pontes e Lacerda - Centro de Tecnologia Alternativa
CIEA-MT - Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental de Mato Grosso
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CJMT – Coletivo Jovem de Meio Ambiente Mato Grosso
CPT/Araguaia - Comissão Pastoral da Terra
FASE/MT - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
GPEA / UFMT - Grupo Pesquisador em Educação Ambiental
Grupo Cultural e Ambiental Raízes
ICV - Instituto Centro de Vida
Instituto Caracol
Instituto Gaia
MAIWU - Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisa de Mato Grosso
MST/MT – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra de Mato Grosso
OPAN - Operação Amazônia Nativa
REMSOL - Rede Mato-grossense de Educação e socioeconomia solidária
Revista Sina

Aos Senhores deputados:
Adalto Filho (deputadodaltinho@al.mt.gov.br);
Airton Rondina Luiz (airtonportugues@al.mt.gov.br);
Alexandre Luis Cesar (alexandrecesar@al.mt.gov.br);
Antônio Severino Brito (dep.antoniobrito@al.mt.gov.br);
Carlos Azambuja (drantonioazambuja@al.mt.gov.br);
Dilceu Dal Bosco (dilceu@al.mt.gov.br);
Flávio Gomes da Silva (depflaviogomes@al.mt.gov.br);
Francisca Nunes (depchicanunes@gmail.com);
Gilmar Donizete Fabris (fabris@al.mt.gov.br);
Guilherme Maluf (guilhermemaluf@al.mt.gov.br);
J. Barreto (jbarreto@al.mt.gov.br);
Jeferson Wagner (dep.wagner.ramos@al.mt.gov.br);
José Domingos (josedomingos@al.mt.gov.br);
José Geraldo Riva (riva@al.mt.gov.br);
Mauro Savi (maurosavi@al.mt.gov.br);
Nilson Santos (depnilsantos@.al.mt.gov.br);
Otaviano Pivetta (otavianopivetta@al.mt.gov.br);
Pedro Inácio Wiegert (pedrosatélite@al.mt.gov.br);
Percival Muniz (percivalmuniz@al.mt.gov.br);
Sebastião Rezende (sebastiaorezende@al.mt.gov.br);
Sérgio Ricardo (sergioricardo@al.mt.gov.br);
Vilma Moreira dos Santos (vilmamoreira@al.mt.gov.br).

Município bahiano recebe prêmio da ONU por Programa de Coleta Seletiva



Como não poderia deixar de ser, publico uma notícia que muito me honra: a minha cidade natal, Caculé (Ba), é exemplo na coleta seletiva, motivo pelo qual recebe o Prêmio ODM Brasil, como forma de reconhecido do Governo Federal e das Nações Unidas.

Solenidade de premiação será transmitida ao vivo pelo site www.odmbrasil.org.br

No dia 24 de março, a coordenação do Prêmio ODM Brasil, composto pela Secretaria-geral da Presidência da República, pelo Programa das Nações Unidas e pelo Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade, vai realizar a solenidade de premiação da 3ª edição do Prêmio, momento em que a Prefeitura de Caculé será reconhecida pelo Programa da Coleta Seletiva de Materiais Recicláveis. O evento será a partir das 16h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília (DF) e será transmitido ao vivo pelo site www.odmbrasil.org.br
.

A Coleta Seletiva de Caculé é uma das práticas vencedoras por contribuir com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, demonstrando o comprometimento do Governo Municipal e de toda população com o desenvolvimento sustentável. O Prêmio ODM Brasil é um reconhecimento que orgulha Caculé e a Cooperativa Catando a Vida, um programa sócio-ambiental, que gera renda para muitas famílias e contribui com a preservação do meio ambiente.
ODM Brasil

segunda-feira, 22 de março de 2010

Usando a internet, índios combatem desmatamento na Amazônia

Para os índios Suruí, que vivem na reserva indígena Sete de Setembro, na divisa entre os Estados de Rondônia e Acre, levar uma vida tradicional na floresta não é incongruente com as modernas tecnologias - ao contrário, uma fortalece a outra.

"Eu acho que nossa aliança com a internet é muito importante porque facilita e possibilita que a comunicação fortaleça politicamente nosso povo", diz o líder indígena Almir Surui, de 35 anos.

"O meu povo pode falar da ameaça da floresta, do desenvolvimento da floresta, da valorização cultural do povo Suruí."

Por iniciativa de Almir, a relação que os Suruí têm desenvolvido com a internet, esta "ferramenta dos brancos", é uma inovadora tentativa de fazer com que o contato reforce - ao invés de corromper - a cultura e o modo de vida nativos.

A ideia de usar a internet para valorizar sua cultura e combater o desmatamento nasceu em 2007, quando Almir teve seu primeiro contato com o Google Earth e fez o que todo mundo faz: procurou ver sua casa do satélite.

A vista aérea da reserva Sete de Setembro, um polígono verde de 248 mil hectares no centro de um entorno quase totalmente desmatado, representado em cor marrom, deixou o líder chocado.

Mas, ao mesmo tempo, ele percebeu que a mesma internet que expunha os problemas também poderia representar uma solução.

"Eu disse ao Vasco (van Roosmalen, da ONG Equipe de Conservação da Amazônia, ACT-Brasil, parceira dos indígenas em diversos projetos) que queria um encontro com o Google, e ele achava que era impossível", conta.

"Insisti e consegui uma reunião de 30 minutos. Passamos três horas, de tão interessados que eles ficaram."

Menina dos olhos - Hoje, a parceria do Google Outreach - o braço social do Google - com os Suruí é uma espécie de menina dos olhos da companhia.

Ao saber desta reportagem da BBC Brasil, a diretora mundial do projeto, Rebecca Moore, fez questão de colaborar, por meio de uma videoconferência da sede da empresa em San Francisco.

"Pelo chefe Almir, tudo", brincou Rebecca, antes do início da entrevista. Ela diz que se convenceu pela descrição "categórica e potente" que Almir fez da realidade amazônica.

"Ouvimos histórias sobre as ameaças representadas por madeireiras ilegais e mineradoras, sobre pessoas assassinadas, sobre o fato de existir inclusive uma recompensa pela cabeça do próprio Almir, por liderar seu povo e resistir às madeireiras", contou.

"Ficou claro que ele tem uma ideia muito sofisticada de como a tecnologia moderna pode ajudar os povos tradicionais a se fortalecer, fortalecer sua cultura, proteger e preservar suas terras, e preencher uma lacuna entre modos tradicionais e modernos."

Suruí online - O primeiro passo da parceria entre a gigante de internet e a associação indígena Metareilá, firmado em 2008, foi a disponibilização do chamado "mapa cultural" dos Suruí, que antes só existia em papel, no Google Earth.

Feito a partir de uma metodologia que a ACT-Brasil cedeu aos indígenas, o mapa mostra, por exemplo, os locais onde se desenrolaram batalhas históricas dos Suruí contra outras tribos ou contra as expedições não indígenas.

Em outro clique, o usuário fica sabendo que, para os Suruí, o canto do tucano pressagia as más notícias, e que as penas do animal são utilizadas por guerreiros durante a celebração do Mapimaim, em homenagem à criação do mundo.

Como parte da parceria, a empresa providenciou treinamento de informática para cerca de 20 indígenas na sede da associação Metareilá, em Cacoal, onde fica a reserva.

O gerente de produtos da empresa, Marcelo Quintella, um dos que providenciaram o treinamento na ocasião, diz que se surpreendeu com o nível de familiaridade de muitos jovens indígenas com as novas tecnologias.

"Metade nunca tinha mexido em um mouse. Mas, dos outros dez, uns cinco sabiam usar o computador - não eram usuários diários de internet, mas sabiam - e outros cinco tinham até e-mail e (perfil no) Orkut", contou.


Combate ao desmatamento

Agora, os Suruí querem embarcar no mais ambicioso objetivo da "parceria", como diz Almir, com a internet: o combate ao desmatamento da reserva Sete de Setembro, em tempo real.

Eles aguardam a chegada dos primeiros aparelhos smartphones equipados com o sistema operacional Android, da Google, que lhes permitirá tirar fotografar imagens do desmatamento em tempo real, postar na internet e enviar para o mundo e as autoridades competentes.

"Não é somente eles dizendo que existe (o desmatamento), é todo mundo vendo que existe. O poder de convencimento muda", avalia Quintella.

A aldeia de Lapetanha, a mais próxima de Cacoal, a 500 km de Porto Velho, ainda não tem internet.

Mas os dois computadores na pequena sala que funciona como ponto de cultura servem para que os jovens indígenas que estudam na escola da aldeia comecem desde cedo a se interessar pela tecnologia e pelas possibilidades de acesso à informação que ela abre.

Almir diz que os planos são ter a rede por meio de uma antena a ser instalada até o fim do ano. Isto pouparia o trabalho de ir até Cacoal para acessar a internet e facilitaria a comunicação com outras partes do mundo - essa que ele diz "fortalecer politicamente" os Suruí.

A "frase da vez" em Lapetanha é que os Suruí estão "trocando o arco-e-flecha pelo laptop" para combater o desmatamento.

Mas Almir, chefe do clã Gamebey, responsável por tratar dos assuntos ligados à guerra, à diplomacia e ao meio ambiente entre os Suruí, diz que as novas "armas" não invalidam as antigas.

"Nossos arcos e flechas estão guardados em casa, cada um tem seu arco e flecha guardado em casa. Mas, ao mesmo tempo, a gente está usando notebooks", ele diz, e para, tirando um pequeno telefone do bolso: "iPhone..."

"Hoje, essas são realmente nossas ferramentas de diálogo para construir um mundo melhor." (Fonte: G1)

Ação contra desmatamento gera ameaças no AM

Uma equipe de analistas ambientais do ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), do Ministério do Meio Ambiente, ficou cercada por 11 horas na quarta-feira (10) e foi ameaçada por políticos, madeireiros e grileiros no município de Lábrea (703 km de Manaus), um dos que mais desmatam no sul do Amazonas.

Dois deles ficaram retidos dentro de um hotel e outros na casa de um deles. Escoltados por cerca de 30 policiais militares, eles foram levados de avião para Rondônia, onde chegaram anteontem.

O protesto aconteceu depois que a equipe fechou serrarias, movelarias e aplicou multas por falta de comprovação da origem da madeira. Os fiscais realizavam a Operação Matrinxã para combater a extração ilegal de madeira da Reserva Extrativista Médio Purus e coibir a retirada de areia das margens do rio Purus para obras do governo estadual.

Ao menos 2.000 pessoas foram para as ruas protestar contra a operação. Entre os manifestantes estavam a secretária de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, Nádia Ferreira, o prefeito da cidade, Gean de Campos Barros (PMDB), e o vereador Augusto Almeida (PP) --dono de uma serraria.

Segundo o ICMbio, as analistas ambientais Adriana Gomes e Branca Tressold ficaram retidas dentro da residência do órgão. Foram xingadas e ameaçadas com pedras e pedaços de paus. A mesma situação enfrentou os servidores Antônio Vieira e Bento Arruda, que estavam hospedados em um hotel.

O presidente do ICMbio, Rômulo Mello, disse que os manifestantes foram mobilizados por políticos locais. O escritório do instituto foi fechado temporariamente. "Eles constrangeram nossos técnicos, jogaram pedras nas casas deles e tivemos que retirá-los em função de não ter condições de colocar uma força grande imediatamente, mas estaremos voltando em breve para dar continuidade ao nosso trabalho", afirmou.

Sobre o envolvimento da secretária Nádia Ferreira na manifestação, Rômulo Mello disse que ela ligou tentando equacionar o problema por telefone. Exigiu que uma servidora do instituto participasse de reunião com os multados e explicasse a ação de fiscalização.

"Entendo que as autoridade públicas tenham essa responsabilidade [de salvaguardar a integridade física dos cidadãos], mas espero um relatório para tomar as providencias no campo jurídico', afirmou Mello.

A reportagem procurou a secretária Nádia Ferreira. Por meio da assessoria, ela negou envolvimento na manifestação e disse que responderia as acusações após retornar de uma viagem, o que não aconteceu até as 17h. O prefeito de Lábrea não foi encontrado. Seu chefe do gabinete, Lucimar Brito, disse que o prefeito e a secretária ficaram indignados com a ação do ICMbio. "A secretária e o prefeito se indignaram porque fecharam as madeireiras", disse. A reportagem não localizou o vereador Almeida. (Fonte: Folha Online)

sexta-feira, 19 de março de 2010

Brasil, a primeira biocivilização global?

Ignacy Sachs defende "revolução duplamente verde" para criar emprego e combater aquecimento

O Brasil é o país mundial com maior potencial para criar uma verdadeira biocivilização, baseada na exploração sustentável de seus recursos naturais. A afirmação é de Ignacy Sachs, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP).

"O Brasil tema maior Biodiversidade do mundo e um conjunto de Climas que favorece a produção agrícola. Podemos utilizar esse potencial para desenvolver o país", diz ele, que na semana passada defendeu o conceito no artigo Brasil 2022: Terra da Boa Esperança?.

Nascido na Polônia, naturalizado francês e autor de mais de 20 livros, Sachs se define como um ecossocioeconomista, que liga os conceitos de crescimento econômico, social e ambiental de forma inseparável.

Em entrevista ao Brasil Econômico, Sachs defende que a exploração do potencial natural brasileiro poderia mudar o país. "Precisamos acabar coma visão de que o campo só produz commodities agrícolas de baixo valor agregado. As novas tecnologias permitem o que chamo de biorrefinarias. São empresas que irão produzir alimentos, produtos farmacêuticos, cosméticos, fibras e materiais de construção usando nossa Biomassa como matéria-prima",prevê.

Segundo o pesquisador, o novo sistema "mataria dois coelhos com uma só cajadada": reduziria o uso de recursos naturais, como a emissão dos gases responsáveis pelo Aquecimento Global, e produziria mais empregos de qualidade no campo. Isso, segundo ele, faria com que o processo atual de migração das áreas rurais para as cidades - há dois anos, pela primeira vez a população urbana mundial ultrapassou a agrícola - fosse suavizado.

"Não acho que os problemas sociais sejam resolvidos através da mudança maciça das populações para as cidades. O fato de alguém virar um refugiado do campo, morando numa favela, não significa que essa pessoa foi urbanizada. Para mim, reurbanizado é quem tem um teto decente, um emprego decente e uma condição decente de exercício da cidadania", enumera.

Verde vezes dois

Para atingir esse patamar, o pesquisador defende a adoção do que chama de "Revolução Duplamente Verde". Ele explica que a primeira revolução verde no campo veio a partir da década de 1950, quando o uso de adubos e defensivos agrícolas multiplicou a capacidade mundial de produção agrícola.

"Mas para comprar esses insumos é preciso muito capital. Essa revolução provocou uma polarização no campo, pois só se tornou acessível para uma minoria de agricultores", relata.

Assim, a nova revolução verde deveria se basear em sistemas viáveis ao pequeno produtor, tal como a agricultura familiar, como forma de tornar o campo mais atrativo. Ele critica os planos de financiamento agrícola para 2010, que preveem R$ 92,5 bilhões para a agricultura de grande escala frente aos R$ 15 bilhões para a agricultura familiar.

Uma das propostas de Sachs para facilitar esse processo é a criação de um imposto sobre as Emissões de carbono, o que ele acredita que incentivaria a adoção de energias alternativas, mais limpas, para os sistemas de produção industrial. "Junto com os royalties da exploração do pré-sal, esses recursos poderiam alimentar fundos soberanos, tais como o Fundo Amazônia, destinados a financiar a transição para uma economia de baixo uso de carbono."
(Marcelo Cabral)
(Brasil Econômico, 18/3)

À nossa imagem e semelhança

Planeta tem temperatura e órbita semelhantes às encontradas no Sistema Solar

Planetas existem de sobra. Cerca de 400 já foram descobertos fora do Sistema Solar. Nenhum, no entanto, tinha características semelhantes às daqueles que circundam o nosso Sol. Pois o jejum acaba de ser quebrado.

O Observatório do Sul Europeu (ESO, na sigla em inglês) anuncia nesta quinta-feira (18/3), em artigo na revista "Nature", a existência de um mundo que lembra bastante os nossos vizinhos.

A 1500 anos-luz daqui, o Corot-9B, como foi batizado, atinge temperaturas semelhantes à Terra e pode ser estudado enquanto orbita ao redor de sua estrela. É a primeira vez em que este método, considerado o mais produtivo, poderá ser usado pelos cientistas fora do Sistema Solar.

- Este é um planeta normal, de clima temperado, como dezenas de outros que já encontramos, mas, até agora, não tivemos a oportunidade de estudar essas características com profundidade. O Corot-9B será a nossa Pedra de Roseta - comemora Claire Moutou, astrônoma do ESO, referindose ao bloco que, no século XIX, permitiu a seus descobridores entender textos escritos em hieroglifos, código considerado perdido na época.

O planeta circunda sua estrela, situada na constelação Serpens, em 95 dias. Neste período, o Corot-9B gasta cerca de oito horas passando em frente àquela estrela. Trata-se do melhor momento para estudar as propriedades daquele mundo, medindo suas composições e temperatura. Estimase, aliás, que os termômetros variem entre -20 e 160 graus Celsius na superfície daquele corpo celeste.

- É o primeiro planeta fora do Sistema Solar que lembra os nossos vizinhos - explica Hans Deeg, coordenador da busca de novos mundos pelo ESO e autor do artigo publicado nesta quinta-feira. - Ele tem o tamanho de Júpiter e uma órbita similar à de Mercúrio.

Segundo Deeg, as centenas de planetas descobertos até aqui são "exóticas" - e, por isso, não propiciariam uma pesquisa detalhada.

- Ou eles são extremamente quentes, por terem órbitas curtas e estarem próximas de uma estrela central, ou estão em órbitas estranhas, que ora o aproximam, ora o mantém longe de um astro-rei. Essa variação faz com que tenham temperaturas extremas.

Havia a possibilidade de que alguns planetas já descobertos tivessem uma temperatura semelhante à Terra, mas, por falta de informações, era difícil confirmar essa suspeita.

A proposta da equipe, que conta com 60 astrônomos, é tornar o trabalho com o Corot-9B uma referência para a próxima década. A determinação da temperatura, um projeto pioneiro, será realizada com o cálculo da distância que separa o planeta de sua estrela central - e, também, com o estudo da natureza deste astro-rei.

O novo mundo poderia ser azul

O Corot-9B foi localizado pelo satélite Corot, uma missão conduzida pelo Centro Nacional de Estudos Espaciais, a agência espacial francesa.

Sua existência foi confirmada por telescópios do ESO na Terra.

- Uma análise dos dados fornecidos pelo satélite nos dá o tamanho do planeta. Com informações sobre o seu terreno, descobrimos mais sobre a sua massa - revela Deeg. - Ainda não sabemos a cor do Corot-9B. É provável que tenha nuvens com água em sua atmosfera, o que o tornaria azul, mas isso depende da mistura de gases que ainda não conhecemos.

A descoberta daquele mundo, segundo cientistas envolvidos na missão, mostra que os padrões de desenvolvimento do Sistema Solar foram repetidos em outros corpos celestes.
(O Globo, 18/3)



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quarta-feira, 17 de março de 2010

Linguagem politicamente correta

Por Rubem Alves, para o Portal Aprendiz


Era o ano de 1971. Eu fora convidado a fazer uma conferência no Union Theological Seminary de Nova York. Na minha fala, usei a palavra "homem" com o sentido universal de "todos os seres humanos", incluindo não só os homens, que a palavra nomeava claramente, como também as mulheres, que a palavra deixava na sombra. Era assim que se falava no Brasil.

Depois da conferência, fui jantar no apartamento do presidente. Sua esposa, delicada, mas firmemente, deu-me a devida reprimenda.

"Não é politicamente correto usar a palavra "homem" para significar também as mulheres. Como também não é correto usar o pronome "ele" para se referir a Deus. Deus tem genitais de homem? Esse jeito de falar não foi inventado pelas mulheres. Foi inventado pelos homens, numa sociedade em que eles tinham a força e a última palavra. É sempre assim: quem tem força tem a última palavra..."

O que aprendi com aquela mulher naquele jantar é que as palavras não são inocentes. Elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos.

Os brancos norte-americanos inventaram a palavra "niger" para humilhar os negros. E trataram de educar suas crianças. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho que ia assim: "Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe"... Quer dizer "Agarre um crioulo pelo dedão do pé" (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra "crioulo").

Foi para denunciar esse uso ofensivo da palavra que os negros cunharam o slogan "black is beautiful" ("o negro é bonito"). A essa linguagem de protesto, purificada de sua função de discriminação, deu-se o nome de linguagem politicamente correta ("PC language").

A regra fundamental da linguagem politicamente correta é a seguinte: nunca use uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém. Encontre uma forma alternativa de dizer a mesma coisa.

Não se deve dizer "Ele é aleijado", "Ele é cego", "Ele é deficiente" etc. O ponto crucial é o verbo "ser". O verbo ser torna a deficiência de uma pessoa parte da sua própria essência. Ela é a sua deficiência. A "PC language", ao contrário, separa a pessoa da sua deficiência. Em vez de "João é cego", "João é portador de uma deficiência visual." Essa regra se aplica a mim também. Por exemplo: "Rubem Alves é velho". Inaceitável. Porque chamar alguém de velho é ofendê-lo -muito embora eu não saiba quem foi que decretou que velhice é ofensa. (O título do livro do Hemingway deveria ser mudado para "O idoso e o mar"?).

As salas de espera dos aeroportos são lugares onde se pratica a linguagem politicamente correta o tempo todo. Aí, então, na hora em que se convocam os "portadores de necessidades especiais" para embarcar -sendo as necessidades especiais cadeiras de roda, bengalas, crianças de colo-, convocam-se também os velhos, eu inclusive.

Mas, sem saber que palavra ou expressão usar para se referir aos velhos sem ofendê-los, houve alguém que concluiu que o caminho mais certo seria chamar os velhos pelo seu contrário. Assim, em vez de convocar velhos ou idosos pelos alto-falantes, a voz convoca os cidadãos da "melhor idade".

A linguagem politicamente correta pode se transformar em ridículo. Chamar velhice de "melhor idade" só pode ser gozação. É claro que a "melhor idade" é a juventude.

Quero, então, fazer uma sugestão que agradará aos velhos. A voz chama para embarcar os "cidadãos da "idade é terna'". Não é bonito ligar a velhice à ternura?

Manso
50 mil hectares de terra debaixo d’água para uma pequena geração de energia

Instalada há nove anos, no município de Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, a Hidrelétrica de Manso trouxe consigo diversos problemas para a população que habita a região. Desde sua construção, a hidrelétrica atingiu mais de mil famílias ribeirinhas. Na última semana, cansados de esperar o cumprimento de um Termo de Acordo Global, feito em 2005, e que ainda não foi cumprido pela empresa estatal Furnas, cerca 800 agricultores atingidos por barrragens ocuparam a área da hidrelétrica. É sobre esta ação que conversamos com o coordenador do MAB-MT, Paulo Fernandes. Em entrevista, por telefone, para a IHU On-Line, Fernandes explica que, desde o abandono do termo, a empresa de Furnas comprou somente 40% das terras do assentamento, deixando mais de 700 famílias praticamente na miséria. “As famílias que foram reassentadas estão largadas há mais de três anos em barracos de lona. As demais terras ainda não foram compradas, e só existem promessas. É aquela história, ‘devo, não nego e pago quando puder’. Estamos levando dessa maneira”, lamenta Fernandes.

A expectativa dos atingidos, segundo Fernandes, é que o resto das terras sejam compradas imediatamente para a sobrevivência das famílias. “Na última reunião, eles disseram que uma ONG, chamada Cândido Rondom, irá criar um projeto de assentamento. O prazo é de oito meses para fazer o projeto, dar entrada no Ministério do Meio Ambiente e ver se será aprovado ou não. E se não aprovam isso, como ficará a situação das famílias?”, questiona.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Você pode nos contar um pouco da história da hidrelétrica de Manso, no Mato Grosso?

Paulo Fernandes – Não sabemos o motivo de sua construção. Certamente é para gerar lucro. Acho que todas as empresas, ao construírem uma barragem, têm a intensão de tirar proveito. A hidrelétrica de Manso está localizada no município de Chapada dos Guimarães, na divisa com Rosário Oeste, pegando também o município de Nova Brasilândia. Esta hidrelétrica atingiu mais de mil famílias, mas a empresa até agora não reconheceu cerca de 912 destas. Algumas dessas famílias já morreram, e outras venderam as propriedades e foram embora. Hoje existem 780 famílias na luta para receberem seus direitos. Na época da construção, 341 foram reassentadas em uma terra de areia improdutiva. Nesta área, o pessoal não consegue sobreviver, e a maioria quer uma nova área para poder plantar. As demais ainda se encontram sem receber nenhuma reparação. Não foram reassentados, não receberam indenização e estão na espera. E já faz quase dez anos. A hidrelétrica de Manso fechou as comportas para a geração em 30 de novembro de 1999.

IHU On-Line – O que dizia o Termo de Acordo Global, realizado em 2005, e que também diz respeito à hidrelétrica de Manso?

Paulo Fernandes – Criamos alguns critérios, juntamente com a empresa, para reconhecer o direito dos atingidos. Vimos quais eram os direitos e o que cada um deveria receber. Diante disso, geramos um documento dizendo que os filhos de atingidos, ou a pessoa que foi atingida diretamente, tinham tantos hectares para receber, o que esta pessoa irá receber de bem feitoria dentro dessa propriedade, quais são os direitos das pessoas idosas e etc. Eles não queriam reconhecer os garimpeiros, nós batemos em cima e fizemos eles reconhecerem.

Esse foi um termo de acordo global, criado junto com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), com o Ministério de Minas e Energia e Furnas. O ministro de Minas e Energia e o presidente de Furnas assinaram esse acordo. Nós da coordenação do MAB também assinamos e reconhecemos em cartório. Só que a empresa alegou que, para ela cumprir esse tipo de acordo, teria de ter uma autorização da justiça. Procuramos a justiça federal, e o juíz, a promotoria e a advocacia geral da união assinaram esse termo de acordo. Isso foi reconhecido e geramos um documento público.

Porém, isso foi fechado em 2005 e, depois disso, a empresa comprou 40% das áreas para assentamento das famílias. Lá foram colocadas 53 famílias que estão largadas há mais de três anos em barracos de lona. As demais terras ainda não foram compradas e só existem promessas. É aquela história, “devo, não nego e pago quando puder”. Estamos levando dessa maneira.

IHU On-Line – Para onde vai a energia gerada pela hidrelétrica de Manso?

Paulo Fernandes – Essa energia é interligada, liga-se em outras redes e se vai. Aqui na região não fica nada. A energia que temos é de uma outra hidrelétrica muito antiga, uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH), que fornece energia para a região. Nada da energia produzida pela da Usina de Manso fica no estado.

IHU On-Line – Qual a situação atual das famílias que ainda não foram reassentadas?

Paulo Fernandes – A situação é muito precária, as famílias estão em situação difícil. Lutamos com a empresa para que ela pudesse dar uma ajuda. Cestas básicas já poderiam resolver um pouco dos problemas dessas famílias. Na época, negociamos 800 salários mínimos, mas já faz cinco anos que a empresa não reajustou esse dinheiro. Hoje, as pessoas recebem apenas 300 reais por mês. É claro que o banco “come” alguma coisa disso, pois fica com a conta bancária. No final das contas, chegam apenas 240 reais para as famílias. Isso é o que elas têm para sobreviver. Aqueles que foram reassentados pelo menos têm a casa, e aqueles que não foram estão vivendo de favor ou acampados em barracas de lona.

São 780 famílias, 484 ainda não foram reassentadas e ainda se encontram sem endereço. Aquelas que foram reassentadas também não estão numa situação boa, pois estão vivendo em uma terra improdutiva. A empresa dá uma “esmolinha” para eles. O termo de acordo diz que a empresa dará essa ajuda até que as famílias tenham condições de sobrevivência. A empresa deveria reassentar as famílias que ainda não foram e melhorar as condições dessas que já foram, removê-las para novos assentamentos ou criar um projeto de desenvolvimento para que elas possam sobreviver da terra.

IHU On-Line – E qual era a situação antes da hidrelétrica de Manso?

Paulo Fernandes – Antes, as famílias viviam em uma situação razoável. Todo mundo vivia tranquilo. A margem do rio tinha uma terra que era agricultável, então eles plantavam e colhiam. Tinha o peixe e vários outros meios de sobrevivência, como o garimpo. Não posso dizer que a vida dessas pessoas era 100% boa, mas elas tinham meios de sobrevivência. Hoje, elas não têm.

IHU On-Line – Depois que os atingidos invadiram a área da hidrelétrica, Furnas se manifestou?

Paulo Fernandes – Furnas marcou uma reunião na última semana, e um grupo foi negociar no Rio de Janeiro já que eles não quiseram vir até nós. A negociação não teve avanço, pois a única coisa que eles propuseram, razoalmente, foi a resolução do problema dos idosos, comprando uma casa para cada um deles etc. Isso não foi muito bom porque eles determinaram um certo valor para a compra da casa, e se a casa for comprada por menos, eles não devolvem o resto do dinheiro. É só a casa e pronto. Os demais aguardam a próxima reunião, que acontece nos dias 29 e 30 de março, em Cuiabá.

IHU On-Line – As famílias viviam da agricultura e da pesca na região. Como está a situação da fauna aquática?

Paulo Fernandes – Os peixes acabaram. Na parte de cima, no lago, não existem mais peixes e, na parte de baixo, também, porque o peixe depende da água das enchentes para subir etc. Os ribeirinhos da região mais baixa do rio, que viviam da pesca, estão sem condições de vida, pois não tem mais o peixe, e, quem vive mais para cima do rio também passa por essa situação.

IHU On-Line – O que esperam os atingidos pela hidrelétrica agora?

Paulo Fernandes – A expectativa é que Furnas compre o resto das terras e reassente as famílias para que elas sobrevivam. Pedimos que isso seja imediato. Nesta última reunião, eles disseram que vão investir em uma ONG chamada Cândido Rondom, no Mato Grosso do Sul, e essa ONG irá criar um projeto de assentamento. Para isso, claro, deve ser comprado o resto das terras. Segundo eles, essa ONG quer um prazo de oito meses. Isso é o que demora para fazer o projeto, dar entrada no Ministério do Meio Ambiente e ver se será aprovado ou não. Nós achamos que é impossível. Quem não tem um lugar para morar terá que esperar oito meses. E se não aprovam isso, como ficará a situação das famílias?

Ainda estamos acampados e, se não houver avanço, vamos permanecer. Acho que essa hidrelétrica foi criada mais para prejudicar as famílias, pois sua geração de energia é muito pouca. Era para gerar 210 megawatts, mas hoje não gera nem 100. A usina trabalha com uma ou duas turbinas, e as famílias são prejudicadas por uma coisa que não está gerando quase nada. Não está havendo retorno pelo tanto de área que foi alagada. São quase 50 mil hectares de terra debaixo d’água para uma pequena geração de energia.

(IHU-OnLine)

Veículos ou pessoas?

Poluição, barulheira, acidentes, congestionamentos: parece ser esse o destino sinistro dos grandes centros urbanos. Desafio para gestores, a criação de sistemas de transporte sustentáveis foi destaque na Conferência Internacional de Cidades Inovadoras, que aconteceu em Curitiba na semana passada.

O caos urbano é iminente. Segundo previsões otimistas, em 2030 teremos mais de dois bilhões de carros circulando em todo o mundo. Diante disso, nasce um dilema: devemos planejar nossas cidades para veículos ou para seres humanos? Essa foi uma das questões debatidas durante a Conferência Internacional de Cidades Inovadoras (CICI 2010), realizada em Curitiba entre 10 e 13 de março.

O presidente do Centro de Transporte Sustentável (CTS-Brasil), Luis Antonio Lindau, disse que o caminho para sairmos dessa enrascada passa por três etapas: desestimular o uso do automóvel, melhorar o transporte coletivo e incentivar o transporte não motorizado.

“O pedágio urbano é com certeza um excelente começo”, disse Lindau, doutor em transportes pela Universidade de Southampton, Inglaterra, e professor do Departamento de Engenharia de Produção e Transportes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Essa é uma medida impopular, mas pode ser a solução mais eficiente para melhorar o trânsito nas grandes cidades”, defendeu. Ele lembrou que a medida é adotada em Londres desde 2003, com excelente resultado.

“O pedágio urbano é impopular, mas pode ser a solução mais eficiente para melhorar o trânsito nas grandes cidades”

Estocolmo também entrou na onda, e a mobilidade urbana da capital sueca melhorou muito. Lindau disse que, antes de introduzir a medida, o governo municipal de Estocolmo fez uma pesquisa e constatou que 75% dos cidadãos eram contra o pedágio. Mas outra pesquisa, feita logo após sua implantação, revelou um resultado surpreendente: 67% das pessoas aprovavam a nova política.

Lindau garante que o transporte coletivo em corredores exclusivos, chamado de BRT (sigla para Bus Rapid Transport), é outra medida vital para se alcançar eficiência na mobilidade urbana. Curitiba foi pioneira no uso desse sistema, e hoje mais de 80 cidades no mundo já o utilizam. “É a forma de transporte coletivo que nos oferece o melhor custo-benefício”, disse o engenheiro do CTS-Brasil. “O metrô, sem dúvida, é também uma boa alternativa, mas o custo de sua implantação nos faz pensar duas vezes antes de optar por ele.”

Solução insuficiente

Embora a capital paranaense tenha sido pioneira no uso de BRTs, esse sistema, sozinho, não foi suficiente para melhorar o trânsito na cidade. Curitiba sofre hoje com uma frota de automóveis que cresce 4% ao ano, enquanto sua população aumenta cerca de 1,2% no mesmo período. Atualmente a cidade tem 2 milhões de habitantes, e por suas ruas circulam diariamente quase 1,2 milhão de carros. É a metrópole mais motorizada do Brasil.

“Essa é uma prova de que só engenharia não resolve o problema; é preciso também boa gestão pública“, disse Lindau. O espaço urbano é finito, e a construção de viadutos e perimetrais tem limite físico. Diante disso, afirmou o engenheiro, os municípios precisam repensar suas políticas de transporte urbano ou vão chegar a um ‘apagão’.

Outra iniciativa que desponta como boa solução para os problemas de transporte urbano é o uso de bicicletas. O governo municipal de Lyon, na França, apostou nessa saída e implantou um sistema de empréstimo do veículo por toda a cidade. A ideia, chamada de Vélo’V, foi do consultor Gilles Vesco, que veio a Curitiba para relatar e discutir o sucesso da medida. “Desde que o projeto foi implantado, o número de ciclistas de Lyon dobrou”, disse Vesco. “Hoje são mais de 50 mil.”

Congestionamento à vista

Outro conferencista que se mostrou preocupado com o futuro de nossos transportes foi o economista Adalberto Maluf, membro da Fundação Clinton (organização internacional dedicada a buscar soluções para vários problemas globais, entre eles a mobilidade urbana). Com um produto interno bruto que tende a crescer 5% ao ano, o Brasil pode vir a ser uma das maiores economias do globo. O que significa, na opinião de Maluf, que ter carro vai ser cada vez mais fácil para os brasileiros.

“Uma notícia como essa tem aspectos positivos, mas é inegável que, com um número cada vez maior de veículos, o caos no trânsito de nossas cidades é apenas uma questão de tempo”, antevê Maluf. Para ele, a construção de novas ruas e avenidas não resolve o problema. “Em vez de ampliar a infraestrutura para o transporte individual, nossos gestores têm que diminuí-la”, defendeu. “Isso mesmo”, reiterou o engenheiro, “reduzir o espaço viário para carros e dar mais espaço ao pedestre”.

“Em vez de ampliar a infraestrutura para o transporte individual, nossos gestores têm que diminuí-la”

Maluf lembrou que isso já é feito em Nova York e Genebra. Por lá, há tempos não se constroem novas ruas. Pelo contrário, as que antes eram exclusivas para veículos estão sendo reestruturadas para dar mais espaço ao pedestre. “Não só espaço para mobilidade, mas, sobretudo, espaço para convivência”, enfatizou.

Entretanto, segundo o economista, isso só resolve parte do problema, pois continuamos investindo em tecnologias do passado (como as empregadas na produção de petróleo) e insistimos em ideias ultrapassadas (como o transporte individual). Ele sustenta que é preciso dar chance a novas alternativas de transporte e investir com urgência em novas matrizes energéticas. “Se não fizermos isso já”, disse em tom de ironia, “até esse tipo de ‘produto’ vamos ter que importar da China”.

Henrique Kugler
Especial para a CH On-line / PR

segunda-feira, 15 de março de 2010

Entidades internacionais denunciam Belo Monte

Mercado Ético

Numa carta ao Presidente Lula, 140 entidades internacionais repudiam o projeto da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, Pará e pedem que o governo pare o processo.

As entidades se mostram detalhadamente informadas sobre o projeto. Denunciam as falhas no processo democrático que o governo está levando à frente. Apontam a falta de consulta dos povos indígenas e comunidades tradicionais impactados com a obra, como determina a Constituição brasileira e vários tratados internacionais.

Denunciam o enorme impacto ambiental, devastando uma grande parte da floresta amazônica e basicamente aniquilando o rio Xingu. Comprometendo, aliás, a meta do próprio governo para reduzir a emissão de gases estufa, como gás carbônico e metano.

Denunciam ainda o grande impacto social, como a remoção forçada de 30 mil moradores. E questionam ainda a viabilidade econômica da obra, visto que na época seca, a hidrelétrica produzirá pouquíssima energia.

As entidades não negam que o Brasil precise de mais energia. Porém, sinalizam que há muitas outras formas para assegurar essa quantidade de energia, sem tamanha destruição.

Veja a Carta na íntegra

PAC atropela contrapartidas ambientais

Ministério do Meio Ambiente assinou, na gestão Minc, 152 licenças para obras e criou apenas 7 unidades de conservação

O Ministério do Meio Ambiente não conseguiu conter o rolo compressor das obras do governo e, ao contrário do que prometera, criou áreas de conservação em descompasso com as licenças ambientais liberadas para o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

A gestão de Carlos Minc é um exemplo dessa desproporção, que privilegia os empreendimentos da vitrine da gestão Lula em detrimento da chamada "contrapartida verde".

Desde a sua posse, em maio de 2008, ele assinou decretos de criação de sete novas unidades de conservação. No mesmo período, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) deu 260 canetadas para obras do PAC, sendo 152 licenças (prévias, de instalação e de operação), além de outras 108 autorizações de desmate para o avanço dos empreendimentos.

Uma realidade às avessas da fala de posse de Minc, em maio de 2008. "Tive longas conversas com a ministra Dilma Rousseff [Casa Civil], nos entendemos muito bem, e a nossa música é dois pra lá, dois pra cá. Duas licenças, dois parques ambientais", declarou à época. A conta no final da gestão é, portanto, 42 para lá, 2 para cá.

Entre as emitidas recentemente pelo Ibama, estão as licenças para as usinas hidrelétricas dos rios Madeira (Jirau e Santo Antônio) e Xingu (Belo Monte) e de pavimentação da BR-163 (Cuiabá-Santarém).

Por outro lado, no aguardo de canetadas ambientais, estão, por exemplo, a BR-319 (que liga Porto Velho a Manaus) e a usina hidrelétrica de Estreito (no rio Parnaíba).

As licenças das usinas do rio Madeira, aliás, foram um dos pontos de atrito entre a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), coordenadora do PAC, e sua então colega de Esplanada, Marina Silva (Meio Ambiente). Dilma queria pressa na emissão das licenças, mas elas somente foram concedidas após o pedido de demissão da ministra do Meio Ambiente.

Outro atrito entre as pré-candidatas a presidente ocorreu por conta do ritmo de criação de novas unidades de conservação. Neste caso, era Marina que cobrava pressa de Dilma, que, por sua vez, segurava decretos para não atrapalhar o avanço de obras do PAC, em especial aquelas voltadas para a geração de energia elétrica.

Um exemplo desse embate foi a discussão em torno da proposta de criação de uma reserva extrativista no Pará. Sob o argumento de que poderia prejudicar a construção de barragens da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, mesmo tendo sido proposta por Marina, o decreto somente foi publicado na gestão Minc.
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Eduardo Scolese/Folha de SP/JCiência.

sábado, 13 de março de 2010

Universo deselegante

Livro do cientista Marcelo Gleiser diz que a física foi iludida pela estética da simetria e tomou o caminho errado

A tentativa da física de explicar toda a natureza com um único conjunto de regras é a encarnação científica do monoteísmo. Essa é a tese que o físico Marcelo Gleiser -professor do Dartmouth College, de New Hampshire (EUA), e colunista da Folha- defende agora.

Em seu novo livro, "A Criação Imperfeita" (Ed. Record), ele explica por que acredita que fenômenos físicos em desequilíbrio revelam mais coisas sobre a origem do Universo do que as leis simétricas que sábios constroem para descrever o mundo desde a Grécia Antiga. Invertendo a máxima do poeta Vinicius de Moraes, Gleiser diz que "beleza não é fundamental" e que a elegante matemática que vem sendo usada para unificar a física não consegue ser mais do que metafísica.

O principal ataque do brasileiro é contra as teorias que tentam unir a relatividade de Einstein com a física quântica. Essa empreitada, considerada hoje o Santo Graal da ciência, uniria todas as forças da natureza (gravidade, eletromagnetismo e as forças nucleares) numa única explicação. O esforço para tal reúne desde físicos de partículas até cosmólogos.

Contudo, a chamada teoria das supercordas -a principal candidata ao cálice sagrado- existe há décadas sem conseguir propor um experimento que possa testá-la. No livro, Gleiser explica por que acha que os físicos estão apostando fichas demais numa linha de pesquisa ao assumir de antemão que há uma essência única subjacente a toda a realidade.

A criatividade na ciência, é claro, depende de uma certa liberdade de especulação, mas Gleiser nega estar tolhendo isso. Seu argumento é mais uma espécie de reverência à criatividade da natureza. Com seu talento narrativo, ele conta como gregos, renascentistas e físicos quânticos foram driblados pela realidade, uma vez após outra, sempre que acreditavam estar perto da "teoria final" capaz de explicar a essência de tudo.

"Estou voltando às raízes da ciência"

O novo livro do físico Marcelo Gleiser, 50, pode ser visto como um contraponto a um clássico da divulgação científica, "O Universo Elegante", de Brian Greene, defensor da chamada teoria das supercordas. Segundo essa linha de pesquisa, partículas elementares não são os componentes mais básicos da matéria, e sim minúsculas cordas que vibram em um universo de 11 dimensões.

Em "A Criação Imperfeita", o físico brasileiro ataca ideias por trás desse tipo de especulação, que partem do princípio de que existem simetrias ocultas por trás de uma realidade complexa. Em entrevista à Folha, Gleiser explica por que ele próprio mudou de ideia.

Leia entrevista com Gleiser:

- Por que o sr. não acredita que toda a física possa ser unificada em uma única teoria? É uma questão de limitação técnica ou o sr. acredita que não exista uma natureza única subjacente a tudo?

Existe um lado pragmático nessa pergunta, porque as informações que nós temos do mundo dependem daquilo que podemos medir. E o que podemos medir é limitado, pois nossos instrumentos têm precisão e alcance limitados. Então, sempre haverá algo sobre o mundo natural que não saberemos. Estou voltando às raízes das ciências naturais concebidas como ciências empíricas, e não metafísica.

O que eu tento dizer é que não há razão concreta empírica para a gente acreditar em uma unidade por trás de todas as coisas. Nesse livro, eu confronto a corrente dominante de pensamento na física de altas energias, que prega a busca de uma teoria unificada. Existe uma outra maneira de pensar o mundo que não é por simetrias.

É justamente o oposto: mostrar que as assimetrias é que são importantes. Isso cria toda uma nova estética da natureza.

- A desistência da busca por uma teoria final não pode soar como "derrotismo'? Que tipo de reação o sr. espera de outros físicos?

Já existe um grupo que nunca gostou dessas ideias de unificação e acha isso metafísica. Mas o pessoal da área de supercordas -como Brian Greene e Leonard Susskind, que se acham os caras mais importantes do mundo- defende isso. A Instituição Smithsonian queria fazer um debate comigo e com Greene, mas ele não topou. Também não sou dono da verdade a ponto de dizer "parem de trabalhar nas supercordas". O que digo é que, mesmo que eles cheguem a uma descrição razoável desse assunto, ela não será "a" teoria final.

- A busca de simetria em teorias tem a ver com busca de simplicidade. Porque isso é ruim?

Não tenho dúvida de que a busca por simetrias na natureza vai continuar a ser importante. Meu livro não é contra a simetria. Isso seria errado. A ideia de busca pela unificação pode continuar a funcionar e a inspirar muitas pessoas, mas é um erro transformar essa noção em dogma.

- O sr. critica o fato de as supercordas serem muito especulativas. Teorias não precisam ser especuladas antes de serem provadas?

Não estou dizendo que especulação é besteira. Pelo contrário: é preciso continuar a fazê-la. Agora, existe o perigo de você perder a noção de o que deve ou não ser feito. A ideia de supersimetria [a simetria entre partículas embutida na teoria das supercordas], por exemplo, foi proposta em 1974. Ela fez uma porção de previsões sobre alguns efeitos que poderiam ser observados em aceleradores de partículas a energias alcançáveis. Vários desses efeitos poderiam ter sido descobertos, mas não foram.

O que foi feito então? Voltaram à teoria, ajustaram alguns parâmetros, mas aí ela não poderia mais ser testada com a energia disponível nos aceleradores de partículas de então. Seria preciso esperar mais uns 15 anos. Assim, a coisa vira um ciclo.

- A tese da "navalha de Occam" diz que é preciso achar a teoria mais simples possível para descrever um fenômeno. O sr. concorda?

A navalha de Occam é válida, mas é levada a sério demais. Como você define simplicidade? Simplicidade é beleza? Aí a discussão se complica. A simplicidade às vezes tem mais a ver com facilidade de implementação, manipulação e um uso pragmático da teoria.

- O sr. argumenta que a religião monoteísta inspirou a busca pela teoria final, mas critica autores como Richard Dawkins e Daniel Dennett por ofenderem a religião. Seu livro não faz algo parecido?

Meu livro é antimonoteísta e critica a noção de que tudo vem de uma coisa só. Não escondo isso. E eu argumento que o "sobrenaturalismo" não é o caminho do conhecimento. Mas eu tenho a humildade, que Dawkins não tem, de aceitar que a ciência tem seu limite. Há questões além desse limite sobre as quais a ciência tem pouco a dizer. Se você me perguntar se eu sou ateu ou agnóstico, vou dizer que sou agnóstico.
(Rafael Garcia)
(Folha de SP/JCiência)