domingo, 29 de setembro de 2013
A verdade amarga, nas palavras que o tempo envolve em doçura
Começo o dia árido da leitura de jornais e sites e, de súbito, me vejo mergulhado num oceano de amarga doçura do discurso do presidente uruguaio, José “Pepe” Mujica, na ONU.
Que maravilha!
Sei que os mervais e medíocres em geral, no Uruguai, devem estar se rindo do seu presidente que foi a Nova York para fazer poesia.
Que se danem!
São coisas assim que nos fazem saber que, velhos, ainda somos o novo e trazemos dentro de nossas peles e corpos curtidos e desgastados, as ideias da juventude. Que o passado nos serve, mesmo, é de combustível a alimentar a chama do futuro.
Sim, sim, é desse jeito, só deste jeito, que podemos enfrentar o tempo, porque não nos deixamos subjugar pelo “prático”, mas apenas nos servimos dele para subir ao utópico.
Porque os homens, sem sonhos, estariam ainda assustadiços nas árvores e nas savanas como na pré-história, embora a barbárie jamais tenha saído da história humana.
Leia ou ouça, abaixo, o que disse Mujica.
Mas leia só se tiverem tempo de deixar que a música das palavras doces sobre coisas ásperas envolva você e o coloque a dizê-las também, ali, por meio dele.
Se não, guarde, espere, armazene.
E quando achar que a vida é inútil, que os sonhos são tolos, que a mediocridade é só o que o tempo nos traz, salve-se com este antídoto maravilhoso à desesperança.
Amigos, sou do sul, venho do sul. Esquina do Atlântico e do Prata, meu país é uma planície suave, temperada, uma história de portos, couros, charque, lãs e carne. Houve décadas púrpuras, de lanças e cavalos, até que, por fim, no arrancar do século 20, passou a ser vanguarda no social, no Estado, no Ensino. Diria que a social-democracia foi inventada no Uruguai.
Durante quase 50 anos, o mundo nos viu como uma espécie de Suíça. Na realidade, na economia, fomos bastardos do império britânico e, quando ele sucumbiu, vivemos o amargo mel do fim de intercâmbios funestos, e ficamos estancados, sentindo falta do passado.
Quase 50 anos recordando o Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje, ressurgimos no mundo globalizado, talvez aprendendo de nossa dor. Minha história pessoal, a de um rapaz — por que, uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu tempo, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros são, em parte, filhos de meu tempo. Obviamente, os assumo, mas há vezes que medito com nostalgia.
Quem tivera a força de quando éramos capazes de abrigar tanta utopia! No entanto, não olho para trás, porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo contrário, não vivo para cobrar contas ou para reverberar memórias.
Me angustia, e como, o amanhã que não verei, e pelo qual me comprometo. Sim, é possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira tarefa seja cuidar da vida.
Mas sou do sul e venho do sul, a esta Assembleia, carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos pampas, nas depressões da América Latina pátria de todos que está se formando.
Carrego as culturas originais esmagadas, com os restos de colonialismo nas Malvinas, com bloqueios inúteis a este jacaré sob o sol do Caribe que se chama Cuba. Carrego as consequências da vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que não despertar desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazônia, os mares, nossos grandes rios na América.
Carrego o dever de lutar por pátria para todos.
Para que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, e carrego o dever de lutar por tolerância, a tolerância é necessária para com aqueles que são diferentes, e com os que temos diferencas e discrepâncias. Não se precisa de tolerância com aqueles com quem estamos de acordo.
A tolerância é o fundamento de poder conviver em paz, e entendendo que, no mundo, somos diferentes.
O combate à economia suja, ao narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas, procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que somos felizes se enriquecemos, seja como seja. Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a aparência de felicidade.
Parece que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de frustração, pobreza e até autoexclusão.
O certo, hoje, é que, para gastar e enterrar os detritos nisso que se chama pela ciência de poeira de carbono, se aspirarmos nesta humanidade a consumir como um americano médio, seriam imprescindíveis três planetas para poder viver.
Nossa civilização montou um desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível satisfazer esse sentido de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica como uma cultura de nossa época, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.
Prometemos uma vida de esbanjamento, e, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a natureza, contra a humanidade no futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais.
O pior: civilização contra a liberdade que supõe ter tempo para viver as relações humanas, as únicas que transcendem: o amor, a amizade, aventura, solidariedade, família.
Civilização contra tempo livre que não é pago, que não se pode comprar, e que nos permite contemplar e esquadrinhar o cenário da natureza.
Arrasamos a selva, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana.
Cabe se fazer esta pergunta, ouvimos da biologia que defende a vida pela vida, como causa superior, e a suplantamos com o consumismo funcional à acumulação.
A política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado. De salto em salto, a política não pode mais que se perpetuar, e, como tal, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades, para pais, para mães, passando pelas secretárias, pelos automóveis e pelas férias. Tudo, tudo é negócio.
Todavia, as campanhas de marketing caem deliberadamente sobre as crianças, e sua psicologia para influir sobre os adultos e ter, assim, um território assegurado no futuro. Sobram provas de essas tecnologias bastante abomináveis que, por vezes, conduzem a frustrações e mais.
O homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar condicionado. Sempre sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas presas do mercado, assegurando a acumulação.
A crise é a impotência, a impotência da política, incapaz de entender que a humanidade não escapa nem escapará do sentimento de nação. Sentimento que está quase incrustado em nosso código genético.
Hoje é tempo de começar a talhar para preparar um mundo sem fronteiras. A economia globalizada não tem mais condução que o interesse privado, de muitos poucos, e cada Estado Nacional mira sua estabilidade continuísta, e hoje a grande tarefa para nossos povos, em minha humilde visão, é o todo.
Como se isto fosse pouco, o capitalismo produtivo, francamente produtivo, está meio prisioneiro na caixa dos grandes bancos. No fundo, são o vértice do poder mundial. Mais claro, cremos que o mundo requer a gritos regras globais que respeitem os avanços da ciência, que abunda.
Mas não é a ciência que governa o mundo. Se precisa, por exemplo, uma larga agenda de definições, quantas horas de trabalho e toda a terra, como convergem as moedas, como se financia a luta global pela água e contra os desertos.
Como se recicla e se pressiona contra o aquecimento global. Quais são os limites de cada grande questão humana. Seria imperioso conseguir consenso planetário para desatar a solidariedade com os mais oprimidos, castigar impositivamente o esbanjamento e a especulação.
Mobilizar as grandes economias não para criar descartáveis com obsolescência calculada, mas bens úteis, sem fidelidade, para ajudar a levantar os pobres do mundo. Bens úteis contra a pobreza mundial. Mil vezes mais rentável que fazer guerras. Virar um neo-keynesianismo útil, de escala planetária, para abolir as vergonhas mais flagrantes deste mundo.
Talvez nosso mundo necessite menos de organismos mundiais, desses que organizam fórums e conferências, que servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas e, no melhor dos casos, não reúne ninguém e transforma em decisões…
Precisamos sim mascar muito o velho e o eterno da vida humana junto da ciência, essa ciência que se empenha pela humanidade não para enriquecer; com eles, com os homens de ciência da mão, primeiros conselheiros da humanidade, estabelecer acordos para o mundo inteiro.
Nem os Estados nacionais grandes, nem as transnacionais e muito menos o sistema financeiro deveriam governar o mundo humano. Sim, a alta política entrelaçada com a sabedoria científica, ali está a fonte. Essa ciência que não apetece o lucro, mas que mira o por vir e nos diz coisas que não escutamos. Quantos anos faz que nos disseram coisas que não entendemos? Creio que se deve convocar a inteligência ao comando da nave acima da terra, coisas assim e coisas que não posso desenvolver nos parecem impossíveis, mas requeririam que o determinante fosse a vida, não a acumulação.
Obviamente, não somos tão iludidos, nada disso acontecerá, nem coisas parecidas. Nos restam muitos sacrifícios inúteis daqui para diante, muitos remendos de consciência sem enfrentar as causas.
Hoje, o mundo é incapaz de criar regras planetárias para a globalização e isso é pela enfraquecimento da alta política, isso que se ocupa de todo. Por último, vamos assistir ao refúgio de acordos mais ou menos “reclamáveis”, que vão plantear um comércio interno livre, mas que, no fundo, terminarão construindo parapeitos protecionistas, supranacionais em algumas regiões do planeta.
A sua vez, crescerão ramos industriais importantes e serviços, todos dedicados a salvar e a melhorar o meio ambiente. Assim vamos nos consolar por um tempo, estaremos entretidos e, naturalmente, continuará a parecer que a acumulação é boa, para a alegria do sistema financeiro.
Continuarão as guerras e, portanto, os fanatismos, até que, talvez, a mesma natureza faça um chamado à ordem e torne inviáveis nossas civilizações. Talvez nossa visão seja demasiado crua, sem piedade, e vemos ao homem como uma criatura única, a única que há acima da terra capaz de ir contra sua própria espécie.
Volto a repetir, porque alguns chamam a crise ecológica do planeta de consequência do triunfo avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo e também nossa derrota, porque temos impotência política de nos enquadrarmos em uma nova época. E temos contribuído para sua construção sem nos dar conta.
Por que digo isto? São dados, nada mais. O certo é que a população quadruplicou e o PIB cresceu pelo menos vinte vezes no último século. Desde 1990, aproximadamente a cada seis anos o comércio mundial duplica.
Poderíamos seguir anotando dados que estabelecem a marcha da globalização. O que está acontecendo conosco? Entramos em outra época aceleradamente, mas com políticos, enfeites culturais, partidos e jovens, todos velhos ante a pavorosa acumulação de mudanças que nem sequer podemos registrar.
Não podemos manejar a globalização porque nosso pensamento não é global. Não sabemos se é uma limitação cultural ou se estamos chegano a nossos limites biológicos.
Nossa época é portentosamente revolucionária como não conheceu a história da humanidade. Mas não tem condução consciente, ou ao menos condução simplesmente instintiva. Muito menos, todavia, condução política organizada, porque nem se quer tivemos filosofia precursora ante a velocidade das mudanças que se acumularam.
A cobiça, tão negativa e tão motor da história, essa que impulsionou o progresso material técnico e científico, que fez o que é nossa época e nosso tempo e um fenomenal avanço em muitas frentes, paradoxalmente, essa mesma ferramenta, a cobiça que nos impulsionou a domesticar a ciência e transformá-la em tecnologia nos precipita a um abismo nebuloso.
A uma história que não conhecemos, a uma época sem história, e estamos ficando sem olhos nem inteligência coletiva para seguir colonizando e para continuar nos transformando.
Porque se há uma característica deste bichinho humano é a de que é um conquistador antropológico.
Parece que as coisas tomam autonomia e essas coisas subjugam os homens. De um lado a outro, sobram ativos para vislumbrar tudo isso e para vislumbrar o rombo. Mas é impossível para nós coletivizar decisões globais por esse todo.
A cobiça individual triunfou grandemente sobre a cobiça superior da espécie. Aclaremos: o que é “tudo”, essa palavra simples, menos opinável e mais evidente? Em nosso Ocidente, particularmente, porque daqui viemos, embora tenhamos vindo do sul, as repúblicas que nasceram para afirmas que os homens são iguais, que ninguém é mais que ninguém, que os governos deveriam representar o bem comum, a justiça e a igualdade. Muitas vezes, as repúblicas se deformam e caem no esquecimento da gente que anda pelas ruas, do povo comum.
Não foram as repúblicas criadas para vegetar, mas ao contrário, para serem um grito na história, para fazer funcionais as vidas dos próprios povos e, por tanto, as repúblicas que devem às maiorias e devem lutar pela promoção das maiorias.
Seja o que for, por reminiscências feudais que estão em nossa cultura, por classismo dominador, talvez pela cultura consumista que rodeia a todos, as repúblicas frequentemente em suas direções adotam um viver diário que exclui, que se distância do homem da rua.
Esse homem da rua deveria ser a causa central da luta política na vida das repúblicas. Os governos republicanos deveriam se parecer cada vez mais com seus respectivos povos na forma de viver e na forma de se comprometer com a vida.
A verdade é que cultivamos arcaísmos feudais, cortesias consentidas, fazemos diferenciações hierárquicas que, no fundo, amassam o que têm de melhor as repúblicas: que ninguém é mais que ninguém. O jogo desse e de outros fatores nos retém na pré-história. E, hoje, é impossível renunciar à guerra quando a política fracassa. Assim, se estrangula a economia, esbanjamos recursos.
Ouçam bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações militares nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto em inteligência militar!! Em investigação médica, de todas as enfermidades que avançaram enormemente, cuja cura dá às pessoas uns anos a mais de vida, a investigação cobre apenas a quinta parte da investigação militar.
Este processo, do qual não podemos sair, é cego. Assegura ódio e fanatismo, desconfiança, fonte de novas guerras e, isso também, esbanjamento de fortunas. Eu sei que é muito fácil, poeticamente, autocriticarmo-nos pessoalmente. E creio que seria uma inocência neste mundo plantear que há recursos para economizar e gastar em outras coisas úteis. Isso seria possível, novamente, se fôssemos capazes de exercitar acordos mundiais e prevenções mundiais de políticas planetárias que nos garantissem a paz e que a dessem para os mais fracos, garantia que não temos. Aí haveria enormes recursos para deslocar e solucionar as maiores vergonhas que pairam sobre a Terra. Mas basta uma pergunta: nesta humanidade, hoje, onde se iria sem a existência dessas garantias planetárias? Então cada qual esconde armas de acordo com sua magnitude, e aqui estamos, porque não podemos raciocinar como espécie, apenas como indivíduos.
As instituições mundiais, particularmente hoje, vegetam à sombra consentida das dissidências das grandes nações que, obviamente, querem reter sua cota de poder.
Bloqueiam esta ONU que foi criada com uma esperança e como um sonho de paz para a humanidade. Mas, pior ainda, desarraigam-na da democracia no sentido planetário porque não somos iguais. Não podemos ser iguais nesse mundo onde há mais fortes e mais fracos. Portanto, é uma democracia ferida e está cerceando a história de um possível acordo mundial de paz, militante, combativo e verdadeiramente existente. E, então, remendamos doenças ali onde há eclosão, tudo como agrada a algumas das grandes potências. Os demais olham de longe. Não existimos.
Amigos, creio que é muito difícil inventar uma força pior que nacionalismo chovinista das grandes potências. A força é que liberta os fracos. O nacionalismo, tão pai dos processos de descolonização, formidável para os fracos, se transforma em uma ferramenta opressora nas mãos dos fortes e, nos últimos 200 anos, tivemos exemplos disso por toda a parte.
A ONU, nossa ONU, enlanguece, se burocratiza por falta de poder e de autonomia, de reconhecimento e, sobretudo, de democracia para o mundo mais fraco que constitui a maioria esmagadora do planeta. Mostro um pequeno exemplo, pequenino. Nosso pequeno país tem, em termos absolutos, a maior quantidade de soldados em missões de paz em todos os países da América Latina. E ali estamos, onde nos pedem que estejamos. Mas somos pequenos, fracos. Onde se repartem os recursos e se tomam as decisões, não entramos nem para servir o café.
No mais profundo de nosso coração, existe um enorme anseio de ajudar para que o homem saia da pré-história. Eu defino que o homem, enquanto viver em clima de guerra, está na pré-história, apesar dos muitos artefatos que possa construir.
Até que o homem não saia dessa pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é a larga marcha e o desafio que temos daqui adiante. E o dizemos com conhecimento de causa. Conhecemos a solidão da guerra. No entanto, esses sonhos, esses desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais que comecem a governar nossa história e superar, passo a passo, as ameaças à vida.
A espécie como tal deveria ter um governo para a humanidade que superasse o individualismo e primasse por recriar cabeças políticas que acudam ao caminho da ciência, e não apenas aos interesses imediatos que nos governam e nos afogam.
Paralelamente, devemos entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, mas da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se em seu desenvolvimento, para que possam viver com decência de maneira autônoma. Os recursos necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa civilização.
Há poucos dias, fizeram na Califórnia, em um corpo de bombeiros, uma homenagem a uma lâmpada elétrica que está acesa há cem anos. Cem anos que está acesa, amigo! Quantos milhões de dólares nos tiraram dos bolsos fazendo deliberadamente porcarias para que as pessoas comprem, comprem, comprem e comprem.
Mas esta globalização de olhar para todo o planeta e para toda a vida significa uma mudança cultural brutal. É o que nos requer a história. Toda a base material mudou e cambaleou, e os homens, com nossa cultura, permanecem como se não houvesse acontecido nada e, em vez de governarem a civilização, deixam que ela nos governe.
Há mais de 20 anos que discutimos a humilde taxa Tobin. Impossível aplicá-la no tocante ao planeta. Todos os bancos do poder financeiro se irrompem feridos em sua propriedade privada e sei lá quantas coisas mais. Mas isso é paradoxal. Mas, com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem, passo a passo, é capaz de transformar o deserto em verde.
O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra, se trabalharmos para usá-la bem.
É possível arrancar tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.
Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nos mesmos, ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização em que fomos desenvolvendo.
Este é nosso dilema. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos na causa profundas, na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-tira que rouba tempo mal gasto de vida humana, esbanjando questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nosso “nós”.
PS. Obrigado, muito obrigado, ao Kiko Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, por ter trazido e traduzido para mim e para todos esta maravilha.
Por: Fernando Brito
Reproduzido do Tijolaço
domingo, 15 de setembro de 2013
Internet levará à distopia ou a uma cultura mais forte, diz fundador do WikiLeaks
Entre a prisão domiciliar e o asilo na embaixada do Equador, Julian Assange,
42, está confinado há dois anos e nove meses no Reino Unido.
Mas o fundador e editor-chefe do WikiLeaks (site conhecido por publicar documentos sigilosos) não se lamenta, em entrevista por telefone à Folha. Lista o que tem de importante para fazer, como editar novo vazamento e manter o apoio a Edward Snowden, ex-analista da CIA que revelou a espionagem em curso do governo dos EUA.
Fundador do WikiLeaks participa de debate por videoconferência em SP
Participa nesta quarta, por vídeo, de um debate sobre vigilância digital no Centro Cultural São Paulo. Deve falar de Além de Snowden, dele próprio e dos colegas Glenn Greenwald e Laura Poitras, acrescenta um nome à lista dos exilados da "distopia": Sarah Harrison, jornalista do WikiLeaks que não pode mais voltar ao Reino Unido.
Ele critica Dilma Rousseff por negar o asilo que o WikiLeaks pediu para Snowden. "Sob Lula, o Ministério das Relações Exteriores era bastante independente. Não ter [concedido asilo] sugere que a posição da presidente é fraca." A seguir, leia alguns trechos da entrevista.
Folha - O livro soa premonitório quando foca o acesso do governo dos EUA às comunicações latino-americanas, através de fibra ótica. Snowden, depois, comprovou o acesso no Brasil.
Julian Assange - Estudo a Agência Nacional de Segurança [dos EUA] há 20 anos. A imagem foi composta de vazamentos, telegramas, inquéritos do Congresso, testemunhos de ex-funcionários. Uma imagem complexa, que precisava ler milhares de coisas. O importante das revelações de Snowden é que alguns documentos tornaram isso claro para as pessoas.
Quando começou sua relação com Snowden? Foi através de Laura Poitras? Ou antes?
Não podemos falar desses contatos, por razões legais. Mas é interessante falar por que não podemos falar. É porque os EUA se engajaram na expansão de seu regime legal para outros países. Estão envolvidos em 67 territórios diferentes, alegando crimes.
Quando é que um governo controla outro país? Quando ele controla o uso da força de coerção. No caso do WikiLeaks, o governo aplica a Lei de Espionagem de 1917 contra jornalistas fora dos EUA.
Chelsea Manning, militar americana acusada de vazar dados sigilosos para o WikiLeaks, acaba de ser absolvida de "ajudar o inimigo", um veredito que o sr. saudou como "vitória tática". Isso também tira parte da ameaça que estava sobre o WikiLeaks?
É uma situação muito séria. Manning foi condenada por cinco acusações de espionagem. A única alegação é de que passou informação para uma organização de mídia, mas mesmo assim foi condenada por espionagem. O governo Obama processou mais casos envolvendo "whistle-blowers" [vazadores] do que todos os anteriores juntos, voltando até o século 19.
Qual é a situação, agora?
A maior investigação jamais feita de um publisher, o WikiLeaks, prossegue nos EUA. Recebi asilo do Equador. Snowden recebeu asilo, com nossa assistência, na Rússia. Laura Poitras, a documentarista de Nova York associada com Snowden e conosco, está em autoexílio na Alemanha. Greenwald, do "Guardian", está em auto-exílio no Brasil e não pode ir com segurança para os EUA.
E uma de nossas jornalistas, Sarah Harrison, que viajou com Snowden a Moscou e auxiliou o processo formal de asilo, agora está em auto-exílio, porque nossos advogados instruíram que seria perigoso voltar ao Reino Unido. É resultado da detenção de David Miranda [namorado brasileiro de Greenwald].
O Ocidente anglo-saxão está em colapso no que concerne ao Estado de Direito. Os institutos do asilo e do exílio estão se tornando importantes novamente. Seria importante ver o Brasil apoiá-los.
Mas o Brasil recusou o pedido de asilo de Snowden.
É muito decepcionante. Mostra a realidade das relações Brasil-EUA, infelizmente. Se você ler os telegramas diplomáticos do WikiLeaks sobre o Brasil, verá que sob Lula o Ministério das Relações Exteriores era bastante independente. É um sinal preocupante sobre a independência brasileira. O Brasil, no que concerne a América Latina, é forte o bastante para fazê-lo [conceder o asilo]. Que não tenha feito sugere que a posição da presidente Dilma é fraca, e ela deveria adotar ações para demonstrar essa força.
Greenwald afirma que o Brasil é o maior alvo dos EUA.
A estatística de um dos programas da NSA mostra que os EUA interceptam mais sobre o Brasil do que sobre qualquer outro país latino-americano, pelo tamanho econômico, número de empresas americanas, contratos de equipamento, petróleo.
Que conselho o sr. daria à presidente Dilma e à Petrobras? Adotarem criptografia, como escreve em "Cypherpunks"?
Sim, eles precisam abraçar criptografia. O problema de comprar equipamento de criptografia para a Petrobras ou a presidente é: você pode confiar no fornecedor? Os EUA são especializados em se infiltrar no chip dos equipamentos criptográficos. O que o país precisa é conseguir o talento brasileiro para suas próprias agências de criptografia, para que desenvolvam tecnologia que seja confiável.
Greenwald ouviu o mesmo questionamento que o sr., de que não seria jornalista.
Nós previmos isso, assim que saiu a primeira publicação de Glenn, "em 12 horas, espere os ataques, eles vão tentar de tudo". E foi o que fizeram, vasculhando sua personalidade, negócios passados. Os ataques são previsíveis e enfadonhos. Mais revoltante é ver jornalistas americanos tomando parte.
O sr. está em reclusão há quase três anos. Vê alguma brecha nos governos britânico e sueco para que isso termine?
A minha prioridade é que o governo dos EUA abriu investigação contra o WikiLeaks. Na semana passada, entramos com ações na Alemanha e na Suíça. Lenta, mas seguramente, nós estamos saindo da defesa para o ataque.
Como é o seu cotidiano na embaixada? Pode tomar sol? Enfrentou depressão?
Eu refleti sobre essa situação algumas vezes. Mas nós temos publicações históricas chegando, temos uma dezena de processos judiciais, temos nossas responsabilidades em relação a Snowden e protegendo nossas outras pessoas. Isso tudo é tão engajador que, felizmente, não há muito tempo para pensar na minha própria situação.
Tem um filme entrando em cartaz, "O Quinto Poder". Como é a sensação de estar encarcerado e se tornar personagem de Hollywood?
Houve um anterior, "Australia: Underground", um bom filme. Também uma peça sobre Manning, grande peça, do País de Gales. Mas os documentários e filmes hollywoodianos têm um viés. Nesse filme a que você se referiu os atores nos apoiam, mas o roteiro, infelizmente, não.
Tem também o documentário de Poitras [para 2013].
O documentário de Laura será importante, sobre o que está acontecendo com o Ocidente à deriva para um estado de vigilância transnacional. Um dos aspectos é que a NSA e outras não são agências sombrias controlando tudo. É uma distopia pós-moderna em formação onde o sigilo é tão compartimentado e o sistema é tão bizantino que indivíduo nenhum entende. Você tem grandes organizações ao lado de milhares de contratadas. E elas formam um atoleiro, capaz de expandir influência. É difícil achar analogia precisa. É menos xadrez e mais horda mongol.
Seu livro cita uma trajetória alternativa mais positiva.
Há uma tendência importante na direção contrária. O que estamos vendo, com o fracasso da intenção de erguer um ataque à Síria, com as revelações, é o desenvolvimento de um novo corpo político internacional, de um novo consenso, de um novo "demos" [povo como unidade política].
Se a internet, por um lado, ampliou imensamente o poder dos Estados Unidos como Estado, por outro também produziu uma nova sociedade. É um tempo muito interessante, porque ou vamos derivar para essa distopia ou para esta nova cultura internacional fortalecida, que vai fornecer uma força prática e política de equilíbrio.
CYPHERPUNKS - LIBERDADE E O FUTURO DA INTERNET
AUTOR Julian Assange (com Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmermann)
TRADUÇÃO Cristina Yamagami
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 29 (168 págs.)
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada
Mas o fundador e editor-chefe do WikiLeaks (site conhecido por publicar documentos sigilosos) não se lamenta, em entrevista por telefone à Folha. Lista o que tem de importante para fazer, como editar novo vazamento e manter o apoio a Edward Snowden, ex-analista da CIA que revelou a espionagem em curso do governo dos EUA.
Fundador do WikiLeaks participa de debate por videoconferência em SP
Participa nesta quarta, por vídeo, de um debate sobre vigilância digital no Centro Cultural São Paulo. Deve falar de Além de Snowden, dele próprio e dos colegas Glenn Greenwald e Laura Poitras, acrescenta um nome à lista dos exilados da "distopia": Sarah Harrison, jornalista do WikiLeaks que não pode mais voltar ao Reino Unido.
Ele critica Dilma Rousseff por negar o asilo que o WikiLeaks pediu para Snowden. "Sob Lula, o Ministério das Relações Exteriores era bastante independente. Não ter [concedido asilo] sugere que a posição da presidente é fraca." A seguir, leia alguns trechos da entrevista.
Leon Neal - 6.dez.12/AFP | ||
Assange na embaixada do Equador em Londres |
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Folha - O livro soa premonitório quando foca o acesso do governo dos EUA às comunicações latino-americanas, através de fibra ótica. Snowden, depois, comprovou o acesso no Brasil.
Julian Assange - Estudo a Agência Nacional de Segurança [dos EUA] há 20 anos. A imagem foi composta de vazamentos, telegramas, inquéritos do Congresso, testemunhos de ex-funcionários. Uma imagem complexa, que precisava ler milhares de coisas. O importante das revelações de Snowden é que alguns documentos tornaram isso claro para as pessoas.
Quando começou sua relação com Snowden? Foi através de Laura Poitras? Ou antes?
Não podemos falar desses contatos, por razões legais. Mas é interessante falar por que não podemos falar. É porque os EUA se engajaram na expansão de seu regime legal para outros países. Estão envolvidos em 67 territórios diferentes, alegando crimes.
Quando é que um governo controla outro país? Quando ele controla o uso da força de coerção. No caso do WikiLeaks, o governo aplica a Lei de Espionagem de 1917 contra jornalistas fora dos EUA.
Chelsea Manning, militar americana acusada de vazar dados sigilosos para o WikiLeaks, acaba de ser absolvida de "ajudar o inimigo", um veredito que o sr. saudou como "vitória tática". Isso também tira parte da ameaça que estava sobre o WikiLeaks?
É uma situação muito séria. Manning foi condenada por cinco acusações de espionagem. A única alegação é de que passou informação para uma organização de mídia, mas mesmo assim foi condenada por espionagem. O governo Obama processou mais casos envolvendo "whistle-blowers" [vazadores] do que todos os anteriores juntos, voltando até o século 19.
Qual é a situação, agora?
A maior investigação jamais feita de um publisher, o WikiLeaks, prossegue nos EUA. Recebi asilo do Equador. Snowden recebeu asilo, com nossa assistência, na Rússia. Laura Poitras, a documentarista de Nova York associada com Snowden e conosco, está em autoexílio na Alemanha. Greenwald, do "Guardian", está em auto-exílio no Brasil e não pode ir com segurança para os EUA.
E uma de nossas jornalistas, Sarah Harrison, que viajou com Snowden a Moscou e auxiliou o processo formal de asilo, agora está em auto-exílio, porque nossos advogados instruíram que seria perigoso voltar ao Reino Unido. É resultado da detenção de David Miranda [namorado brasileiro de Greenwald].
O Ocidente anglo-saxão está em colapso no que concerne ao Estado de Direito. Os institutos do asilo e do exílio estão se tornando importantes novamente. Seria importante ver o Brasil apoiá-los.
Mas o Brasil recusou o pedido de asilo de Snowden.
É muito decepcionante. Mostra a realidade das relações Brasil-EUA, infelizmente. Se você ler os telegramas diplomáticos do WikiLeaks sobre o Brasil, verá que sob Lula o Ministério das Relações Exteriores era bastante independente. É um sinal preocupante sobre a independência brasileira. O Brasil, no que concerne a América Latina, é forte o bastante para fazê-lo [conceder o asilo]. Que não tenha feito sugere que a posição da presidente Dilma é fraca, e ela deveria adotar ações para demonstrar essa força.
Greenwald afirma que o Brasil é o maior alvo dos EUA.
A estatística de um dos programas da NSA mostra que os EUA interceptam mais sobre o Brasil do que sobre qualquer outro país latino-americano, pelo tamanho econômico, número de empresas americanas, contratos de equipamento, petróleo.
Que conselho o sr. daria à presidente Dilma e à Petrobras? Adotarem criptografia, como escreve em "Cypherpunks"?
Sim, eles precisam abraçar criptografia. O problema de comprar equipamento de criptografia para a Petrobras ou a presidente é: você pode confiar no fornecedor? Os EUA são especializados em se infiltrar no chip dos equipamentos criptográficos. O que o país precisa é conseguir o talento brasileiro para suas próprias agências de criptografia, para que desenvolvam tecnologia que seja confiável.
Reprodução | ||
'Assange livre', pede grafite no Largo da Batata, em SP |
Greenwald ouviu o mesmo questionamento que o sr., de que não seria jornalista.
Nós previmos isso, assim que saiu a primeira publicação de Glenn, "em 12 horas, espere os ataques, eles vão tentar de tudo". E foi o que fizeram, vasculhando sua personalidade, negócios passados. Os ataques são previsíveis e enfadonhos. Mais revoltante é ver jornalistas americanos tomando parte.
O sr. está em reclusão há quase três anos. Vê alguma brecha nos governos britânico e sueco para que isso termine?
A minha prioridade é que o governo dos EUA abriu investigação contra o WikiLeaks. Na semana passada, entramos com ações na Alemanha e na Suíça. Lenta, mas seguramente, nós estamos saindo da defesa para o ataque.
Como é o seu cotidiano na embaixada? Pode tomar sol? Enfrentou depressão?
Eu refleti sobre essa situação algumas vezes. Mas nós temos publicações históricas chegando, temos uma dezena de processos judiciais, temos nossas responsabilidades em relação a Snowden e protegendo nossas outras pessoas. Isso tudo é tão engajador que, felizmente, não há muito tempo para pensar na minha própria situação.
Tem um filme entrando em cartaz, "O Quinto Poder". Como é a sensação de estar encarcerado e se tornar personagem de Hollywood?
Houve um anterior, "Australia: Underground", um bom filme. Também uma peça sobre Manning, grande peça, do País de Gales. Mas os documentários e filmes hollywoodianos têm um viés. Nesse filme a que você se referiu os atores nos apoiam, mas o roteiro, infelizmente, não.
Tem também o documentário de Poitras [para 2013].
O documentário de Laura será importante, sobre o que está acontecendo com o Ocidente à deriva para um estado de vigilância transnacional. Um dos aspectos é que a NSA e outras não são agências sombrias controlando tudo. É uma distopia pós-moderna em formação onde o sigilo é tão compartimentado e o sistema é tão bizantino que indivíduo nenhum entende. Você tem grandes organizações ao lado de milhares de contratadas. E elas formam um atoleiro, capaz de expandir influência. É difícil achar analogia precisa. É menos xadrez e mais horda mongol.
Seu livro cita uma trajetória alternativa mais positiva.
Há uma tendência importante na direção contrária. O que estamos vendo, com o fracasso da intenção de erguer um ataque à Síria, com as revelações, é o desenvolvimento de um novo corpo político internacional, de um novo consenso, de um novo "demos" [povo como unidade política].
Se a internet, por um lado, ampliou imensamente o poder dos Estados Unidos como Estado, por outro também produziu uma nova sociedade. É um tempo muito interessante, porque ou vamos derivar para essa distopia ou para esta nova cultura internacional fortalecida, que vai fornecer uma força prática e política de equilíbrio.
CYPHERPUNKS - LIBERDADE E O FUTURO DA INTERNET
AUTOR Julian Assange (com Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmermann)
TRADUÇÃO Cristina Yamagami
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 29 (168 págs.)
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada
sábado, 14 de setembro de 2013
Exame médico revela escândalo
Anualmente um teste revela uma falha gritante no ensino superior no Brasil: a
imensa maioria dos alunos de direito não passa nas provas da OAB e, assim, não
obtém seu certificado para que possam advogar.
Se a população já fica escandalizada com o despreparo desses estudantes, imagine, então, a reação num teste obrigatório aplicado aos formandos das escolas de medicina --afinal, vidas estão nas mãos deles.
O Conselho Regional de Medicina anuncia nesta semana, segundo jornal "O Estado de S.Paulo", que o Conselho Regional de Medicina de São Paulo vai exigir que, para tirar seu certificado, o estudante terá de fazer uma prova.
A julgar pelo teste voluntário realizado em anos passados, se verá que muitos alunos simplesmente não teriam condições de tratar de pessoas sem colocá-las em risco.
Mas o teste, por uma questão legal, não é eliminatório. O estudante pode tirar zero e mesmo assim ganhar seu registro. Ou seja, a população continua indefesa, exceto se, na hora da consulta, exigir ver o certificado. E não apenas o diploma.
Suponho que as provas voluntárias sejam feitas entre os alunos que se sentem mais preparados. O que será ainda mais revelador com o teste obrigatório.
A cada dia expomos mais nosso acerto de contas com o passado pelo fato de o país não colocar a educação no topo da agenda --e deixar prosperar um ensino superior de péssima qualidade.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gilbertodimenstein/
Se a população já fica escandalizada com o despreparo desses estudantes, imagine, então, a reação num teste obrigatório aplicado aos formandos das escolas de medicina --afinal, vidas estão nas mãos deles.
O Conselho Regional de Medicina anuncia nesta semana, segundo jornal "O Estado de S.Paulo", que o Conselho Regional de Medicina de São Paulo vai exigir que, para tirar seu certificado, o estudante terá de fazer uma prova.
A julgar pelo teste voluntário realizado em anos passados, se verá que muitos alunos simplesmente não teriam condições de tratar de pessoas sem colocá-las em risco.
Mas o teste, por uma questão legal, não é eliminatório. O estudante pode tirar zero e mesmo assim ganhar seu registro. Ou seja, a população continua indefesa, exceto se, na hora da consulta, exigir ver o certificado. E não apenas o diploma.
Suponho que as provas voluntárias sejam feitas entre os alunos que se sentem mais preparados. O que será ainda mais revelador com o teste obrigatório.
A cada dia expomos mais nosso acerto de contas com o passado pelo fato de o país não colocar a educação no topo da agenda --e deixar prosperar um ensino superior de péssima qualidade.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gilbertodimenstein/
domingo, 8 de setembro de 2013
Por Rita de Sousa
Esta maravilha geográfica se esconde no Parque Nacional Natural da Macarena, na Serra da Macarena, na Colômbia. É o fabuloso Caño Cristales, também chamado de “rio das cinco cores”, “rio que vem do paraíso” e, com boa dose de razão, “o mais belo rio do mundo”. É longo, com 100 quilômetros de extensão, e, com seus apenas 20 metros de largura, fica multicolorido durante cinco meses.
No restante do ano, o Caño Cristales é igual a um rio comum, com um leito de rochas coberta por musgos verdes e uma corrente azulada, mas entre as estações de chuva, entre dezembro e fevereiro, e seca, que começa em julho, fica lindo como um jardim, com mil cores sob as águas.
Declarado Patrimônio Biológico da Humanidade, oferece uma gama surpreendente de cores devido à presença de uma enormidade de plantas aquáticas e algas que se desenvolvem com a luz do sol, em cores que variam entre vermelho, preto, amarelo, azul e verde.
A turbulência da água provoca redemoinhos que desgastam as rochas, criando pequenos lagos circulares. Desde 2009 está aberto a visitas guiadas, mas a maior parte do caminho só pode ser feita a pé.
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Coluna do Ricardo Setti
sexta-feira, 6 de setembro de 2013
Conferência Ethos: Sustentabilidade além da chatice
por Fátima Cardoso, especial para o Ethos
Sociedade contemporânea, onde indivíduo é protagonista, ainda busca formas de levar os temas da sustentabilidade à esfera do desejo.
O psicanalista Jorge Forbes abriu o debate “Atraídos pelo desejo: sustentabilidade além da culpa e do medo”, realizado no segundo dia (4) da Conferência Ethos 2013, com um neologismo: “desbussolamento”. Essa palavra, que não consta de nenhum dicionário, representa o que Forbes vê como a perda do “norte” ou da orientação típica da sociedade industrial nos últimos 30 anos. E, desorientados, encontramos amparo na culpa e no medo.
Para Forbes, porém, “medo e culpa são soluções antigas, incompatíveis com uma sociedade inovadora e criativa, que possa viver nova época como nunca houve na história da raça humana”. E ele descreve essa nova sociedade: “A pós-modernidade quebra hierarquias, pulveriza padrões, aumenta a responsabilidade pelas nossas escolhas e exige criatividade”.
Hoje, um tempo em que não há mais grandes guerras nem grandes ideias a dividir ou a unir o mundo, Forbes questiona: “Nada mais é sagrado para nós?” Sim, mas de uma forma diferente. “O homem pós-moderno se sacrifica por outro homem, pelo que está mais próximo dele. As passeatas de junho demonstraram que há uma nova sociedade de grupos que se juntam e se soltam. Essa nova força que vai às ruas não é mais em nome de uma bandeira única”, avalia o psicanalista.
Fred Gelli, sócio e diretor de criação da Tátil Design, enxerga no atual momento uma nova consciência e muito senso crítico. “Vejo executivos ricos dizendo que não aguentam mais essa vida e querem mudar”, afirma. “Acho que há uma nova ética em formação, que passa por um novo propósito, uma motivação extra que pessoas precisam para ir trabalhar. Muitos jovens talentos, por exemplo, não querem ser trainees de grandes empresas. Eles estão empreendendo e abrindo suas próprias start-ups”.
Valpírio Monteiro, sócio diretor da GAD’ Branding & Design, falou sobre o relacionamento entre empresas e consumidores nesse ambiente. “Hoje a reputação de uma empresa define o nível de confiança que os consumidores têm nela. É preciso engajar as pessoas por meio de ideias simples e fáceis para criar desejo e torná-las participativas”, acredita.
Monteiro apresentou um claro exemplo de simplicidade e motivação: a empresa americana TOMS Shoes, uma fabricante de sapatos criada em 2006 com propósito social já fazendo parte do negócio: a cada par de sapatos vendido, um outro seria doado a uma criança carente de um país em desenvolvimento. Até agora, já foram doados 10 milhões de sapatos. “A TOMS Shoes é uma das marcas mais desejadas dos Estados Unidos”, afirma Monteiro. “As marcas precisam de histórias autênticas e inspirar por meio de experiências. Esses dois pontos constroem as marcas desejadas.”
Ebulição – Quando o debate foi aberto à plateia, o desbussolamento do momento contemporâneo, definido por Jorge Forbes, aflorou nas diversas intervenções. Além da culpa e do medo, onde se situa a sustentabilidade? Por que os temas da sustentabilidade permeiam nossa razão, mas não penetram no nosso desejo?
Augusto Rodrigues, diretor de Comunicação e Relações Institucionais da CPFL Energia, questionou: “Por quê o tema das mudanças climáticas tem consenso científico mas não mobiliza as pessoas? Como juntar desejo e sustentabilidade com um discurso menos careta e menos chato?”
Da plateia, a ex-ministra Marina Silva expôs algumas ideias em relação a esse questionamento. “Será que ficou chato falar de sustentabilidade, será que perdemos a batalha para o desejo? Acho que não, pois nos últimos dois anos participei de 270 palestras, falando diretamente para 160 mil pessoas sobre sustentabilidade relacionada aos mais diversos temas”, disse. “Em pouco tempo a sustentabilidade não será mais um diferencial, e sim a base, o modo de ser, uma visão de mundo”.
Também da plateia, Eduardo Viola, professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, fez seus comentários. “Medo e culpa não vão resolver o problema, mas uma dose de medo e culpa é fundamental na transição para a sustentabilidade. A consciência da gravidade da mudança climática é fundamental, mas esse é um problema que terá consequências no futuro, enquanto nossa mente só lida com ameaças imediatas”, afirmou.
Aron Belinky, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-SP, expôs algumas informações e uma proposta: “Nas pesquisas, geralmente as pessoas declaram que tem pouco interesse em relação à sustentabilidade. Mas é interessante notar que elas desejam o que a sustentabilidade proporciona, que é maior qualidade de vida, melhor mobilidade, passar mais tempo com as pessoas que amam, por exemplo. Talvez tenhamos de parar de martelar a expressão ‘sustentabilidade’ e focar no que a sustentabilidade entrega, pois é isso que as pessoas desejam”.
* Publicado originalmente no site Conferência Ethos 2013.
(Envolverde)
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