sexta-feira, 30 de julho de 2010

Novas evidências do aquecimento global


Pistas para estudar o mais recente relatório da agência meteorológica dos EUA

Antonio Martins, Outras palavras

Há poucos meses, quando o hemisfério Norte viveu um inverno especialmente frio, com grandes tempestades de neve e temperaturas muito baixas, cresceram as dúvidas sobre o aquecimento global. Nos últimos dias, registrou-se o oposto. Ondas de calor estenderam-se pela Europa e Estados Unidos. Mesmo em países como a Finlândia, os termômetros marcaram 37ºC, algo nunca visto desde que começaram as medições sistemáticas. Teria a Terra se reaquecido novamente?

As tentativas de avaliar a evolução do clima observando períodos curtos vendem jornais e alimentam conversas de bar, mas são estatisticamente bizarras. Dizer que os três últimos meses foram quentes, e por isso o planeta está ficando mais quente, é como olhar pela janela, constatar que os três primeiros passantes são japoneses e alardear que a composição étnica do Brasil está mudando. Por isso, têm enorme importância os estudos que avaliam as alterações climáticas numa perspectiva histórica mais larga, e observando um conjunto amplo de fenômenos. Um deles acaba de ser lançado pela NOAA, a agência amosférica e oceânica dos Estados Unidos. É o relatório Estado do Clima, versão 2009.

Na edição recém-apresentada, a NOAA revela os resultados de um estudo que abrange 150 anos - de 1850 a 2000 - e que examina, além das próprias temperaturas, outros indicativos de mudança climática. No que diz respeito às medições dos termômetros, os resultados são claros. “Cada uma das três últimas décadas foi bem mais quente que a anterior. Os anos 1980 foram, à época, os mais quentes de que se tinha registro. No decênio seguinte, todos os anos foram mais quentes que a média dos 80. Os anos 2000 são ainda mais quentes”, diz uma nota à imprensa publicada no site da NOAA.

As evidências externas também são convincentes. O relatório estudou um conjunto de dez fenômenos. Constatou que, em todo o mundo, estão se elevando: a) a temperatura do ar nos continente; b) a temperatura da superfície do mar; c) a do ar acima dos oceanos; d) o nível oceânico; e) o calor oceânico; f) a umidade do ar; g) a temperatura da troposfera, a camada da atmosfera que se estende desde a superfíce do planeta até 7 a 17 km de altitude. E estão caindo: a) o volume do gelo ártico; b) a área das geleiras; c) a cobertura de neve no hemisfério Norte, durante a primavera.

O relatório recolheu contribuições de mais de 300 cientistas, de 48 países, que formaram 160 grupos de trabalho. Um bom resumo visual do estudo é o gráfico acima, publicado por The Economist. Nele, nota-se que, vistas na média, as mudanças de temperatura são sutis: a elevação é de cerca de 0,6ºC, nos últimos 50 anos. “Pode parecer pouco, mas já alterou nosso planeta”, diz Dake Arnt, co-editor do estudo e chefe da Divisão de Monitoramento do Clima da NOAA: “As geleiras e o gelo oceânico estão se derretendo, as chuvas pesadas intensificam-se, as ondas de calor tornam-se mais comuns”.

O relatório completo - uma ótima pauta para uma matéria mais abrangente - está disponível aqui . No mesmo endereço, é possível encontrar as edições anteriores e um kit de mídia, com gráficos importantes. Um video (em inglês) sintetiza as mudanças.

Outras palavras/Mercado Ético

A atual concepção de desenvolvimento é insustentável


“O mundo parece ter encontrado sua grande unidade, que exige de nós uma mudança de ponto de vista - não mais particular, mas holístico, universal, de totalidade. Descobrimos que nós, seres humanos, seres vivos e Terra, formamos um conjunto inseparável.” O pensamento é de Cesar Sanson, do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT. Ele é um dos monitores do Ciclo de Estudos em EAD: Sociedade Sustentável, que inicia no próximo dia 16 de agosto. O Ciclo é uma promoção do Instituto Humanitas Unisinos - IHU em parceria com o CEPAT. O ciclo é coordenado pelo Prof. Gilberto Faggion.

O doutor em Sociologia questiona a posição tomada pelo Brasil em relação à conservação da Terra. “O Brasil está abrindo mão de utilizar racionalmente os recursos naturais limitados e vem optando por iniciativas preocupantes”. Em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, ele fala sobre a relação entre desenvolvimento e sustentabilidade.

IHU On-Line - Como pensar soluções para a Terra e, ao mesmo tempo, questionar a ideia de desenvolvimento?

Cesar Sanson - É inevitável que ao pensar sobre as possíveis soluções para o planeta Terra não se questione a concepção de desenvolvimento em curso na humanidade. É na concepção de desenvolvimento implantado, especialmente, ao longo dos últimos dois séculos, baseado no paradigma do crescimento econômico ilimitado, na idéia de progresso infinito e na concepção de que os recursos naturais seriam inesgotáveis e de que a nossa intervenção sobre a natureza se daria de maneira neutra que se encontra a razão do impasse que vivemos, ou seja, o acelerado esgotamento do planeta. A equação crescimento ilimitado a partir de recursos limitados não fecha. Portanto, as soluções para a Terra passam pela consciência de que a atual concepção de desenvolvimento manifesta no modo de produzir e consumir é insustentável. Querer compatibilizar soluções para o planeta Terra com a ideia de desenvolvimento impulsionada pela atual dinâmica da globalização é anacrônico.

IHU On-Line - Em quais pontos o conceito de Sociedade Sustentável se choca com a Economia Moderna?

Cesar Sanson - Sociedade Sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras. Esse conceito se choca com os fundamentos da economia moderna, uma vez que parte de uma ideia de progresso infinito e linear e de que os recursos naturais também seriam infinitos. Hoje percebe-se que essa concepção é profundamente equivocada. O antropocentrismo e a racionalidade econômica advinda do liberalismo, pilar da economia moderna, está comprometendo a vida das futuras gerações, ou seja, o atual modo de produção está decidindo a sorte de quem virá depois de nós, deixando-lhes um mundo árido, poluído e feio.

IHU On-Line - A habitabilidade do ser humano na terra é um desafio para a humanidade?

Cesar Sanson - É o maior desafio contemporâneo. A habitalidade é hoje a questão fulcral da humanidade. A Terra já mostrou que tem condições de regeneração, coisa que nós humanos ainda não demonstramos. Iniciamos, portanto, o século XXI colocando as questões relacionadas ao meio ambiente no centro do debate. A ecologia, de oikos, tornou-se um tema que nos faz saltar das particularidades destacadas a uma abordagem unitária, global, planetária. É neste tema que o mundo parece ter encontrado sua grande unidade, que exige de nós uma mudança de ponto de vista - não mais particular, mas holístico, universal, de totalidade. Descobrimos que nós, seres humanos, seres vivos e Terra, formamos um conjunto inseparável. “O destino da Terra e da humanidade coincidem: ou nos salvamos juntos ou sucumbimos juntos”, alerta Leonardo Boff. A crise ecológica e consequentemente a habitalidade, devolve à humanidade a consciência de que os destinos humanos e de Gaia são relacionados e interdependentes, estão entrelaçados. O grande e maior desafio no limiar desse século é como salvar a humanidade e ela depende e está inexoravelmente ligada à salvação do planeta.

IHU On-Line - Como as crises ecológica, econômica, energética, alimentar e do trabalho caracterizam nossa sociedade contemporânea?

Cesar Sanson - O mundo está confrontado com uma crise estrutural e não somente conjuntural. As crises econômica, ecológica, alimentar, energética e do trabalho são manifestações de uma crise maior: de modelo de desenvolvimento civilizacional. O conjunto dessas crises exige uma interpretação sistêmica, elas não estão isoladas, são antes de tudo o resultado de determinada forma da sociedade - particularmente da sociedade capitalista - se organizar. Na essência da crise encontra-se o “modo de produzir” e o “modo de consumir” da sociedade mundial que está levando o planeta ao esgotamento. Acrescente-se ainda que o conjunto dessas crises é acompanhado por uma crise ética, ou seja, não se trata apenas de uma crise ancorada nas relações de produção, mas sobretudo uma crise do sentido humano que emerge nessa transição de século. A crise civilizacional manifestada na quíntupla crise - econômica, climática, energética, alimentar e do trabalho - exige uma abordagem a partir do paradigma da complexidade, como propõe Edgar Morin. Trata-se de perceber que “não só a parte está no todo, mas também que o todo está na parte”. Tudo está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises. Nossos problemas não podem mais ser concebidos como separados uns dos outros.

IHU On-Line - Qual o impacto do modelo econômico mundial sobre a Terra?

Cesar Sanson - O planeta Terra dá sinais cada vez mais reiterados e evidentes de esgotamento. Os sistemas físicos e biológicos alteram-se rapidamente como nunca antes aconteceu na história da civilização humana. Desde o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de fevereiro de 2007, já não há mais contestação de que o responsável pela evolução acelerada da tragédia ambiental é a ação antropogênica sobre a Terra. À época, o informe dos pesquisadores e cientistas foi categórico e não deixou espaço para dúvidas ao afirmar de forma contundente - o relatório utilizou a expressão “inequívoca” - que o aquecimento global se deve à intervenção humana sobre o planeta. “Essa crise ambiental não veio do nada. Não foi desastre natural, foi causada por homens, diz Nicholas Stern - responsável pelo Relatório Stern - extenso estudo sobre os efeitos na economia mundial das alterações climáticas nos próximos 50 anos. Nosso consumo dos recursos naturais já excede em 30% a capacidade de o planeta se regenerar. Com outras palavras, a espécie humana já necessita hoje de 1,3 planetas para satisfazer suas necessidades e desejos de consumo. A “pegada ecológica” - indicador da pressão exercida sobre o ambiente está muito forte. A média é 2,2 hectare, mas o espaço disponível para regeneração (biocapacidade) é de apenas 1,8 hectare. Avançamos o sinal. Há quem diga que o estrago já foi feito e ponto de retorno já passou. Na análise do ambientalista James Lovelock, Gaia - o organismo vivo que é a Terra - está com febre e se nada, e urgentemente, for feito esse quadro poderá evoluir para o estado de coma.

IHU On-Line - O Brasil tem consciência que está frente a uma crise epocal, manifestada, sobretudo, na crise ecológica?

Cesar Sanson - Não. O Brasil está abrindo mão de utilizar racionalmente os recursos naturais limitados e vem optando por iniciativas preocupantes. O que se percebe é que se por um lado avançou-se para o ganho de uma consciência ecológica maior em relação às gerações anteriores que se traduz na crítica a megaprojetos que agridem o meio ambiente: Itaipu, Balbina, Tucuruí, Transamazônica; por outro, e apesar da consciência dos erros cometidos, o país caminha para outros erros - a metáfora do farol de um automóvel virado para trás: ilumina o trajeto percorrido, mas não aclara o futuro. Assim como a nossa geração lamenta os erros cometidos pelas gerações anteriores, tudo indica que as gerações futuras lamentarão as decisões de hoje. Tome-se como exemplo maior a insistência na construção da hidrelétrica de Belo Monte. O ambientalista Washington Novaes alerta que o Brasil se encontra numa encruzilhada histórica que pode ser decisiva para o futuro de nação soberana e um ganho comparativo mundial. Segundo ele, “um país que tem a biodiversidade que o Brasil tem, os recursos hídricos, a insolação o ano todo, enfim, com a riqueza que o país tem, deveria ter uma estratégia que colocasse esse fator escasso no mundo numa posição privilegiada como base de políticas. Mas essa estratégia não existe”. O país foi acometido pela obsessão do crescimento. Fala-se em “crescer, crescer e crescer”. O país sonha em reeditar o projeto desenvolvimentista de Vargas e JK e transformar o país num canteiro de obras. Fala em destravar o país. A meta-síntese do projeto de país do governo é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC, que manifesta, entretanto, um silêncio absoluto sobre a questão ambiental).

A grande questão posta hoje é que tipo de crescimento econômico queremos. Por muito tempo, inclusive na esquerda, acreditou-se que o crescimento econômico seria a varinha de condão para a resolução de todos os problemas. Particularmente da pobreza. A equação é conhecida. O crescimento econômico produziria um círculo virtuoso: produção-emprego-consumo. Porém, o axioma de que apenas o crescimento econômico torna possível a justiça social não é verdadeiro. Será que o grande projeto brasileiro é transformar todos cidadãos em consumidores? É preciso complexificar o debate. O debate sugerido, a partir do princípio da ‘ecologia da ação’ recomenda que devemos construir uma sociedade que seja sustentável com a natureza, às necessidades humanas presentes e futuras, com uma ética solidária, definidas desde os setores populares, tendo como fim a construção de uma sociedade baseada em valores da solidariedade, liberdade, democracia, justiça e equidade.

(IHU On-line)

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Do Código Florestal para o Código da Biodiversidade


Marcelo Medeiros, do Jornal da Ciência (SBPC)

Homenageado na 62ª Reunião Anual da SBPC, o geógrafo Aziz Ab´Saber defendeu, na terça-feira (27/7), em conferência, a criação de um código da biodiversidade no lugar do atual Código Florestal, em discussão no Congresso

Para o geógrafo de 88 anos e presidente emérito da SBPC, é preciso ampliar a proteção dos biomas e expandir a noção de área de preservação para além das florestas. "Precisamos de um código da biodiversidade e não apenas florestal. Se não, como fica a caatinga, por exemplo?", questionou.

Ab´Saber criticou a proposta de revisão da norma, que protege do desmatamento áreas de floresta. Para ele, o texto defendido pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) beneficia apenas "um grupo de riquinhos" que não segue os preceitos da bioética. "Os ricos do mundo não querem saber do ambiente, querem é ganhar dinheiro a seu favor com a tecnologia. Temos que ter mais cuidado com os fatos da história da vida. Que os ricos fiquem com riqueza adquirida, mas que não se metam na destruição da vida da Terra", afirmou.

O acadêmico conclamou os cientistas brasileiros a se manifestarem contra a reforma e alertou para os riscos de um novo código florestal, mais permissivo, ser aprovado. "Não dá para comparar o que eles querem que aconteça com a Amazônia com o que já aconteceu no passado. No passado havia muita ignorância sobre todos esses fatos [relativos às consequências do desequilíbrio ambiental], mas hoje temos uma consciência ambiental, uma consciência bioética. Temos que fazer planejamento, pois o nosso tempo é o tempo da ciência e do conhecimento", discursou.

Artigo

Em artigo publicado na página da SBPC, o geógrafo aponta seus principais argumentos contra alterações no código florestal. Nele, há críticas sobre a estadualização da legislação ambiental, a possibilidade de recuperação de áreas degradadas com vegetação homogênea e a tentativa de redução da área obrigatória de preservação.

"[Os reformuladores] poderiam perceber que o caminho da devastação lenta e progressiva iria criar alguns quadros de devastação similares ao que já aconteceu nos confins das longas estradas e seus ramais, em espaços de quarteirões implantados para venda de lotes de cinquenta a cem hectares, onde o arrasamento de florestas no interior de cada quarteirão foi total e inconsequente, decorridos poucos anos', escreve.

Leia a íntegra do texto em http://sbpcnet.org.br/site/home/home.php?id=1305
JC e-mail 4062, de 28 de Julho de 2010
Imagem:geografia.seed.pr.gov.br

Quando a tendência vira fato

Governo anuncia queda no desmatamento da Amazônia antes de fechar análise anual. Ainda que o corte raso diminua, extração de madeira se mantém.

No fim da última semana, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira (foto), chamou a imprensa para divulgar "dados parciais" da taxa de desmatamento na Amazônia. Com números do sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), ela afirmou que, entre agosto de 2009 e maio de 2010, o desmatamento na região caiu 47% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Na festa propagada pelo governo, no entanto, pouca voz foi dada a quem entende de monitoramento. Dalton Valeriano, chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe, foi categórico no jornal "Folha de S.Paulo": "Afirmar que o país está desmatando menos
ainda é mera especulação".

Valeriano se refere à imprecisão do Deter em medir o tamanho das áreas devastadas. Criado em 2004 pelo Inpe, o sistema veio com o objetivo de, mensalmente, alertar os órgãos de fiscalização quando algo estivesse errado pela floresta. Usando imagens de satélite, o sensor Modis é capaz de "enxergar" cortes rasos e processos de degradação por extração de madeira, mas somente em áreas maiores que 25 hectares. As derrubadas menores que isso ficam de fora. O que não é pouca coisa. De acordo com o próprio pesquisador, hoje os desmatamentos menores representam 60% de toda a devastação.

"Quando o governo começou a usar o Deter e a mandar equipes de fiscalização para os locais que estavam sendo desmatados, os grandes desmatadores entenderam a lógica. Agora, em vez de desmatar uma extensão enorme, eles desmatam várias áreas menores, para que o Deter não pegue", explica André Muggiati, da Campanha da Amazônia do Greenpeace, acrescentando que a imprecisão também ocorre por conta das nuvens: quando o céu está coberto – o que não é incomum na região – nem todas as áreas são identificadas. "Qualquer dado que se refira à área desmatada é equivocado se for gerado por esse sistema. O Deter não foi feito para medir o tamanho do desmatamento".

Dados imprecisos

Por se tratarem de números falhos, o anúncio feito pelo MMA acaba gerando interpretações equivocadas, de que as estatísticas indicam que a agricultura e a pecuária seguem trilhas mais saudáveis, ao mesmo tempo em que a extração predatória de madeira mingua. Ledo engano.

Se o agronegócio está, aos poucos, diminuindo sua pressão sobre a floresta, não se pode falar o mesmo do setor madeireiro. Quem o diz é também o Inpe, com dados do sistema Degrad, criado há dois anos para medir, aí sim, o tamanho de áreas em processo de degradação por extração predatória de madeira.




O gráfico mostra a diferença entre os números do Deter e do Prodes. Os dados de 2010 do Deter ainda não estão completos, e o Prodes ainda não saiu.

Enquanto o desmatamento demonstra queda nos últimos anos, o Degrad mostra que a degradação na floresta seguiu o caminho inverso. Enquanto, em 2007, quase 16 mil quilômetros quadrados foram identificados em estágio de degradação, a taxa subiu para mais de 27 mil km2 no ano seguinte. Os números de 2009, que já deveriam ter ido para a rua, o MMA ainda não soltou.

Para calcular as áreas degradadas, o Inpe utiliza imagens do satélite Landsat, muito mais preciso que o usado pelo Deter. É a partir do que ele aponta que são geradas as taxas anuais de desmatamento na Amazônia. A metodologia adotada para se fazer essa análise ganhou o nome de Prodes (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia). Muito mais refinado que o Deter, esse sistema consegue identificar desmatamentos a partir de 6,25 hectares, deixando de fora uma fatia muito menor da devastação.

Para exemplificar a diferença na precisão entre os dois sistemas, não é preciso ir muito longe. Em 2009, o Deter apontou cerca de 4 mil quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia. Pouco tempo depois, saíram os números do Prodes, que havia identificado muito mais: quase 7.500 quilômetros quadrados derrubados. Nesta terça-feira, a ONG Imazon também soltou seus números de monitoramento mensal. Contrapondo os dados do Deter, o instituto afirma que, de agosto de 2009 a junho de 2010 houve, não declínio, mas um aumento de 8% no desmatamento, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Portanto, todo cuidado é pouco na hora de falar de números, ainda mais se tratando de ano eleitoral. "Uma série de fatores levou à tendência de redução do desmatamento nos últimos anos. A moratória da soja e o compromisso público assumido pelos grandes frigoríficos de não comprar mais gado de áreas devastadas influenciaram bastante, assim como as ações de fiscalização", diz Marcio Astrini, da Campanha Amazônia do Greenpeace. "No ano passado, com crise financeira mundial, o que caiu foi a procura pelas commodities. Com menor demanda, os setores que produziam pressionando a floresta diminuíram o ritmo, e isso teve reflexo na queda do desmate."

Tendências à parte, a atenção deve ser redobrada. Julho é quando começa o período de seca e as motosserras são ligadas a todo vapor. Quantas árvores vão cair nos próximos meses, ainda não se sabe. Mas elas têm de entrar na conta antes que qualquer anúncio seja feito.
Greenpeace/Minha casa Meu mundo
Foto: José Cruz/ABr

terça-feira, 27 de julho de 2010

Há chumbo no seu batom?


Por Andrea Vialli*

Muitos dos leitores já devem ter assistido aos vídeos sobre sustentabilidade produzidos pela ciberativista americana Annie Leonard, que, entre outros, fez o famoso “A História das Coisas” e também o “A História da Água Engarrafada”.

Agora Annie, cujos vídeos na internet já foram vistos por mais de 10 milhões de pessoas, nos brinda com mais um de seus petardos. “A História dos Cosméticos”, lançado na semana passada, mostra a problemática que envolve a bilionária indústria de cosméticos no mundo todo: a segurança de vários dos produtos químicos utilizados nas fórmulas do shampoo nosso de cada dia, no desodorante, no batom.

Ah, o batom…o vídeo alerta para o fato de que um singelo batomzinho pode conter níveis de chumbo acima das recomendações de segurança, o que pode causar distúrbios de comportamento e até de aprendizagem. Os dados dizem respeito particularmente ao mercado americano: há três anos, a ONG Campaign for Safe Cosmetics publicou um estudo onde denunciava que de 33 grandes marcas de batom testadas, 61% apresentavam chumbo na fórmula.

Só depois de dois anos, com a pressão dos consumidores, o Food and Drug Administration (FDA), órgão americano responsável pela segurança dos alimentos, remédios e cosméticos, se pronunciou sobre o tema, publicando uma pesquisa que revelou níveis de chumbo ainda maiores aos testados pela Campaing for Safe Cosmetics em 2007. Todas as marcas testadas pelo órgão apresentavam o elemento em suas composições. Apesar disso, o FDA afirmou não considerar a substância prejudicial à saúde por não ser ingerido pelos consumidores.

A campanha continua, e o objetivo é fazer com que o FDA estabeleça um limite máximo de chumbo nos produtos de maquiagem – o pesado lobby da indústria de cosméticos, no entanto, tem travado qualquer avanço nesse sentido.

Assista o vídeo, com legendas em inglês - http://www.youtube.com/watch?v=pfq000AF1i8&feature=player_embedded
*Publicado originalmente no blog Ecotendências, editado pela autora. Para conhecer o blog acesse http://blogs.estadao.com.br/andrea-vialli/
(Envolverde/Mercado Ético)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

TERRAMÉRICA - Bomba relógio nuclear


Por Risto Isomäki*

Os resíduos radioativos guardados atualmente debaixo da terra podem se converter em enormes arsenais atômicos dos Hitler de amanhã.

Helsinque, Finlândia, 26 de julho (Terramérica).- Depois de décadas de preparação e pesquisas, os Estados Unidos abandonaram seu plano de armazenar resíduos nucleares na montanha Yucca, no Deserto de Nevada. Por outro lado, Finlândia e Suécia levam adiante seus próprios planos e pretendem colocar seu combustível esgotado em cilindros de ferro e cobre que serão enterrados em um leito de rocha.

A empresa finlandesa Posiva está construindo um vasto sistema de covas dentro de uma formação rochosa perto do complexo de energia nuclear Olkiluoto, no Golfo de Botnia, oeste do país. A firma acredita que o sistema de covas Onkalo seja capaz de armazenar de forma segura, pelo menos por cem mil anos, o combustível nuclear usado pelos geradores da Olkiluoto.

Quando o combustível é retirado do reator, e depositado em uma pilha de esfriamento, está muito quente e tem cerca de um bilhão de vezes mais radioatividade do que o urânio natural. Depois de cem anos, o combustível nuclear é cem mil vezes mais radioativo; após mil anos, cinco mil vezes, e depois de cem mil anos apenas 200 vezes mais radioativo do que o urânio natural.

Na ocasião, as substâncias naturais existentes na crosta terrestre produzirão, para cada quilômetro quadrado, mais decomposições radioativas do que um depósito de combustível nuclear como Onkalo. Porém, há um problema mais grave, que é ignorado pelas autoridades encarregadas pelo controle nuclear, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e as empresas de energia nuclear.

Entre os resíduos radioativos, existem também cerca de 20 ou 30 quilos de plutônio para cada tonelada de combustível nuclear usado. O plutônio pode ser separado do urânio por métodos químicos, desenvolvidos no Século 20. Cada país que possui combustível nuclear usado pode fabricar uma bomba atômica simplesmente dissolvendo as barras de combustível em ácido e extraindo o plutônio.

Outro método de fazer uma bomba é enriquecer a proporção do isótopo fissionável 235 no combustível de urânio. Isto é muito mais complicado porque os diferentes isótopos não podem ser separados por meios químicos. Quando os cientistas a serviço de Adolf Hitler tentaram isso na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), só conseguiram enriquecer o conteúdo do urânio 235 de 0,7% para 1,5% em um grama de gás hexafluoreto de urânio.

Como seriam necessários 400 quilos com um conteúdo de 20% de urânio 235 para fabricar uma pequena bomba nuclear, nem mesmo se aproximaram desse objetivo. Com plutônio poderiam ter conseguido em questão de meses ou semanas. A Finlândia, por exemplo, planeja enterrar 11 mil toneladas de combustível nuclear usado, suficientes para obter dezenas de milhares de bombas atômicas como a lançada sobre Nagasaki, em um sistema de covas cuja localização exata é de domínio público.

Além disso, o plutônio se torna mais perigoso, e não menos, na medida em que passam os anos. Quando o combustível nuclear é enterrado, contém entre 65% e 70% do isótopo 239, ideal para fabricar armas nucleares. Inclusive este tipo de plutônio usado em reatores pode ser empregado para uma bomba, mas outros exóticos de plutônio (238, 240 e 241) são causadores de uma série de complicações, embora tenham uma vida média mais curta do que a do 239.

Isto significa que o plutônio em um depósito de combustível usado se torna naturalmente enriquecido, convertendo-se primeiro em plutônio apto para armas, “de grau de armamento”, e depois em plutônio de grau de reator. Finalmente, se transforma em plutônio 239 quase puro e só uma minúscula quantidade é suficiente para a primeira fase de uma arma nuclear maciça de duas ou três fases.

Os Hitler, Stalin ou Gengis Kan do futuro buscarão sem descanso os depósitos de combustível nuclear gasto, com ajuda de geólogos, antropólogos, historiadores e aparelhos como espectômetros e contadores Geiger. Ter acesso a uma câmara do tesouro como Onkalo, depois de dez mil ou cem mil anos, permitiria fabricar um enorme arsenal nuclear e asseguraria o domínio do mundo a um futuro Hitler. É este o legado que queremos deixar para as próximas gerações?

* O autor é ambientalista e premiado escritor finlandês, e seus romances foram traduzidos para vários idiomas. Direitos exclusivos IPS.

Crédito da imagem: Claudius
(Envolverde/Terramérica)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O desafio de preservar o Encontro das Águas


Por Washington Novaes

Que pensariam norte-americanos e canadenses se, a pretexto de uma crise energética, se resolvesse desviar as águas do rio e, com isso, deixassem de existir as cataratas do Niagara? Que achariam japoneses se, com a descoberta de uma jazida de um metal precioso, se resolvesse implantar um grande projeto de mineração no sopé do Monte Fuji e de suas neves deslumbrantes? O escritor Ernest Hemingway poderia levantar-se indignado do túmulo se, com igual motivo, se decidisse escavar sob o Monte Kilimanjaro, na África, tema de seus escritos. Pois é com indignação que o poeta amazonense Thiago de Mello brada aos ventos contra o projeto de implantação de um terminal portuário ao lado do majestoso Encontro das Águas do Rio Negro com as do Solimões, que dá origem ao Rio Amazonas. Já há um forte movimento em Manaus para impedir que o projeto vá em frente (os defensores da obra argumentam com a "importância econômica" e a geração de empregos). E da oposição participa boa parte da comunidade acadêmica, que tem seus argumentos consolidados pelo professor Ademir Ramos, da Universidade Federal do Amazonas - que lembra também a importância histórica e científica dos sítios paleontológicos identificados na área.

O majestoso Encontro das Águas fascina brasileiros e turistas de outros países que vêm conhecê-lo (isso não é "importância econômica"?). O escritor Fernando Sabino escreveu (O Encontro das Águas, Editora Record, 1977): "Tudo aqui parece encerrar um sentido simbólico; os rios, as florestas, os animais e as plantas, os próprios homens. Aqui a natureza nos dá a sensação vertiginosa de que um dia fomos deuses. Aqui a alma se expande até perder-se no vazio onde o espaço e o tempo se confundem, para reencontrar-se numa vida além da vida, em que tudo se harmoniza - tempo e espaço, civilização e natureza, homens e deuses - numa perfeita integração."

Pois é nas proximidades desse fenômeno e em área de propriedade da União que se quer levar adiante um projeto de R$ 220 milhões, bancado por duas grandes empresas, com forte apoio em áreas políticas locais. A Secretaria do Patrimônio da União, em Brasília, deu parecer contrário, mas a Gerência Regional no Amazonas opinou a favor do empreendimento e com isso liberou a regularização de "faixa de terreno marginal do rio federal" (Amazonas). O Ministério Público Federal conseguiu na Justiça, em Manaus, medida liminar sustando o licenciamento - mas ela foi revogada em Brasília pela Justiça Federal. Agora o Ministério Público estadual tenta reverter o quadro.

Segundo a proposta apresentada, o "cais de flutuantes será composto de 4 flutuantes de 65 metros de comprimento, 30 metros de largura (boca) e 4 metros de altura (pontal) cada um, perfazendo uma extensão total de 260 metros", à margem frontal ao Encontro das Águas. E tudo isso ocorre num momento em que se afirma universalmente a necessidade de reavaliar enfoques humanos diante de questões como mudanças climáticas, insustentabilidade de padrões de produção e consumo no mundo. O próprio Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) está propondo implantar um novo índice que inclua o valor monetário dos serviços prestados gratuitamente pela natureza (fertilidade natural dos solos, regulação do clima e dos recursos hídricos, importância da biodiversidade para a criação de fármacos, etc.). E é com visões dessa natureza que precisam ser confrontados projetos que põem em risco patrimônios naturais e da biodiversidade. Neste momento mesmo estão no meio de polêmicas vários projetos de portos que implicariam esses riscos - em Santarém (PA), no litoral baiano, em Santa Catarina, no litoral norte de São Paulo.

Da mesma forma, o projeto considerado ameaçador para o Encontro das Águas que formam o Amazonas. Neste caso, precisa ser considerado também o patrimônio representado pelas visões da cultura popular amazônida - sempre tão desprezada. Segundo o escritor Márcio de Souza, ela só aparece como folclore "e depois que passa a polícia". Mas quem viaja pelos rios da Amazônia vai descobrir de repente - como o autor destas linhas -, no Rio Nhamundá, no Lago da Serra do Espelho da Lua (que nome!), que a lenda das amazonas, para os moradores da região, não é uma lenda . É História, com H maiúsculo: elas habitavam a região, sequestravam homens para ter relações sexuais e a eles entregavam os recém-nascidos, se fossem do sexo masculino; com a aproximação dos colonizadores europeus, "elas foram fugindo para o norte, até depois da última cachoeira, em Roraima". Poderá descobrir que a "democracia do consenso" de que fala o antropólogo Pierre Clastres está em pleno vigor entre os índios maués, à beira dos Rios Andirá e Marau. A eles devemos, entre outras coisas, a descoberta das propriedades energéticas do guaraná, reveladas por seu herói criador. E muito mais.

É preciso abrir ou ouvidos aos poetas, aos artistas, que conseguem incorporar a importância dessas culturas. Como o próprio Thiago: "Vem ver comigo o rio e suas leis./ Vem aprender a ciência dos rebojos,/ vem escutar os cânticos noturnos/ no mágico silêncio do igapó /coberto por estrelas de esmeralda" (Outros Poemas, Global Editora, 2007). Porque, diz ele, "de caminho de barcos sabe o mar. Os ventos é que sabem dos destinos".

Os ventos populares, com certeza, desaconselham a rota que põe em risco o Encontro das Águas. Então, convém ouvir de novo Fernando Sabino, ao visitar esse lugar: "Aqueles que se encontram na fase de industrialização estão correndo constantemente o risco de empobrecerem e de se desnortearem em vários rumos. Talvez amanhã a riqueza de um povo seja medida pelos seus esforços a favor da conservação da Natureza, do seu ambiente natural, ou seja, pela capacidade de conseguir preservar a sua própria alma." E, como sentencia ele, "não se desafia em vão a natureza".
(Envolverde/O autor)

Alerta para risco de extinção de peixes


Hoje, o Brasil, oficialmente, entende que possui 133 espécies de peixes ameaçados. Porém, um estudo publicado recentemente aponta que há 819 tipos de peixes que correm o risco de sumir dos nossos rios. Um dos pesquisadores que participou desta pesquisa é Paulo Buckup. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, o professor falou sobre os principais problemas que os rios brasileiros têm enfrentado e criticou a forma como os rios amazônicos estão sendo tratados. “Descendo o rio Xingu, encontramos na zona de cabeceiras esses grandes projetos hidrelétricos, como o de Belo Monte. No nosso estudo, detectamos pelo menos oito espécies presentes na área de Altamira que precisam ser estudadas para compreendermos qual o impacto que a eliminação de alguns trechos vai ter sobre os peixes que vivem apenas naquela região”, explicou.

Paulo Buckup é graduado em Zoologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestre em Oceanografia Biológica pela Universidade Federal do Rio Grande. Pela University Of Michigan realizou o mestrado em Biologia e o doutorado em Biological Sciences. É pós-doutor pelo Field Museum Of Natural History. Atualmente, é professor pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais espécies de peixes que estão ameaçadas no Brasil hoje?

Paulo Buckup – Nós temos uma lista oficial que inclui, originalmente, 135 espécies de peixes de água doce. Existem outras espécies marinhas, mas a maior parte em extinção são as de água doce, principalmente aquelas que são ameaçadas em suas migrações e aquelas que têm distribuição muito restrita.

IHU On-Line – Quais são os principais problemas que os rios brasileiros vêm enfrentando?

Paulo Buckup – As espécies de peixes, em primeiro lugar, têm hábitos muito específicos, tanto em relação ao seu ambiente, quanto em relação à bacia hidrográfica em que vivem. Algumas vezes o ambiente é similar, mas a espécie não existe lá, o que significa que ela está restrita a uma bacia específica. As espécies que vivem em bacias pequenas são as que estão mais ameaçadas.

Nós temos, por exemplo, uma grande concentração de áreas com espécies ameaçadas ao longo da zona de Mata Atlântica, onde há vários riachos litorâneos pequenos e isolados uns dos outros, seja pelas montanhas da Serra do Mar, seja pela água salgada do mar que está próximo. Se perdermos alguma espécie em umas dessas bacias, ela nunca mais poderá ser recuperada.

Além disto, nós temos áreas ameaçadas na própria região Amazônica, que não é homogênea como parece quando olhamos um mapa que mostra toda aquela mata verde. Nessa região há várias bacias hidrográficas e cada bacia tem seus peixes.

IHU On-Line – Isso é muito preocupante…

Paulo Buckup – Justamente. Nós fizemos um estudo recentemente em que focamos nas espécies que tem distribuição restrita e descobrimos que muitas delas ocorrem na Amazônia. E várias dessas ocorrem em pequenas áreas onde existe aquele determinado ambiente. Por exemplo: nas zonas de cachoeiras (que são as zonas que limitam o Planalto Central do Brasil em relação à Calha do Amazonas ou o Maciço das Guianas em relação às Calhas do Amazonas) encontramos peixes que são especializados em cachoeiras e não vivem fora dali.

IHU On-Line – Como funcionou esse trabalho sobre os ecossistemas dos rios?

Paulo Buckup – Um dos principais problemas é a mineração, que afeta os rios de diversas formas. A poluição e os barramentos dos rios são problemas muito significativos também. Os barramentos, sejam eles de pequeno porte ou de grande porte, eliminam habitats e até o próprio rio, porque passamos a ter um lago onde não haviam da magnitude que costumam ser criados com os grandes empreendimentos hidrelétricos, por exemplo.

Certamente, as corredeiras deixam de existir e, com isto, todos os peixes que dependem dessas corredeiras, como os peixes migratórios, desaparecem. E nessas regiões de corredeiras há peixes bastante grandes, de mais de um metro, que vivem e que dependem destes ambientes e suas peculiaridades para migrarem da área de alimentação para a área de reprodução.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a ictiofauna da ecorregião Tapajós-Xingu que são o centro de grandes obras hidrelétricas?

Paulo Buckup – Esse trabalho originou-se de um catálogo que publicamos em 2007 que continha todas as espécies de peixes de água doce conhecidas na época. A partir disto, foi possível, pela primeira vez, fazer estudos envolvendo o conjunto da fauna. Com base neste banco de dados inicial, um conjunto de pesquisadores do Museu Nacional e do Museu da USP fez um estudo detalhado, ao longo de três anos, para identificar as espécies que poderiam ser vulneráveis por terem uma distribuição geográfica muito restrita. Nós chegamos à conclusão de que existem 819 espécies de peixes ameaçadas e este número tende a aumentar, porque, atualmente, toda semana novas espécies são descobertas no Brasil.

IHU On-Line – Nesse sentido, como o senhor analisa o estudo de impacto ambiental de Belo Monte?

Paulo Buckup – É uma das áreas mais ricas da Amazônia. Em termos de riqueza de espécie ela chega a ser mais rica do que a Mata Atlântica e heterogênea em termos de distribuição espacial. Há espécies que existem somente nas cabeceiras do Rio Tapajós e Xingu, outras que se encontram somente nos trechos principais ao longo do trajeto no Planalto; há, também, uma série de espécies que só ocorrem nas cachoeiras de Altamira e acima de Itaituba e, finalmente, há espécies que vivem nas Calhas do Amazonas. O rio é segmentado com espécies diferentes em cada uma destas áreas e o que se observa, neste caso, é que todas elas têm algum nível de ameaça.

Nas regiões das cabeceiras, no Mato Grosso, tem a soja e as pequenas hidrelétricas colocando uma pressão que leva à destruição das espécies que vivem nesse local. O sul do Pará, embora tenha áreas preservadas pelas áreas indígenas, está extremamente devastado em relação à floresta. Quando se elimina as florestas, a proteção da bacia hidrográfica se perde.

Descendo o rio Xingu, encontramos na zona das cabeceiras esses grandes projetos hidrelétricos, como o de Belo Monte. No nosso estudo, detectamos pelo menos oito espécies presentes na área de Altamira que precisam ser estudadas para compreendermos qual o impacto que a eliminação de alguns trechos vai ter sobre os peixes que vivem apenas naquela região. Algumas espécies, por exemplo, só são conhecidas nas ilhas em frente à Altamira, se essas ilhas passarem a ficar submersas, ou se de alguma forma a variação do nível de água for alterada significativamente, essas espécies podem desaparecer lá.

IHU On-Line – Quais as espécies raras ameaçadas na Volta Grande do Xingu e que implicações isso traz para a região?

Paulo Buckup – Eu, juntamente, com os outros cientistas, participei de uma avaliação crítica do que será feito nessa região. Analisamos documentos onde foram registradas as análises críticas (que são muitas!) do relatório de impacto ao Rio Xingu. No que tange a fauna de peixes, uma que eu considero bastante significativa é o fato de que cerca de 30 a 40% das espécies da região ainda não são conhecidas. Então, corremos o risco de perder espécies que ainda não estudamos. Talvez seja um preço a pagar pelo desenvolvimento, mas nós precisamos saber qual é esse preço e para isto precisa existir um “material-testemunha” destas espécies para possamos, eventualmente, saber o que foi perdido. A forma como foram feitos os levantamentos para viabilizar o projeto de Belo Monte não permite que localizemos o material que foi estudado e consultado.

(IHU On-line)

terça-feira, 20 de julho de 2010

O cerne da questão


Ignacy Sachs

Como assegurar a governança global num mundo de Estados-Nações divididos? Por generosa que seja, essa ideia tem reduzidas chances de implementação

A Conferência de Estocolmo de 1972 colocou o meio ambiente na agenda da Organização das Nações Unidas. Seguiram-se 20 anos de inegável progresso em matéria institucional e legal, dentro e fora das Nações Unidas. A Cúpula da Terra, que se reuniu no Rio de Janeiro em 1992, produziu um documento ambicioso – a Agenda 21. Como estávamos nesse momento no auge da contrarreforma neoliberal, a Agenda 21 não teve a sorte que merecia.

A próxima Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável, programada para 2012, vai se benefi ciar de um contexto político mais favorável. A crise atual deixou mal de pernas o mito dos mercados que se autorregulam.

Os trabalhos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) não deixam a menor dúvida: o tempo hábil para mitigar as alterações no clima é curto. Se não for bem aproveitado, corremos o risco de precipitar uma catástrofe ambiental de grandes proporções, cujas principais vítimas serão as populações pobres. Se necessário, os holandeses saberão fi nanciar a consolidação dos diques que os protegem. Porém, este não será o caso dos habitantes de Bangladesh. Que dizer então dos moradores de algumas ilhas que fi carão submersas?

Não podemos correr o risco de sair da segunda Cúpula da Terra do Rio de Janeiro sem um acordo sobre a governança da nave espacial Terra, capaz de pô-la numa trajetória de desenvolvimento sustentável e includente, de maneira a enfrentar simultaneamente os dois desafi os maiores do século: a ameaça de mudanças climáticas deletérias e em boa parte irreversíveis e as desigualdades sociais abissais. O alerta sobre o aquecimento global não deve de maneira nenhuma servir de pretexto para protelar a luta contra a pobreza.

O cerne da questão é este: como assegurar a governança global num mundo com Estados-Nações politicamente divididos? Idealmente, deveríamos pensar em um governo mundial. Por generosa que seja, essa ideia tem pouquíssimas chances de implementação num futuro previsível.

Logicamente, deveríamos envidar esforços para fortalecer a estrutura das Nações Unidas – aproximadamente um G-200. No entanto, a recente Conferência de Copenhague e outras que a precederam apontam para a enorme difi culdade de uma negociação a varejo com quase 200 participantes movidos por interesses não necessariamente coincidentes. Daí, surge a tentação de transferir o debate para conclaves menores. G-2? G-20?

Convém excluir como uma perspectiva perigosa o G-2, que, no caso de se materializar, asseguraria um condomínio das duas maiores potências – os Estados Unidos e a China – sobre o resto do mundo.

O G-20 também gera dúvidas, embora a sua composição constitua um inegável progresso com relação ao G-7, que reunia as principais potências capitalistas do mundo, ou ao G-8, que incluiu a Rússia depois da implosão da União Soviética. Por que o G-20, e não um G-18 ou um G-24? Quem decide sobre a composição do conclave e com que critérios?

Voltemos, pois, ao G-200, cuja legitimidade é indiscutível. Ao mesmo tempo, tentemos substituir a negociação a varejo por um modus operandi diferente.

Peçamos aos participantes da Cúpula da Terra de 2012 que submetam às Nações Unidas, digamos em dois ou três anos, estratégias nacionais sob a forma de planos de desenvolvimento de longo prazo, construídos de maneira a explicitar a pegada ecológica e os objetivos sociais, a começar pela geração de oportunidades de trabalho decente?

Comparada ao método de negociação aplicado até agora, a compatibilização ulterior desses planos, com vistas à construção de sinergias positivas, permitiria uma maior efi ciência no exercício da governança global. Vale a pena lembrar aqui o precedente da Aliança para o Progresso lançada pelo presidente John Kennedy nos anos 1960.

O aggiornamento do planejamento não signifi ca uma simples volta aos paradigmas passados. O planejamento nasceu na era do ábaco, antes da invenção do computador. Por outro lado, precisamos de um planejamento democrático baseado no diálogo quadripartite entre o Estado desenvolvimentista, as empresas, os trabalhadores e a sociedade civil organizada. Não nos interessa o planejamento autoritário.

O princípio de responsabilidade diferenciada faz com que os planos dos países menos desenvolvidos devam ser cofi nanciados por um fundo de desenvolvimento sustentável e includente, administrado pelas Nações Unidas.

Tal fundo disporia de duas fontes de recursos: uma parcela importante do imposto sobre o carbono coletado nos países mais desenvolvidos e um percentual do PIB destes últimos, pelo menos 0,5%, já que as Nações Unidas nunca conseguiram pôr em prática a transferência de 1% do PIB dos países ricos aos países pobres. No contexto da transição para a economia verde, as razões para taxar o carbono são evidentes.

*Ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales.
Página22

segunda-feira, 19 de julho de 2010

TERRAMÉRICA – Petróleo mata no Golfo do México


Por Dahr Jamail

A cadeia alimentar do Golfo do México já está alterada pelo vazamento de óleo da multinacional BP. E isto pode piorar.

Nova Orleans, Estados Unidos, 19 de julho (IPS/IFEJ) – Crustáceos do Golfo do México crescem com gotas de petróleo em seu interior, as aves atingidas pelo petróleo servem de alimento aos coiotes e os tubarões se asfixiam quando o petróleo que engolem tapa suas guelras. Dentro das valvas de diminutos caranguejos azuis, que apenas estão deixando de ser larvas, são encontradas gotículas de petróleo, disse ao Terramérica Harriet Perry, diretora do Laboratório de Pesquisas da Costa do Golfo na Universidade do Mississippi do Sul, nos Estados Unidos.

Esses caranguejos viajam das águas do Golfo até os pântanos da costa do Mississippi. Muitas espécies de peixes e aves alimentam-se destes jovens caranguejos. E este é apenas um de muitos exemplos de como o petróleo que começou a vazar em abril, após o acidente da British Petroleum (BP), já fez estragos na cadeia alimentar da região. Muitas aves cobertas de óleo servem de alimento aos coiotes, que por sua vez são comidos pelos lagartos.

“Sabe como o petróleo mata os pelicanos?”, pergunta Dean Wilson, diretor-executivo da Atchafalaya Basinkeeper. “Eles abrem as asas para secar, e, na realidade, cozinham ao Sol. Milhares de aves estão morrendo dessa forma por culpa da cobiça de uma empresa estrangeira”, explica. A organização que lidera dedica-se a preservar os ecossistemas da bacia do Rio Atchafalaya, na costa sudeste do Estado da Louisiana, nos Estados Unidos.

O petróleo começou a se espalhar pelo Golfo do México no dia 20 de abril, quando a plataforma de exploração Deepwater Horizon, que a BP arrendara da firma suíça Transocean, explodiu e, dois dias depois, afundou. Dean aponta a falta de vontade da BP para adotar as medidas necessárias para proteger a natureza. Por exemplo, assegura que a BP não resgata os filhotes cujos pais estão cobertos de óleo e não permite que ambientalistas como ele socorram os animais.

“Para criar os filhotes são necessários pai e mãe. Se um fica coberto de óleo, o outro sozinho não pode cuidar das crias ao mesmo tempo deve sair em busca de alimentos, e estes morrem”, conta Dean. Segundo ele, a quantidade de filhotes mortos já equivale à de pelicanos resgatados, e estes últimos são “apenas a ponta do iceberg”.

De acordo com o Serviço Federal de Pesca e Vida Silvestre dos Estados Unidos, até o dia 14 deste mês, cerca de 890 quilômetros da costa do Golfo estavam cobertos de óleo, foram recuperadas 2.930 aves (1.828 mortas e 1.102 cobertas de petróleo) e mais de 500 tartarugas marinhas e mamíferos mortos. Mais de 45 mil trabalhadores se desdobram para minimizar o desastre da BP. Estima-se que até o fechamento desta edição tenham sido derramados 8,4 milhões de barris de petróleo no Golfo do México e utilizados mais de 6,8 milhões de litros de produtos químicos dispersantes Corexit 9500 e Corexit 9527, proibidos na Grã-Bretanha.

Estes agentes são considerados causadores de dores de cabeça, náuseas, vômitos, diarréia, irritação e danos no aparelho respiratório, depressão do sistema nervoso central, efeitos neurotóxicos, mutações genéticas, arritmia cardíaca e falhas cardiovasculares. “Este é o segundo delta mais importante da América, e um dos principais do planeta”, disse ao Terramérica o ativista Paul Orr, da organização ambientalista Lower Mississippi Riverkeeper. “Não temos ideia do que esta quantidade de petróleo tão perto do delta pode causar. Os dispersantes são usados para afundar o óleo e assim minimizar seus impactos costeiros”, explica.

“Agora parece que o motivo real foi fazê-lo desaparecer de vista, porque, se permanece na superfície, ao menos pode ser recolhido, embora afete a costa em algum grau”, acrescenta Paul. “Por outro lado, temos vários milhões de barris de petróleo afundando na água e aderindo ao solo marinho. É possível que nunca saibamos alguns dos danos no longo prazo”, afirma.

Como outros ambientalistas e cientistas, Paul critica a BP por não ter empreendido os esforços adequados para resgatar os animais contaminados. “Têm de fingir que estão fazendo algo”, advertiu, se referindo à escassa quantidade de aves que a empresa se encarregou de limpar. Paul se preocupa com todas as espécies do Golfo do México, mas em particular com as que estavam ameaçadas antes do vazamento, como as tartarugas marinhas Kemp (Lepidochelys kempii) e gigante (Demorchelys coriacea), o golfinho cachalote (Physeter macrocephalus), o esturjão do Golfo (Acipenser oxyrinchus desotoi) e aves como a batuíra melodiosa (Charadrius melodus).

Jonathan Henderson organiza campanhas de resiliência costeira na internacional Rede de Restauração do Golfo. “São, pelo menos, 75 mil milhas quadradas (194.249 quilômetros quadrados) cobertas de petróleo”, assegura.

Dean está preocupado com os micro-organismos que se alimentam do petróleo, particularmente nas áreas mais profundas do Golfo, onde a BP lançou dispersantes. “Existe uma grande população de baleias e tubarões-baleia que migram justamente para o lugar onde o petróleo está. Vimos grupos de centenas navegando através do Golfo. Abrem suas bocas para filtrar o plâncton e engolem o óleo envenenando suas guelras, o que leva à asfixia”, afirma.

Não é possível ficar de braços cruzados e esperar pelas consequências, afirma Jonathan. Além disso, acrescenta, “sinto que esta não será a última explosão de um poço de petróleo”.

* O autor é correspondente da IPS. Este artigo é parte de uma série de reportagens sobre biodiversidade produzida por IPS, CGIAR/Bioversity International, IFEJ e Pnuma/CDB, membros da Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (http://www.complusalliance.org).

LINKS

Ecossistemas do Golfo do México mais resistentes ao petróleo?
http://envolverde.com.br/materia.php?cod=76355&edt=33

O tsunami da British Petroleum
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=3519

Limpeza orgânica de vazamento de petróleo
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=887

O acidente marítimo mais caro da história
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=2028

Prosseguem as operações de resgate em Galápagos
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=2704

British Petroleum, em inglês
http://www.bp.com/bodycopyarticle.do?categoryId=1&contentId=7052055

Serviço Federal de Pesca e Vida Silvestre, em inglês, espanhol, francês e chinês
http://www.fws.gov/

Laboratório de Pesquisas da Costa do Golfo, em inglês
http://www.usm.edu/gcrl/index.php

Atchafalaya Basinkeeper, em inglês
http://www.basinkeeper.org/

Lower Mississippi Riverkeeper, em inglês
http://www.lmrk.org/

Gulf Restoration Network, em inglês
http://www.healthygulf.org/

(Envolverde/Terramérica)

Milênio-Financiamento é a chave


Tito Drago

Madri, 19/7/2010 – Reunido pela primeira vez em Madri, o Grupo de Impulsionadores dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio concluiu que a chave para cumpri-los é conseguir financiamento o mais rápido possível. Esses objetivos definidos em 2000 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), incluem reduzir pela metade a proporção de pessoas que sofrem pobreza e fome, em relação a 1990, garantir educação primária universal, promover a igualdade de gênero, reduzir a mortalidade infantil e materna, combater a aids, a malária e outras doenças, assegurar a sustentabilidade ambiental e fomentar uma associação mundial para o desenvolvimento, tudo isto com prazo até 2015.

A Cúpula Mundial sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que acontecerá de 20 a 22 de setembro em Nova York, deverá centrar-se na África, “A grande pendência” para se conseguir essas metas. Foi o que disseram durante o encontro – ocorrido no dia 16, com contatos bilaterais no dia seguinte – fontes governamentais espanholas, acrescentando à IPS que pelo menos um acordo para estabelecer uma nova ferramenta de financiamento para o desenvolvimento deve acontecer na próxima reunião.

Nessa linha, completaram, os assuntos relacionados com a ajuda ao desenvolvimento deverão estar presentes nas grandes cúpulas internacionais, como a do G-20, união entre o Grupo dos Oito países mais poderosos do mundo (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia), as grandes economias emergentes e a União Europeia.

O ator Antonio Banderas, embaixador da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), insistiu na necessidade de desenvolver atividades de todo tipo, incluindo as artísticas, para conscientizar a sociedade sobre a importância das Metas do Milênio. A ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, destacou que é preciso se esforçar para encontrar novas fontes de financiamento para isso. Entretanto, o ponto mais polêmico da reunião foi a presença do presidente de Ruanda, Paul Kagame.

Em maio, quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, criou o Grupo dos Impulsionadores, designou como copresidentes o primeiro-ministro espanhol, José Luiz Roríguez Zapatero, e Kagame. “É inaceitável que um acusado de genocídio perante um tribunal espanhol, com sólidas provas, seja designado para compartilhar a presidência de um organismo internacional com o chefe de governo espanhol”, disse à IPS a eurodeputada socialista Francisca Sauquillo, presidente do Movimento pela Paz, pelo Desenvolvimento e pela Liberdade.

O juiz Fernando Andreu tem em aberto na Audiência Nacional da Espanha um processo contra Kagame pelo assassinato de nove espanhois que foram testemunhas de massacres em Ruanda. E é acusado de crimes de guerra e de lesa humanidade cometidos por militares que atuavam sob suas ordens em 1994, ano do conflito étnico no qual morreram cerca de 800 mil pessoas nesse país africano. Apesar da abertura do processo em 2008, o presidente ruandês não foi processado, graças à imunidade que tem como chefe de Estado. Apesar disso, no auto judicial constam claros indícios de sua implicação nesses crimes, disseram à IPS membros da Promotoria.

Muitas organizações não governamentais (ONGs), entre elas Anistia Internacional e Repórteres Sem Fronteiras, criticaram o fato de Kagame ter sido recebido, destacando que em Ruanda os direitos humanos continuam sendo violados e que também estão ocorrendo “ameaças de agressões físicas e inclusive assassinatos de jornalistas”. Também se pronunciaram nessa linha os Comitês de Solidariedade com a África Negra e a Rede de Entidades para o Desenvolvimento Solidário. O último assassinado noticiado em Ruanda foi a decapitação, na semana passada, do vice-presidente do Partido Democrático Verde, André Kagwa Rwisereka.

Enquanto as duas principais forças políticas da Espanha, o governante Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e o Partido Popular (PP, de centro-direita), aceitaram a presença de Kagame, todos os demais partidos a criticaram. Uma das posições mais impugnadas pelas ONGs foi a de Ban Ki-moon, que citou Ruanda como exemplo para o resto dos países pobres por seus avanços no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Na reunião realizada no Hotel Ritz em Madri, o chanceler espanhol, Miguel Angel Moratinos, representou Zapatero, que depois recebeu todos os participantes, menos Kagame, no Palácio de la Moncloa, sede do governo. Ali estiveram Ban, Bachelet e o ator Banderas, entre outras personalidades, como o conselheiro especial da ONU sobre novos mecanismos de financiamento do desenvolvimento, Philippe Douste Blazy, e o vice-presidente da Aliança para uma Revolução Verde na África, Akin Adesina. Dois dos membros do Grupo faltaram: Muhammad Yunus, de Bangladesh, criador do microcrédito e prêmio Nobel da Paz 2006, e o norte-americano Bill Gates, fundador da Microsoft e filantropo. IPS/Envolverde
(Envolverde/IPS)

sábado, 17 de julho de 2010

Decreto proíbe fiscais do Ibama de embargarem obras

Uma portaria publicada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) modificou os procedimentos de embargo de obras e atividades de interesse público. A partir de agora, o embargo está condicionado à prévia autorização do presidente do órgão, Abelardo Bayma. As informações são do jornal O Globo.

Com a medida, ao menos que seja comprovado um dano ambiental relevante ou risco à saúde pública, nenhum fiscal do órgão poderá interromper o funcionamento de instalações, mesmo que tenham infrações administrativas.

A medida, segundo declarou o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Luciano Evaristo ao jornal, foi uma resposta do governo ao embargo do Porto de Santos, no dia 7, por falta de licença ambiental. Na ocasião, o governo conseguiu reabri-lo horas depois. No dia seguinte, houve o fechamento dos portos de Paranaguá e Antonina, no Paraná.

Os três fiscais, responsáveis pelo embargo do Porto, foram suspensos e responderão a processos administrativos disciplinares. Eles terão que explicar ao órgão o porquê de terem tomado a decisão, que irritou a cúpula ambiental do governo. Evaristo, que defendeu a portaria, afirmou que a medida pretende "evitar esses abusos, mas em nada muda a lei. A fiscalização continuará existindo".

O advogado especialista em direito ambiental, Rogério Zouein também foi entrevistado pelo jornal O Globo, e defendeu que ao invés de centralizar decisões, o Ibama deveria estabelecer critérios rígidos e claros para a aplicação de medidas drásticas, como interdições de obras.

Segundo ele, "alguns abusos de autoridade de poder não devem ser combatidos com ingerência política. A interdição é uma medida drástica que deve ter critérios sérios, claros e objetivos. Mas centralizar as decisões na mão do presidente não resolve e é uma afronta ao estado de direito. É querer estabelecer controle político da fiscalização ambiental".
Mais notícias sobre o assunto no site http://www.amazonia.org.br/

Inpe registra 109,6 km2 de desmatamentos no mês de maio


O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou nesta quinta-feira (15) os dados de desmatamento da Amazônia no mês de maio de 2010, obtidos pelo sistema Deter. Foram 109,6 km2 de florestas desmatadas.

O Inpe registrou desmatamentos em quatro estados: Mato Grosso (51,9 km2), Pará (37,2 km2), Rondônia (10,7 km2) e Amazonas (9,8 km2). Não foi possível monitorar 45% da Amazônia, que estava coberta por nuvens.

A maior parte do desmatamento detectado (56%) corresponde ao corte raso (total supressão da floresta). Cerca de 40% do desmatamento foi considerado degradação florestal de alta intensidade. Apenas 0,8% dos alertas não era desmatamento. O restante foi considerado como floresta degradada de média ou baixa intensidade.

O desmatamento de maio de 2010 foi menor do que o registrado em maio de 2009, quando o Inpe detectou 123,7 km2 desmatados. Entretanto, o instituto alerta que, devido a cobertura de nuvens, não é possível fazer a comparação entre os meses.

Já na comparação do acumulado do ano do desmatamento - que começa em agosto e termina em julho do ano seguinte - tivemos queda na quantidade desmatada. Entre agosto de 2009 e maio de 2010, foram registrados 1.567 km2 desmatados. No mesmo período do ano anterior, foram 2.960 km2. Isso representa uma queda de quase 50%.

(Amazônia.org.br)

Reunião sobre REDD+ em Brasília exclui sociedade civil

Fabiano Ávila, do CarbonoBrasil/REDD Monitor

As organizações não governamentais envolvidas nas discussões da Interim REDD+ Partnership (Parceria Interina para REDD*) se viram nesta semana diante de um dilema criado pela falta de consideração dos coordenadores da Parceria.

Enquanto já se preparavam para participar de mais uma rodada de conversas sobre o REDD+, desta vez em Brasília nos dias 14 e 15 de julho, as entidades foram surpreendidas pelo convite do evento, enviado somente no dia 6 de julho, que determinava que seriam aceitos dois representantes de apenas 12 ONGs. Mas como selecionar em menos de uma semana quais entre as centenas de entidades ao redor do mundo deveriam participar?

“Até o dia sete não tínhamos idéia de como seriam as inscrições para o evento. Então recebemos o convite, com menos de uma semana para o encontro, nos notificando das limitações de acesso. Consideramos inaceitável esse processo para incluir as ONGs”, afirmou Paul Chatterton, da Iniciativa de Carbono Florestal da WWF.

A coordenadora de projetos de mudanças climáticas e serviços ambientais do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (IDESAM), Mariana Pavan, que esteve na reunião, também fez criticas a organização. “No fim participaram apenas as ONGs brasileiras. O pouco tempo de aviso não possibilitou que representantes internacionais estivessem presentes, mesmo aqueles que estão cadastrados na UNFCCC.”

Segundo o site especializado REED-Monitor é difícil imaginar uma maneira melhor de excluir a sociedade civil das discussões do que esses convites em cima da hora, problema que já havia gerado muitas criticas na primeira reunião em março, na França.

Na ocasião um grupo de ONGs produziu uma declaração criticando a falta de transparência da Parceria Interina para REDD+. O governo norueguês, um dos maiores apoiadores da Parceria, respondeu então que o problema não se repetiria. Mas se repetiu.

“A limitação para apenas 12 entidades baseadas na “distribuição geográfica” como exigia o convite foi fora da realidade e não deu oportunidade para uma representação genuína da sociedade civil”, afirma uma declaração de repúdio assinada por 39 ONGs.

Para a maior coalizão global de entidades focadas em mudanças climáticas, a Climate Action Network (CAN), que conta com mais de 500 organizações, a importância do REDD+ exige um maior diálogo entre os governos e a sociedade civil.

“O engajamento da sociedade no processo de discussão do REDD+ está sendo inadequado e confuso desde o início. Se a Parceria espera ter sucesso em sua empreitada é melhor começar a dar mais oportunidade para as idéias e sugestões das organizações não governamentais”, alerta a CAN.

Apesar da ausência de entidades internacionais, a reunião da Parceria Interina para REDD+ foi concluída nesta quinta-feira (15) realizando alguns encaminhamentos, mas sem consenso nos principais temas.
“No fim foi pouco tempo para o debate e as questões importantes seguem sem definição. A reunião teve muitos desencontros, ficou definida mesmo apenas a agenda para as próximas semanas”, resumiu Mariana.

O mecanismo do REED (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação) é classificado em “REED mais” (REDD+) quando compreende ainda ações de conservação, manejo florestal e aumento dos estoques de carbono em matas nativas.

(CarbonoBrasil)

quinta-feira, 15 de julho de 2010

mapa interativo do Google Earth com os possíveis impactos do aumento de 4ºC na temperatura média global


O governo britânico lançou hoje um novo mapa interativo do Google Earth (http://www.fco.gov.uk/en/global-issues/climate-change/priorities/science/), mostrando quais seriam os principais impactos humanos de um aumento de 4ºC na temperatura média global.

O mapa foi elaborado a partir de projeções de modelos climáticos do Centro Hadley da Agência Nacional de Meteorologia do Reino Unido, um dos mais respeitados centros de pesquisas sobre clima do mundo.

Utilizando uma variação de cores entre vermelho, para identificar os locais onde a elevação de temperatura deve ser mais, e amarelo, para menos severa, ele mostra que esse aumento não deve ocorrer de maneira homogênea ao redor do mundo, com níveis extremos no Ártico (um potencial de aumento de aproximadamente 10 ºC) e aumentos menores previstos para o Norte da Europa (entre 2 ºC e 3 ºC). Além disso, ele apresenta os principais impactos sobre agricultura, disponibilidade de água, elevação do nível do mar e vida marinha ao redor do mundo, assim como os locais onde estão previstos aumento da incidência de eventos como ciclones tropicais e secas severas.

A página do Google Earth traz também vídeos com cientistas britânicos especializados em questões climáticas, entre os quais Richard Betts, do Centro Hadley, que detalha os impactos das mudanças climáticas sobre a Floresta Amazonica. Betts e outros cientistas do Centro Hadley vêm trabalhando há anos em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) no refinamento de dados sobre os possiveis impactos das mudanças sobre a Amazônia e no desenvolvimento de modelos climáticos regionais.

O mapa interativo ainda inclui vídeos e informações sobre projetos climáticos desenvolvidos ao redor do mundo com o apoio do Ministério das Relações Exteriores Britânico (FCO, na sigla em inglês) e do British Council.

Segundo Vicky Pope, da Agência Nacional de Meteorologia do Reino Unido, caso as emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa continuem a crescer, as temperaturas médias globais podem aumentar em até 4ºC até o final do século e, possivelmente, até 2060. “Este novo mapa do Google Earth ilustra alguns dos impactos em potencial que tal crescimento provocaria. Ele usa os mais recentes avanços científicos para destacar as consequências de não reduzir as emissões.”

Para Ed Parsons, do Google, este é um grande exemplo dos benefícios do uso das mais novas tecnologias virtuais para visualizar informações científicas e promover melhor compreensão do potencial humano no que diz respeito aos impactos das mudanças climáticas. “Permitir que cientistas conversem sobre suas pesquisas para o público geral é uma maneira que permite que estes tenham total entendimento de como o processo de investigação científica funciona.”

O produto foi lançado hoje de manhã pelo ministro-adjunto britânico das Relações Exteriores, Henry Bellingham, pelo ministro-adjunto de Mudanças Climáticas, Greg Barker, e pelo diretor científico do governo, professor John Beddington.

O ministro-adjunto das Relações Exteriores, Henry Bellingham, afirmou: “A ameaça das mudanças climáticas ainda é um assunto latente e este governo compromete-se em fazer o possível para agir. Estamos comprometidos a ser o governo mais verde que já existiu. Como o ministro das Relações Exteriores recentemente afirmou em seu primeiro grande discurso sobre política externa, ele está empenhado em enfrentar as mudanças climáticas e, com esperança, comunicar a grandes audiências, em âmbito global, a respeito do porquê do governo britânico ser um ativista, que defende a transição de uma economia de baixa emissão de carbono.”

Gregg Barker, ministro-adjunto de Energia e Mudanças Climáticas, disse: “Este mapa reforça nossa determinação de agir contra os perigos das mudanças climáticas causadas pelo homem. Sabemos que nossas apostas são grandes e, por isso, queremos ajudar a assegurar um acordo climático global ambicioso”.

O governo britânico está comprometido em manter as temperaturas globais a níveis mais baixos possíveis para evitar taxas perigosas de mudanças climáticas, trabalhando também para assegurar um ambicioso acordo global que alcance estes objetivos.
(Envolverde/Embaixada do Reino Unido no Brasil)

terça-feira, 13 de julho de 2010

Ignorando mudanças climáticas, Brasil continuará sofrendo com catástrofes


Gabriel Brito

Durante a Copa do Mundo, o Brasil voltou a sofrer um duro choque de realidade em seu interior: com chuvas em níveis nunca registrados, o agreste de Pernambuco e Alagoas teve dezenas de cidades devastadas pelas enchentes decorrentes dos temporais, causando a morte de mais de 60 pessoas.

Para analisar o que está por trás de mais uma chuva calamitosa, após fenômenos parecidos por todas as regiões do país nos últimos anos, o Correio da Cidadania entrevistou Philip Fearnside, especialista em clima do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e uma das maiores autoridades internacionais nos debates sobre o aquecimento global, fazendo parte também do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU.

De acordo com Fearnside, a tendência de ocorrências semelhantes se repetirem é crescente, já que as tempestades do Nordeste foram mais intensas que o normal por conta de uma maior temperatura das águas do Atlântico. O professor salienta que tal fenômeno se alinha ao El Niño (no Pacífico), levando aos mesmos efeitos de chuvas violentas e secas alternadas entre a Amazônia e o Nordeste, ameaçando, portanto, também a maior floresta tropical do mundo.

Diante disso, o pesquisador do INPA alerta para a urgência de uma mudança radical na atitude do país nas discussões globais sobre o aumento da temperatura e concentração de gases na atmosfera, o que poderá ser feito na convenção climática marcada para o México, no final deste ano. No entanto, destaca que a aprovação de mudanças no Código Florestal a que assistimos é um temerário passo ao caminho oposto.

Correio da Cidadania: Especialistas dizem que volume d’água em Pernambuco e Alagoas foi causado por uma frente de calor que provinha do Oceano Atlântico, a partir do aquecimento maior que o normal de suas águas. A que atribui as chuvas tão intensas ocorridas nas últimas semanas em várias cidades do agreste destes estados, que geraram uma enorme tragédia e cerca de 60 mortes?

Philip Fearnside: Há uma marcha de água do Atlântico que faz parte de uma gangorra, com águas do Atlântico Norte mais frias e do Atlântico Sul mais quentes, o que por vezes se inverte. Trata-se de um fenômeno que tende a aumentar com o aquecimento global. Isso aconteceu pelo outro lado em 2005, com uma seca enorme na parte sul da Amazônia, com vários afluentes do Rio Amazonas quase ficando secos, causando uma calamidade humana, pois vários deslocamentos, para hospitais, por exemplo, eram feitos pelos rios e não podiam se realizar.

É algo que acontece porque a Zona de Inter-convergência Tropical se desloca, o que teve relação com o acidente que derrubou o avião da Air France no meio do Atlântico. Havia uma parede de nuvens e massas de ar se misturando, causando chuvas mais fortes e turbulência.

Um ano depois, em 2006, houve grandes chuvas no Nordeste brasileiro e na Amazônia, registrando, inclusive, recordes do nível de água no Rio Amazonas. Com a água mais quente perto da costa brasileira, a evaporação é maior e vão se formando nuvens de chuvas mais fortes.

Os dois lados do ciclo devem se intensificar, tanto de chuva como de seca.

Estamos acostumados com o El Niño, mas ele é causado por massas de ar quente no Oceano Pacífico, não no Atlântico. Em 2003, tivemos enchentes em Roraima, assim como em 1997-98; em 1982, também houve enchentes na Amazônia, que causaram muitas mortes. Naquela época, em 1982, o desastre foi apresentado ao mundo como se fosse um ato de Deus; ‘simplesmente aconteceu, não foi culpa de ninguém’. Não se falava em conseqüências do desmatamento. Na hora que o El Niño e este fenômeno são ligados ao aquecimento global, aí fica muito diferente. Porque o aquecimento global tem culpados, sim, dá pra saber da emissão de gases de cada indivíduo e país.

No último Painel do Clima, em 2007, eu citei modelos que mostravam que, com mais aquecimento, vamos ter mais condições de ver o El Niño se manifestar, isto é, massas de ar quente no Pacífico. No caso do Atlântico, não há, digamos assim, uma teoria oficial. Há pesquisas que indicam ser mesmo fruto do aquecimento global, que tem aumentado a freqüência desse tipo de seca e chuva por conta da temperatura do Atlântico.

Um artigo na Revista Science de 2008 dá conta de que, se as emissões de gás carbônico no ar ultrapassarem 400 ppm (partes por milhão), a probabilidade de aqueles tipos de seca de 2005 se repetirem, e também de chuvas como as vemos hoje, explode, pois fica muito mais pesada a concentração de gases na atmosfera. E já estamos em 389 ppm, com um aumento médio de 2 ppm por ano, ou seja, já estamos quase nesse nível apontado como temerário.

Portanto, é muito importante, nas negociações no México no final do ano, se chegar a um acordo para manter um nível abaixo de 400 ppm. Porém, a questão não está resolvida, o número mais cogitado por aí é 450 ppm, e com esse acordo o Nordeste e a Amazônia enfrentarão eventos catastróficos novamente.

É muito importante que se estabeleça, portanto, tal limite de 400 ppm.

Correio da Cidadania: Esses desastres não se associam muito claramente também à falta de planejamento e de investimento em infra-estrutura, para fazer frente às intempéries naturais?

Philip Fearnside: Estamos com muitos problemas no Nordeste e é possível mesmo ter planejamento melhor. Em Santa Catarina aconteceram danos mínimos. Em 1982 houve grandes enchentes em Blumenau, que causaram um dano muito grande, mas lá existem algumas medidas para que a população não fique tão exposta, não ficaram tantas casas destruídas.

Por isso é importante ter um planejamento de verdade, para que se evitem tantas conseqüências.

Correio da Cidadania: O volume de água acumulado na época das chuvas na região não deveria levantar um questionamento sobre a tão difundida idéia da falta de água que assola os nordestinos?

Philip Fearnside: São coisas diferentes. Existem secas no Nordeste e a tendência é de que aumentem. Ao menos de acordo com previsões de modelos climáticos. Tanto o aumento do El Niño quanto esse novo fenômeno levam a seca ao Nordeste. Portanto, mesmo com enchentes, teremos anos com muitas secas.

E essa é uma região que já está no limite, um lugar que já sofre tremendamente com o clima atual, imagine com o clima dos próximos anos...

E não há como se aproveitarem essas chuvas hoje. Se caírem mais chuvas como essas, não se poderá armazenar a água para a sua utilização. Ou seja, joga-se fora o beneficio das chuvas, das quais o Nordeste precisa. Mas não dessa forma.

Correio da Cidadania: Ficou evidente a má conservação das matas ciliares dos rios que alagaram as cidades nordestinas, do que decorreu um fluxo das águas muito mais descontrolado. Esse fato vai, a seu ver, se agravar com a possível aprovação das mudanças no Código Florestal Brasileiro, envolvendo questões como a redução das Áreas de Proteção Permanente, no projeto proposto pelo deputado Aldo Rebelo?

Philip Fearnside: Esse era um dos pontos centrais do debate do Código Florestal, de abrir brechas para diminuir o tamanho das matas ciliares em margens, e realmente agora fica claro que é preciso conservá-las.

Sem dúvidas a situação pode piorar com as mudanças no Código que estão sendo aprovadas. E o pior de tudo é que se abrem brechas à presunção de que haverá mais anistia no futuro para quem desmatou acima do permitido por lei até aqui; fica a idéia de que quem desmatar ilegalmente também será perdoado futuramente.

Assim, ainda se verão muito mais problemas. O governo aceita os danos já praticados e coloca à disposição mecanismos para que ocorram outros mais, com as pessoas que respeitaram as leis sendo feitas de bobas, pois não desmatam, não cortam árvores, enquanto quem cometeu práticas ilegais é beneficiado. Logo, vão pensar em cortar também, e o hábito vai se perpetuando.

Evidentemente, tudo termina tendo um custo muito alto para as pessoas que sofrem as conseqüências da falta de tais precauções, como em relação à preservação das matas ciliares em rios etc.

Correio da Cidadania: É possível projetar os prejuízos ao país caso realmente se flexibilize o Código Florestal?

Philip Fearnside: Não se pode saber quanto será legalizado em termos de desmatamento ilegal de hoje. Mas o que não há como mensurar é o custo futuro, com as pessoas presumindo que poderão cometer todas essas ilegalidades e depois serem perdoados. Isso é muito perigoso.

Correio da Cidadania: Que medidas os governos estaduais, e o federal, deveriam adotar, a curto, médio e longo prazos, para evitar que futuramente se repitam os mesmos trágicos incidentes?

Philip Fearnside: Acho que a primeira prioridade deve ser a Convenção do Clima, pois o Brasil não tem tido um papel muito positivo nessas negociações. Só em 1999 que o governo aceitou a marca de 2 graus Celsius como definição de mudança climática perigosa, levando em conta a média de aumento da temperatura até a revolução industrial. Porque a convenção do clima assinada na Eco 92, no Rio, estabeleceu como objetivo evitar que os gases do efeito estufa chegassem a níveis perigosos.

A palavra chave é ‘perigoso’. O que está em discussão é quantas partes por milhão (ppm) de gás carbônico recebem tal consideração. É isso que está em negociação. Houve um acordo no ano passado de que 2 graus seriam a definição de perigoso, o que o Brasil só aceitou após o endosso de mais de 100 países.

Mas agora é preciso traduzir isso em relação à concentração dos gases. Até hoje o país não tomou decisões, dando a entender de que pensa em adiá-las ao máximo, permitindo mais emissões, desmatamento... Isso tem um custo muito grande e é um perigo para o Brasil. Especialmente para o Nordeste e a Amazônia, que, se continuar perdendo sua vegetação, sofrerá com secas também. Por isso é importante o país não deixar as coisas ‘irem rolando’, de modo a deixar tudo mais confortável para os países ricos.

Se o número escolhido for 450 ppm, haverá uma chance muito grande de se atingir o aumento da temperatura em dois graus. É jogar uma moeda no ar, com 50% de chances para cada possibilidade, colocando em risco a Floresta Amazônica, um desastre para o Brasil.

E há outras medidas a tomar, como a preservação de acordo com a necessidade e leis atuais, cuidado com as matas dos rios, enfim, um trabalho de prevenção para que se evitem tantos danos. Enchentes acontecem mais freqüentemente quando não se conservam bem os rios, pois suas águas acabam sofrendo mudanças em seus cursos. Enfim, há muito o que fazer, e o que destaco é que, à frente de tudo, se coloca a discussão sobre os efeitos dos gases estufa.

Correio da Cidadania: Acredita que haja vontade política para a tomada dessas decisões?

Philip Fearnside: Não quero ser fatalista, de achar que vai dar tudo errado, mas acontece que ninguém faz nada. É preciso ver os custos e benefícios de cada possibilidade. Mas, se ficarmos mais uns cinco anos sem fazermos nada, teremos conseqüências muito graves.

Mesmo que não exista uma vontade política mais visível, ela precisa aparecer.

*Gabriel Brito é jornalista. Colaborou Valéria Nader, economista e editora do Correio da Cidadania.
(Correio da Cidadania)
Ilustração: Envolverde

Acabe com o apedrejamento, salve Sakineh!


Caros amigos,

Graças a protestos globais a iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani acabou de escapar da morte por apedrejamento.

Ela ainda poderá ser enforcada, mas a execução por apedrejamento continua. Agora mesmo outras 15 pessoas estão no corredor da morte aguardando serem apedrejados, onde as pessoas são enterradas até o pescoço e pedras enormes são jogadas nas suas cabeças.

O perdão parcial a Sakineh, fruto dos esforços dos seus filhos em gerar uma pressão internacional, mostrou que se nós nos unirmos manifestando o nosso horror, nós poderemos salvar a vida dela e acabar com o apedrejamento de uma vez por todas. Assine a petição urgente agora e depois envie para todos que você conhece -- vamos acabar com estas execuções crueis agora!


http://www.avaaz.org/po/stop_stoning/?vl


Sakineh foi condenada por adultério, assim como as outras 12 mulheres e um homen, que aguardam o apedrejamento. Mas os seus filhos e um advogado diz que ela é inocente e que ela não teve um julgamento justo, dizendo que a sua confissão foi forçada e como ela só fala azerbaijano, ela não entendeu o que estavam perguntando no tribunal.

Apesar do Irã assinar a convenção da ONU que requere que a pena de morte seja usada somente para os “crimes mais sérios” e apesar do parlamento iraniano passar a lei banindo o apedrejamento ano passado, o apedrejamento por adultério continua.

Os advogados de Sakineh dizem que o governo iraniano “está com medo da reação pública no Irã e da atenção internacional” para acabar com o apedrejamento. E depois dos Ministros da Turquia e do Reino Unido se declararem contra a sentença de Sakineh, ela foi suspensa.

Os corajosos filhos de Sakineh estão liderando uma campanha internacional para salvar a sua mãe e acabar com o apedrejamento. Uma comoção internacional agora pode acabar com esta punição terrível. Vamos nos unir hoje ao redor do mundo para acabar com esta brutalidade. Assine a petição para salvar a Sakineh e acabar agora com o apegrejamento:

http://www.avaaz.org/po/stop_stoning/?vl

Com esperança e determinação,
Equipe Avaaz
Fontes:

Irã suspende apedrejamento de mulher por adultério:
http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5hv571JPald9bw84cvILn-E3M_ahQ

Pena de morte para mulher no Irã causa comoção internacional:
http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI4558434-EI294,00-Pena+de+morte+para+mulher+no+Ira+causa+comocao+internacional.html

Sakineh foi poupada mas 12 mulheres e três homens aguardam a morte por apedrejamento:
http://jornal.publico.pt/noticia/10-07-2010/sakineh-foi-poupada-mas-12-mulheres-e-tres-homens-aguardam-a-morte-por-apedrejamento-19796926.htm

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Evolução das espécies

BIG BANG BIG BOOM - the new wall-painted animation by BLU from blu on Vimeo.


O artista italiano Blu fez este vídeo impressionante que retrata a evolução da vida na Terra. Em seu blog, ele conta que foram meses de trabalho com ajuda de amigos, além de muitos baldes de tinta. Trata-se uma animação de fotos de suas pinturas feitas em muros e outros 'equipamentos urbanos'. Não dá para descrever, só vendo. Em homenagem a 2010, Ano Internacional da Biodiversidade, o trabalho único de Blu.
(OECO)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Um sexto da humanidade consome 78% de tudo que é produzido no mundo


Instituto Akatu

O Instituto Akatu e o Worldwatch Institute (WWI), organização com sede em Washington, lançaram na manhã de quarta-feira (30/6), a versão em português do relatório “Estado do Mundo – 2010”. O documento é uma das mais importantes publicações periódicas mundiais sobre sustentabilidade.

Clique aqui para baixar o arquivo na íntegra.

Produzido pelo WWI, o “Estado do Mundo” traz anualmente um balanço com números atualizados e reflexões sobre as questões ambientais. Este ano, em parceria com a WWI, o Akatu fez a tradução do documento para o português.

Um dos dados que mais chama atenção no relatório é que ele aponta que apenas
um sexto da humanidade consome 78% de tudo que é produzido no mundo. E conclui “sem uma mudança cultural que valorize a sustentabilidade em vez do consumismo, nada poderá salvar a humanidade dos riscos ambientais e de mudanças climáticas.

Realizado no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura, em São Paulo, o lançamento do anuário contou com um debate sobre o tema foco do relatório de 2010: “Transformando Culturas – do Consumismo à Sustentabilidade”.

Participaram da discussão mediada por Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu, Eduardo Athayde, diretor da WWI, Ricardo Abramovay, professor titutar da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e presidente do Conselho Acadêmico do Instituto Akatu e Lívia Barbosa, diretora de pesquisa do centro de Altos Estudos da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e membro do Conselho Acadêmico do Instituto Akatu.

Erik Assadourian, diretor da pesquisa, participou do evento por teleconferência, a partir de Washington, nos Estados Unidos.

Barbosa começou parabenizando a iniciativa do Akatu e da WWI pelo “corajoso” desafio de editar um documento que relacione o consumo à cultura. “Foi o que mais me chamou atenção no relatório, pois, os vários exemplos citados, possibilitam juntar a cultura ao cotidiano das sociedades, fazendo com que o tema sustentabilidade saia das esferas dos governos e outras entidades e chegue è mesa da nossa cozinha”.

Abramovay revelou que já usa o relatório há muitos anos. “Em minhas aulas, eu cito dados dos relatórios sobre o estado do mundo para que meus alunos – que são os futuros economistas – saibam que o mundo não é feito apenas de números e preços. Ele é composto de outros fatores importantes como as pessoas e as fontes de recursos”.

O professor também chamou atenção para o cuidado que se deve ter ao discutir o consumo. Para ele, nem sempre as elevações dos padrões do consumo, sobretudo nos países mais pobres, significam mais impactos negativos sobre o uso dos recursos. “A troca do fogão à lenha por um que funcione a gás implica em impactos ambientais menores”, exemplificou.

Mattar concluiu recomendando a leitura do documento que considera “primordial” para todos aqueles que têm alguma intenção de cooperar com a preservação do planeta. “O material impulsiona a todos os que têm acesso a ele a agirem em benefício da Terra”.

O Relatório

Segundo dados do relatório, na última década, a humanidade aumentou seu consumo de bens e serviços em 28%. Somente em 2008, foram vendidos no mundo 68 milhões de veículos, 85 milhões de refrigeradores, 297 milhões de computadores e 1,2 bilhão de telefones celulares.

Para produzir tantos bens, é preciso usar cada vez mais recursos naturais. Entre 1950 e 2005, a produção de metais cresceu seis vezes, o consumo de petróleo subiu oito vezes e o de gás natural, 14 vezes. Atualmente, um europeu consome em média 43 quilos em recursos naturais diariamente – enquanto um americano consome 88 quilos, mais do que o próprio peso da maior parte da população.

Além de excessivo, o consumo é desigual. Em 2006, os 65 países com maior renda,
que somam 16% da população mundial, foram responsáveis por 78% dos gastos em bens e serviços. Somente os americanos, com apenas 5% da população mundial, abocanharam uma fatia de 32% do consumo global. Se todos vivessem como os americanos, o planeta só comportaria uma população de 1,4 bilhão de pessoas. Atualmente já somos quase sete bilhões, e projetam-se nove bilhões para 2050.

A pior notícia é quem nem mesmo um padrão de consumo médio, equivalente ao de países como Tailândia ou Jordânia, seria suficiente para atender igualmente todos os habitantes do planeta. A conclusão do relatório não deixa dúvidas: sem uma mudança cultural que valorize a sustentabilidade e não o consumismo, não haverá esforços governamentais ou avanços tecnológicos capazes de salvar a humanidade dos riscos ambientais e de mudanças climáticas.

A edição do Estado do Mundo em português e o evento de lançamento são patrocinados pelo Itaú, parceiro pioneiro do Instituto Akatu.

Abaixo, algumas das conclusões do relatório:

Economia e Negócios

No âmbito da economia e negócios, uma dos aspetos fortemente recomendados pelo relatório é a “reavaliação do papel das grandes corporações”. O documento considera o poder de alcance do setor: “em 2006, as 100 maiores companhias transnacionais empregavam 15,4 milhões de pessoas com um volume de vendas de US$ 7 trilhões — o equivalente a 15% do produto mundial bruto” e conclui que “um sistema econômico sustentável dependerá de convencer as companhias, por meio de um conjunto de estratégias, de que a condução de seus negócios seja efetuada de maneira sustentável”.

No âmbito social, empresarial e pessoal, a compreensão e a adoção de práticas de sustentabilidade são limitadas. Mudar uma organização costuma ser um processo ainda mais longo do que o da mudança pessoal.

Muito se pode aprender com empresas que foram além das mudanças superficiais para abraçarem plenamente a sustentabilidade e que, assim, determinaram mudanças profundas em sua cultura organizacional. Para essas companhias, a sustentabilidade tem papel fundamental como um conjunto de valores que integram a prosperidade econômica, a gestão ambiental e a responsabilidade social, ou seja: lucro, planeta e pessoas.
Para alcançar esse nível de mudança, os líderes devem apresentar visões arrojadas e devem envolver suas organizações em discussões diversas, mais profundas, sobre o objetivo e a responsabilidade da empresa em oferecer valor verdadeiro para os clientes e a sociedade. Além disso, o engajamento de toda a empresa é essencial.

Educação

Segundo o relatório, uma pesquisa anual com alunos de primeiro ano de faculdades nos Estados Unidos investigou durante mais de 35 anos as prioridades de vida dos alunos. No transcorrer desse tempo, a importância atribuída a ter boa situação financeira aumentou de pouco mais de 40% para quase 80%, enquanto a importância atribuída à construção de uma filosofia de vida plena de sentido diminuiu de 75% para pouco mais de 45%. E “este não é um fenômeno apenas americano”, ressalta o documento.

Para romper com o padrão do consumismo, todos os aspectos da educação terão de ser pautados pela sustentabilidade. Hábitos, valores, preferências – todos são, em grande medida, formados na infância. E durante a vida, a educação pode ter um efeito transformador sobre quem aprende. Portanto, explorar essa instituição poderosa será essencial para redirecionar a humanidade para culturas de sustentabilidade.

Nenhum sistema educacional é isento de valores, pois todos ensinam e são orientados por um determinado conjunto de ideias, valores e comportamentos, quer seja o consumismo, comunismo, crenças religiosas, ou sustentabilidade

Quanto mais a sustentabilidade puder estar integrada aos sistemas escolares atuais, maior será o número de pessoas que internalizarão os ensinamentos da sustentabilidade desde a infância. Dessa forma, as ideias, valores e hábitos se tornarão “naturais”. A partir de então, a educação funcionará como ferramenta poderosa para criar sociedades sustentáveis.

Mídia

A maior parte da mídia ainda reforça o consumismo, mas existem esforços no mundo todo para que seu vasto poder e alcance seja utilizado para promover culturas sustentáveis.
Segundo o relatório, 83% das residências no mundo têm aparelhos de televisão e 21 em cada 100 pessoas têm acesso a internet. Entretanto, a maior parte da mídia ainda reforça o consumismo, apesar de existirem esforços no mundo todo para que seu vasto poder e alcance seja utilizado para promover culturas sustentáveis.

Por meio de ações publicitárias globais, o setor de água engarrafada, por exemplo, ajudou a criar a impressão de que água na garrafinha é mais saudável, mais saborosa e está mais na moda do que a boa e velha água “torneiral”, mesmo quando estudos demonstram que algumas marcas de água engarrafada são menos seguras do que água da rede e custam de 240 a 10 mil vezes mais. A indústria de água engarrafada movimenta hoje US$ 60 bilhões e vendeu 241 bilhões de litros de água em 2008, mais que o dobro da quantidade vendida em 2000.

(Instituto Akatu)