sexta-feira, 30 de abril de 2010

Porto Gonçalves
Conflitos no campo - Estados que lideram o ranking são os do agronegócio


Entrevista especial com Carlos Walter Porto Gonçalves, do IHU ON-line

Um dos dados que o 25º relatório dos conflitos no campo, divulgado recentemente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), destaca é que o nível de violência nessa área voltou a aumentar a partir de 2003. De acordo com o professor Carlos Walter Porto Gonçalves, que participou da pesquisa realizada para a construção deste relatório e concedeu esta entrevista à IHU On-Line, por telefone, a natureza dos conflitos no campo viveu dois grandes períodos onde a intensidade da violência no campo aumentou. “O primeiro vai de 1985 a 1990, e o segundo período vai de 2003 até hoje. Mas esse segundo período se constituiu numa surpresa para nós”, relatou.

Gonçalves explica: “O aumento dos conflitos se dá em parte porque os movimentos sociais viram, na eleição de Lula, uma perspectiva de que houvesse a Reforma Agrária e, assim, aumentaram sua mobilização, principalmente nos primeiros anos do período. Por outro lado, os setores que são contra a Reforma Agrária e a democratização do acesso à terra, temendo que o Lula pudesse efetivar esse projeto, partiram para um processo de violência”.

Carlos Walter Porto Gonçalves é doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e, atualmente, é professor da Universidade Federal Fluminense. É autor de Territorialidad y lucha por el territorio en América Latina - Geografía de los movimientos sociales en América Latina (Caracas: IVIC - Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas, 2009) e La Globalización de la naturaleza e la naturaleza de la globalización (La Habana: Casa de as Americas, 2008), entre outras obras.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Essa é a 25ª edição do relatório. Como você analisa os dados sobre os conflitos, violências sofridas e ações de trabalhadores rurais durante esse período? Tivemos mais avanços ou retrocessos?

Carlos Walter Porto Gonçalves - É preciso, em primeiro lugar, elogiar a Comissão Pastoral da Terra pela sistematização desses dados do campo. A CPT tem, inclusive, lançado mão de assessoria de vários técnicos e cientistas para aprimorar tecnicamente essa sistematização e, por isso, seus dados são cada vez mais consistentes. Hoje, sabemos que 92% do total desses registros são recolhidos dos próprios jornais nos quais vemos, com freqüência, artigos de intelectuais tentando desqualificar a fonte.

Nós, na análise que fizemos desses 25 anos, identificamos cinco períodos distintos quanto à natureza dos conflitos. Reparamos que há dois períodos onde são maiores os conflitos e a violência. O primeiro vai de 1985 a 1990, e o segundo período vai de 2003 até hoje. Mas esse segundo período se constituiu numa surpresa para nós. No primeiro, nós vivíamos o período pós-ditadura, a sociedade estava muito mobilizada, e entramos num processo de refundação do Estado brasileiro através da Constituinte de 1988. Foi um período muito intenso no campo particularmente, as oligarquias temiam que a Constituinte avançasse em relação à democratização do acesso à terra e, por isso, ampliou a violência naquele período. Essa violência foi, sobretudo, do poder privado, uma vez que houve muitos assassinatos e expulsões da terra.

Assim, nossa surpresa foi grande quando vimos que o nível de conflitividade voltou a aumentar no período a partir de 2003. É um período que coincide, embora nossa análise não se faça por governo, com o governo Lula. O interessante é que embora essa violência tenha aumentado, não se pode atribuir a Lula da Silva enquanto presidente da república, mas sim ao modo como os diferentes atores envolvidos com o campo brasileiro se comportaram diante da eleição de Lula.

O aumento dos conflitos se dá em parte porque os movimentos sociais viram, na eleição de Lula, uma perspectiva de que houvesse a Reforma Agrária e, assim, aumentaram sua mobilização, principalmente nos primeiros anos do período. Por outro lado, os setores que são contra a Reforma Agrária e a democratização do acesso à terra, temendo que Lula pudesse efetivar esse projeto, partiram para um processo de violência. No primeiro ano do governo Lula, os números de assassinatos no campo voltaram aos patamares dos anos entre 1985 e 1990. E o governo não fez a reforma agrária: regularizou terras de posseiros, criou assentamentos na Amazônia, consagrando a ocupação na fronteira o que contribuiu, de certa forma, para a garantia de mão-de-obra disponível para os projetos que acabaram avançando sobre a floresta. A surpresa foi essa!

IHU On-Line - Qual sua análise do ranking de violência por estado?

Carlos Walter Porto Gonçalves - Nesse ranking, dois estados se destacam: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Geralmente, os dados da violência colocam o Pará na frente. É claro que o Pará tem níveis muito altos de violência em termos absolutos. Por exemplo, em 2003, tivemos 73 assassinatos no campo, no Brasil, desse total, 32 foram no Pará, ou seja, 42% do total. No entanto, a população que vive no campo, nesse estado, representa 7% de toda a população rural brasileira. Já o Mato Grosso, nesse mesmo ano, teve 9 assassinatos, ou seja, 12,5 do total e, no entanto, tem menos de 1% da população rural do país. Assim, podemos dizer que o Pará tem um índice de violência de seis (42 dividido por sete) e o Mato Grosso de 12,5 (12,5 dividido por um). Em relação ao índice de violência, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são os dois estados que se destacam nesses 25 anos analisados. Você sabe por quem o Mato Grosso [1] é governado já há algum tempo, e este é o estado que é a menina dos olhos para a expansão do agronegócio. Já Mato Grosso do Sul tem todas as características do avanço da agricultura empresarial e moderna, ou seja, latifúndios de monocultura para exportação.

O interessante é ver que os estados que dominam o ranking são os estados do agronegócio, o que permite mostrar que a violência não é um fenômeno amazônico, mas está muito ligado a agricultura empresarial. Em Roraima, acontece a mesma coisa, a expansão da monocultura empresarial está avançando enormemente e, com isso, a violência vai aumentando contra a população do campo e as comunidades indígenas.
Ao amazonizar a violência, você acaba encobrindo a violência no modelo agrário e agrícola como um todo. Nós temos uma Amazônia expiatória, pois parece que a violência só se dá lá. É violento sim, porque o processo lá da fronteira está associado a um processo violento, como não fazer a Reforma Agrária no país. A violência na Amazônia, portanto, decorre do fato de que não se faz a Reforma Agrária no país, mas sim colonização, que é o contrário da Reforma Agrária.

IHU On-Line - A região Sudeste foi a que apresentou crescimento em praticamente todos os números no ano passado. Por quê?

Carlos Walter Porto Gonçalves - A região Sudeste teve, nos últimos anos, uma expansão significativa de áreas de cana, sobretudo depois do Etanol. O presidente Lula tem certa responsabilidade ao chamar os usineiros de heróis. Eles são heróis porque estão garantindo a balança comercial brasileira em função da exportação do etanol e da soja. Lula apostou nessa agricultura empresarial de exportação como fonte de entrada de recursos no país. Com relação à questão agrária, o governo Lula é totalmente um governo de direita.

IHU On-Line - E no caso da região sul, a que se atribui a violência no campo?

Carlos Walter Porto Gonçalves - No Rio Grande do Sul, há hoje uma espécie de vanguarda do pensamento conservador, tanto no plano do Judiciário quanto no plano do Executivo, que tem tomado atitudes de criminalização. Então, tem sido um estado onde o Judiciário tem respondido com muita parcimônia a presença e as demandas das oligarquias fundiárias

Os números relativos à Reforma Agrária no RS são extremamente surpreendentes. Há, no RS, em torno de cinco milhões de hectares de terras públicas que foram apropriadas indevidamente. O MST tem dados interessantes sobre isso, tanto que quando faz ocupações de terras, utiliza essas informações. É o caso da Cutrale [maior indústria de suco de laranja do mundo], por exemplo. Faz dez anos que o MST vem denunciando que eles utilizam terras públicas, e o governo não toma iniciativa de desapropriar a fim de fazer a Reforma Agrária. Quando ocorreu a invasão, o que fez a mídia? Chamou o MST de invasor e baderneiro. E, por sua vez, o Judiciário não avalia a qualidade jurídica da terra quando um fazendeiro pede reintegração de posse, partindo do pressuposto de que agem de boa fé. Todavia, agindo assim, consagram o juízo de que os movimentos sociais quando ocupam uma terra estão agindo de má fé, num claro exemplo de preconceito de classe contra as populações mais pobres. O RS tem sido, nos últimos anos, pioneiro em relação a essas iniciativas preconceituosas do Judiciário e do Executivo.

Notas:

[1] Blairo Maggi (Partido da República) foi governador do estado de Mato Grosso, eleito para o mandato 2003-2007 e reeleito para o termo 2007-2010. É engenheiro agrônomo, maçom e controlador do Grupo Amaggi, sendo considerado um dos maiores produtores de soja do mundo.
(IHU-On line)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O mau humor do clima


Degelo é intenso nos polos e seca devasta a Etiópia

Dois novos estudos evidenciam que os impactos das mudanças climáticas afetam indistintamente regiões quentes e frias. Na África, uma pesquisa da Oxfam mostra que os agricultores etíopes sofrem com escassez cada vez mais frequente das chuvas, causada pela elevação anormal das temperaturas do Oceano Índico, atribuída ao aquecimento global.

Já pesquisadores britânicos revelam que a perda de gelo flutuante na Antártica e no Ártico, a cada ano, equivale a 1,5 milhão de icebergs do tamanho do que afundou o Titanic. Contrariando o que se sabia até agora, embora este gelo já esteja no mar, ele poderia estar contribuindo para elevar o nível dos oceanos. Isso ocorreria porque, como a água do mar é mais morna e salgada que o gelo flutuante, haveria um desequilíbrio capaz de elevar o oceano.

A crescente escassez de chuvas na Etiópia - um dos países mais pobres do mundo - afeta drasticamente a produção de alimentos, levando muitos agricultores à ruína. Sem condições de trabalhar e se sustentar - perdendo colheitas e vendo a morte dos seus animais - eles buscam novas fontes de renda, muitas vezes abandonando suas casas e deixando para trás as famílias.

É o que revela o estudo da Oxfam, que relaciona o fenômeno ao aquecimento global e comprova que a África está sendo cada vez mais atingida pelas mudanças climáticas, embora tenha contribuído pouco para que elas ocorressem.

O estudo ressalta que o setor agrícola no país - diretamente responsável pela sobrevivência de 85% da população - é especialmente vulnerável às adversidades do tempo, já que possui poucos recursos tecnológicos e é dependente das chuvas (em vez da irrigação).

- A agricultura na Etiópia é muito dependente das chuvas. Isso é agravado pelo crescimento cada vez maior da população, que exige a produção de mais alimentos - afirma Abera Tola, diretor da Oxfam e um dos redatores do relatório. - Nosso estudo mostra que a situação dos agricultores, que já era precária, tem piorado com a escassez de chuvas.

Oceano Índico tem aquecimento anormal

Para o climatologista Chris Funk, da Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, as alterações no ritmo das chuvas estão ligadas ao aquecimento do Oceano Índico nos últimos 30 anos.

- Em três décadas, a escassez e a imprevisibilidade das chuvas na Etiópia se agravaram. E isso coincide com o aquecimento anormal das águas do Oceano Índico, associado à emissão de gases do efeito estufa - afirma Funk, que participou do estudo. - Tal aquecimento faz com que o fluxo de umidade que chega ao país seja alterado, trazendo, em vez de chuvas, correntes de ar secas e quentes. E a tendência é que esse fenômeno se intensifique cada vez mais.

No Reino Unido, pesquisadores da Universidade de Leeds comprovaram, pela primeira vez, a velocidade das drásticas reduções do gelo flutuante nos pólos. De acordo com o trabalho, que foi publicado na revista "Geophysical Research Letters", tal redução é equivalente ao degelo de 1,5 milhão de icebergs do tamanho daquele que causou o naufrágio do Titanic, em 1912.

Mesmo assim, o aumento do nível do mar causado por esse degelo ainda é pequeno. Em um ano, esse aumento seria o equivalente ao diâmetro de um fio de cabelo. Para os pesquisadores, porém, o impacto desse degelo é um sinal que não pode ser ignorado.

- Essas mudanças tiveram impacto no clima regional. Já que se espera que os oceanos aumentem sua temperatura ao longo do século, o degelo desses icebergs deve ser considerado em avaliações futuras do aumento do nível do mar - diz Andrew Shepherd, autor do estudo.
(Carlos Albuquerque)
Foto de John Stanmeyer
(O Globo, 29/4)

As duas caixas

Por Rubem Alves, para o Portal Aprendiz

Fernando Pessoa escrevia, lia o que escrevera e se assombrava. "Por que escrevi isto? Onde fui buscar isto? Isto é melhor do que eu..."

Coisa parecida acontece comigo. Alguém me mostra um texto e diz que fui eu quem o escreveu. Leio-o, mas não o reconheço. É como se tivesse sido escrito por uma outra pessoa. Mas, à medida em que vou lendo, vou ficando alegre. É um texto bom, melhor do que eu! Faço então as mesmas perguntas que fazia Fernando Pessoa ao ler o texto que acabara de escrever.

Sinto, então, vontade de publicar aquele texto de novo. Se ele surpreendeu a mim, é de se esperar que o mesmo aconteça com os leitores. E por que não?

Sei que Freud achava que a compulsão à repetição é um sintoma neurótico. Mas essa não é toda a verdade. Digo que o desejo da repetição pode ser a reação da alma diante da beleza. Quero ouvir de novo a "Valsinha", quero ver de novo as telas de Carl Larsson, quero comer de novo um frango com quiabo mineiro, quero ver de novo os ipês floridos...

Eu gostaria de publicar inteiros dois artigos que escrevi faz muito tempo. Eu os reli e gostei. Para que meus leitores saibam o que penso da educação. Como não posso publicá-los inteiros, vou publicar o essencial. E foi isso que escrevi:

"Explicações conceituais são difíceis de se aprender e fáceis de se esquecer. Por isso, caminho sempre pelo caminho dos poetas, que é o caminho das imagens. Em vez de explicar por meio de conceitos abstratos, vou mostrar o que digo por meio de imagens. Quem aprender as imagens terá aprendido o essencial da minha filosofia de educação."

"O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da destreza e do poder, ele leva uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda, mão do coração e do prazer, ele leva uma caixa de brinquedos."

"Os animais não precisam de ferramentas. Seus corpos são as ferramentas de que necessitam para viver. Diferentes dos animais, nossos corpos são fracos e incompetentes. Se fôssemos depender deles para sobreviver, como os animais, há muito teríamos desaparecido da Terra. A fraqueza e a incompetência obrigaram o corpo a pensar e a criar. E foi assim que inventamos porretes, pilões, facas, flechas, redes, barcos, casas, como extensões do corpo."

"A primeira tarefa de cada geração, dos pais e das escolas, é passar aos filhos, como herança, a caixa de ferramentas. Para que eles sobrevivam e não tenham de começar da estaca zero."

"Diante da caixa de ferramentas, a primeira pergunta que um professor tem de fazer é: "Isso que estou ensinando é ferramenta para quê? De que forma esse conhecimento aumenta a competência dos meus alunos para viver a sua vida?"

Mas há uma outra caixa, na mão esquerda, a mão do coração e do prazer. Essa caixa está cheia de coisas inúteis que não servem para nada. Lá estão um livro de poemas da Cecília Meireles, a estória de "Alice no País das Maravilhas", um pé de jasmim, um quadro do Monet, uma sonata de Mozart, um banho de cachoeira, um beijo... Coisas inúteis. E, no entanto, elas são parte da vida e nos fazem sorrir. E não é para isso que se educa? Para que saibamos, além de viver, sorrir e ter prazer?

Resumo da minha filosofia de educação:
Primeiro, aprender ferramentas, para ter poder.
Segundo: aprender os brinquedos, para ter prazer...

quarta-feira, 28 de abril de 2010

A Conferência Mundial dos Povos


Leonardo Boff

Como é sabido, em dezembro de 2009 realizou-se em Copenhague a Conferência Mundial dos Estados sobre o Clima. Não se chegou a nenhum consenso porque foi dominada pela lógica do capital e não pela lógica da ecologia. Isso significa: os delegados e chefes de Estado presentes representavam mais seus interesses econômicos que seus povos. A questão para eles era: quanto deixo de ganhar aceitando preceitos ecológicos que visam purificar o planeta e assim garantir as condições para a continuidade da vida. Não se via o todo, a vida e a Terra, mas os interesses particulares de cada pais.

A lógica ecológica vê o interesse coletivo, pois visa o equilíbrio entre ser humano e natureza, entre produção, consumo e capacidade de recomposição dos recursos e serviços da Terra. Rompendo esta equação, coisa que o modo de produção capitalista já vem fazendo há séculos, surgem efeitos não desejados, chamados de “externalidades”: devastação da natureza, graves injustiças sociais, desconsideração das necessidades das futuras gerações e o efeito irreversível do aquecimento global que, no limite, pode pôr tudo a perder.

Em Cochabamba, na Bolívia, viu-se exatamente o contrário: o triunfo da lógica da ecologia e da vida. Nos dias 19-23 de abril celebrou-se a Cúpula Mundial dos Povos sobre as Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra. Ai estavam 35.500 representantes dos povos da Terra, vindos de 142 países. A centralidade era ocupada pela Terra, tida como Pacha Mama, grande Mãe, sua dignidade e direitos, a vida em toda sua imensa diversidade (superação de qualquer antropocentrismo), nossa responsabilidade comum para garantir a condições ecológicas, sociais e espirituais que nos permitem viver, sem ameaças, nesse planeta.

As 17 mesas de trabalho, ao contrário de Copenhague, chegaram a um extraordinário consenso, pois todos tinham na mente e no coração o amor à vida e à Pacha Mama “com a qual todos temos uma relação indivisível, interdependente, complementar e espiritual” como diz o documento final.

No lugar do capitalismo competitivo, do progresso e do crescimento ilimitado, hostil ao equilíbrio com a natureza, se colocou “o bem viver”, categoria central da cosmologia andina, verdadeira alternativa para a humanidade que consiste: viver em harmonia consigo mesmo, com os outros, com a Pacha Mama, com as energias da natureza, do ar, do solo, das águas, das montanhas, dos animais e das plantas e em harmonia com os espíritos e com a Divindade, sustentada por uma economia do suficiente e decente para todos, incluidos os demais seres.

Elaborou-se uma Declaração dos Direitos da Mãe Terra que prevê entre outros: o direito à vida e à existência; o direito de ser respeitada; o direito à continuação de seus ciclos e processos vitais, livre de alterações humanas; o direito a manter sua identidade e integridade com seus seres diferenciados e interrelacionados; o direito à água como fonte de vida; o direito ao ar limpo; o direito à saúde integral; o direito a estar livre da contaminação e poluição, de dejetos tóxicos e radioativos; o direito a uma restauração plena e pronta das violações inflingidas pelas atividades humanas.

Previu-se também a criação de um Tribunal Internacional de Justiça Climática e Ambiental, com capacidade jurídica e vinculante de prevenir, julgar e sancionar os Estados, empresas e pessoas por ações ou omissões que contaminem e provoquem mudanças climáticas e que cometam graves atentados aos ecossistemas que garantem o “bem viver”.

Resolveu-se levar os resultados desta Cúpula dos Povos à ONU para que seus conteúdos sejam comtemplados na próxima Conferência Mundial a realizar-se em novembro/dezembro deste ano em Cancún no México.

O significado mais profundo desta Cúpula é a convicção, crescente entre os povos, de que não podemos mais confiar o destino da vida e da Terra aos chefes de Estado, reféns de seus dogmas capitalistas. O Brasil lamentavelmente não enviou nenhum representante, pois para o atual governo parece ser mais importante a “aceleração do crescimento” que garantir o futuro da vida. Esta Cúpula dos Povos apontou a direção certa: para uma biocivilização em equilíbrio de todos com todos.

(EcoDebate)

A luta contra a biopirataria

A prática é incentivada pela própria legislação de patentes e por países desenvolvidos.

O imenso patrimônio genético da Amazônia, da Mata Atlântica e do Pantanal, com potencial de uso farmacêutico, cosmético e alimentar, necessita de aperfeiçoamento legal, para sua proteção contra o contrabando e apropriação para patenteamento no exterior. O alto número de autos de infração em portos, aeroportos e fronteiras do Brasil, por tentativa de tráfico de fauna e flora (foram 995 só neste ano), confirma o País na rota da cobiça internacional. Todo ano são apreendidos com traficantes de 44 mil a 49 mil animais silvestres. Num país do tamanho do Brasil nem sempre a polícia consegue impedir a ação de contrabandistas, inclusive porque basta a estes levar células in vitro (pedaço de tecido, gotas de sangue etc.), o que deixa claro que esta é uma guerra a ser ganha no plano jurídico. Conflito moderno, em que a salvaguarda precede e encerra a ação policial.

O trabalho de fiscalização interna se apóia no jovem arcabouço administrativo para reprimir o delito, como a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 1998) e o Decreto 5.459, de 2005, que regulamenta o artigo 30 da Medida Provisória 2.186-16, de 2001. Combinadas, tais legislações prevêem sanções meramente administrativas, multa de até R$ 100 mil para pessoa física, R$ 50 milhões para jurídica e prisão de seis a doze meses. São punições brandas diante dos lucros estratosféricos dos infratores, mas ao menos preenchem um pouco a ausência de uma legislação penal que iniba fortemente o delito e de uma legislação internacional que respeite a soberania dos países. A Lei mundial de Parentes, da qual o Brasil é signatário desde 1995, não protege os interesses das nações vítimas de biopirataria. Muito pelo contrário.

O mais grave é ver que o crime da biopirataria é incentivado pela própria legislação de patentes e pelo fato de países desenvolvidos desrespeitarem leis que asseguram propriedade sobre o material genético às nações que o têm nativo em seu território, como a Convenção da Diversidade Biológica.

Definida nos marcos da OMC, a legislação de propriedade intelectual desobriga no registro a comprovação da origem do material genético. Pegando o Brasil, significa que somos obrigados a acatar o registro no exterior de DNA roubado do País, sem direito a um centavo dos lucros vindouros no mercado mundial. Esta legislação assanhou mercenários. Por sua causa, por mais rigorosa que seja a fiscalização, a perda de divisas é hoje uma realidade. Foi assim com a planta Pau-Pereira. Trivial na Amazônia, ela retarda o câncer. Sua tonelada sai por R$ 7 no Brasil. Patenteada e industrializada no exterior, hoje ela volta ao país em forma de tubo. Cada um, contendo 120 gramas do princípio ativo da planta, é vendido a US$ 85. Há muitos outros casos, como o da semente da árvore do cupuaçu, cujo óleo foi patenteado por suposto inventor japonês, diretor da empresa americana “Cupuaçu Internacional”. Não podemos sequer comercializar o princípio ativo do cupuaçu sem pagar royalties ao japonês e ao país onde a registrou.

A biopirataria seduz desde a economia de custos de pesquisa. Muitas vezes ela é possível apenas com contrabando de conhecimento, informação acumulada em milênios pelos povos da floresta. Descobrir com indígenas que o uso de determinada seiva cura uma doença pode abreviar várias etapas da pesquisa e representar uma economia de até 80% dos investimentos convencionais para fabricação de um novo produto. Pelo caminho normal, a descoberta de um fármaco consome em média US$ 350 milhões, de cinco a 13 anos de pesquisa. Com o contrabando de informação, em tese permite poupar US$ 280 milhões.

O cenário jurídico atual põe a questão em termos de vale-tudo. Legitima a dominação asséptica de povos sobre outros, com danos à irreversíveis ao desenvolvimento alheio. É preciso modificar a Lei de Patentes, condicionando registros à autorização emitida pelos governos dos países provedores. Novos acordos devem proibir o patenteamento de organismos sem especificação de origem e forma de obtenção, e garantir propriedade intelectual às populações que geraram o conhecimento. Seria bem-vindo também o acréscimo de artigos à legislação de crimes ambientais, como forma de dar efetividade ao trabalho de fiscalização. É preciso tipificar melhor as penalidades em relação ao tráfico de animais e à biopirataria. Hoje, a falta de objetividade põe no mesmo banco de réus um traficante internacional e uma idosa que possua um papagaio há duas décadas.

* Flávio Montiel é diretor de Proteção Ambiental do Ibama.
(Envolverde/JB Ecológico)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Olhar Amazônida

Baseado em Manaus, o fotógrafo Alberto César coletou em anos de trabalho de campo imagens que mostram as faces da destruição da floresta.




Alberto César é repórter-fotográfico desde 1991. Trabalhou nos jornais A Crítica de Manaus, pelo qual ganhou o Prêmio Esso de Fotografia em 2001, Jornal do Norte, Correio Amazonense e Diário do Amazonas. Atualmente é subeditor do Amazonas Em Tempo. Como freelancer tem trabalhos publicados nos principais jornais e revistas do país. No exterior suas fotos já ilustraram as páginas do San Francisco Chronicle, Sun Sentinel, New York Times, Newsweek e The Independent. Em1999, ao dar um autógrafo para Alberto César, o escritor e poeta amazonense Thiago de Mello, o classificou de “o artista da luza”, por seu trabalho documental.

Represa de erros

Marina Silva

Estão mais do que evidentes a complexidade e os riscos envolvidos na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu, no Pará.
Erros há 20 anos represados, sobram dúvidas e incertezas sobre a viabilidade econômica e a extensão dos impactos socioambientais do empreendimento.

Apesar de todas as manifestações em contrário, o governo se mantém indiferente. Fez-se o leilão semana passada e anunciou-se um vencedor, apesar da insegurança jurídica do processo e a fragilidade dos arranjos societários de última hora. Vê-se o direcionamento de todos os instrumentos de políticas públicas para viabilizar um projeto estrategicamente ruim, caro e de altíssimo risco socioambiental.

Enquanto isso, pouco se faz para reduzir perdas da ordem de 15% em energia no país, o equivalente a três vezes a capacidade média de Belo Monte. E o processo em curso aponta mais desperdício: Belo Monte terá uma produção energética efetiva bem menor do que sua capacidade total -4.428 MW, em função do regime hídrico do rio e da configuração do projeto, e não os 11.223 MW anunciados.

Surpreendem também as condições à disposição dos interessados em comercializar a energia gerada pelo rio Xingu. Tem-se R$ 13,5 bilhões em crédito subsidiado pelo BNDES, com prazo de 30 anos para pagamento, a juros de 4% ao ano.

Isenção de impostos sobre os lucros, o comprometimento do capital de empresas estatais e de fundos de pensão e, de quebra, o absurdo comprometimento de licenciamento ambiental com prazo preestabelecido para a obra começar já em setembro. Mesmo assim, as duas empresas privadas que melhor conheciam o projeto não participaram do leilão.

Preferem a posição de contratadas aos de investidoras, enquanto outras, vitoriosas, ameaçam desistir dos benefícios aparentemente irrecusáveis. Imaginem se todas essas condições excepcionais fossem para melhorias da eficiência do sistema elétrico e para redução da demanda por energia?

A política energética em curso é manca: apoia-se apenas no aumento da oferta sem investir na diversificação, na conservação e na gestão do mercado. Temos um sistema com elevadas perdas por desvio, manutenção precária e pouco incentivo para o uso de técnicas construtivas de maior eficiência energética. Definitivamente precisamos expandir a oferta de energia, mas não necessitamos, para isso, manter a cultura do desperdício e comprometer o patrimônio ambiental e os recursos do país, quando temos alternativas de geração.

*contatomarinasilva@uol.com.br
(Envolverde/O autor)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

ANDA realizará show para sensibilizar as pessoas


A ANDA (Agência de Notícias de Direitos Animais) realizará um show para sensibilizar as pessoas em relação aos direitos dos animais e à preservação do planeta, no próximo dia 29 de abril, no SESC Pompéia (choperia), às 21h.

Grandes nomes da música brasileira, como:Renato Teixeira, Fernanda Porto, Nuno Mindelis, Palavra Cantada, Patrícia Marx, Teatro Mágico já estão confirmados. A atriz Gabriela Duarte também estará presente para chamar a atenção sobre a necessidade de mudarmos nossas atitudes em relação aos animais e ao planeta.

Sustentabilidade é, afinal, resultado do respeito e consideração pela Vida.

Durante o evento, que conta com o apoio técnico da Pulso Criações Sonoras, a ANDA - (Agência de Notícias de Direitos Animais) - estará revelando algumas das aberrações que o ser humano vem impingindo a outros seres vivos, por acreditar que a informação é um importante instrumento de transformação.

Para mais infomação acessem o
site da ANDA


Ingressos no
site do SESC SP


Valores: R$20,00 [inteira]; R$10,00 [usuário matriculado no SESC e dependentes, +60 anos, professores da rede pública de ensino e estudantes com comprovante]; R$ 5,00 (trabalhador no comércio e serviços matriculado no SESC e dependentes].

domingo, 25 de abril de 2010

1° Promotoria de Defesa Animal

Apoie a idéia de criar uma Promotoria de Defesa Animal assinando a petição :


EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Tendo em vista os altos índices de crueldade e danos em detrimento dos animais, a frequente impunidade dos infratores, o desinteresse das autoridades encarregadas da apuração desses crimes, o conflito de atribuições normalmente surgido entre as corporações policiais quando se trata de atender casos de animais domésticos vítimas de maus-tratos, bem como a descrença nas decisões judiciais em razão das penas irrisórias e os reiterados atos de abuso noticiados pela mídia televisiva e eletrônica, apesar da evolução do pensamento jurídico e acadêmico que atualmente já reconhece os animais como sujeitos de direito, conforme proposto na tese institucional Promotoria de Defesa Animal, aprovada em outubro de 2007, no X Congresso das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo, nós, abaixo-assinados, SOLICITAMOS à Vossa Excelência, em caráter prioritário, o encaminhamento à Assembléia Legislativa de projeto de lei visando a criação, na capital deste Estado, de uma pioneira PROMOTORIA DE DEFESA ANIMAL, especializada na tutela dos animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, considerados em seu valor inerente, a fim de efetivamente cumprir o mandamento constitucional preconizado no artigo 225 par. 1º, inciso VII, da Constituição Federal e o dispositivo do artigo 32 da Lei 9.605/98, de forma a melhor atender às demandas decorrentes da atribuição que é conferida ao Ministério Público pelo Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934 em seu par. 3º, artigo 2.

Petição

Entre a performance política e os crimes da Usina no Rio Xingu

“A condição de criar um novo pólo de poder passa por uma visão de protagonismo e dianteira na política, desatrelando os projetos estratégicos do povo em movimento (ex: a defesa dos recursos hídricos, das formas de vida tradicionais e da semente nativa) do governo de turno. Parece que nunca aprendemos no Brasil as lições das histórias dos países hermanos”, escreve Bruno Lima Rocha, cientista político. E pergunta: “Diante dessa lição da história e da luta política, após o crime de Belo Monte, como não defender um projeto popular para além da democracia indireta dos representantes profissionais e gestores do Estado a serviço dos oligopólios?”

Bruno Lima Rocha, cientista político com doutorado e mestrado pela UFRGS, jornalista formado na UFRJ; docente de comunicação e pesquisador 1 da Unisinos; membro do Grupo Cepos e editor do portar Estratégia & Análise.

Está difícil produzir análise política e não esbarrar no marketing eleitoral. A pressão é grande e a tendência é que abandonemos a caixa de ferramentas (o instrumental teórico-metodológico) para nos ater a prognósticos e probabilidades de aproximação do “humor” do eleitorado. A eleição é um momento crucial na definição de poder, mas a dimensão da política não pode se resumir a corrida eleitoral. Através de debates formais e conversas informais, consultas e polêmicas de todo tipo, dezenas de pessoas vem me perguntando a respeito dos marcos estratégicos do país. Um incontestável marco passa pelo modelo de desenvolvimento e a forma de geração de energia correspondente.
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A cada semana me esforço para marcar uma posição que não seja aderente ao individualismo metodológico. Assim, intento transmitir um texto analítico que seja direto, não performático e com mirada estratégica. Ou seja, entendo que o analista deve exercer a honestidade intelectual e tornar explícitos tanto o seu ponto de vista (as premissas), como a sua predição (o que é recomendado fazer). Neste sentido, entendo que observar não passa necessariamente a me ater às performances dos dois candidatos favoritos, Dilma Roussef (PT-RS) e José Serra (PSDB-SP). É difícil falar de temas de fundo quando o que se quer debater é a superfície. Sinceramente, aqui não é o caso.

Como se sabe, não adoto uma posição explícita de preferência entre as candidaturas e isso obedece a um raciocínio lógico. Repito aqui que o espaço de um artigo de opinião não comporta a totalidade do tema, mas sim pode indicar um caminho para construir um discurso de tipo público e que vá além das urnas. Diante das emergências, é fundamental apresentar as pautas correspondentes. Para exemplificar o que digo, basta um tema polêmico. Um deles passa pela concepção de desenvolvimento e a utilização de recursos hídricos.

A noção de energia no Brasil é o represamento de rios. Assim, a usina é uma estampa do desenvolvimento a todo custo do Brasil, do mesmo modo que até hoje a China é movida a carvão. Diante dessa associação de modelos e projetos, fica muito difícil não fazer a correlação de interesses. Nos porões do BNDES se aprova uma represa que é um crime ecológico, um atentado contra nossa soberania e o pior dos usos dos recursos hídricos. Diante desse fato criminal, passando por cima inclusive das bases e normativas legais da legislação de meio ambiente, escorando-se em artifícios do tecnicismo jurídico e da formação de consórcios mais que suspeitos e todos ancorados no dinheiro da população sob o usufruto do Estado, nos damos conta da falta de alternativa política pela falta de projeto de longo prazo.

Um projeto de poder vindo debaixo, organizado socialmente e não rifado, sem estar à mercê do campo de alianças com os oligopólios nacionais, a banca e o baixo clero do Congresso seria possível se fosse gestado há oito anos. No momento, o desespero do emprego da tática do voto útil, mesmo diante de uma derrota contundente como a de 3ª 20 de abril quando se aprova a construção da Usina de Belo Monte, é um atestado de falência das instâncias orgânicas dos movimentos populares ou o golpe tramado por direções encasteladas que se ancoram nas relações pessoais de tipo amiguismo ou exagero da mística em detrimento da saudável crítica e discrepância política.

E agora, com que cara as lideranças de movimentos populares que ainda crêem na balela ou loucura coletiva do conceito de “governo em disputa” irão afirmar a defesa de e necessidade de um “apoio crítico” da continuidade de Luiz Inácio e sua trupe?! Isso não quer dizer e nem sequer associar a crítica ao vice-reinado do tucano Henrique Meirelles e dos crimes ambientais e societários como a transposição das águas do Rio São Francisco e outras propostas ensandecidas, com um apoio tácito ao tucanato oficial de Serra e Cia. na São Paulo de Piratininga. Justo ao contrário, até porque mudar e transformar a sociedade debaixo para cima está muito além de um acórdão eleitoral, entre alianças nefastas, interesses espúrios e sandice tática.

A condição de criar um novo pólo de poder passa por uma visão de protagonismo e dianteira na política, desatrelando os projetos estratégicos do povo em movimento (ex: a defesa dos recursos hídricos, das formas de vida tradicionais e da semente nativa) do governo de turno. Parece que nunca aprendemos no Brasil as lições das histórias dos países hermanos.

Na Bolívia, logo após a Guerra do Gás (2003) quando o povo de El Alto e de La Paz expulsou o gringo presidente, Gonzalo Sánchez de Lozada (o Goni), as coordenações de movimentos populares deram um ultimato de 120 dias para o então recém empossado vice-presidente que assumira, o empresário midiático Carlos Mesa. Antes dos quatro meses correspondentes, as forças sociais organizadas para a emancipação das maiorias tomavam as ruas e faziam valer seu programa de reivindicações. O tecido social-produtivo era atado na ação popular e não em negociações estranhas ou manobras jurídicas. Acreditem, até a vitória eleitoral de Evo Morales à frente do MAS é fruto desse protagonismo não-instrumentalizável. A constituição boliviana atual e sua pluralidade jurídica-política é a colheita da semente da autonomia das instâncias do povo diante do aparato oficial de intermediação. Há escolhas para fazer e preços a pagar. O da omissão política no campo popular é a represa que a tudo mata, alagando a Amazônia e retomando as mazelas do período do Milagre Econômico da Ditadura!

Diante dessa lição da história e da luta política, após o crime de Belo Monte, como não defender um projeto popular para além da democracia indireta dos representantes profissionais e gestores do Estado a serviço dos oligopólios?
IHU-On line/Mercado Ético

sexta-feira, 23 de abril de 2010

“Uma nova regulação do capitalismo não resolverá a crise do sistema mundial”


Fabián Bosoer*

Os movimentos de resistência à globalização, “globalifóbicos” ou “altermundialistas”, apesar de sua heterogeneidade e seu caráter contestador, tiveram a virtude de advertir sobre a necessidade de respostas e mudanças mais radicais aos desequilíbrios gerados por um predomínio dos mercados financeiros internacionais. Apelidados de “utópicos”, acabaram sendo os mais realistas, mesmo que algumas vozes continuam sem ser devidamente atendidas.

Essa opinião é de François Houtart, sacerdote católico e intelectual marxista, fundador e diretor do Centro Tricontinental da Universidade Católica de Louvain, Bélgica. É um dos principais referenciais intelectuais do chamado “altermundialismo”. Houtart teve também a oportunidade de participar da formação de uma geração de sociólogos latino-americanos que estudaram em Louvain entre os anos 60 e 80, sentando as bases dos estudos de sociologia da religião no nosso continente.

Mais recentemente, integrou a comissão de notáveis presidida no ano passado por Joseph Stiglitz e encarregada pelo secretário-geral da ONU para elaborar recomendações sobre como enfrentar a crise econômica global. Ele esteve em Buenos Aires, convidado para falar na Conferência Internacional “Direitos Humanos e democratização: entre público e privado, entre local e global”, organizada pela Universidade Nacional de San Martín e várias ONGs internacionais.

Eis a entrevista.

P: Passou-se mais de uma década desde o surgimento do chamado “movimento antiglobalização”. Como o senhor, um de seus inspiradores, lembra de seus momentos principais?

R: Podemos situar um momento das origens do que nós passamos a chamar de “altermundialismo” em 1999, quando, a partir da iniciativa de um grupo de movimentos sociais de diferentes continentes organizamos uma contraconferência ao Fórum de Davos, na Suíça. Isso teve uma grande repercussão. Estavam ali o Movimento dos Sem Terra do Brasil, os sindicatos operários da Coreia do Sul, cooperativas agrícolas de Burkina Faso, movimentos de mulheres do Canadá e o movimento de desempregados da França, junto com um grupo de intelectuais e acadêmicos como Susan George, Samir Amin e Ricardo Petrella. Podemos ir ali e brindar nossa palavra, enquanto estavam reunidos os representantes e líderes das economias mais ricas e as instituições financeiras mundiais. Fizemos um grande barulho, e, desde então, se começou a falar de “o outro Davos”.

P: Que resultados obtiveram? O que propuseram então foi antecipação às crises que viriam anos mais tarde?

R: Naquela coletiva de imprensa, dissemos que não podíamos continuar assim, que era preciso reorientar a economia mundial. E como os brasileiros estavam ali conosco, deles veio a ideia do Fórum Social Mundial, frente ao Fórum Econômico Mundial de Davos, que foi organizado dois anos depois. Desde então, já foram organizados nove Fóruns Sociais Mundiais e outros também continentais, nacionais, temáticos, e são centenas de milhares de pessoas que se mobilizaram durante esses anos. Dois fóruns foram organizados fora da América Latina, um em Mumbai, na Índia, e outro em Nairóbi, na África, mas a maioria aconteceu na América Latina, o que teve um impacto positivo, segundo acredito, também sobre a evolução política do continente. A conquista principal foi desenvolver uma consciência coletiva mundial nova e, por outro lado, ser um lugar onde se constituíram ou se reforçaram muitas redes de movimentos e de temáticas sobre a água, sobre a Amazônia, a vida campesina etc.

P: O senhor propôs verdadeiras alternativas ou ficou no meramente contestador?

R: Dar a conhecer determinadas situações é fundamental. Não estamos falando de sistemas ideológicos contrapostos ou confrontados, mas sim de uma experiência histórica que também está se esgotando, e precisamos de alternativas de futuro. Há uma lógica que está destruindo o planeta.

P: Um exemplo concreto?

R: Um exemplo é a agroenergia, que se propõe como uma solução à crise ambiental e energética, e não é. De fato, a combustão dos motores ou a produção de dióxido de carbono é menor quando se utilizar etanol ou agrodiesel, mas quando se toma todo o processo de produção, de transformação, de distribuição dessa energia, a conclusão é que, em geral, não é melhor, porque destroem-se as selvas, destrói-se a biodiversidade, contaminam-se os solos, a água. Por outro lado, é uma solução muito marginal para a energia. Por exemplo, na Europa, que decidiu utilizar 20% de energia de origem agrícola para o ano 2020, nos transportes, com toda a produção de agroenergia, neste momento, daqui até 2020, podemos esperar só responder ao aumento da demanda, não à demanda total. Nesse aspecto também não é uma solução. E, por outro lado, se se quer que a agroenergia tenha uma certa contribuição para enfrentar a crise energética, devem-se utilizar milhões de hectares de terras na Ásia, na África e na América Latina, porque não existem terras suficientes na Europa, e isso pode levar à expulsão de pelo menos 60 milhões de agricultores de suas terras. Isso já está acontecendo na África, na América Latina e em certas regiões da Ásia também.

P: No entanto, existe um fenômeno de profunda reconversão produtiva, revolução tecnológica e dos alimentos e vivemos um ciclo de crescimento que parece inclusive recobrar sua dinâmica depois da crise financeira de 2008. Como se compatibiliza isso com a crise do capitalismo que o senhor descreve?

R: Vamos à análise dessa última grande crise. Naquele momento, se reuniu no marco da Assembleia Geral da ONU uma comissão de notáveis presidida pelo prêmio Nobel Joseph Stiglitz. Eu tive a oportunidade de participar nela como representante pessoal do presidente da Assembleia Geral, que era Miguel D’Escoto, ex-chanceler nicaraguense. Ali ficaram fixadas grandes posições diante da crise e se concordou sobre a proposta de estabelecer novas regulações ao sistema econômico internacional, que havia saído do seu leito normal. Nessa orientação, coincidiam tanto os que queriam poucas regulações e transitórias, como o G-20, e uma posição mais neokeynesiana, a favor de regulações mais fortes e permanentes. Por exemplo: abolir os paraísos fiscais, o segredo bancário, instituir uma nova instituição de controle global da economia etc. Evidentemente, a maioria dessas propostas não foram aceitas pelas Nações Unidas.

P: O senhor acha que essas respostas, o ajuste ou a reforma do sistema, são suficientes?

R: Sim. Mas fora desse consenso mais amplo, surgem no entanto outras duas propostas. A primeira é a do próprio capitalismo liberado de ataduras, uma posição quase naturalista - se poderia dizer “darwinista” - que consiste em dizer que as grandes crises são saudáveis para o próprio sistema, porque permitem eliminar os elementos “fracos” ou “enfermos”, e assim retomar o processo de reacodomodação de maneira mais sadia, e a economia sairá assim fortalecida e pujante. Mas há uma terceira opção e é a de dizer: estamos em uma situação tal, não apenas de uma crise financeira ou econômica, mas sim de uma combinação de crises, alimentar, energética, climática e finalmente uma crise social profunda, entendendo que uma nova regulação do capitalismo não resolverá a crise do sistema mundial.

P: O que isso significa concretamente?

R: Significa retomar o que poderíamos chamar de “os fundamentos da vida coletiva” da humanidade na Terra, começando pela nossa relação com a natureza. Significa passar da exploração ilimitada dos recursos ao respeito como fonte de vida. Significa, evidentemente, uma nova filosofia e, de maneira muito concreta, que não é aceitável a propriedade privada irrestrita dos recursos naturais não renováveis e particularmente dos recursos energéticos e que não se pode aceitar que coisas tão essenciais para a vida como a água sejam regidas exclusivamente pela lógica do mercado. Isso questiona também as posturas do socialismo do século XX que estava dentro da mesma filosofia de um progresso sem fim e de uma natureza inesgotável. Se não fizermos isso, vamos continuar destruindo a natureza e autodestruindo as nossas sociedades humanas, levando-as a um ponto de saturação e de catástrofes sem retorno. Calculou-se que a cada ano o período de recuperação da natureza termina mais cedo. Embora seja um cálculo um pouco abstrato, vale a pena levá-lo em consideração: no ano passado, esse tempo de recuperação terminou no dia 23 de setembro. Isto é, no dia 23 de setembro de 2009, esgotamos, pela atividade humana, toda possibilidade de recuperação do planeta. E a cada ano essa data se adianta. Significa que esse tipo de modelo, subsumido pela economia e desprovido de valores éticos, deve ser repensado no curto, médio e longo prazo. Como dizemos: outro mundo é possível.

*Reportagem publicada originalmente no jornal Clarín (tradução é de Moisés Sbardelotto)
(Adital)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Terra

Terra - Nossa casa Nosso mundo

Certamente que não seria necessário um dia especial para fazer lembrar aos povos do mundo todo que o local da nossa morada merece ser bem tratado e cuidado. Mesmo porque disto depende nossa sobrivência. mas se não temos a sensibilidade e consciência necessária para tanto, só resta eleger um dia para chamar a atenção para o solo sobre o qual pisamos. Lembrando que faz parte da terra todos os seres que nela habitam e que estes possuem os mesmos direitos. Assim, hoje é comemorado o Dia da Terra, este lindo planeta que estamos a destruir.

Em sua homenagem, publico então algumas inciativas e ações neste sentido, começando com este vídeo, que apesar de bem pesadinho, merece esperar ser descarregado para depois assistir. Também indico endereços onde outras homenagens foram feitas.




Confiram também a homenagem que o NatGeo
faz ao nosso planeta


Confiram ainda o texto da Carta da Terra
no seu site oficial

A Terra sujeito de dignidade e de direitos


Por Leonardo Boff*

Uma tema central da Cúpula dos Povos sobre as Mudanças Climática, reunida em Cochabamba de 19-23 de abril, convocada pelo Presidente da Bolívia Evo Morales é o da subjetividade da Terra, de sua dignidade e direitos. O tema é relativamente novo, pois dignidade e direitos eram reservados somente aos seres humanos, portadores de consciência e inteligência. Predomina ainda uma visão antropocêntrica como se nós exclusivamente fôssemos portadores de dignidade. Esquecemos que somos parte de um todo maior. Como dizem renomados cosmólogos, se o espírito está em nós é sinal que ele estava antes no universo do qual somos fruto e parte.

Há uma tradição da mais alta ancetralidade que sempre entendeu a Terra com a Grande Mãe que nos gera e que fornece tudo o que precisamos para viver. As ciências da Terra e da vida vieram, pela via científica, nos confirmaram esta visão. A Terra é um superorganismo vivo, Gaia, que se autoregula para ser sempre apta para manter a vida no planeta. A própria biosfera é um produto biológico pois se origina da sinergia dos organismos vivos com todos os demais elementos da Terra e do cosmos. Criaram o habitat adequado para a vida, a biosfera.Portanto, não há apenas vida sobre a Terra. A Terra mesma é viva e como tal possui um valor intrínseco e deve ser respeitada e cuidada como todo ser vivo. Este é um dos títulos de sua dignidade e a base real de seu direito de existir e de ser respeitada como os demais seres.

Os astronautas nos deixaram este legado: vista de fora da Terra, Terra e Humanidade fundam uma única entidade; não podem ser separadas. A Terra é um momento da evolução do cosmos, a vida é um momento da evolução da Terra e a vida humana, um momento posterior da evolução da vida. Por isso podemos, com razão dizer, o ser humano é aquele momento em que a Terra começou a ter consciência, a sentir, a pensar e a amar. Somos a parte consciente e inteligente da Terra.

Se os seres humanos possuem dignidade e direitos, como é consenso dos povos, e se Terra e seres humanos constituem uma unidade indivisível, então podemos dizer que a Terra participa da dignidade e dos direitos dos seres humanos.

Por isso não pode sofrer sistemática agressão, exploração e depredação por um projeto de civilização que apenas a vê como algo sem inteligência e por isso a trata sem qualquer respeito, negando-lhe valor autônomo e intrínseco em função da acumulação de bens materiais. É uma ofensa à sua dignidade e uma violação de seus direitos de poder continuar inteira, limpa e com capacidade de reprodução e de regeneração. Por isso, está em discussão um projeto na ONU de um Tribunal da Terra que pune quem viola sua dignidade, desfloresta e contamina seus oceanos e destrói seus ecossistemas , vitais para a manutenção dos climas e da vida.

Por fim há um último argumento que se deriva de uma visão quântica da realidade. Esta constata, seguindo Einstein, Bohr e Heisenberg, que tudo, no fundo, é energia em distintos graus de densidade. A própria matéria é energia altamente interativa. A matéria, desde os hádrions e os topquarks, não possui apenas massa e energia. Todos os seres são portadores de informação. O jogo das relações de todos com todos, faz com que eles se modifiquem e guardem a informações desta relação. Cada ser se relaciona com os outros do seu jeito de tal forma que se pode falar que surge níveis de subjetividade e de história. A Terra na sua longa história de 4,3 bilhões de anos guarda esta memória ancestral de sua trajetória evolucionária. Ela tem sujetividade e história. Logicamente ela é diferente da subjetividade e da história humana. Mas a diferença não é de princípio (todos estão conectados) mas de grau (cada um à sua maneira).

Uma razão a mais para entender, com os dados da ciência cosmológica mais avança, que a Terra possui dignidade e por isso é portadora de direitos e de nossa parte de deveres de cuidá-la, amá-la e mantê-la saudável para continuar a nos gerar e nos oferecer os bens e serviços que nos presta.

Agora começa o tempo de uma biocivilização, na qual Terra e Humanidade, dignas e com direitos, reconhecem a recíproca pertença, a origem e o destino comuns.
(Envolverde/O autor)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Os direitos humanos e os direitos da natureza são dois nomes da mesma dignidade


Por Eduardo Galeano*

Montevidéu, abril/2010 – Lamentavelmente, não poderei estar com vocês. Um pau atravessou na roda, o que me impede de viajar. Mas quero acompanhar de alguma maneira esta reunião de vocês, esta reunião dos meus, já que não tenho outro remédio do que fazer o pouco que posso e não o muito que quero.

E por estar assim, ao menos lhes envio estas palavras. Quero dizer-lhes que oxalá se possa fazer todo o possível, e o impossível também, para que a Cúpula da Mãe Terra seja a primeira etapa para a expressão coletiva dos povos que não dirigem a política mundial, mas a sofrem.

Oxalá sejamos capazes de levar adiante estas duas iniciativas do companheiro Evo, o Tribunal da Justiça Climática e o Referendo Mundial contra um sistema de poder baseado na guerra e no desperdício, que despreza a vida humana e põe bandeira de remate em nossos bens terrenos.

Oxalá sejamos capazes de falar pouco e fazer muito. Graves danos nos fez, e continua causando, a inflação de palavras, que na América Latina é mais nociva do que a inflação monetária. E também, e sobretudo, estamos fartos da hipocrisia dos países ricos, que estão nos deixando sem planeta enquanto pronunciam pomposos discursos para dissimular o sequestro.

Há quem diga que a hipocrisia é o imposto que o vício paga à virtude. Outros dizem que a hipocrisia é a única prova da existência do infinito. E a discurseira da chamada “comunidade internacional”, esse clube de banqueiros e guerreiros, prova que as duas definições são corretas.

Quero comemorar, por outro lado, a força de verdade que irradiam as palavras e os silêncios que nascem da comunhão humana com a natureza. E não é por acaso que esta Cúpula da Mãe Terra acontece na Bolívia, esta nação de nações que está se redescobrindo ao fim de dois séculos de vida mentirosa.

A Bolívia acaba de comemorar os dez anos da vitória popular na guerra da água, quando o povo de Cochabamba foi capaz de derrotar uma todo-poderosa empresa da Califórnia, dona da água por obra e graça de um governo que dizia ser boliviano e era muito generoso com o alheio.

Essa guerra da água foi uma das batalhas que esta terra continua travando em defesa de seus recursos naturais, ou seja: em defesa de sua identidade com a natureza.

Há vozes do passado que falam ao futuro.

A Bolívia é uma das nações americanas onde as culturas indígenas souberam sobreviver. E essas vozes ressoam agora com mais força do que nunca, apesar do longo tempo da perseguição e do desprezo.

O mundo inteiro, aturdido como está, perambulando como cego em tiroteio, teria de ouvir essas vozes. Elas nos ensinam que nós, os humanitos, somos parte da natureza, parentes de todos os que têm pernas, patas, asas ou raízes. A conquista europeia condenou por idolatria os indígenas que viviam essa comunhão, e por acreditar nela foram açoitados, degolados ou queimados vivos.

Desde aqueles tempos do Renascimento europeu, a natureza se converteu em mercadoria ou em obstáculo ao progresso humano. E até hoje esse divórcio entre nós e ela persiste, a ponto de ainda existir gente de boa vontade que se comove pela pobre natureza, tão maltratada, tão lastimada, mas vendo-a de fora.

As culturas indígenas a veem de dentro. Vendo-a, me vejo. O que faço contra ela, faço contra mim. Nela me encontro, minhas pernas também são o caminho que a anda.

Celebremos, pois, esta cúpula da Mãe Terra. E oxalá os surdos ouçam: os direitos humanos e os direitos da natureza são dois nomes da mesma dignidade.

Voam abraços, desde Montevidéu. (IPS/Envolverde)

* Eduardo Galeano é jornalista e escritor uruguaio, autor do livro "As veias abertas da América Latina".
(IPS/Envolverde)

Rejeições a compensações ganham força

Por Franz Chávez

Cochabamba, 20/4/2010 – A Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra, que começou ontem na cidade boliviana de Cochabamba, refletirá a força da resistência social à compensação de emissões de gases-estufa, afirmam dirigentes sociais. A Redução de Emissões de Carbono Causadas pelo Desmatamento e pela Degradação das Florestas (REDD) é o tema central da mesa de debate número 14, que tem por meta elaborar uma proposta que promova o fortalecimento da conservação das montanhas naturais, reconhecendo os direitos dos indígenas.

Por este mecanismo se propõe que os países mais ricos paguem para serem mantidas florestas de regiões tropicais como forma de compensar suas emissões de gases-estufa. Um encontro prévio à conferência realizado por organizações indígenas e de outros setores sociais da Bolívia aprovou uma resolução exigindo das nações industrializadas que reduzam drasticamente suas emissões de gases como dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, responsáveis pelo aquecimento global.

O documento transformado em uma proposta central deste grupo de trabalho reclama a criação de uma instância internacional que regule o cumprimento do pagamento da chamada dívida climática. “Copenhague foi uma decepção, o planeta está morrendo”, disse à IPS em tom firme o médico boliviano José Ramírez, que há 43 anos vive na Alemanha. A referência é a falta de resultados na 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15) realizada em dezembro na capital dinamarquesa.

Representando as organizações Médicos Contra a Guerra Nuclear (IPPNW) e Solidariedade Alemã Estrangeira, este ativista confia na emergente força dos movimentos sociais para resoluções a favor das florestas. A queda do consumo e a vida em harmonia com o planeta, recolhendo a experiência boliviana do “Viver bem”, serão um acordo mundial e a participação da sociedade civil não pode ficar sem resposta, disse este médico partidário de “romper com o sistema capitalista” e que acompanhou os debates em Copenhague e agora é ator nas discussões em Cochabamba.

Por sua vez, o indígena guatemalteco Felipe Gómez, do Programa sobre Desenvolvimento Endógeno Sustentável Mesoamérica, disse à IPS que “a política de cuidados com as florestas em troca de dinheiro é uma armadilha e representa uma ameaça enorme dos governos partidários desse esquema e das empresas multinacionais”. Gómez explica que o pagamento de compensações pelas emissões de carbono tem implicações desconhecidas. “A comunidade receberá o dinheiro, mas qual será o destino da comunidade?”, pergunta.

Sua companheira de delegação, a indígena Andrea Rocché, também recorda à IPS que seu povo aprendeu com os antepassados a “conservar a natureza e praticamos com nossos filhos a proteção e o amor à vida silvestre”. Gómez se mostra temeroso quanto aos impactos de uma “mercantilização do problema”. Diante de uma situação de mudança climática, a resposta dos países industrializados ocorreu com termos de mercado, replica. Uma saída para o tema da crise ambiental, na opinião deste líder dos povos indígenas da Guatemala, deve começar com um reconhecimento do ser humano em sua integridade e a compreensão de que sua existência está condicionada à vida da natureza.

“O ser não pode ser separado do saber e tampouco se pode separar o saber do fazer”, diz em uma interpelação a única ciência divulgada pelos países industrializados, dos quais é cobrado um reconhecimento de outros conhecimentos dos povos sobre saúde, economia e política. “Quando forem reconhecidos os sistemas próprios dos povos se admitirá que não existe uma ciência única ou uma cultura que defina o pensamento para dividir. Deve-se romper com o monoculturalismo científico”, afirma.

No Equador, o programa “MUYU: fruta comida, semente semeada”, conseguiu incorporar-se nas atividades escolares com tarefas de reflorestamento e cultivos em viveiros. Seu criador, o colombiano Hernando Rojas, chegou à conferência para divulgar seu êxito participando da mesa 16, sobre Estratégias de Ação. Rojas é autor do livro “Pura vida!”, onde expõe um pensamento “para compartilhar com a natureza e a humanidade, resistindo ao sistema de produção, mercado e consumo competitivos, partindo da filosofia do Viver Bem”.

Sobre as campanhas em favor da compensação pela conservação das florestas, tem uma opinião enérgica, e explicou à IPS que “o problema não está em negociar com os que destroem o planeta e geram o aquecimento global e a corrida armamentista. Se o povo não tiver poder, não terá força para deter os que destroem a natureza e a humanidade. Por isso, a proposta do presidente boliviano, Evo Morales, para convocar uma consulta mundial, é uma prioridade”, disse Rojas. Também ratifica uma estratégia destinada a conservar as florestas e reflorestar pela ação dos povos.

A proposta que apresenta na conferência consiste em deter o atual sistema de produção baseado no mercado, enfrentá-lo e promover o Viver Bem. O ativista colombiano pede geração de energia limpa à margem da exploração de combustíveis fósseis e uma corrida contra as multinacionais, as quais responsabiliza de perseguirem apenas o lucro. Uma proposta de compensação é uma atitude de dupla moral e uma forma de disfarçar o verdadeiro objetivo. “É uma maneira de fazer negócio com a morte do planeta e, quando se trata de negócios, não há limite”, afirma Rojas.

Por sua vez, a também colombiana Judith Pineda, que realiza uma campanha solidária em favor do planeta baseada na palavra da Bíblia, afirmou à IPS que as emissões de carbono “não têm compensação porque de todo modo são destrutivas, e a única compensação válida é suspendê-las”. IPS/Envolverde
(IPS/Envolverde)

Protesto contra zoneamento


Várias entidades sociais promoveram ato contra projeto substitutivo do ZSEE pela Assembleia

Quase uma dezena de entidades sociais mais a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) promoveram um protesto no coreto da Praça Alencastro nesta terça-feira (20) contra a aprovação do Projeto Substitutivo do Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso (ZSEE-MT). Intitulado “Terra: mercadoria ou vida?”, o ato faz parte da Semana do Índio e propôs um repúdio ao que eles consideram um modelo de desenvolvimento que privilegia o lucro financeiro em detrimento de um modelo sustentável de desenvolvimento para Mato Grosso e a Amazônia.

Integrantes da Rede Mato-grossense de Educação Ambiental (Remtea), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento dos Sem-Terra (MST), UFMT, Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público e Formad, dentre muitas outras, acusam o substitutivo do ZSEE-MT,apresentado pelo deputado Dilceu Dal’Bosco (DEM), de ser mero instrumento para ingerência massiva sobre terras indígenas, degradação de recursos hídricos e além.

“Também será responsável por contaminação por agrotóxicos porque aumentou de forma irresponsável a capacidade produtiva”, disse a professora-doutora Michele Sato, da Remtea.O substitutivo teria ainda, de acordo com os representantes, inconsistências técnicas, jurídicas e, pior ainda, uma transformação completa daquilo que foi debatido com a sociedade nas 15 audiências públicas. As consequências serão o exaurimento dos bens naturais devido à exploração predatória sem possibilidade de recuperação.

“Um projeto que foi concebido para viabilizar o uso coletivo dos recursos foi inviabilizado pelo senhor Dal’Bosco e demais deputados quando aumentaram em 70% para a produção de soja e gado, além de reduzir em 40% as áreas passíveis de preservação”, acusa o pesquisador Miguel Aparicio Suárez, representante da Operação Amazônia Nativa (Opan), também presente ao evento público.

A manifestação pretendia associar e repudiar a violência à Terra com a violência às pessoas (especialmente as de origem indígena)em favor de alternativas de economia solidária, segundo Sato e Suarez.O único dos 15 deputados estaduais que votou contra o substitutivo foi Alexandre César (PT). Agora,será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa para poder finalmente ir à sanção ou aprovação do governador Silval Barbosa PMDB).
Rodivaldo Ribeiro/Folha do Estado
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terça-feira, 20 de abril de 2010

O Xingu que morrerá

Neste dia 20 de abril de 2010, o governo federal conduziu o leilão de concessão da usina hidrelétrica de Belo Monte. O empreendimento dará origem à terceira maior barragem do mundo e terá potência instalada de aproximadamente 11,6 mil MW. Neste ensaio o ambientalista e advogado Donizete Tomé revela o que será perdido sob o lago de Belo Monte. Saiba mais lendo as reportagens "Aprovada sem louvor " e "Para ONGs, leilão foi ilegal"





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Para ONGs, leilão foi ilegal

A validação do leilão para a concessão da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que teve como consórcio vencedor o Norte Energia, não agradou a membros de ONGs. Há uma grande desconfiança de que o governo conduziu o certame mesmo sabendo que a justiça havia concedido liminar interrompendo o processo. O Ministério Público Federal do Pará soltou comunicado nesta terça dizendo que vai investigar se o leilão ocorreu mesmo depois de notificação judicial ter sido entregue à Agência Nacional de Energia Elétrica.

Segundo representantes da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, que, através de ação em conjunto com a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, foi quem conseguiu a liminar concedida pela Justiça Federal em Altamira (PA), o documento foi enviado à Aneel às 13h10m desta terça-feira (20), dez minutos antes do início do leilão.

De acordo com Roland Widmer, coordenador do Programa de Ecofinanças da Amigos da Terra, a briga agora é para suspender o leilão: “Independente do pronunciamento do juiz (Antonio Carlos Almeida Campelo) sobre a cassação, nós manteremos o argumento de que foi passada a notificação antes do término do leilão e, por isso, não foi respeitada pela agência reguladora”. Segundo ele, às 13h11 a liminar já havia sido publicada no site da Justiça Federal do Pará.

Para o coordenador adjunto do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), Raul do Valle, a cassação da liminar não foi nenhuma surpresa. “Essa última ordem judicial representou um sinal para o governo de que ele pode fazer o que quiser. Não precisa respeitar a lei, porque o judiciário não vai punir”, afirmou.

Segundo do Valle, a decisão do juiz foi baseada em artigos selecionados de jornais: “e, é claro, só matérias que falassem bem da obra. Mas obra boa é aquela que está de acordo com a legislação ambiental, um processo feito de forma desviada não pode ser bom para a sociedade”. Ele assegura que essa não será a última decisão política sobre o caso, haverá outras.

O MPF anunciou que investigará se o leilão descumpriu ordem judicial. "A liminar foi concedida por volta das 12h de hoje, em ação civil pública movida pelas organizações Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e Associação de Defesa Etnoambiental - Kanindé. Mesmo assim, a Agência Nacional de Energia Elétrica realizou o leilão, o que pode se configurar como desobediência à ordem judicial", afirmou o órgão em comunicado.

Outro lado

A Aneel divulgou nota após a realização do leilão apenas informando que em função da liminar concedida à ação movida pelas ONGs o nome dos ganhadores não poderia ser divulgado.

Leia a íntegra da nota da Aneel

Em coletiva de imprensa, representantes da agência sustentaram que a notificação judicial havia chego apenas 3 minutos após a realização do leilão.
*Nathalia Clark é jornalista em Brasília

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Agrobusiness não resolve problema da fome


Danielle Brant, da PrimaPagina / PNUD Brasil

A produção agrícola baseada em padrões industriais e alimentos exportáveis (commodities) não colabora para combater a fome em vários países em desenvolvimento e frequentemente resulta em degradação ambiental, afirma um artigo publicado pelo CIP-CI (Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo), um órgão do PNUD em parceria com o governo brasileiro. Os autores do estudo defendem uma mudança de modelo, com incentivo para o que chamam de agricultura sustentável - baseada no conhecimento local e em técnicas de preservação.

“Este pode ser um momento oportuno para rever os métodos tradicionais da ‘revolução verde’, como subsídios a fertilizantes e pesticidas, e explorar alternativas sustentáveis e de baixo custo que ajudem a conservar os recursos hídricos e da terra”, defendem os pesquisadores Tuya Altangerel, do Escritório de Políticas para o Desenvolvimento, do PNUD, e o pesquisador Fernando Henao, da Universidade de Nova York, no texto Agricultura Sustentável: Uma saída para a pobreza de comida.

“A produção agrícola industrializada e a transformação de itens da cesta básica em commodities não ajudaram a aumentar o consumo de alimentos em muitos países em desenvolvimento, principalmente entre importadores de alimentos”, afirmam os estudiosos. Já as práticas sustentáveis “são mais eficientes em desenvolver um sistema de produção resistente”.

Eles citam uma pesquisa feita com 12 milhões de pequenos produtores em 57 países em desenvolvimento, segundo a qual os lavradores que adotaram práticas sustentáveis - como gestão integrada de nutrição e pragas, armazenamento de água de chuva e cultivo mínimo do solo - viram a safra crescer, em média, 79%. O maior salto (mais de 120%) ocorreu em pequenas propriedades irrigadas e jardins urbanos e hortas.

“Métodos de conservação, incluindo agricultura orgânica, podem atingir safra comparáveis às da agricultura industrial. Sustentadas ao longo do tempo, também geram lucros maiores e reduzem drasticamente o uso de pesticidas convencionais”, escrevem Tuya e Henao. Além disso, eles afirmam que as práticas sustentáveis asseguram ganhos ambientais e aumentam o valor nutricional dos alimentos.

No entanto, não é um caminho fácil. Adotar a agricultura sustentável requer intensa cooperação e construção de conhecimento em nível local. “Apesar de, inicialmente, isso poder elevar os custos, o lucro líquido em médio prazo ainda é maior do que na produção agrícola industrializada, principalmente se benefícios adicionais forem levados em consideração - como dinâmicas sociais fortalecidas, gerenciamento de recursos naturais locais e autossuficiência alimentar”, ressaltam.

Na prática, seguir princípios sustentáveis pode ajudar as 100 milhões de pessoas que foram jogadas no universo da fome, em 2008, devido à crise econômica mundial. Os pesquisadores também veem um impacto positivo na vida de mulheres que comandam pequenas propriedades rurais, já que a adoção da agricultura sustentável pode melhorar o uso da terra em longo prazo, assim como a qualidade da alimentação da família.

Situação dos povos indígenas é tragédia para o mundo

Belo Monte e a situação dos índios do Xingu se ajustam perfeitamente a estas considerações! (comentário deste blog)

Durante abertura da 9ª sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas, Secretário-Geral lembra que os indígenas representam 5% da população mundial mas 1/3 dos mais pobres; em alguns países, eles tem 600 vezes mais chances de contrair tuberculose.

Daniela Traldi, da Rádio ONU em Nova York.

O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, lembrou nesta segunda-feira que os povos indígenas de todo o mundo sofrem altos índices de pobreza, problemas de saúde, crime e abusos dos direitos humanos.

Ele participou da abertura da 9ª sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas na sede das Nações Unidas, em Nova York.

Violência

Ban afirmou que os indígenas representam 5% da população mundial, mas 1/3 dos mais pobres. Em alguns países, eles tem 600 vezes mais chances de contrair tuberculose e uma criança indígena pode morrer 20 anos antes do que uma que não é nativa.

Ele lembrou ainda que os indígenas vivem geralmente nas partes mais isoladas do planeta, do Ártico às savanas africanas.

O Secretário-Geral falou também sobre a violência diária, brutalidade, questões relativas à terra enfrentadas por essas comunidades, ameaças de conflitos armados, mudanças climáticas, falta de oportunidade educacional e discriminação.

Tragédia

Ban disse que trata-se de uma tragédia para os povos indígenas e o restante do mundo. Ele citou ainda a distorção da cultura e o uso para geração de lucro que não beneficia as comunidades.

Ban Ki-moon mencionou previsão de desaparecimento de 90% de todos os idiomas em 100 anos. A perda das línguas corrói um componente essencial da identidade de um grupo, de acordo com ele.

O Secretário-Geral pediu aos governos, comunidades indígenas, à ONU e outros parceiros para que a Declaração Sobre os Direitos do Povos Indígenas se torne uma realidade para todos. A 9ª sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas termina em 30 de abril.
(Rádio ONU)

Belo Monte
MPF vai pedir que Corte Especial analise processo

Pedro Peduzzi, da Agência Brasil

O Ministério Público Federal vai recorrer contra a suspensão da liminar que impedia o leilão da Usina de Belo Monte, no Pará, e deve protocolar ainda hoje (19) um agravo interno no Tribunal Regional Federal (TRF) pedindo que o processo envolvendo a usina seja avaliado pela Corte Especial do órgão. Com isso, a liminar seria analisada por todos os desembargadores que compõem o tribunal.

A decisão por suspender a liminar foi tomada na sexta feira (16) pelo presidente do TRF da 1ª Região, desembargador federal Jirair Aram Meguerian. O MPF argumenta que a decisão contrária à liminar que suspendia o leilão foi tomada de forma unilateral. Segundo o procurador regional Renato Brill de Góes, “causa estranheza” ao MPF a rapidez com que a decisão foi tomada. Além disso, afirma, “foge à rotina do TRF1 decidir sobre um assunto tão complexo como este em cerca de três horas “.

A fim de manifestar repúdio à decisão do presidente do TRF, cerca de 10 manifestantes ligados ao Movimento Xingu Vivo para Sempre, que agrega cerca de 150 entidades, estão em frente à sede do órgão, para pedir uma audiência com Megueriam. Eles foram informados pela secretária do desembargador que ele os receberá às 16h - informação não confirmada pela assessoria do tribunal.

Estão previstas para esta tarde, em frente ao TRF, manifestações contrárias à construção da usina. “Esse leilão vai contra os estudos ambientais e contra as leis brasileiras”, afirma a representante do Grupo de Articulação dos direitos Indígenas do Médio Xingu, Sheila Yakrepi Juruna. “Essa usina já está resultando na invasão de terras demarcadas e prejudicará a demarcação de outras terras indígenas. Além disso causará seca nos rios Xingu e Bakajá”.

“Nosso protesto é contra a politização do Judiciário e a favor da utilização de formas alternativas de energia. Apoiamos o MPF porque sabemos que este projeto foi montado em cima de grandes mentiras e com intenções eleitoreiras”, argumenta a coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, Antônia Melo.

O leilão da Usina de Belo Monte está previsto para ser realizado no dia 20 de abril.
(Agência Brasil)

domingo, 18 de abril de 2010

Dia do índio ou Dia do PAC?

Em homenagem aos índios brasileiros que pouco ou nada têm para comemorar no seu dia (19 de abril), publico estes vídeos dos povos do Xingu, que protestam contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte e seus nefastos impactos para o meio ambiente e suas vidas. Apesar de todos os protesto dos índios, dos ambientalistas e de boa parte da sociedade brasileira, o leilão para construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, deve acontecer nesta próxima terça-feira (20), caso o Ministério Público Federal não consiga reverter a situação.





sábado, 17 de abril de 2010

As relações homem-animal na organização social: uma breve história para leigos e iniciantes

Artigo de Carlos José Saldanha Machado

Carlos José Saldanha Machado é antropólogo da ciência, pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocurz). Artigo enviado pelo autor para o "JC e-mail":

A prática científica secular de uso de animais em experimentação se mantém constante nas pesquisas voltadas ao desenvolvimento de novos produtos biomédicos para a saúde pública. Mas, como as pesquisas científicas não se realizam no vazio, observa-se que são partes envolvidas, nas últimas quatro décadas, juntamente com o movimento pelos direitos dos animais, de um intenso e longo debate internacional e nacional sobre a fronteira criada para separar o mundo humano do mundo natural e sua adoção pelo sistema jurídico.

A intensa discussão sobre o estatuto moral dos animais tem superado, em apenas quatro décadas, o volume de textos que se produziu nos últimos dois mil anos. Diversas ideias foram traduzidas ao longo dos processos legislativos nacionais e incorporadas nas respectivas leis, isto é, em uma das maneiras pelas quais os seres humanos regulam as relações entre o indivíduo e o grupo, as obrigações de parentesco, as questões de origem e propriedade, o tratamento de litígios, as regras de status e poder, a distinção entre o sagrado e o profano e as relações com os animais.

No país que mais utiliza animais em pesquisa, os EUA, a oposição generalizada da opinião pública sobre a utilização de animais de abrigos e de refúgios levou os National Institutes of Health (NIHs) a publicar, em 1963, um guia para o bem-estar dos animais de laboratório. Três anos depois, é aprovado o Animal Welfare Act (AWA). Apesar de não tratar exclusivamente de animais de laboratório, esta lei tem o objetivo de regular o transporte, cuidado e uso de certas espécies de animais utilizados na experimentação. Naquela ocasião, ratos, camundongos e pássaros foram excluídos da proteção.

Nos anos seguintes, o Animal Welfare Act foi alterado várias vezes, e várias tentativas foram feitas para promover uma maior regulamentação com a apresentação de diversas propostas de lei de proteção dos animais no Congresso americano. Já na década de 1990, organizações de proteção dos animais começaram a questionar a exclusão de ratos, camundongos e pássaros da AWA.

Do outro lado do Atlântico, na Inglaterra, nos anos 1970, foram introduzidas, sem sucesso, proposta de leis em ambas as casas do Parlamento. Mas, em 1986, a centenária legislação inglesa foi finalmente substituída pelo Animals (Scientific Procedures) Act.

Mas a própria ciência tem participado daquelas mudanças culturais que expressam um momento particular da relação do homem ocidental com a natureza, com outros homens e, particularmente, como os animais; relações que se desenvolvem, ao mesmo tempo, no processo de urbanização acelerada das sociedades ocidentais.

Há um crescente interesse científico em ver os animais como tendo sensibilidade, particularmente no campo emergente da etologia cognitiva, com sua ênfase no "espírito animal" e revisões teóricas de conceitos, tais como, "cognição", "representação animal" e "consciência". Tais estudos têm contribuído para as inúmeras controvérsias e embates entre pesquisadores e movimentos de defesa dos direitos dos animais.

Nesse vasto contexto de mudanças, qualquer pessoa nos Estados Unidos e na Inglaterra que inflija intencionalmente dor a um animal está fazendo algo condenável segundo a lei e os costumes da cultura dominante no meio urbano. Há, evidentemente, maneiras de fazê-lo, que permanecem dentro da lei, como a atividade de caça (que muitas vezes pode causar grande sofrimento) e da própria ciência. Mas, as pessoas, mesmo legalmente amparadas, se sentem cercadas e incompreendidas.

É digno de nota o fato de que durante o período que antecedeu ao ato de proibição da caça com cães na Inglaterra e no País de Gales (até fevereiro de 2005), a comunidade pró-caça tentou argumentar que a caça era importante para as comunidades rurais, tanto culturalmente quanto economicamente, e que os moradores das cidades que se opunham à caça o fazem sem compreender o modo de vida rural.

Resumindo essa brevíssima história, existem hoje, na maioria dos países ocidentais, simultaneamente, leis que regulamentam o uso de animais em experimentos, sendo a lei brasileira promulgada recentemente (sobre a Lei brasileira, ver JC e-mail nos: 3801, 09/07/09; 3835, 26/08/09; 3834, 25/09/09; sobre a Lei norte-americana, ver JC e-mail no 3913, 17/12/09) e contestações sobre a eficácia dessas leis. Enquanto muitos cientistas consideram que a lei protege os animais e o seu bem-estar, os antivivisseccionistas acham que a lei só serve para proteger os interesses dos cientistas.

Diante dessa situação da dinâmica da organização e reorganização social das sociedades ocidentais contemporâneas, pode-se concluir que, sem uma moratória entre os atores envolvidos naquele embate político-científico e a construção de uma arena de debates estruturada com normas de funcionamento equitativo e pluralista, para se chegar a uma saída negociada do impasse instaurado, a batalha jurídica e as ações de intimidação e difamação assumirão o primeiro plano do espaço público. No caso brasileiro em particular, cabe se perguntar quem ganha e quem perde nessa relação de força?

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sementes crioulas e a garantia da soberania dos povos


“A utilização das sementes crioulas visa exatamente ao resgate e ao aumento na utilização da biodiversidade local frente ao processo da agricultura moderna”, disse o agrônomo do Embrapa, Gilberto Antonio Bevilaqua, ao IHU On-Line por e-mail. Apesar de as sementes crioulas ainda serem pouco utilizadas na agricultura expansiva, elas “possuem grande potencial para o desenvolvimento de novas cultivares adaptadas a sistemas de produção com baixa utilização de insumos e poupadoras de recursos naturais”. A coevolução das cultivares crioulas, explica o pesquisador, “juntamente com as mudanças ambientais que vêm ocorrendo, propiciam o aparecimento de novas variantes que, sob vários aspectos, representam melhorias no sistema e podem, inclusive, contribuir com os programas tradicionais de melhoramento genético”.

Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, o pesquisador compara a potencialidade das sementes crioulas com as híbridas, e informa que as crioulas “possuem um comportamento mais estável quanto à produtividade, apresentando potencial de rendimento menor que as cultivares melhoradas e híbridas, entretanto, produzem relativamente bem em anos e condições climáticas desfavoráveis”.

Quando se trata de preservar e expandir a produção de sementes crioulas, Bevilaqua assegura que “o uso de cultivar crioula possibilita que o agricultor possa reutilizar essa semente, observando indicações técnicas específicas para garantir a sua qualidade genética, pureza e germinação da semente”.

Com a introdução da transgenia, o risco das sementes crioulas serem extintas “efetivamente existe”, confirmou o pesquisador. Entretanto, ele esclarece que as cultivares crioulas acabam incorporando genes de culturas híbridas e transgênicas, e o processo de evolução deve “seguir o caminho natural”.

Bevilaqua é formado em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, mestre e doutor em Ciências pela Universidade Federal de Pelotas - UFPEL. Desde 1996, é pesquisador da Embrapa Clima Temperado. Atualmente, participa de um projeto intitulado Agricultores Guardiões de sementes e desenvolvimento de cultivares crioulas.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como é possível pensar em um resgate da biodiversidade através da expansão de sementes crioulas?

Gilberto Antonio Bevilaqua - A utilização das sementes crioulas visa exatamente o resgate e o aumento na utilização da biodiversidade local frente ao processo da agricultura moderna, focado na uniformização dos cultivares e utilização de um pequeno número de culturas com interesse comercial. Para diversas culturas menos expressivas comercialmente não existem cultivares recomendadas pelas instituições de pesquisa, que realizam melhoramento genético. Assim, as cultivares crioulas passam a ser as únicas em condições de serem utilizadas por apresentarem ampla adaptação aos sistemas locais de produção. A agricultura moderna também está centrada em pequeno número de culturas de interesse como arroz, soja, trigo, milho e batata, e a utilização de cultivares crioulas pode aumentar o número de culturas de interesse, diversificando os sistemas de produção e garantindo maior estabilidade.

IHU On-Line - Qual a importância de resgatar a semente crioula numa época em que se fala tanto na escassez de recursos naturais e alimentos?

Gilberto Antonio Bevilaqua - A agricultura moderna tem ocasionado perda acelerada da agrobiodiversidade pela substituição de cultivares crioulas e tradicionais por cultivares modernas e altamente dependentes de insumos químicos e fertilizantes. Isso está conduzindo à perda de genes constantes das cultivares crioulas, as quais poderiam dar grande contribuição para a agricultura brasileira e mundial, se melhor conhecidos e estudados. As cultivares crioulas possuem grande potencial para o desenvolvimento de novas cultivares adaptadas a sistemas de produção com baixa utilização de insumos e poupadoras de recursos naturais. A coevolução das cultivares crioulas, juntamente com as mudanças ambientais que vêm ocorrendo, propiciam o aparecimento de novas variantes que, sob vários aspectos, representam melhorias no sistema e podem, inclusive, contribuir com os programas tradicionais de melhoramento genético. A conservação das sementes crioulas faz parte de uma campanha mundial de soberania dos povos quanto à posse de suas sementes, como estratégia de segurança nacional.

IHU On-Line - Em que medida a semente crioula pode ser uma alternativa à crise de alimento que é anunciada por vários pesquisadores?

Gilberto Antonio Bevilaqua - As cultivares crioulas possuem um papel importante para vencer a crise de alimentos, embora a escassez de alimentos seja relativa, pois, a nível mundial, a oferta e demanda de alimentos não são tão díspares assim, ou seja, a existência de pessoas com fome ou subnutridas deve-se mais a dificuldades de aquisição dos alimentos do que propriamente a falta de alimento a ser adquirido. As cultivares crioulas possuem um comportamento mais estável quanto à produtividade, apresentando potencial de rendimento menor que as cultivares melhoradas e híbridas, entretanto, produzem relativamente bem em anos e condições climáticas desfavoráveis. O uso de cultivares crioulas seria a estratégia mais acertada para cultivo em áreas marginais de produção, garantindo produção de alimento mesmo sob condições desfavoráveis.

IHU On-Line - Como está a produção de semente crioula no Rio Grande do Sul? Existe um banco de semente crioula, por exemplo?

Gilberto Antonio Bevilaqua - A produção de sementes crioulas no Estado ainda pode ser considerada pequena, embora a procura por cultivares crioulas tenha aumentado, apesar do avanço acelerado das modernas tecnologias. A perspectiva de utilização de sementes crioulas tenderá a aumentar com a exigência dos órgãos certificadores de alimentos orgânicos que estipularem a exigência de sementes ecológicas para a instalação de áreas de produção. Existem vários bancos de sementes no Estado, como iniciativa de grupos de agricultores organizados e entidades representativas da Agricultura Familiar cujo objetivo é disponibilizar sementes de cultivares crioulas, principalmente com a utilização de tecnologias de base ecológicas.

IHU On-Line - De que forma é feita a distribuição da semente crioula entre os agricultores do estado?

Gilberto Antonio Bevilaqua - Existem diversas entidades públicas e privadas organizadas, preocupadas com cultivares crioulas e que desenvolvem atividades de pesquisa e desenvolvimento. Estas entidades e movimentos sociais estão organizadas, juntamente com a Embrapa, em torno de projetos específicos que visam, primeiramente, a caracterização e avaliação das cultivares, e aquelas que se destacam venham a ser utilizadas comercialmente. Os bancos de sementes passam a ser uma importante estratégia para que os agricultores tenham acesso a estas cultivares. Programas públicos específicos para a agricultura familiar, como o troca-troca de sementes, poderiam dar grande contribuição no sentido de que exigissem, mesmo que parcialmente, a utilização de cultivares crioulas.

IHU On-Line - Quais são as formas de preservar a semente crioula diante do cultivo de sementes híbridas?

Gilberto Antonio Bevilaqua - Estamos trabalhando várias estratégias para preservar as cultivares crioulas, acho que a principal delas é o Agricultor Guardião de sementes, que é um agricultor que, por sua vocação, possui um grande número de cultivares e faz seleção das plantas na perspectiva do seu sistema produtivo, conforme suas preferências e condições locais de clima e solo. O guardião é o elo fundamental entre a pesquisa e as entidades preocupadas com o desenvolvimento das cultivares crioulas. A pesquisa vem se dedicando também ao resgate e conservação das cultivares crioulas, reconhecendo as características relevantes das mesmas para que possam ser exploradas comercialmente. Em nosso trabalho, disponibilizamos anualmente dezenas de coleções para avaliação local das cultivares. A formação de uma rede estadual que desenvolve trabalhos e pesquisa e desenvolvimento, focados na agrobiodiversidade local, foi um importante passo para apoiar as iniciativas locais de trabalho com sementes crioulas.

IHU On-Line - A semente híbrida gera que implicações à biodiversidade e ao cultivo das diferentes espécies?

Gilberto Antonio Bevilaqua - A semente híbrida subentende todo um sistema de produção que implica na uniformização do processo produtivo, bem como a utilização de pequeno número de cultivares, fruto também da própria uniformização. As cultivares híbridas são desenvolvidas para sistemas intensivos, que utilizam largamente agrotóxicos e fertilizantes, nos quais as cultivares crioulas não são bem adaptadas, pois são poupadoras de insumos. Observa-se que o acesso dos agricultores a cultivares híbridas implica frequentemente em abandono de suas cultivares tradicionais. Nós temos essa preocupação de que o agricultor ao adotar uma cultivar melhorada não abandone suas cultivares tradicionais.

IHU On-Line - O que justifica a substituição da semente crioula pela semente híbrida?

Gilberto Antonio Bevilaqua - As cultivares híbridas possuem um potencial produtivo superior às cultivares crioulas, especialmente em condições de solo e clima favoráveis, o que significa que as híbridas devem ser utilizadas em sistemas intensivos com alta utilização de tecnologia e solos de alta fertilidade, nestes casos, a produtividade da híbrida será superior a das cultivares crioulas. Em anos considerados desfavoráveis, a produtividade de ambas tende a se igualar, ou, em certos casos, a cultivar crioula pode superar a híbrida. Com isso, a cultivar crioula passa a ser recomendada em condições de clima e solo desfavoráveis pela sua adaptação a estas condições, conferidas ao longo de décadas de seleção pelos agricultores. Além do mais, o uso de cultivar crioula possibilita que o agricultor possa reutilizar essa semente, observando indicações técnicas específicas para garantir a sua qualidade genética, pureza e germinação da semente.

IHU On-Line - Como o senhor percebe a utilização de sementes crioulas entre os agricultores? Por que, apesar de existir uma variedade grande de determinada espécie, como o milho, por exemplo, poucas qualidades de sementes são cultivadas?

Gilberto Antonio Bevilaqua - A utilização de sementes crioulas em cultivos extensivos ainda pode ser considerada pequena, embora os agricultores familiares as utilizem em maior escala, em casos de haver deficiência na oferta de sementes de acordo com o ano. O comportamento do consumidor final também acaba sendo determinante na escolha da cultivar por parte do produtor e afetando o comportamento da indústria processadora na compra do produto. Atualmente, o consumidor tem uma preferência por produtos com aparência homogênea, desconsiderando o valor nutricional do produto e o sistema em que foi produzido. A mudança de hábito do consumidor quanto a produtos com aparência menos impactante terá forte influência na escolha do material genético e na alteração dos sistemas de produção utilizados.

IHU On-Line - Com a introdução da transgenia na agricultura, a semente crioula corre risco de entrar em extinção?

Gilberto Antonio Bevilaqua - O risco efetivamente existe. Tem se observado o aumento dos casos de contaminação das cultivares crioulas por cultivares híbridas e transgênicas, principalmente em espécies alógamas, como o milho. Entretanto, constata-se que as cultivares crioulas incorporam genes destas cultivares, e o processo de evolução deve seguir o caminho natural, pois é impossível deter a movimentação dos grãos de pólen. Mecanismos de controle dos cultivos transgênicos devem ser melhor administrados sob pena da contaminação total dos campos de sementes, inclusive em cultivares convencionais de espécies autógamas, como a soja.
(IHU On-line)