segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ciência para a biodiversidade


Por Stephen Leahy*

As negociações comerciais poderão ficar sob a lente de um novo organismo científico dedicado a avaliar os impactos humanos na perda de diversidade biológica.

Uxbridge, Canadá, 28 de fevereiro de 2011 (Terramérica).- Após cinco anos de preparações, será formalmente lançada este ano a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES). Para alguns de seus defensores, até as decisões da OMC deveriam passar por sua análise. A IPBES funcionará de maneira análoga ao Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), mas dedicada à biodiversidade.

A ideia que guia este esforço é a de que as decisões tomadas em todas as hierarquias de governos são as responsáveis primordiais pela redução de espécies e ecossistemas que mantêm a vida na terra. Para isto, os governos necessitam de um órgão científico independente e rigoroso, que possa avaliar o impacto de suas políticas e decisões. “As pessoas não costumam apreciar a importância da biodiversidade nem o quanto está em jogo com sua perda”, disse ao Terramérica o professor de Economia Ambiental da norte-americana Arizona State University, Charles Perrings.

“Biodiversidade” é o termo usado para descrever a ampla variedade de seres vivos que formam a infraestrutura biológica do planeta e nos fornecem saúde, riqueza, alimentos, água, combustível e outros serviços vitais. Informes como a Perspectiva Mundial sobre a Diversidade Biológica 3, divulgada no ano passado, documentam como certas políticas e o descumprimento das leis colocam em risco esta infraestrutura biológica. Muitas pessoas não compreendem até que ponto a humanidade depende destes serviços e a velocidade com que estão mudando a biodiversidade, alertou Charles.

“As decisões que alteram a biosfera têm hoje profundas implicações para o bem-estar da humanidade. E devem ser bem informadas pela ciência”, acrescentou o professor. Em sua opinião, “as propostas defendidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) deveriam ser avaliadas quanto às suas consequências sobre o hábitat ou á sua capacidade de provocar uma dispersão maior de espécies pelo planeta, agravando o problema das espécies invasoras”.

A atual Rodada de Doha da OMC para desmantelar os subsídios agropecuários deveria ser analisada quanto aos seus possíveis impactos na biodiversidade, ressaltou Charles. “As consequências das mudanças nas políticas agrícolas estarão entre as primeiras coisas que queremos salvar”, afirmou. A IPBES dará a quem toma decisões projeções rigorosas dos efeitos de suas políticas, declarou Connie Martínez, da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), na cidade suíça de Gland.

“Os funcionários de todos os ministérios necessitam de melhor compreensão de como o desenvolvimento econômico pode ter impacto na biodiversidade”, disse Connie ao Terramérica. Por isso, a IPBES não se limitará a informar aos ministros de Meio Ambiente. Também vai monitorar todas as decisões políticas que possam afetar os ecossistemas, acrescentou Charles, que trabalhou durante anos para criar esta organização.

Além disto, há uma necessidade urgente de entender as consequências de transformações velozes ocorridas na biodiversidade nas últimas décadas. O rumo das energias renováveis, com a produção de agrocombustíveis, foi traçado sem analisar seus consideráveis impactos sobre a diversidade biológica, afirmou Harold Mooney, da Stanford University e coautor, com Charles, de um informe sobre a IPBES publicado no dia 18 deste mês, na revista científica Science.

“O objetivo da IPBES é fazer com que a conexão ciência-política funcione melhor para informar os que tomam decisões”, disse Harold ao Terramérica. A IPBES não vai promover uma ou outra política, mas fornecer a melhor informação científica possível sobre os efeitos que uma ou outra possa ter, ressaltou. E não se trata apenas de conservação: os ecossistemas naturais fornecem um amplo espectro de serviços econômicos à comunidade, disse seu artigo na Science.

Por exemplo, as florestas e os pântanos previnem inundações. Um hectare de arrecife de coral proporciona, em média, serviços avaliados em US$ 130 mil por ano, que podem chegar a até US$ 1,2 milhão em alguns lugares. O plantio de mangues ao longo da faixa costeira do Vietnã custou US$ 1,1 milhão, e permitiu economizar US$ 7,3 milhões com a manutenção de diques.

Em seu ano de nascimento, a IPBES ainda não sai do berço. Apesar de 93 países terem concordado com sua criação, não possui orçamento, nem sede, nem pessoal, e existe apenas um vago esquema sobre como poderia funcionar. Supõe-se que, como o IPCC, se dedicará a revisar de forma exaustiva os resultados das pesquisas mundiais em matéria de biodiversidade e, a partir deles, traçar projeções e cenários e fazer recomendações.

O Conselho Governante do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), integrado pelos ministros de meio ambiente, reuniu-se entre 21 e 24 deste mês no Quênia para aprovar a primeira conferência plenária da IPBES. Nesse plenário, previsto para outubro, serão decididos orçamento, sede, organização e estrutura operacional. Coreia do Sul e Quênia se apresentaram para hospedar a nova entidade.

A União Europeia reclamou que comece a funcionar o quanto antes para demonstrar que “a comunidade internacional está decidida a abordar o grande desafio da perda de biodiversidade”, diz um comunicado da delegação do bloco do Quênia. Para que tenha êxito, é preciso uma significativa participação da sociedade civil, lembrou Connie. Por exemplo, os povos indígenas são fundamentais para a conservação e o uso sustentável da natureza, afirmou. A sociedade civil terá um papel importante, admitiu Charles. Porém, como ocorre com o IPCC, somente os governos poderão votar, afirmou.

A IPBES pretende ser um órgão independente do Pnuma ou do Convênio das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, disse Nick Nuttall, porta-voz da agência ambiental. Quanto a evitar algumas das controvérsias menores que ofuscaram as conclusões do IPCC em matéria de mudança climática, Nick afirmou ao Terramérica que a IPBES se beneficiará dessa experiência e garantirá “o máximo rigor científico”. Para Charles, com um pouco de sorte, a IPBES estará funcionando no começo de 2012.
*O autor é correspondente da IPS.
Crédito da imagem: Mauricio Ramos/IPS
Legenda: Vegetação de montanha no Pico de Orizaba, México.

e apoio às metas para consumo mais sustentável


izal Samath

Os Objetivos de Consumo para o Milênio, que vão desde reduzir as horas de trabalho até aumentar o uso de bicicletas e caminhar mais, usar roupas de segunda mão e consumir menos carnes e lácteos, ganham terreno nos debates via Internet. Estas recomendações tomam como modelo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, definidos em 2000 pela Assembleia Geral de Organização das Nações Unidas (ONU), que incluem, entre outras coisas, reduzir pela metade, em relação a 1990, a proporção de pessoas que sofrem pobreza e fome, até 2015.

Mohan Munasinghe, do Sri Lanka, especialista em desenvolvimento sustentável e mudança climática, propôs os Objetivos de Consumo em uma entrevista que deu à IPS em janeiro, em Colombo. Desde então, sua ideia desatou todo um debate. Alguns querem que essas metas sejam oito, como as do Milênio, e depois sejam apresentadas à ONU, onde podem atrair a atenção e o compromisso dos Estados-membros. Outros preferem fixar objetivos pessoais para ajudar a reduzir os hábitos que prejudicam o meio ambiente.

Erik Assadourian, diretor do projeto sobre Culturas em Transformação e pesquisador do Worldwatch Institute, listou cinco sugestões para os Objetivos de Consumo. Primeiro, reduzir pela metade a obesidade e o sobrepeso até 2020, para reduzir a mortalidade, a morbidade e os custos econômicos, bem como as pressões ecológicos causadas pelo excessivo consumo de alimentos. Segundo, reduzir pela metade a semana de trabalho, para distribuir melhor os empregos e a riqueza, promover um estilo de vida mais saudável e diminuir a atividade econômica. Terceiro, cobrar impostos dos mais ricos da sociedade. Quarto, duplicar o uso de meios de transporte não motorizados, como as bicicletas. Quinto, garantir a atenção à saúde para todos.

“Ajudem-me a acrescentar outros três objetivos a essa lista para chegarmos a oito, e então poderemos apresentar a ideia na ONU”, escreveu Erik. “Afinal, se nos países industrializados podem ser fixados objetivos para quem vive nos países em desenvolvimento, a ONU deveria mostrar a mesma preocupação em relação aos que vivem mal nos países ricos”, acrescentou.

Matthew McDermott, do site www.treehugger.com, dedicado a temas de sustentabilidade, sugeriu duplicar a quantidade de alimentos produzidos organicamente, o que reduziria o uso de combustíveis fósseis, fertilizantes químicos e pesticidas, além de permitir menor uso de eletricidade em casa. “Se sua eletricidade procede de combustíveis fósseis, isto reduzirá a contaminação, as emissões de gases-estufa e, indiretamente, aumentará a independência energética. Se sua eletricidade é gerada a partir de fontes renováveis, isto reduzirá a quantidade de energia e de terra necessária para as fazendas eólicas, usinas solares, hidroeletricidade e biocombustíveis”, escreveu.

Em um e-mail publicado no site de Munasinghe, Philip Vergragt propôs reduzir em 25% o espaço que cada pessoa utiliza para viver. Também sugeriu que se cozinhe mais em casa, com ingredientes frescos e, dentro do possível, adquiri-los no próprio lugar. Outras recomendações incluem diminuir a compra de novos produtos e do lixo, mediante a elaboração de adubo orgânico e reciclagem. Jeremy Williams, um jornalista independente que escreve da Grã-Bretanha, sugeriu em seu site Make Wealth History (fazer com que a riqueza seja história) uma redução nas viagens áreas, acabar com o desperdício de alimentos e criar um sistema bancário estável.

Vários sites e blogs decidiram promover a ideia dos Objetivos de Consumo para os ricos. Em um deles, quem se identificou como Kishor Mistry disse estar seguindo algumas metas pessoais, entre elas, não comprar roupa nem sapatos novos até que os velhos estejam gastos, usar escadas em lugar de elevadores e não trocar de carro enquanto o velho funcionar. Outro, identificado apenas pelas iniciais CH, pediu urgência na mudança dos hábitos alimentares. “Voto pela redução de 90% no consumo da carne e de 70% no de ovos e produtos lácteos. Dessa forma, não importará se o preço da carne aumentar, já que poderemos abolir as fazendas industriais”, acrescentou.

Quanto à redução da semana de trabalho, Thomas Colley disse que isto significará que os indivíduos terão mais tempo para as missões voluntárias, entre outros benefícios. Por sua vez, Munasinghe está fixando seus próprios objetivos. “Plantei uma árvore para reduzir minha pegada de carbono, e também fiz um esforço consciente para reduzir minhas viagens áreas usando mais a videoconferência”, afirmou. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Ecossocialismo. Por uma ecologia socialista. Entrevista especial com Michael Löwy


A crise ecológica abre a possibilidade para um novo projeto político, econômico e social: o ecossocialismo, defendido pelo sociólogo brasileiro, radicado na França, Michael Löwy. A ideia central da proposta é romper com o capitalismo e transformar as estruturas das forças produtivas e do aparelho produtivo. “Trata-se de destruir esse aparelho de Estado e criar um outro tipo de poder. Essa lógica tem que ser aplicada também ao aparelho produtivo: ele tem que ser, senão destruído, ao menos radicalmente transformado. Ele não pode ser simplesmente apropriado pelos trabalhadores, pelo proletariado e posto a trabalhar a seu serviço, mas precisa ser estruturalmente transformado”, esclarece.

Crítico ao capitalismo verde, que pretende transformar o capital e torná-lo menos agressivo ao meio ambiente, Löwy acredita que a crise ecológica é mais grave do que a econômica, pois “coloca em perigo a sobrevivência da vida humana neste planeta”. Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, ele enfatiza que é preciso reorganizar o modo de produção e consumo, atendendo “às necessidades reais da população e à defesa do equilíbrio ecológico”. As economias emergentes devem se desenvolver, mas não precisam “copiar o modelo de desenvolvimento capitalista do Ocidente”, aconselha. “Se trata de buscar um outro modelo, um desenvolvimento ecossocialista, baseado na agricultura orgânica dos camponeses e nas cooperativas agrárias, nos transportes coletivos, nas energias alternativas e na satisfação igualitária e democrática das necessidades sociais da grande maioria”.

Michael Löwy é cientista social e leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da Universidade de Paris. Entre sua vasta obra, destacamos Ideologias e Ciência Social. Elementos para uma análise marxista (São Paulo: Cortez, 1985); As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen (São Paulo: Cortez, 1998); A estrela da manhã. Surrealismo e marxismo (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002); Walter Benjamin: Aviso de Incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história” (São Paulo: Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann, ou a dialética da totalidade (São Paulo: Boitempo, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que o senhor entende por ecossocialismo? Quais as ideias principais dessa corrente?

Michael Löwy – O ecossocialismo é uma proposta estratégica que resulta da convergência entre a reflexão ecológica e a reflexão socialista, a reflexão marxista. Existe hoje em escala mundial uma corrente ecossocialista: há um movimento ecossocialista internacional, que recentemente, por ocasião do Fórum Social Mundial de Belém (janeiro de 2009), publicou uma declaração sobre a mudança climática; e existe no Brasil uma rede ecossocialista que publicou também um manifesto, há alguns anos. Ao mesmo tempo, o ecossocialismo é uma reflexão crítica.

Em primeiro lugar, crítica à ecologia não socialista, à ecologia capitalista ou reformista, que considera possível reformar o capitalismo, desenvolver um capitalismo mais verde, mais respeitoso ao meio ambiente. Trata-se da crítica e da busca de superação dessa ecologia reformista, limitada, que não aceita a perspectiva socialista, que não se relaciona com o processo da luta de classes, que não coloca a questão da propriedade dos meios de produção. Mas o ecossocialismo é também uma crítica ao socialismo não ecológico, por exemplo, da União Soviética, onde a perspectiva socialista se perdeu rapidamente com o processo de burocratização e o resultado foi um processo de industrialização tremendamente destruidor do meio ambiente. Há outras experiências socialistas, porém, mais interessantes do ponto de vista ecológico – por exemplo, a experiência cubana (com todos seus limites).

O projeto ecossocialista implica uma reorganização do conjunto do modo de produção e de consumo, baseada em critérios exteriores ao mercado capitalista: as necessidades reais da população e a defesa do equilíbrio ecológico. Isto significa uma economia de transição ao socialismo, na qual a própria população – e não as leis do mercado ou um “burô político” autoritário – decide, num processo de planificação democrática, as prioridades e os investimentos. Esta transição conduziria não só a um novo modo de produção e a uma sociedade mais igualitária, mais solidária e mais democrática, mas também a um modo de vida alternativo, uma nova civilização, ecossocialista, mais além do reino do dinheiro, dos hábitos de consumo artificialmente induzidos pela publicidade, e da produção ao infinito de mercadorias inúteis.

IHU On-Line – Em que consiste o Manifesto Ecossocialista Internacional?

Michael Löwy – O Manifesto Ecossocialista Internacional, redigido em 2001 por Joel Kovel e por mim, foi uma primeira tentativa de resumir, em algumas páginas, as ideias principais do ecossocialismo, como projeto radicalmente anticapitalista e antiprodutivista, e como crítica às experiências socialistas não ecológicas do século XX.

IHU On-Line – A tentativa de aplicar o socialismo no mundo fracassou. Será possível vingar o ecossocialismo? Por quê?

Michael Löwy – As experiências de corte social-democrata fracassaram porque não sairam dos limites de uma gestão mais social do capitalismo e, nos últimos anos do neoliberalismo, as experiências de tipo soviético ou stalinista fracassaram por ausência de democracia, liberdade e auto-organização das classes oprimidas. As duas tinham em comum uma visão produtivista de exploração da natureza, com dramáticas consequências ecológicas.

O ecossocialismo parte de uma visão crítica destes fracassos e propõe um projeto democrático, libertário e ecológico. Nada garante que possa vingar. Depende das lutas ecossociais do futuro.

IHU On-Line – Sob quais aspectos a crise ecológica é mais grave do que a econômica?

Michael Löwy – A crise econômica tem consequências sociais dramáticas – desemprego, crise alimentar etc. –, mas a crise ecológica coloca em perigo a sobrevivência da vida humana neste planeta. O processo de mudança climática e aquecimento global, provocado pela lógica expansiva e destruidora do capitalismo, pode resultar, nas próximas décadas, numa catástrofe sem precedente na história da humanidade: desertificação das terras, desaparecimento da água potável, inundação das cidades marítimas pela subida do nível dos oceanos etc.

IHU On-Line – Como pensar em ecossocialismo se a Modernidade é capitalista? Seria o ecossocialismo uma proposta para romper com o capital?

Michael Löwy – Absolutamente! Uma das ideias fundamentais do ecossocialismo é a necessidade de uma ruptura com o capitalismo. Uma ruptura que vai mais além de uma mudança das relações de produção, das relações de propriedade. Trata-se de transformar a própria estrutura das forças produtivas, a estrutura do aparelho produtivo. Há que aplicar ao aparelho produtivo a mesma lógica que Marx aplicava ao aparelho de Estado a partir da experiência da Comuna de Paris, quando ele diz o seguinte: os trabalhadores não podem apropriar-se do aparelho de Estado burguês e usá-lo a serviço do proletariado; não é possível, porque o aparelho do Estado burguês nunca vai estar a serviço dos trabalhadores.

Então, trata-se de destruir esse aparelho de Estado e de criar um outro tipo de poder. Essa lógica tem que ser aplicada também ao aparelho produtivo: ele tem que ser, senão destruído, ao menos radicalmente transformado. Ele não pode ser simplesmente apropriado pelos trabalhadores, pelo proletariado e posto a trabalhar a seu serviço, mas precisa ser estruturalmente transformado. É impossível separar a ideia de socialismo, de uma nova sociedade, da ideia de novas fontes de energia, em particular do Sol – alguns ecossocialistas falam do comunismo solar, pois entre o calor, a energia do Sol e o socialismo e o comunismo haveria uma espécie de afinidade eletiva.

IHU On-Line – Como o ecossosialismo pode se sustentar em economias emergentes, que ainda não conquistaram um status de bem-estar social das economias desenvolvidas?

Michael Löwy – As economias dos países do Sul, da Ásia, África e América Latina devem se desenvolver, mas isto não significa copiar o modelo de desenvolvimento capitalista do Ocidente e seu padrão de consumo insustentável. Trata-se de buscar um outro modelo, um desenvolvimento ecossocialista, baseado na agricultura orgânica dos camponeses e nas cooperativas agrárias, nos transportes coletivos, nas energias alternativas e na satisfação igualitária e democrática das necessidades sociais da grande maioria. O modelo ocidental não so é absurdo e irracional, mas não é generalizável: se os chineses quisessem imitar o American way of life, cinco planetas seriam necessários.

IHU On-Line – A humanidade deve preocupar-se com o ecossocialismo ou com o capitalismo verde?

Michael Löwy – O capitalismo verde é uma contradição nos têrmos. A lógica intrinsecamente perversa do sistema capitalista, baseada na concorrência impiedosa, nas exigências de rentabilidade, na corrida pelo lucro rápido, é necessariamente destruidora do meio ambiente e responsável pela catastrófica mudança do clima. As pretensas soluções capitalistas como o etanol, o carro elétrico, a energia atômica, as bolsas de direitos de emissão são totalmente ilusórias.

Os acordos de Kyoto, a fórmula mais avançada até agora de capitalismo verde, demonstrou-se incapaz de conter o processo de mudança climática. As soluções que aceitam as regras do jogo capitalista, que se adaptam às regras do mercado, que aceitam a lógica de expansão infinita do capital, não são soluções, são incapazes de enfrentar a crise ambiental – uma crise que se transforma, devido à mudança climática, numa crise de sobrevivência da espécie humana. Como disse recentemente o secretário das Nações Unidas, Ban Ki Moon: “Estamos correndo para o abismo com os pés colados no acelerador”.

IHU On-Line – Em que sentido a crise ecológica atual pode ser entendida como um problema de luta de classes?

Michael Löwy – Por um lado, a crise ecológica é um problema de toda a humanidade, pessoas de várias classes sociais podem se mobilizar por esta causa. Por outro lado, as classes dominantes são cegadas por seus interesses imediatos, pensam exclusivamente em seus lucros, sua competitividade, suas partes de mercado e defendem, com unhas e dentes, o sistema capitalista responsavel pela crise. As classes subalternas, os trabalhadores da cidade e do campo, os desempregados, o pobretariado têm interesses conflitivos com o capitalismo e podem ser ganhos para o combate ecossocialista. Não se trata de um processo inevitável, mas de uma possibilidade histórica.

IHU On-Line – Nas últimas conferências do clima, em Copenhague e Cancun, os movimentos sociais e ambientalistas fracassaram? Por que não se vê perspectiva de avançar nas lutas ambientais?

Michael Löwy – O que fracassou em Copenhague e Cancun foram as políticas dos governos comprometidos com o sistema, que demonstraram sua total incapacidade de tomar qualquer decisão, mesmo a mais ínfima, no sentido de buscar reduzir significativamente as emissões de CO2, responsáveis pelo aquecimento global.

A manifestação de cem mil pessoas nas ruas de Copenhague nem 2009, protestando contra o fracasso da conferência oficial, com a palavra de ordem “Mudemos o sistema, não o clima”, é um primeiro passo, alentandor, no sentido de uma mobilização ecológica radical. Ainda estamos longe de ter uma luta ecológica planetária capaz de mudar a relação de forças e impor as drásticas mudanças necessárias. Mas esta é a única esperança de evitar a catástrofe anunciada.

IHU On-Line – Considerando o contexto de capitalismo exacerbado, acredita que as pessoas estão preparadas para o ecossocialismo?

Michael Löwy – Existe um sentimento anticapitalista difuso na América Latina, na Europa e em outras partes do mundo. O movimento altermundialista é uma das expressões disto. Por outro lado, cresce a consciência ecológica, a preocupação com as ameaças profundamente inquietantes que representa a mudança climática. Mas é no curso das lutas ecossociais contra as multinacionais destruidoras do meio ambiente e contra as políticas neoliberais que poderá surgir uma perspective ecossocialista. Não há nenhuma garantia; é apenas uma possibilidade, mas dela depende o futuro da vida neste planeta.

IHU On-Line – Qual é o papel das populações originárias como os indígenas e quilombolas na consolidação do ecossocialismo?

Michael Löwy – Em toda a América Latina – mas também na América do Norte e em outras regiões do mundo – as populações indígenas estão na primeira linha do combate à destruição capitalista do meio ambiente, em defesa da terra, dos rios, das florestas, contra as empresas mineiras, o agronegócio e outras manifestações da guerra do capital contra a natureza. Não por acaso os indígenas tiveram um papel determinante na organização da Conferência de Cochabamba em Defese da Mãe Terra e contra a Mudança Climática, em 2010, que contou com a participação de dezenas de milhares de delegados de comunidades indígenas e movimentos sociais. Temos muito a aprender com as comunidades indígenas, que representam outra visão da relação dos seres humanos com a natureza, totalmente oposta ao ethos explorador e destruidor do mercantilismo capitalista. Como diz nosso companheiro, o histórico lider indígena peruano Hugo Blanco: “Os indígenas já praticam o ecossocialismo há séculos.
IHU On-Line

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Banksy não poderá receber Oscar sem revelar sua identidade

Nesta nossa contemporaneidade de individualidades e egos exarcebados, não poderia ser diferente. Como premiar alguém que não se incomoda de ficar longe dos holofotes??? Vamos ver se ele ou eles, vai/vão manter a coerência...Âí está a notícia:



O grafiteiro e agora cineasta Banksy foi indicado ao Oscar de documentário por "Exit Through the Gift Shop", mas não poderá receber o prêmio sem revelar sua identidade.

Banksy faz grande mistério sobre sua identidade. É sabido apenas que ele nasceu em Bristol, na Inglaterra.

Representantes do grafiteiro pediram à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas que, caso Bansky ganhe a estatueta, possa aceitar sem revelar quem é.

Os organizadores do Oscar negaram o pedido.

"O mais engraçado e ao mesmo tempo o pior cenário é se o filme ganhar e cinco homens vestidos de macaco subirem ao palco dizendo: 'Eu sou Bansky'. Para quem vamos dar o prêmio", justificou Bruce Davis, diretor executivo da Academia.

"Exit Through the Gift Shop" concorre com outros cinco filmes, entre eles, "Lixo Extraordinário", sobre o artista plástico brasileiro Vik Muniz.

Nesta semana, surgiram vários grafites em diferentes áreas de Los Angeles, nos Estados Unidos, que parecem ser obra de Banksy. Alguns dos trabalhos realmente estão catalogados no site do artista.

Folha Ilustrada

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O impacto ambiental da população e da economia de cinco paises

José Eustáquio Diniz Alves*



Nosso Planeta tem aproximadamente 13,4 bilhões de hectares de terra e água biologicamente produtivas disponíveis para serem utilizadas de maneira sustentável, segundo a Organização Global Footprint Network. A pegada ecológica média dos habitantes da Terra era de 2,7 hectares globais (gha), em 2007. Pressupondo que esta pegada tenha se mantido aproximadamente no mesmo nível nos 3 anos seguintes, podemos calcular, conforme a tabela 1, que a população mundial de 6,9 milhões de habitantes em 2010, utilizou 18,65 bilhões de gha, ou 39,2% a mais do que o Planeta possui de recursos sustentáveis.

Ou seja, a humanidade já ultrapassou os limites da sustentabilidade do Planeta. É como uma família que tira água cada vez mais funda na cisterna e enche a fossa de maneira rápida. A humanidade está agindo como uma família imprevidente e inconsequente que suga os recursos naturais e acumula todo tipo de dejetos em sua volta.

O mesmo acontece com China, Índia, Estados Unidos, Indonésia e Brasil, que são os cinco países mais populosos do mundo. Juntos eles possuíam, em 2010, 48% da população mundial, 43% do PIB (em poder de paridade de compra -ppp) e utilizavam 56% da área de terra e água biologicamente produtiva do Planeta.

A maior pegada ecológica per capita (8 gha) é dos Estados Unidos da América (EUA) que tinha, em 2010, 4,6% da população mundial, 19,76% do PIB mundial e utilizava o equivalente a 18,96% dos 13,4 bilhões de hectares globais disponíveis no mundo. Porém a China, com pegada ecológica per capita de “somente” (2,2 gha), possuía a maior pegada ecológica total, utilizando 2,98 bilhões de gha, o que representa 22,23% dos 13,4 bilhões de hectares globais disponíveis no mundo. O Brasil, com pegada ecológica per capita de 2,9 gha já utilizava uma área de 553,1 milhões de hectares globais, o que representa 4,13% dos 13,4 bilhões de hectares globais disponíveis. Ou seja, o Brasil já usa um percentual de hectares globais maior do que o tamanho de sua população ou de sua economia.

A Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo, possuía pegada per capita de 1,2 gha e ocupava 2,08% dos 13,4 bilhões de hectares globais disponíveis no mundo.

A Índia é atualmente o segundo país mais populoso do mundo, mas vai ultrapassar a China nos próximos 20 anos e deve chegar em 2050 com uma população de, no mínimo, 1,6 bilhão de habitantes. Mas a Índia é, entre os 5 maiores países, aquele que apresentou, em 2007, a menor pegada ecológica per capita (0,9 gha). Mas devido ao tamanho de sua população (de 1,2 bilhão, em 2010) apresentou um pegada total de 1,1 bilhão de gha, representando 8,16% dos 13,4 bilhões de hectares globais disponíveis no mundo.

O impacto global da Índia é bem menor do que o impacto dos Estados Unidos devido ao tamanho da economia. Ou dito de outra forma, a população dos EUA, mesmo sendo muito menor do que a da Índia, têm um consumo per capita muito maior. Portanto, o que mais polui e degrada o Planeta não é simplesmente o tamanho da população, mas o tamanho do consumo dos habitantes.

Porém, se a Índia tem atualmente uma baixa pegada ecológica per capita isto pode mudar nas décadas seguintes. Estudo da Pricewaterhousecoopers (2011) mostra que a Índia deve ser o segundo país do mundo em tamanho do PIB e deve ter uma renda per capita de US$ 27 mil (em poder de paridade de compra), em 2050. Esta renda é semelhante à renda média da União Europeia atualmente, que tem uma pegada ecológica per capita de 4,7 gha. Assim, se a Índia com uma população de 1,6 bilhão de habitantes, em 2050, atingir uma pegada ecológica de 4,7 gha, demandaria 7,5 bilhões de hectares globais. Ou seja, a Índia sozinha necessitaria de mais da metade da área disponível no mundo para sustetar sua população.

Ou seja, se as projeções de crescimento da população e da economia se confirmarem na primeira metade do século XXI o stress ecológico vai aumentar muito. Ou o mundo consegue uma maneira de reduzir a pegada ecológica ou vai caminhar para uma catástrofe ambiental sem precedentes.

Referência:
PWC. The World in 2050, London, 2011.

Fontes da tabela:

UN/ESA, The 2008 Revison:

IBGE, Censo 2010

FMI

Ecological Footprint

*José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE. As opiniões deste artigo são do autor e não refletem necessariamente aquelas da instituição.

(EcoDebate)

Carta a um amigo tunisiano, por Antônio Negri


Carta a um amigo tunisiano, por Antônio Negri


Por Antônio Negri, da Universidade Nômade (publicado em 28.01.2011) | Tradução: Bruno Cava | Foto: Antônio Negri e Michael Hardt, co-autores de Império (Record, 2001), considerado por alguns o primeiro manifesto do novo milênio.Outras Palavras

24 de janeiro de 2011

Caro A.,

Realmente, quando há vinte anos você era meu aluno na Universidade de Paris 8 (Nanterre), não poderíamos imaginar que a revolução tunisiana tivesse características semelhantes e levantado problemas constitucionais
análogos àqueles da conturbação social e política no centro da Europa. À época, estudávamos juntos a expulsão da classe operária das minas de fosfato do sul tunisiano, o início de grandes ondas de migração interna e externa, e o lento processo de transformação que a terceirização da produção de tecidos coloridos europeus determinava em teu país. Tu te extenuavas em mostrar-me a potencialidade produtiva de teu país, além, anoto, da atividade têxtil ou da indústria do turismo ou dos serviços petrolíferos (que só mais tarde atingiram certa expansão). Tudo se encaminhou terrivelmente e com pressa. Vinte anos faz balbuciávamos sobre a globalização e hoje aí está, a ponto que a Tunísia se tornou uma província da Europa e, portanto, do mundo. Vinte anos faz, apenas começávamos a perceber a transformação do trabalho industrial ao imaterial/cognitivo e hoje a Tunísia conhece uma superabundância da última figura da força-trabalho.

E ainda, depois de vinte anos, assinalamos a transformação terrível que o neoliberalismo impôs sobre e através aquelas mudanças da figura do mercado e da natureza da força-trabalho: o fim do sistema salarial clássico, e com isso uma desocupação mortífera da massa e uma insustentável precarização — 35% da população jovem são força-trabalho cognitiva, mas só 10% trabalham; e mais, na Tunísia, se produziram e acumularam a destruição da primazia do Welfare [estado de bem-estar social], desigualdades regionais ferozes, efeitos desastrosos do processo migratório (concluídos ou interrompidos), o bloco dos investimentos externos etc.

No final, esses últimos vinte anos nos deram a consolidação de uma ditadura mafiosa, uma corrupção insustentável e um sistema repressivo cruel e torpe (torpe por secundar e legitimar pelo medo ocidental de uma ameaça islâmica, cruel porque foi pura e simplesmente dominação de classe, exploração e opressão dos poderes corruptos contra os trabalhadores e a gente honesta).

Que fazer, me perguntas, a hora veio em que o conhecimento da exploração é insurgente e o desejo de liberdade se rebela? A insurreição criou novas forças: como usá-la, como movê-la contra os velhos inimigos e contra os novos que rapidamente aparecerão?

Caro professor, me escreves, lembra quando ironizávamos sobre os iluministas que concorriam a prêmios com projetos sobre as novas Constituições da Córsega ou da Polônia ou ainda para a Carolina [estado dos EUA]? Por que então não discutimos (nessa vez sem rir) sobre os conteúdos de uma nova Constituição da Tunísia, não tanto porque aqui não haja quem seja capaz de fazê-lo bem, (embebido de reflexões solitárias sobre a conspiração, a cultura política política global que aqui em todo caso circula, — decerto mais do que na Itália — a angústia do tumulto e a glória da vitória) mas porque falar da Tunísia, dos novos direitos, das garantias a definir, é hoje também falar da Europa, caso algumas de suas regiões também se libertem dos despotismos atuais!

Meu amigo, companheiro A., não me convenceste [em redigir um projeto de constituição] — que ironia teus juízos não mais me vincularem como de hábito, estou convencido que não nos podemos substituir ao que os protagonistas fazem e propõem. É verdade, no entanto, que o teu problema é quase geral, que uma nova constituição da liberdade não é só um problema tunisiano mas de todos os homens livres. Enfio-te goela baixo então algumas reflexões, a fim de abrir uma discussão, um fórum em que muitos possam participar. Para começar, insisto sobre alguns pontos, que me parecem mais importantes do que outros, para qualificar qual coisa possa ser hoje uma democracia verdadeira — ou mesmo uma “democracia absoluta”, que já à época, faz vinte anos, tínhamos predileção.

1) Aos velhos poderes (legislativo, executivo, judiciário), que é necessário purgar e restaurar com vigor, debaixo de um contínuo e acrescido controle do poder legislativo, vamos incluir ao menos outros dois órgãos de governo democrático, um que aja no “setor midiático” e outro que aja sobre “bancos” e as “finanças”.

Em primeiro lugar, portanto, não é mais possível imaginar um regime democrático em que não haja a possibilidade de obrigar a informação, a comunicação e a construção da opinião pública a respeito da verdade, da liberdade, do valor da multidão. A importância extrema que tiveram as iniciativas na internet durante a insurreição será preservada como uma possibilidade contínua de exercício. Essas práticas serão sacadas da excepcionalidade e traduzidas num exercício de contínuo controle democrático. Mas não basta: as velhas mídias serão também pregadas a um controle social que as livrem de blocos impositivos do poder executivo e dos partidos políticos.

Assim, há um só modo de afirmar essa figura democrática: o direito de expressão é libertado do poder do dinheiro. A pluralidade da informação não pode representar o caminho para a sua capitalização, e vai garantida pela soberania popular a fimde multiplicar a discussão, o confronto de opiniões, as decisões. O direito de expressão não se assegura somente ao indivíduo, mas também se direciona ao exercício coletivo, excluindo toda pretensão capitalista de exploração e toda tentativa de assujeitá-lo. O direito de expressão se afirma como potência constituinte, aberta à legitimação do comum.

2) Os “bancos”, as “finanças”, foram transformadas durante o desenvolvimento do capitalismo em um poder à parte, controlado pelas elites industriais e políticas. No neoliberalismo ainda seu controle foi determinado e as finanças se tornaram totalmente independentes, fundando no nível global a legitimidade de sua intervenção. Na Tunísia, como tu diceste, na passagem à democracia está em jogo também uma progressão da forma de controle capitalista sobre a vida civil. O capital financeiro já está aparecendo de maneira mais agressiva. Na comunicação, enquanto a censura está definitivamente desaparecendo, novas formas de controle se apresentam.

O problema é por conseguinte aquele de bloquear esse processo, de transformar os bancos em serviço público, de modo que a alocação de fundos financeiros e a elaboração das políticas de investimento sejam decididas em comum. Os instrumentos das finanças devem colocar-se a serviço da multidão. É claro que isto implica a construção de poderes democráticos para os programas financeiros, coordenados às atividades legislativa e executiva, e logo poderes monetários expurgados daquela independência postiça e hipócrita do Banco central — que serve como instrumento do capital global. Este é um caminho difícil de percorrer.

Achamo-nos não só contra os banqueiros nacionais como também os interesses globais do capital. Mas é um caminho que se deve percorrer com grande determinação — prudentemente, mas com determinação. Assim, de fato, se lança uma pedra primeira para uma sublevação global contra o neoliberalismo e o capitalismo financeiro, uma sublevação mais madura!

O New York Times se deu conta imediatamente: “a small revolution” [uma pequena revolução], como aquela tunisiana, pode inflamar não só o norte da África, mas o mundo árabe como um todo. É preciso, por isso, ter em mente, ao abordá-la, que um autocrata pode fazer concessões (ao povo mas sobretudo aos bancos e às empresas multinacionais) mais facilmente do que poderia fazer um líder democrático porém fraco — como aquele que ao fim os tunisianos elegerão. Eis porque o prognóstico americano. Eis a consequência de nossa hipótese: não é possível hoje imaginar uma revolução democrática que não realize, antes de qualquer outra operação, uma nacionalização dos bancos, uma reapropriação dos lucros, ao que se deve seguir a instauração de um direito comum. Somente assim a potência da multidão pode constituir-se.

Ao fim da qual se faz essa agência financeira, democraticamente gerida, que pode propiciar um Welfare à população tunisiana, contra a precariedade, estabelecendo uma renda garantida, a possibilidade de uma educação completa e de uma assistência de saúde adequada a cada cidadão. Hoje não há liberdade que não passe pelo comum. Expressivamente a ditadura privatizou tudo o que na Tunísia podia fazê-lo — é preciso portanto retomá-lo.

Caro A, só sobre o comum e sobre a gestão comum depende agora o futuro de vossa geração e de vossos filhos. Certo, o desastre que herdaste não se cancela de um golpe só — assim que as nuvens que seguem a insurreição se dissipem, serão [o comum e a gestão comum] a prioridade ao redor da qual se concentrar e decidir. Mas o dispositivo de um governo constituinte não pode senão proteger o comum. Não largar a proposta do comum (esta é também a tua preocupação, companheiro A.) aos islâmicos. É sobre uma falsa propaganda do comum que desenvolve a atividade deles.

3) O terceiro ponto se refere à forma de governo. Como tu dizes, a revolta tunisiana foi social, nasceu da inteira sociedade que trabalha. Ben Ali tinha compreendido bem que não podia, acima de tudo, permitir à revolta social expressar-se politicamente e cada político sabia que nessa desocupação da juventude estava a bomba relógio pronta a explodir. Por quê?

A juventude — força-trabalho cognitiva — é hoje a verdadeira classe trabalhadora do pós-industrial. Porque é força-trabalho cognitiva, esta juventude não é impotente; antes, tem os meios de superar essa frustração que tem paralisado os estamentos mais pobres e antigos da população. A cultura da impotência foi quebrada com a força das ruas da Tunísia.

Então, essa juventude deve manter aberto o processo revolucionário, transformando a insurreição na máquina de governo constituinte. Não pode deixar nas mãos das velhas elites (nem socialistas nem democráticas nem islâmicas) as transformações da constituição do país. De outro lado, os tunisianos tem menos necessidade hoje de uma nova constituição do que de um processo constituinte alargado ao país inteiro — inclusive as forças armadas, os juízes, a universidade. O poder legislativo e a governança necessárias para repor em movimento o país devem ser diretamente exercitados pelos jovens e pelos grupos revolucionários, organizados em todos os lugares e nos quais seja possível e urgente.

Mas tudo isso se pode fazer se puder evitar, pelo maior tempo possível (segundo aqueles projetos iluministas de constituição democrática do qual falávamos, esse tempo não podia ser inferior a uma década), a fixação de formas de representação estável. A agilidade do poder global, de seus bancos, de suas instituições centrais, é verdadeiramente grande: não terão dificuldade, esses senhores, de achar (e pagar) alguns socialistas ou alguns islâmicos para determinar o equilíbrio a favor deles! A insurreição foi ágil e deve achar tanta agilidade quanto ao mover-se contra o poder global e sua emanação mediterrânea, que já estão se concentrando contra o perigo extremo da insurreição tunisiana e sua expansão ao Magreb [norte da África]. Recordamos (não era a propósito a sua preocupação, companheiro A.?): se não construirmos comitês de ação constituinte, serão os islâmicos que, radicais ou moderados, retomarão a política nas mesquitas. Entretanto, mais será a política democrática e constituinte, quanto mais for laica…

Tchau, continuemos a trocar informações. Respiram-se ares novos e, em algum tempo, por todo lugar. Esperando pela Argélia!

Toni Negri.

P.S.: Se abres os jornais econômicos ocidentais, estão aqueles que, à direita, primeiro de tudo conversam sobre a queda dos títulos da dívida soberana tunisiana, da parte das agências de cálculo. A [agência de consultoria financeira] Moody´s já depreciou o título da dívida soberana tunisiana e mudou a avaliação de estável à negativa. Sobre o mesmo argumento, à esquerda, lamenta-se essa decisão porque, ao contrário, insiste-se sobre o fato que também a insurreição é… produtiva. O fim da dominação mafiosa sobre a indústria tunisiana deveria permitir uma retomada do crescimento. Mas de qual crescimento? Da pobreza, da precariedade?

Quanto à etiqueta política, à direita se multiplicam as ameaças. Atenção, cidadãos tunisianos, porque se exagerais, o exército está já a postos para a repressão. Exatamente o mesmo exército que vos ajudou a libertar-se de Ben Ali — continuam os comentadores da direita. Não aumentais o medo do vazio. Mas à esquerda, exaurido um primeiro momento de alegria, que coisa se pede agora? A hora que Ben Alì se foi, o país saberá reconstruir o seu aparato de Estado e conduzir uma transição pacífica para a Democracia? Só isto pede a esquerda?

Na realidade, de um lado e do outro, a preocupação é tão grande quanto a surpresa. Tornar-se-á a transição da Tunísia à democracia um exemplo, um laboratório, para todo o mundo muçulmano? Mas se é só isso que se quer, é realmente pouco novo; antes, é realmente velho: é simplesmente um novo colonialismo.

Caro A., não nos assustamos em pensar uma nova constituição, um novo processo constituinte, novos instrumentos da potência democrática dos cidadãos. No Magreb, na Argélia, na Tunísia e mais ainda no Egito, se está num momento de grande e profundo desenvolvimento de uma democracia construída de baixo. Contrariemos a pequeneza repressiva dos comentadores americanos e europeus.

P.P.S. Releio esta minha carta antes de mandá-la, estamos em 28 de janeiro, o Egito queima.

Antônio Negri, filósofo político e militante da Universidade Nômade, uma das lideranças do Operaísmo italiano e do movimento Autonomista nos anos 1960 e 1970 na Itália, é autor, dentre outros, de Império, Multidão, Poder Constituinte, Anomalia Selvagem e Cinco Lições sobre o Império, todos com tradução em português.

Escola Livre de Comunicação Compartilhada




Pela primeira vez desde que Gutenberg inventou os tipos móveis, surgiu, nas últimas décadas, a possibilidade de superar a mídia de mercado – construindo como alternativa a ela uma comunicação colaborativa e des-hierarquizada. Ainda não sabemos por quanto tempo permanecerá aberta a janela de oportunidade; nem se a transição se completará com êxito. O desfecho depende de iniciativas concretas que é preciso tomar agora, enquanto há espaço para agir.

Convencida das ideias acima, e poucas semanas depois de relançar a Biblioteca Diplô e Outras Palavras, a equipe responsável pelos sites está abrindo inscrições para seminários semanais sobre jornalismo compartilhado. Constituem o projeto Escola Livre de Comunicação Compartilhada, transformado após seleção pública em Ponto de Cultura. Começam ainda em abril e se estendem até o final do ano. São gratuitos, têm versões presencial (em São Paulo, para até 20 pessoas) e à distância. Visam (além de exercitar a sempre gratificante troca de conhecimentos...) expandir rapidamente a equipe de colaboradores dos sites, o volume, abrangência temática e qualidade do material publicado.

Duas hipóteses complementares inspiram os seminários. Primeira: se apropriada democraticamente, a internet cria condições inéditas para uma comunicação transformadora. Desde que surgiu o jornal moderno, há cerca de quatro séculos, existe – é claro – jornalismo crítico. E uma imprensa “de esquerda” apareceu já durante a Revolução Francesa, no mesmo instante em que se formou o espectro político-institucional com o qual ainda convivemos. Mas foi sempre um combate desigual. Enquanto a narrativa do presente precisar ser mediada por uma indústria, prevalecerão as visões de mundo com mais capital para contratar assalariados; montar parques gráficos, estúdios e centrais de produção; ter acesso equipamentos e tecnologia.

A novidade da comunicação compartilhada está em romper a hierarquização e a desigualdade que a acompanha. Se os seres humanos podem se comunicar sem intermediários, o poder dos grandes conglomerados de mídia dilui-se de modo dramático. A emergência da blogosfera expressa precisamente o desejo de comunicar uma infinidade de temas e pontos-de-vista que não cabiam na cobertura da imprensa: da vida pessoal e observações quotidianas de cada um às informações e análises antes proscritas ou marginalizadas.

NA NET, EM BUSCA DA PROFUNDIDADE: Porém – e aqui, a segunda hipótese a animar os seminários –, a vitória sobre a velha mídia não são favas contadas. É preciso evitar o risco do autismo comunicativo: milhões de usuários dos novos meios satisfeitos por poderem se expressar, porém pouco preocupados em construir sentidos coletivos capazes de mudar o mundo. Neste esforço, há um aspecto relacionado a saberes: cada internauta tem o direito de conhecer e praticar os conceitos, linguagens, técnicas e tecnologias de comunicação jornalística que a humanidade construiu.

Os seminários são uma contribuição da Biblioteca Diplô e Outras Palavras à garantia deste direito. Ao longo das últimas semanas, os sites têm procurado demonstrar que é possível praticar jornalismo profundo e relevante na velocidade e condições da net. Não desprezamos os posts curtos, as intervenções instantâneas sobre temas específicos, cuja publicação pretendemos expandir em breve. Mas queremos resgatar, no momento, a busca do assunto importante e despercebido; a apuração cuidadosa; a redação que faz da leitura, prazer. Buscamos estes valores em textos breves (ver, por exemplo, Reforma agrária: o que a mídia não vê, Na África, um golpe contra a democracia?, 40 horas: o debate oculto, Os ingleses querem o petróleo das Malvinas e diversos outros. E os perseguimos com ainda mais empenho em matérias que abrem o debate sobre temas ocultos pela mídia tradicional (confira, entre outros, Dossiê ACTA: para desvendar a ameaça ao conhecimento livre.

Queremos envolver um grupo maior de comunicadores neste esforço. Nossos seminários nada têm a ver, evidentemente, com a formação universitária. Visam qualificar a ação e reflexão imediatas de quem produz jornalismo ligado à internet. Seu foco principal são as novas possibilidades abertas para captar informação em múltiplas fontes; checá-la a distância; retrabalhá-la, tornando-a acessível ao universo com o qual cada comunicador se relaciona; difundi-la da forma mais ampla possível.

O programa, que estará disponível nos próximos dias, trará novidades. Os capítulos dedicados à captação de informações, por exemplo, debaterão como acompanhar dezenas de fontes alternativas, em diversos idiomas, sobre qualquer assunto internacional relevante; e como organizá-las em sistemas de consulta eficiente. Os encontros sobre criação de textos discutirão a tensão entre a necessidade de comunicar rapidamente e a de assegurar a qualidade da forma. Uma sessão sobre direitos autorais revelará as formas de localizar e reproduzir conteúdo (inclusive imagens) na net e as vantagens (tanto ideológicas quanto pragmáticas) de manter aberto para reprodução o material que se produz. Embora a ênfase da iniciativa não seja a tecnologia, ela não será descuidada. O programa abordará, por exemplo, os últimos desenvolvimentos em plataformas para produzir programas de web-TV e web-rádio; os sistemas de tradução idiomática, suas vantagens e limites; a possibilidade de criar blogs multiusuários ou redes de blogueiros, usando programas como WordPress.

BREVE, MAIS CONVITES À COLABORAÇÃO: Os participantes – tanto presenciais quanto à distância – serão convidados a contribuir ativamente com Outras Palavras e a Biblioteca Diplô. Parte deles (em especial os estudantes) será convidada a estagiar em nossa redação. Não há, nesta fase, recursos para remunerá-los, mas o aprendizado será valioso: vai-se praticar, no dia-a-dia, o que for debatido nas formações.

As inscrições estão abertas e podem ser feitas num formulário sucinto, disponível aqui. Os seminários são apenas o início de uma expansão de nosso projeto. Outras Palavras e a Biblioteca Diplô, que já publicam artigos de colaboradores, que escrevem sobre temas específicos, ampliarão a abertura a este tipo de contribuição. Nas próximas semanas, farão chamadas para interessad@s em exercer atividades de webdesign, programação, publicidade alternativa, captação de recursos, administração e outras. Está em estudos constituir uma associação sem fins lucrativos, para reunir gente disposta a agir na prática por uma nova Comunicação. Também ela, estamos convencidos, pode e deve ser construída de modo colaborativo.

Biblioteca Diplô

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Uma esperança: a Era do Ecozóico


Leonardo Boff
Quem leu meu artigo anterior O antropoceno: uma nova era geológica deve ter ficado desolado. E com razão, pois, quis intencionalmente provocar tal sentimento. Com efeito, a visão de mundo imperante, mecanicista, utilitarista, antropocêntrica e sem respeito pela Mãe Terra e pelos limites de seus ecossistemas só pode levar a um impasse perigoso: liquidar com as condições ecológicas que nos permitem manter nossa civilização e a vida humana neste esplendoroso Planeta.

Mas como tudo tem dois lados, vejamos o lado promissor da atual crise: o alvorecer de uma nova era, a do Ecozóico. Esta expressão foi sugerida por um dos maiores astrofísicos atuais, diretor do Centro para a História do Universo, do Instituto de Estudos Integrais da Califórnia: Brian Swimme.

Que significa a Era do Ecozóico? Significa colocar o ecológico como a realidade central a partir da qual se organizam as demais atividades humanas, principalmente a econômica, de sorte que se preserve o capital natural e se atenda as necessidades de toda a comunidade vida presente e futura. Disso resulta um equilíbrio em nossas relações para com a natureza e a sociedade no sentido da sinergia e da mútua pertença deixando aberto o caminho para frente.

Vivíamos sob o mito do progresso. Mas este foi entendido de forma distorcida como controle humano sobre o mundo não-humano para termos um PIB cada vez maior. A forma correta é entender o progresso em sintonia com a natureza e sendo medido pelo funcionamento integral da comunidade terrestre. O Produto Interno Bruto não pode ser feito à custa do Produto Terrestre Bruto. Aqui está o nosso pecado original.

Esquecemos que estamos dentro de um processo único e universal – a cosmogênese – diverso, complexo e ascendente. Das energias primordiais chegamos à matéria, da matéria à vida e da vida à consciência e da consciência à mundialização. O ser humano é a parte consciente e inteligente deste processo. É um evento acontecido no universo, em nossa galáxia, em nosso sistema solar, em nosso Planeta e nos nossos dias.

A premissa central do Ecozóico é entender o universo enquanto conjunto das redes de relações de todos com todos. Nós humanos, somos essencialmente, seres de intrincadíssimas relações. E entender a Terra com um superorganismo vivo que se autoregula e que continuamente se renova. Dada a investida produtivista e consumista dos humanos, este organismo está ficando doente e incapaz de “digerir” todos os elementos tóxicos que produzimos nos últimos séculos. Pelo fato de ser um organismo, não pode sobreviver em fragmentos mas na sua integralidade. Nosso desafio atual é manter a integridade e a vitalidade da Terra. O bem-estar da Terra é o nosso bem-estar.

Mas o objetivo imediato do Ecozóico não é simplesmente diminuir a devastação em curso, senão alterar o estado de consciência, responsável por esta devastação. Quando surgiu o cenozóico (a nossa era há 66 milhões de anos) o ser humano não teve influência nenhuma nele. Agora no Ecozóico, muita coisa passa por nossas decisões: se preservamos uma espécie ou um ecossistema ou os condenamos ao desaparecimento. Nós copilotamos o processo evolucionário.

Positivamente, o que a era ecozóica visa, no fim das contas, é alinhar as atividades humanas com as outras forças operantes em todo o Planeta e no Universo, para que um equilíbrio criativo seja alcançado e assim podermos garantir um futuro comum. Isso implica um outro modo de imaginar, de produzir, de consumir e de dar significado à nossa passagem por este mundo. Esse significado não nos vem da economia mas do sentimento do sagrado face ao mistério do universo e de nossa própria existência.Isto é a espiritualidade.

Mais e mais pessoas estão se incorporando à era ecozóica. Ela, como se depreende, está cheia de promessas. Abre-nos uma janela para um futuro de vida e de alegria. Precisamos fazer uma convocação geral para que ela seja generalizada em todos os âmbitos e plasme a nova consciência.


Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ.
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