sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Entrevista com James Lovelock

Pioneiro do aquecimento global, cientista quer observar as transformações

Os anos 70 nem tinham começado ainda e o britânico James Lovelock já trabalhava numa teoria que soou muito hippie, num primeiro momento, mas se revelaria profética.

Considerado o pai do ambientalismo, o cientista foi um dos primeiros a levantar a questão do aquecimento global em sua hipótese de Gaia - em que apresenta a Terra como um organismo vivo e o homem como o seu maior predador. Seu novo livro, "Gaia: alerta final" (Ed. Intrínseca), em que trata das mudanças climáticas, acaba de ser lançado no Brasil.

Em entrevista ao Globo, por telefone, ele criticou as previsões do IPCC e diz que, aos 90 anos, está pronto para ir ao espaço, ver a Terra do alto.

- O senhor pretende ir ao espaço ver a Terra do alto?

Sim, eu quero ver a Terra do alto, antes que desapareça. Acho que não há nada como ver essa imagem. As fotos dos astronautas são tão impressionantes, quero ter a chance de ver por mim mesmo.

- Em seu novo livro o senhor diz que essa imagem icônica da Terra "está sofrendo uma mudança sutil à medida que o gelo branco desaparece gradualmente, o verde das florestas e das pastagens se transforma lentamente no tom pardo das regiões desérticas e os oceanos perdem a tonalidade azul-esverdeadas (...) ao se tornarem desertos".

O senhor espera conseguir ver essas diferenças?

Tenho pensado sobre isso. Não vou tão alto quanto os astronautas. Talvez não consiga ver as mudanças que estão acontecendo. Não sei ainda quando vou partir. Fui conhecer a espaçonave em dezembro, mas o lançamento depende da aprovação do governo americano (Lovelock pretende ir ao espaço com a primeira companhia espacial privada do mundo, a Virgin Galactic).

- Por que o senhor diz que a situação do planeta é pior do que aponta o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU?

Acho que eles subestimaram as mudanças. Mas o que me incomoda mais sobre as previsões é que ninguém tem muita certeza sobre o que está acontecendo. O cenário intermediário do IPCC fala em um aumento de temperatura de 3 graus Celsius até o fim do século, o que é muito ruim. Mas não sei se é real. As alterações não são tão suaves assim, acontecem mais abruptamente. O fato é que não sabemos o suficiente e é tolice fazer esse tipo de previsão.

- Mas qual é a alternativa?

O mais importante é ter bons dados, vindos de toda parte. Não podemos fazer boas previsões se não tivermos bons dados, sem entender o que está acontecendo. Nos faltam dados da temperatura do oceano, por exemplo. E isso é importante porque todo o calor do Sol é absorvido pelo oceano.

- O que o senhor achou dos resultados da reunião de Copenhague, que produziu apenas uma carta de intenções e não estabeleceu metas climáticas como se esperava?

Não esperava que nada de muito bom viesse de lá, e não veio mesmo. E nem poderia, se pararmos para pensar. As previsões do IPCC são muito amplas. Vão de (um aumento da temperatura média de) 2 graus Celsius até 8 graus Celsius no fim do século. Veja, é uma grande diferença e é difícil para os governos saberem em que acreditar.

- O senhor acha que o acordo, como muitos disseram, é um bom primeiro passo?

Acho que é pura política. Não acredito que façam nada efetivamente. As intenções podem até ser boas, mas acho que nem sabem o que fazer exatamente. Não sabemos quais mudanças (climáticas) vão acontecer. E o público fica pressionando: "onde está o aquecimento global com todo esse frio?". Não é fácil.

- Os políticos têm a exata noção dos riscos que o planeta enfrenta. Por que não conseguem adotar medidas mais significativas?

Porque as principais coisas nas quais estão pensando são recessão e desemprego em seus países. Mesmo em Copenhague eles estavam pensando dessa forma. Não querem se comprometer com gastos (para deter o aquecimento global) que possam ampliar a recessão ou o desemprego.

- O senhor acha que teremos outra oportunidade como essa? Outro momento político tão simbólico, com 110 chefes de Estado reunidos?

Mesmo que tenhamos, será inútil. Nada foi feito depois da Rio-92, nem depois de Kioto, exceto mais reuniões. A única forma possível é enxergarmos vantagens financeiras no combate ao aquecimento. É dessa forma que se faz. É o que o Brasil fez com o álcool.

- Na sua opinião, quem são os maiores culpados pelo aquecimento global? Quem deve pagar a conta? Os EUA? Os países em desenvolvimento? As economias emergentes?

Não há culpados, não devemos nos sentir culpados. Quando começamos a usar combustível fóssil para cozinhar, para mover máquinas, não pensávamos em destruir o planeta. Não houve má intenção, então não pode haver culpa. Agora que começamos a entender o problema, temos que tentar resolvê-lo. Claro que os EUA serão sempre responsabilizados, assim como a China. Mas acho que estamos todos envolvidos.

- Como o senhor vê a posição brasileira em todo esse processo?

Acho a posição brasileira muito interessante, com muitas ações de sucesso, como o biocombustível. Mas acho que vocês também devem começar a se perguntar mais sobre as consequências do aquecimento. O que um aumento de temperatura de 4 graus Celsius a 5 graus Celsius até o fim do século poderá acarretar? E o que poderemos fazer sobre isso? Nos estamos nos preparando para esse tipo de mudança? Estamos procurando soluções locais?

- O senhor acha que a adaptação é mais importante que a mitigação (a redução dos gases que causam o efeito estufa)?

Ambos são muito importantes. Mas todas as conversas que ocorrem hoje no mundo são sobre mitigação. É como se achassem que falar em adaptação fosse admitir que não se pode fazer mais nada. Não é bem assim. Temos que pensar em como vamos fazer.

- Tantos anos depois de o senhor levantar a questão do aquecimento global pela primeira vez, ainda existem muitos céticos do clima. Como o senhor os vê?

Com muita simpatia. Sério. Eu os entendo de certa forma. Acho que estão errados, claro, o aquecimento global é real. Mas o que vai acontecer, quanto ou quando - pode demorar uma semana ou cem anos - nós não sabemos. Então eu simpatizo com os céticos porque eles intuem que tem algo faltando.

- O seu novo livro se chama "Alerta final". Estamos ficando sem tempo para prevenir o aquecimento?

Acho que não temos mais tempo para prevenir, se as coisas acontecerem como prevê o IPCC. Não vejo como as ações possam impedir que aconteça.
(Roberta Jansen)
(O Globo, 15/1)

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