sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Alimentação: Ajuda mundial em xeque

Por Fabiana Frayssinet, da IPS

A mudança climática, que quadriplicou os desastres naturais na última década, e o crescimento da população mundial, estimada em nove bilhões de pessoas até 2050, apresentam novos desafios a iniciativas de ajuda como o Programa Mundial de Alimentação (PMA) da Organização das Nações Unidas. A advertência é de Gemmo Lodesani, diretor do escritório do PMA em Bruxelas, encarregado das relações com a União Europeia e de conseguir dinheiro para cumprir o principal mandato dessa organização: combater a fome no mundo.

Durante visita não oficial ao Brasil, Lodesani conversou com a IPS e recordou que três quartos dos mais de um bilhão de famintos no mundo são camponeses pobres. Considerados população vulnerável, esta população rural sofrerá majoritariamente as consequências do aquecimento global por calamidades como secas e inundações.

“Já vemos um impacto da mudança climática sobre os padrões de produção de comida. Sabemos que há áreas pobres do mundo que serão mais pobres por falta de chuva. Isto já acontece, a desertificação”, alertou Lodesani. “E é necessário cuidarmos disse agora e de maneira específica”, acrescentou este especialista que já coordenou programas de emergência em ajuda alimentar em países como Sudão e Costa do Marfim.

O informe desta agência da ONU intitulado “A mudança climática e a fome no mundo: Responder ao desafio” diz que até 2050 a porcentagem de pessoas desnutridas no mundo poderá aumentar de 10% a 20%. Nesse sentido, Lodesani destacou a necessidade de implementar programas específicos de desenvolvimento sustentável, vinculados à “utilização dos recursos da terra para produzir comida”, sem piorar ainda mais o meio ambiente.

Ao se referir aos biocombustíveis, produzidos por países como o Brasil, Lodesani disse que, embora por um lado reduzam a contaminação ambiental, é necessário continuar as investigações atuais para determinar suas desvantagens. Como a produção de biocombustível exige maior utilização de áreas cultivadas, o diretor do PMA chama a atenção para a necessidade de que isto não ocorra em detrimento das terras destinadas ao cultivo de alimentos, “sobretudo quando pensamos que nossa população será superior a nove bilhões de pessoas dentro de 40 anos”.

O aumento da população mundial, segundo Lodesani, é outra ameaça a ser enfrentada, “quando já há um bilhão de pessoas vivendo com nível nutricional abaixo do recomendado por órgãos internacionais como a Organização Mundial da Saúde”. Quando em 2050 os habitantes do planeta chegarem a mais de nove bilhões haverá novos desafios para garantir uma nutrição adequada e, assim, surge um novo círculo vicioso da pobreza a ser resolvido.

“Os mais de um bilhão de pessoas que passam fome hoje, três quartos são camponeses pobres. Isto quer dizer que aqueles que não tem um nível de nutrição suficiente para levar uma vida normal, e sobretudo uma vida produtiva, são os mesmo que teriam de produzir”, acrescentou Lodesani. Nos últimos anos, o PMA priorizou as compras de comida para seus programas de ajuda alimentar às nações em desenvolvimento. O diretor do PMA recordou que nos últimos três anos isto representou 80% das compras totais, em valores próximos de US$ 2,5 bilhões, quase US$ 1,5 bilhão para os países africanos, apenas em 2008.

“O que pretendemos fazer agora é ir o mais perto possível de onde a comida é produzida. Antes comprávamos a partir dos sistemas comerciais existentes, o que é bom, mas estes nem sempre beneficiam os pequenos produtores pobres”, destacou Lodesani ao se referir à iniciativa do PMA chamada “Compras para o Progresso”. Esse programa pretende criar as condições para que os camponeses pobres tenham acesso ao mercado e com isso possam ter um ganho a mais, além de garantir com sua produção as necessidades de sobrevivência de suas famílias.

O programa, aplicado com a ajuda da União Europeia em países como Honduras e Moçambique, busca esse acesso ao mercado melhorando a qualidade dos produtos e acondicionado-os de forma adequada para a venda. Além disso, inicialmente o PMA garante a compra dessa produção para que possa competir com os preços de outros fornecedores internacionais.

Lodesani citou outros desafios para os quais “se deve continuar vigilante”, como o valor dos alimentos, ainda caros segundo os índices de custo produto de base da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Esta situação, acrescentou, também é comum em países em desenvolvimento onde “há disponibilidade de alimentos, mas camadas importantes da população não têm acesso a eles”. Segundo o informe “O estado da insegurança alimentar no mundo 2009″, produzido pela FAO e pelo PMA, dos 1,020 bilhão de pessoas que hoje sofrem de fome no mundo, 642 milhões estão na Ásia e no Pacífico, 265 milhões na África subsaariana, 53 milhões na América Latina e no Caribe, 42 milhões no Oriente Médio e norte da África, e 15 milhões nos países industrializados.

O primeiro dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio fala em reduzir pela metade até 2015 a porcentagem de pessoas que sofrem fome no mundo, a partir de indicadores de 1990. Para atingir a meta imediata de reduzir de 90 a 100 milhões o número de desnutridos no mundo este ano, Lodesani disse que o PMA precisará de quase US$ 4,5 bilhões. Não é necessária a ajuda apenas dos países ricos, mas também das nações em desenvolvimento, tanto operacionalmente como com recursos financeiros.

“Com relação à América Latina, continuaremos com nossa estratégia de trabalhar cada vez mais com os recursos já existentes nesses países, pois se trata de uma região em desenvolvimento, mas que pode aportar recursos próprios para este tipo de programa”, disse Lodesani. “A tendencia é cada vez mais esta, isto é, países que financiam programas com o PMA, mas a partir de recursos próprios”, acrescentou ao citar o caso do Brasil, que já colocou à disposição dessa organização US$ 80 milhões.

Segundo Lodesani, o PMA também poderia participar de novos programas de assistência técnica no Brasil. Deu como exemplo iniciativas para “mapear e detectar a população mais vulnerável”, incluindo os beneficiários do programa Bolsa Família. Lodesani definiu este programa como “muito importante para a proteção social no âmbito da segurança alimentar. Sabemos que o Brasil está interessado neste tipo de joint venture”, acrescentou.

O Bolsa Família dá uma pequena ajuda em dinheiro por mês a 11 milhões de famílias pobres, destinada na sua maior parte à compra de alimentos. Alguns consideram esta iniciativa como o motor de crescimento das economias locais onde estão seus beneficiários. (IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)

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