segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Venenos legalizados

Cientistas organizam lista de alerta sobre substâncias perigosas

Cientistas organizam uma lista de alerta sobre agrotóxicos tolerados pela lei brasileira, mas que representam uma ameaça à saúde. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e enfrenta problema crônico de contaminação. Ainda em seu início, a lista já inclui 27 substâncias, cuja venda é permitida, mas sobre as quais há suspeita de causar desequilíbrios hormonais, com danos que vão de obesidade e depressão à redução da fertilidade masculina.

Os estudos serão apresentados ao Ministério da Saúde, responsável por determinar restrições ao uso de agrotóxicos. As substâncias analisadas levam muito tempo para serem eliminadas do meio ambiente.

Por isso, são contaminantes perigosos. O contato inicial acontece nas zonas de produção agropecuária e chegam às cidades através do consumo de produtos com traços dos compostos.

O grupo de pesquisa - que reúne universidades como UFRJ, Unicamp e USP, além de três sociedades científicas - diz combater uma tendência histórica do governo de só controlar substâncias após outros países tomarem a iniciativa.

- Lidamos muito mais com alguns compostos prejudiciais à saúde do que europeus e americanos - alerta Tomaz Langenbach, coordenador do Programa de Pesquisa e Manejo de Risco da UFRJ. - Aqui as moléculas se movimentam de forma diferente: como nosso clima é mais quente, há uma evaporação maior, levando mais substâncias ao ar. Os problemas chegam à comida. Se um alimento é muito consumido por aqui, a tolerância a substâncias danosas deve ser menor.

Poluição do ar também preocupa pesquisadores

Como Langenbach ressalta, a ingestão não é a única forma de intoxicação. A inalação é ainda mais perigosa - e, surpreendentemente, menos conhecida: - Não há estudos no Brasil relacionados à poluição do ar. É lamentável, porque, nos cinturões agrícolas, a população está exposta aos pesticidas aplicados nas plantações.

Langenbach compõe o grupo de pesquisas capitaneado pela Sociedade Brasileira de Mutagênese, Carcinogênese e Teratogênese Ambiental. A instituição quer propor que o governo tenha sua própria metodologia para definir que substâncias devem ser controladas.

O grupo escolheu começar seus estudos pelos agrotóxicos, mas outros compostos, cujo efeito ainda é estudado, podem ser analisados depois. Entre eles, o bisfenol A, presente em latas, embalagens e brinquedos, que teria ligação com casos de câncer e doenças cardíacas.

- Como há sempre substâncias sendo descobertas, a legislação não pode ser estática - ressalta Rúbia Kuno, integrante do grupo de pesquisadores e gerente da Divisão de Toxicologia da Companhia Ambiental de São Paulo. - Alguns compostos são perfeitamente substituíveis, e este é o caso de muitos agrotóxicos. Mas, para outras substâncias, a mudança deve ser feita de forma gradual, para que a indústria possa trocá-las por outras menos danosas.

Os pesquisadores também vão propor que o governo federal analise periodicamente os mananciais para descobrir quais substâncias estão mais concentradas na água.

- Todas as substâncias eliminadas pela urina estão nos mananciais, como restos de medicamentos e cafeína - destaca Rúbia. - A alta concentração de qualquer uma delas é prejudicial à vida aquática. É importante, portanto, fazer algum mapeamento.

Composto usado em antiaderente atacaria tireoide

Uma outra substância comum também tem sido alvo de preocupação, depois que um estudo sugeriu haver um possível elo com problemas na tireoide.

A substância se chama ácido perfluorooctanoico (PFOA, na sigla em inglês).

É usada em frigideiras e panelas antiaderentes e materiais resistentes à água. Segundo uma pesquisa publicada na revista "Environmental Health Perspectives", pessoas com altos níveis de PFOA no sangue correm mais riscos de problemas na glândula.

O PFOA é um produto químico comum, usado em produtos industriais e utensílios para cozinha, em coberturas de carpetes para evitar manchas e telas à prova d'água. Para os pesquisadores, a relação com doenças pode ser complexa e indireta. Daí a necessidade de novas análises para confirmar os possíveis efeitos nocivos do ácido.

- Precisamos saber o que estas substâncias estão causando - diz Tamara Galloway, professora na Universidade Exeter e principal autora.

Sua equipe observou que as pessoas com maior nível de concentração do ácido (acima de 5,7 nanogramas por mililitro) apresentavam mais que o dobro de probabilidades de sofrer alguma doença na tireoide que os indivíduos com os menores níveis de PFOA (menos de 4ng/ml). Foram analisados exames de sangue de 3.966 americanos adultos, entre 1999 e e 2006.

Porém, estudos prévios em pessoas que vivem em áreas próximas de indústrias de PFOA não mostraram associação entre a exposição a este químico e danos na função da tireoide.

- Ainda não se pode dizer que doenças da tireoide e PFOA estão definitivamente vinculadas - afirma Ashley Grossman, professora de neuroendocrinologia na Universidade de Londres. - Geralmente problemas da tireoide são causados por falha do sistema autoimune, devido a uma autoagressão do organismo. E talvez o PFOA tenha algum efeito no sistema imune.

Dependendo da alteração, ocorrem perda de cabelo, ganho de peso e sensação de cansaço. Emagrecimento e coração acelerado podem ser sintomas de hipertireoidismo.
(Renato Grandelle)
(O Globo, 24/1)

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