terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Doze eixos para tornar possível um outro mundo


Por Celso Dobes Bacarji, da Envolverde


Em um texto que servirá de base para as discussões do Fórum Mundial Social, em Salvador, os intelectuais Ignacy Sachs, Carlos Lopes e Ladislau Dowbor, apresentam doze eixos de ação para mudar o rumo de nossa civilização.


As Crises e Oportunidades em Tempos de Mudanças, foco das discussões do Fórum Mundial Social Temático, que acontecerá em Salvador (BA), entre os dias 29 e 31 de janeiro, estão alinhadas em um artigo publicado na internet, assinado pelo professor Ignacy Sachs, um dos principais nomes mundiais na área da economia sustentável, por Carlos Lopes, sub-secretário geral da ONU e dirigente da Unitar, e por Ladislau Dowbor, professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

O texto, que tem 21 páginas, traça de forma clara e acessível os contornos da crise civilizatória que atinge a humanidade, propondo “12 eixos de ação viáveis” para a mudança de rumo necessária à sobrevivência da espécie humana na Terra. A situação crítica dos sistemas econômico-produtivos atuais abre o documento, que alerta: “...enfrentamos um desafio sistêmico, onde já não cabem simples arranjos nas formas como organizamos o que podemos chamar de maneira ampla de gestão da sociedade. Uma outra gestão é inevitável. Os desafios são simplesmente vitais, no sentido mais direto do termo”.

Em uma frase, o texto resume o ponto central das preocupações que devem dominar as discussões sobre a crise atual: “Trata-se de salvar o planeta, de reduzir as desigualdades, de assegurar o acesso ao trabalho digno e de corrigir as prioridades produtivas”, e destaca a profunda desigualdade que caracteriza a humanidade: “Os 20% mais ricos se apropriam de 82,7% da renda. Como ordem de grandeza, os dois terços mais pobres têm acesso a apenas 6%. Em 1960, a renda apropriada pelos 20% mais ricos era 70 vezes o equivalente dos 20% mais pobres, em 1989 era 140 vezes”, para chegar à “conclusão bastante óbvia” de que “estamos destruindo o planeta, para o proveito de um terço da população mundial”.

Para os autores do documento, “o drama da desigualdade não constitui apenas um problema de distribuição mais justa da renda e da riqueza: envolve a inclusão produtiva digna da maioria da população desempregada, subempregada, ou encurralada nos diversos tipos de atividades informais”.

O caminho a seguir, segundo eles, é “evoluir cada vez mais para o como fazer, para os mecanismos de gestão correspondentes, para a descoberta das brechas que existem no sistema no sentido da sua transformação. O mundo não vai parar em determinado momento para passar a funcionar de outro modo. Cabe a nós introduzir, ou reforçar, as tendências de mudança. A análise dos processos decisórios e a busca de correções tornaram-se centrais”.

“O novo modelo que emerge está essencialmente centrado numa visão mais democrática, com participação direta dos atores interessados, maior transparência, com forte abertura para as novas tecnologias da informação e comunicação, e soluções organizacionais para assegurar a interatividade entre governo e cidadania”, diz o documento.

Lembrando que o papel do Estado é “central, inclusive na dimensão mundial da crise, o eixo estratégico de construção dos novos sistemas de regulação passará mais pela articulação de políticas nacionais do que propriamente pela esfera global”. De acordo com o documento, o Estado tem “uma função reforçada no plano dos equilíbrios internos, e no plano da redefinição das regras do jogo entre as nações”. Mas destaca também o potencial da gestão local, que “permite a apropriação efetiva do desenvolvimento pelas comunidades”.

“Com sistemas simples de seguimento de qualidade de vida local, e o condicionamento do acesso aos recursos à estruturação de entidades locais de promoção do desenvolvimento, gera-se a base organizacional de um desenvolvimento mais equilibrado. Já se foi o tempo em que se acreditava em projetos paraquedas: o desenvolvimento funciona quando é participativo, com um razoável equilíbrio entre o fomento externo e a dimensão endógena do processo”, explica.

As linhas de ação sugeridas pelo texto foram experimentadas e estão sendo aplicadas em diversas regiões do mundo, setores ou instâncias de atividade. “São iniciativas que deram certo, e cuja generalização, com as devidas adaptações e flexibilidade em função da diversidade planetária, é hoje viável”, observa.

O autores propõem em primeiro lugar um resgate da dimensão pública do Estado, mas para isso destaca que “os políticos devem ser eleitos por pessoas de verdade, e não por pessoas jurídicas, que constituem ficções em termos de direitos humanos”. Outra proposta é a de evoluir na avaliação dos resultados das atividades produtivas. “em função de um desenvolvimento que não seja apenas economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável”.

O texto considera importante assegurar a renda básica para toda a população, rebatendo “a teoria tão popular de que o pobre se acomoda se receber ajuda”. Pelo contrário, assegura que a tese é desmentida pelos fatos: “sair da miséria estimula”, diz. Mas ao mesmo tempo considera fundamental assegurar a todos o direito de ganhar a vida através da criação de oportunidades para a ocupação intensiva de mão-de-obra. “Dinheiro emprestado ou criado desta forma representa investimento, melhoria de qualidade de vida, e dá excelente retorno”, argumenta.

Outra medida importante para a mudança de rumos da atual civilização é a redução da jornada de trabalho, de acordo com os intelectuais, autores do documento. “A redução da jornada não reduzirá o bem estar ou a riqueza da população, e sim a deslocará para novos setores mais centrados no uso do tempo livre, com mais atividades de cultura e lazer. Não precisamos necessariamente de mais carros e de mais bonecas Barbie, precisamos sim de mais qualidade de vida”, observam.

Os autores consideram, no entanto, que é fundamental favorecer a mudança do comportamento individual, para o desenvolvimento de um novo modelo de civilização. “O respeito às normas ambientais, a moderação do consumo, o cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios de transporte, a generalização da reciclagem, a redução do desperdício – há um conjunto de formas de organização do nosso cotidiano que passa por uma mudança de valores e de atitudes frente aos desafios econômicos, sociais e ambientais”, explicam.

Mudanças profundas também são necessárias nos sistemas de intermediação financeira atuais. “Em última instância, os recursos devem ser tornados mais acessíveis segundo os objetivos do seu uso, para que sejam mais produtivos em termos sistêmicos, visando um desenvolvimento mais inclusivo e mais sustentável. A intermediação financeira é um meio, não é um fim”. Para isso, sugere a taxação das transações especulativas e o desenvolvimento de uma nova lógica dos sistemas tributários, tendo como eixo central não a redução dos impostos, mas a cobrança socialmente justa e a alocação mais produtiva em termos sociais e ambientais. Sugere, por exemplo, a taxação das transações especulativas, das grandes fortunas, o imposto sobre a herança e um imposto sobre a renda com maior peso em relação aos impostos indiretos, com alíquotas que permitam efetivamente redistribuir a renda.

Para Sachs, Lopes e Dawbor, é preciso ainda repensar a lógica orçamentária. “No caso brasileiro, constatou-se com as recentes políticas sociais (“Bolsa-Família”, políticas de previdência etc.) que volumes relativamente limitados de recursos, quando chegam à base da pirâmide, são incomparavelmente mais produtivos, tanto em termos de redução de situações críticas e consequente aumento de qualidade de vida, como pela dinamização de atividades econômicas induzidas pela demanda local”, argumentam.

É preciso também, segundo eles, facilitar o acesso ao conhecimento e às tecnologias sustentáveis. “A inclusão digital generalizada é um destravador potente do conjunto do processo de mudança que hoje se torna indispensável”, asseguram.

Finalmente, o documento considera fundamental democratizar a comunicação. “Expandindo gradualmente as inúmeras formas alternativas de mídia que surgem por toda parte, há como introduzir uma cultura nova, outras visões de mundo, cultura diversificada e não pasteurizada, pluralismo em vez de fundamentalismos religiosos ou comerciais”, concluem seus autores.

Veja a íntegra do documento no link http://dowbor.org/09fsmt7portuguespositionpaperldfinal.doc

Envolverde

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