terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A substituição de patrões pela solidariedade

Mario Osava, da IPS

As iniciativas já existiam, na forma de cooperativas e de outras variadas atividades associativas. Mas a economia solidária as uniu e abriu novos horizontes para a expansão do seu modo de produção e de relações sociais capitalistas. Idalina Boni começou com seu grupo, há 15 anos, a criar a Cooperativa Fio Nobre, que do artesanato evoluiu para a fiação e a costura, passando a confeccionar camisas, camisetas, bolsas e artigos de presentes em Itajaí, cidade portuária de Santa Catarina.

A exportação constitui uma nova frente, depois que a qualidade dos produtos melhorou, com design de um especialista em moda. Em fevereiro, Boni vai à Espanha promover seus produtos, ampliando os contatos já existentes com Itália e França. Dessa forma, Boni culmina uma longa experiência como ativista social em organizações católicas solidárias e movimentos comunitários, de camponeses, saúde popular e direitos humanos, todas iniciativas impulsionadas pela Teologia da Libertação, surgida na década de 60 na América Latina, entre sacerdotes progressistas que levaram à prática a opção preferencial pelos pobres.

“Na juventude acreditamos que se pode mudar o mundo”, disse Boni à IPS. Mas o alto desemprego exigiu a busca de novos projetos que conciliaram renda para sobreviver a um ativismo voltado a, “pelo menos, melhorar o mundo”, acrescentou. Isso levou a Fio Nobre e as organizações da cadeia produtiva do algodão à confecção, com a marca Justa Trama. Numerosas iniciativas semelhantemente coletivas, baseadas na cooperação e autogestão, sem a fórmula patrão-empregados, se reuniram no Fórum Social Mundial, que teve suas três primeiras edições anuais, entre 2001 e 2003, em Porto Alegre.

Assim nasceu o movimento que desembocou no Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), criado em 2003, quando começava o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que incorporou ao Ministério do Trabalho a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes). Esse movimento no Brasil se difere do de outros países por combinar três dimensões, segundo Daniel Tygel, secretário-executivo do FBES. Além da dimensão econômica, que compreende autogestão e formação de cooperativas e redes, integra a dimensão cultural, relacionada com o consumo; relações de gênero, e áreas como o software livre e a política de transformação social. No longo prazo “queremos mudar o modelo de produção e o rumo do desenvolvimento, para um que não seja nocivo à vida”, disse Tygel, formado em Física.

A economia solidária brasileira engloba produção agrícola, que somam 60% dos grupos do FBES, artesanato, confecção de roupas, cooperativas de microcréditos, e até empresas recuperadas na forma de cooperativa após quebrarem nas mãos de seus donos, projetos comunitários de igrejas e incubadoras universitárias de firmas solidárias. Sua participação na economia nacional ainda é “irrisória”, reconhece Tygel, mas com rápida expansão, apesar dos escassos recursos oficiais de apoio a esse campo. A Senaes conta com orçamento insignificante, mas atividades solidárias também têm apoio financeiro de alguns ministérios, como o do Desenvolvimento Agrário e o do Desenvolvimento Social.

Articular as numerosas pequenas iniciativas locais e abrir canais de comercialização são os grandes desafios da economia solidária, cuja organização ainda é incipiente nos fóruns estaduais. Porém, há exemplos importantes de redes e cadeias produtivas, como a Justa Trama. Os encontros e a necessidade de assegurar matérias-primas produzidas dentro dos mesmos princípios, de relações trabalhistas horizontais e de sustentabilidade ambiental, uniram seis cooperativas têxteis e uma associação de algodoeiros na cadeia produtiva, que somam mais de 700 associados.

A Justa Trama e o movimento de economia solidária impulsionaram “a quantidade e especialmente a qualidade da produção da Fio Nobre”, disse Boni. De 1,5 tonelada produzida em 2005, sua cooperativa chegou a oito mil toneladas em 2008. A cadeia começa no “algodão ecológico” produzido por agricultores familiares de nove municípios do Ceará, passa por uma cooperativa têxtil que produz fios e tecidos em Minas Gerais, e termina em três cooperativas de confecções do sul do país. Também são produzidos botões, colares e outros acessórios a partir de sementes coletadas por cooperativas de Rondônia.

Os agricultores solidários, que plantam com métodos agroecológicos, encontram seus maiores obstáculos na comercialização. Por isso, surgiram iniciativas mais importantes de economia solidária nesse setor. No Nordeste, a Rede Xique Xique de Comercialização Solidária, que tem seu nome tirado de um cacto local, facilita o comércio entre agricultores familiares do Rio Grande do Norte, organizados em centenas de grupos e nove núcleos.

Agroecologia, feminismo e economia solidária são “os três focos” da ação da rede, que vive um crescimento acelerado, articulando produção e comércio, segundo Viviana Mesquita, assistente técnica local da Senaes. “As mulheres têm uma vocação maior para a economia solidária”, mas sua grande presença na Xique Xique se deve também à forte atividade local da Marcha Mundial de Mulheres, explicou a socióloga, que também participa do ativismo não governamental, comunitário e ambiental. IPS/Envolverde

Nenhum comentário:

Postar um comentário