quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Nova proposta de Código Florestal pode levar até cem mil espécies à extinção

“A proposta de alteração do Código Florestal, em seus vários itens, não está circunstanciada em dados já disponíveis na ciência”, é o que reclama não apenas nosso entrevistado de hoje, o professor Ricardo Rodrigues, mas toda a comunidade científica. O atual Código Florestal é datado de 1965, e, ainda que ele precise de alterações, a nova proposta pode levar até cem mil espécies de animais à extinção. “Hoje, seria plenamente possível atender a uma produção agrícola com qualidade econômica, ecológica e ambiental dentro dos preceitos atuais da ciência”, apontou Rodrigues durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line, por telefone.

Ricardo Ribeiro Rodrigues é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campinas, onde também fez mestrado e doutorado em Biologia Vegetal. Em 1999, recebeu o título de pós-doutor pela Universidade de São Paulo, onde, atualmente, é professor.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Há falta de fundamentação científica neste novo Código Florestal?

Ricardo Rodrigues – A proposta de alteração do Código Florestal, em seus vários itens, não está circunstanciada em dados já disponíveis na ciência. Esta é uma crítica que está sendo feita pela Academia Brasileira de Ciência. Foram utilizados alguns poucos trabalhos para propor as alterações em itens específicos, mas não foi realizado de forma ampla e com sustentação científica. É uma deficiência da Academia que, nestes 40 anos de existência do Código, não fez nenhuma ação organizada para sustentar cientificamente cada item. Mas existem muitos trabalhos científicos que poderiam estar servindo como base para as ações que foram propostas no que diz respeito à alteração dos vários itens do Código.

IHU On-Line – Como a vigência desse novo Código pode levar à extinção de espécies de animais?

Ricardo Rodrigues – Se este novo Código for aprovado da forma como ele está, vamos ter uma grande redução das áreas naturais no ambiente rural. E uma questão muito clara hoje é que quem faz a conservação da biodiversidade remanescente não são as unidades de conservação, mas os proprietários rurais de áreas privadas, mantendo esses fragmentos em uma qualidade adequada. Até 80% dos remanescentes naturais estão em propriedades privadas, apenas 20% estão em unidades de conservação. Para isso, precisamos de alguns instrumentos, como o Código Florestal, para que a propriedade privada cumpra este papel.

Vale salientar que isso não é feito em detrimento da produção. Dados mostram que a agricultura pode ser feita com qualidade, respeitando todas as questões contidas no Código anterior. Nós poderíamos fazer uma agricultura de qualidade e, ao mesmo tempo, cumprir as exigências anteriores, com pequenas exceções que, aí sim, precisariam de alterações. Hoje, seria plenamente possível atender a uma produção agrícola com qualidade econômica, ecológica e ambiental dentro dos preceitos atuais da ciência.

IHU On-Line – A comunidade científica brasileira foi ouvida durante a “reformulação” do Código Florestal?

Ricardo Rodrigues – Não. Foram ouvidos alguns poucos elementos da comunidade científica que, efetivamente, não respondem como a academia. A academia, de maneira organizada, ou mesmo um grande número de pesquisadores, não foram nem consultados sobre estas alterações. Houve várias tentativas de intervenção junto ao deputado Aldo Rebelo, mas foi usado apenas materiais com dados que interessavam a ele. Não teve uma ampla consulta, que resultasse em uma proposta acadêmica e sustentasse essas alterações. Não se tem um relatório científico. O que se tem hoje são vários relatórios falando do risco destas alterações.

IHU On-Line – Quais são as principais limitações deste novo Código?

Ricardo Rodrigues – Esse novo Código só resolve a vida da propriedade privada. E o mais interessante é que a própria comunidade rural está enxergando as propostas de alteração como excessivas. Não havia nenhuma restrição para as matas ciliares na propriedade rural, por exemplo, e a redução delas, na nova proposta, assustou os ruralistas, pois concordam com a importância das matas ciliares nas propriedades. A proposta de alteração do Código está atendendo a alguns poucos grupos econômicos que fizeram pressão.

IHU On-Line – De que forma o novo Código Florestal vai beneficiar setores que dependem da expansão de fronteiras de florestas?

Ricardo Rodrigues – Permitindo a abertura de novas fronteiras agrícolas sem nenhum critério ambiental. Poderão utilizar mais espaços sem a necessidade de reservar áreas para a conservação dos recursos naturais.

IHU On-Line – Quais os principais estados que serão afetados?

Ricardo Rodrigues – Todos os estados serão afetados com a possibilidade de redução de áreas para a conservação. É um código brasileiro que interfere em todas as regiões, em algumas mais e em outras menos. Todos serão afetados no sentido de aumentar a disponibilidade de área agrícola. Porém, vários estados já têm áreas agrícolas abandonadas ou de baixa produtividade que não foram incluídas nesse raciocínio. Ou seja, a proposta de alteração do novo Código Brasileiro Florestal está sustentando a manutenção de áreas agrícolas de baixo rendimento econômico dentro da política agrícola brasileira. Há áreas de pastagem construídas com baixa produtividade e que o código referenda que sejam mantidas nesta condição. Poderiam ser áreas usadas para o papel de conservação da biodiversidade, fazendo, por exemplo, restauração com florestas e substituição dessas pastagens degradadas.

IHU On-Line – Ainda há áreas para expansão da agricultura no Brasil?

Ricardo Rodrigues – Com certeza. Hoje, a agricultura brasileira tem de ser pensada, inicialmente, com maior aproveitamento possível da produtividade nas áreas agrícolas já disponíveis. Nós duplicaríamos nossa produção utilizando bem as nossas áreas já disponíveis. Se ainda assim isso não for suficiente, temos áreas de alta aptidão agrícola que poderiam ser expandidas. As áreas de menor aptidão agrícola ou com aptidão florestal devem continuar com florestas, mesmo com essências nativas, madeiras e outras de forma sustentada, mas devem continuar ocupadas com formações naturais. A grande questão é duplicar, triplicar nossa produção agrícola com técnicas, adubações e espécies adequadas, e se isso ainda não for suficiente, aí vamos pensar na expansão de novas fronteiras agrícolas.

IHU On-Line – E é necessário expandir a agricultura no país?

Ricardo Rodrigues – A vocação agrícola do país é muito clara e forte. Mas devemos expandir nossa produção com o aumento de produtividade e não com o aumento de áreas para a produção.
(IHU On-Line/Minha asa Meu mundo)

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