quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Para salvar a vida: as mulheres no poder


Leonardo Boff


Há uma feliz singularidade na atual disputa presidencial no Brasil: a presença de duas mulheres, Marina Silva e Dilma Rousseff. Elas são diferentes, cada qual com seu estilo próprio, mas ambas com indiscutível densidade ética e com uma compreensão da política como virtude a serviço do bem comum e não como técnica de conquista e uso do poder, geralmente, em benefício da própria vaidade ou de interesses elitistas que ainda predominam na democracia que herdamos.

Elas emergem num momento especial da história do pais, da humanidade e do planeta Terra. Se pensarmos radicalmente e chegarmos à conclusão como chegaram notáveis cosmólogos e biólogos de que o sujeito principal das ações não somos nós mesmos, num antropocentrismo superficial, mas é a própria Terra, entendida como superorganismo vivo, carregado de propósito, Gaia e Grande Mãe, então diríamos que é a própria Terra que através destas duas mulheres nos está falando, conclamando e advertindo. Elas são a própria Terra que clama, a Terra que sente e que busca um novo equilíbrio.

Esse novo equilíbrio deverá passar pelas mulheres predominantemente e não pelos homens. Estes, depois de séculos de arrogância, estão mais interessados em garantir seus negócios do que salvar a vida e proteger o planeta. Os encontros internacionais mostram-nos despreparados para lidar com temas ligadas à vida e à preservação da Casa Comum. Nesse momento crucial de graves riscos, são invocados aqueles sujeitos históricos que estão, pela própria natureza, melhor apetrechados a assumirem missões e ações ligadas à preservação e ao cuidado da vida. São as mulheres e seus aliados: aqueles homens que tiverem integrado em si as virtudes do feminino. A evolução as fez profundamente ligadas aos processos geradores e cuidadores da vida. Elas são as pastoras da vida e os anjos da guarda dos valores derivados da dimensão da anima (do feminino na mulher e no homem) que são o cuidado, a reverência, a capacidade de captar, nos mínimos sinais, mensagens e sentidos, sensíveis aos valores espirituais como a doação, o amor incondicional, a renúncia em favor do outro e a abertura ao Sagrado.

O feminismo mundial trouxe uma crítica fundamental ao patriarcalismo que nos vem desde o neolítico. O patriarcado originou instituições que ainda moldam as sociedades mundiais como: a razão instrumental-analítica que separa natureza e ser humano e que levou à dominação sobre os processos da natureza de forma tão devastadora que se manifesta hoje pelo aquecimento global; criou o Estado e sua burocracia, mas organizado nos interesses dos homens; projetou um estilo de educação que reproduz e legitima o poder patriarcal; organizou exércitos e inaugurou a guerra. Afetou outras instâncias como as religiões e igrejas cujos deuses ou atores são quase todos masculinos. O “destino manifesto” do patriarcado é do dominium mundi (a dominação do mundo), com a pretensão de fazer-nos “mestres e donos da natureza”(Descartes).

Atualmente, os homens (varões) se fizeram vítimas do “complexo de deus” no dizer de um eminente psicalista alemão K. Richter. Assumiram tarefas divinas: dominar a natureza e os outros, organizar toda a vida, conquistar os espaços exteriores e remodelar a humanidade. Tudo isso foi simplesmente demais. Não deram conta. Sentem-se um “deus de araque” que sucumbe ao próprio peso, especialmente porque projetou uma máquina de morte, capaz de erradicá-lo da face da Terra.

É agora que se faz urgente a atuação salvadora da mulher. Damos razão ao que escreveu anos atrás o Fundo das Nações Unidas para a População:”A raça humana vem saqueando a Terra de forma insustentável e dar às mulheres maior poder de decisão sobre o seu futuro pode salvar o planeta a destruição”. Observe-se: não se diz “maior poder de participação às mulheres”coisa que os homens concedem mas de forma subalterna. Aqui se afirma: “poder de decisão sobre o futuro.” Essa decisão, as mulheres devem assumir, incorporando nela os homens, pois caso contrário, arriscaremos nosso futuro.

Esse é o significado profundo, diria, providencial, das duas candidatas mulheres à presidência do Brasil: Marina Silva e Dilma Rousseff.


Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ.

4 comentários:

  1. Olá Liete

    Mais um excelente texto de Leonardo Boff. Obrigada pela partilha. Por mim, vou partilhar no Facebook.

    Beijinhos e bom fim de semana :)

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  2. Grata pela visita querida manuela. Beijinhos

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  3. É, se o Leonardo Boof disse...

    entretanto, a história recente tem nos mostrado que as mulheres que tiveram a oportunidade de “agir” fizeram igual ou pior que os homens. Que o diga a Margareth Tratcher, a toda poderosa ex-primeira ministra inglesa que era considerada o “melhor homem” da Inglaterra ou a “dama de ferro” que liderou a onda neo-liberal que é reconhecidamente uma das faces mais cruéis do capitalismo, comandante da Guerra das Malvinas, aqui na América do Sul, contra a Argentina, aliada de primeira hora dos desmandos dos EUA pelo mundo, a Golda Meir de Israel, a Indira Gandhi, na Índia, ambas de trajetoria sinistra, pelo menos para o que se presumia ser um governo de mulher ou mesmo a poderosíssima secretária de estado dos EUA, Margareth Albraight, que comandava a hegemonia armada da política dos EUA no governo do Bill Clinton, quando disse em uma entrevista, ao ser perguntada o que achava sobre as consequências para as centenas de milhares de crianças iraquianas que estevam à morte, sem alimentos e remédios em consequência do bloqueio econômico patrocinado pelo seu país, ela respondeu que não tinha qualquer importância, desde que os objetivos fossem atingidos.

    Ou mesmo as várias pesquisas feitas no Brasil, com homens e mulheres sobre o que achavam das mulheres em cargos de chefia e, algo em torno de 80%, tanto dos homens com das mulheres, responderam que preferiam aos homens como chefes (?).

    O feminismo foi um movimento importante para todos, não só para as mulheres, já que todos somos beneficiados com esta nova mulher, mas, ao mesmo tempo, engendrou um traço perverso que foi a necessidade das mulheres de adotarem os modelos e métodos masculinos, já que o discurso inicial era da luta contra os homens, e o resultado é o que vemos hoje, mulheres que abandonaram, não conscientemente, acredito, o ser feminino que é o que poderia fazer a diferença, efetivamente. Como o próprio Leonardo Boff fala, não seria um atributo exclusivo das mulheres: "…da dimensão da anima (do feminino na mulher e no homem) que são o cuidado, a reverência, a capacidade de captar, nos mínimos sinais, mensagens e sentidos, sensíveis aos valores espirituais como a doação, o amor incondicional, a renúncia em favor do outro e a abertura ao Sagrado."

    Apesar de tudo, sei que nem todas as mulheres se renderam ao jeito e métodos masculinos de fazer – de governar? – para se darem bem e, aí talvez esteja esta esperança da qual fala o autor do artigo.

    É isso!

    Um abraço

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  4. É, se o Leonardo Boof disse...

    entretanto, a história recente tem nos mostrado que as mulheres que tiveram a oportunidade de “agir” fizeram igual ou pior que os homens. Que o diga a Margareth Tratcher, a toda poderosa ex-primeira ministra inglesa que era considerada o “melhor homem” da Inglaterra ou a “dama de ferro” que liderou a onda neo-liberal que é reconhecidamente uma das faces mais cruéis do capitalismo, comandante da Guerra das Malvinas, aqui na América do Sul, contra a Argentina, aliada de primeira hora dos desmandos dos EUA pelo mundo, a Golda Meir de Israel, a Indira Gandhi, na Índia, ambas de trajetoria sinistra, pelo menos para o que se presumia ser um governo de mulher ou mesmo a poderosíssima secretária de estado dos EUA, Margareth Albraight, que comandava a hegemonia armada da política dos EUA no governo do Bill Clinton, quando disse em uma entrevista, ao ser perguntada o que achava sobre as consequências para as centenas de milhares de crianças iraquianas que estevam à morte, sem alimentos e remédios em consequência do bloqueio econômico patrocinado pelo seu país, ela respondeu que não tinha qualquer importância, desde que os objetivos fossem atingidos.

    Ou mesmo as várias pesquisas feitas no Brasil, com homens e mulheres sobre o que achavam das mulheres em cargos de chefia e, algo em torno de 80%, tanto dos homens com das mulheres, responderam que preferiam aos homens como chefes (?).

    O feminismo foi um movimento importante para todos, não só para as mulheres, já que todos somos beneficiados com esta nova mulher, mas, ao mesmo tempo, engendrou um traço perverso que foi a necessidade das mulheres de adotarem os modelos e métodos masculinos, já que o discurso inicial era da luta contra os homens, e o resultado é o que vemos hoje, mulheres que abandonaram, não conscientemente, acredito, o ser feminino que é o que poderia fazer a diferença, efetivamente. Como o próprio Leonardo Boff fala, não seria um atributo exclusivo das mulheres: "…da dimensão da anima (do feminino na mulher e no homem) que são o cuidado, a reverência, a capacidade de captar, nos mínimos sinais, mensagens e sentidos, sensíveis aos valores espirituais como a doação, o amor incondicional, a renúncia em favor do outro e a abertura ao Sagrado."

    Apesar de tudo, sei que nem todas as mulheres se renderam ao jeito e métodos masculinos de fazer – de governar? – para se darem bem e, aí talvez esteja esta esperança da qual fala o autor do artigo.

    É isso!

    Um abraço

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