sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Ambiente-América Latina: O copo meio vazio

Por Emilio Godoy, da IPS

Os países latino-americanos avançaram em acesso a água potável e saneamento, mas não frearam a emissão de gases contaminantes nem o desmatamento, segundo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) divulgado esta semana. “Devemos pôr um preço adequado ao meio ambiente. O gasto público é baixo na região, equivalente a pouco menos de 1% do produto interno bruto, e não é abordado eficientemente na política pública”, disse à IPS Alicia Bárcena, secretária-executiva da Cepal, na apresentação do informe.

No informe “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: Avanços na Sustentabilidade Ambiental do Desenvolvimento na América Latina e no Caribe”, a Cepal avalia o cumprimento das metas contidas no sétimo desses objetivos, adotados pela comunidade internacional em 2000. Essas oito metas propõem reduzir pela metade a pobreza extrema e a fome, dar ensino primário universal, promover a igualdade de gênero, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o vírus da aids e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental e fomentar uma aliança mundial para o desenvolvimento.

Os países que integram a Organização das Nações Unidas devem alcançar estes objetivos antes de 2015, a partir dos níveis registrados em 1990. As metas específicas do sétimo objetivo são adotar os princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas nacionais, reverter a perda de recursos naturais, reduzir a deterioração da biodiversidade, conseguir acesso a água potável e saneamento, e melhorar a vida dos moradores de favelas, definidos como locais não aptos para o hábitat humano. “Houve avanço na proteção da camada de ozônio, no acesso a água potável e saneamento, mas é preciso reduzir o desmatamento, aumentar o uso de energias alternativas e promover a adaptação à mudança climática”, disse à IPS a mexicana Mara Murillo, diretora regional interina do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), também presente na apresentação do informe da Cepal.

Este documento, que teve apoio de uma dezena de agências do Sistema das Nações Unidas, destaca que a região aumentou em 120% a proporção de áreas naturais protegidas e reduziu em 85% o uso de substâncias que empobrecem a camada de ozônio estratosférico, que protege a vida dos raios solares nocivos. A debilidade dessa cobertura permite a passagem dessas radiações, que podem causar alterações genéticas nos seres vivos, bem como câncer e doenças degenerativas e oculares nas pessoas. Também houve aumento de 10% no serviço de água potável e de 17% em drenagens.

Ao mesmo tempo, diminuiu em 31% a proporção de população urbana que mora em favelas, embora 100 milhões de pessoas ainda vivam em condições inaceitáveis. Cerca de 21% da área total da América Latina tem status de área natural protegida. Na região, são 102 reservas de biosfera – áreas representativas dos diferentes ecossistemas do planeta –, repartidas em 19 nações. Mas isso não impediu que “seu patrimônio biológico seja ameaçado pela perda de hábitat”, especialmente nas zonas de alta montanha, terras secas tropicais, ecossistemas desérticos, florestas nebulosas e mangues tropicais, segundo o informe, que não apresenta um prognóstico dizendo se a região cumprirá as metas.

A América Latina e o Caribe abrigam cerca de 40% das espécies animais e vegetais do mundo e contêm aproximadamente 40% das variedades de florestas tropicais e 36% das florestas industriais e cultivadas. A região perdeu cerca de 69 milhões de hectares – quase 7%, o dobro da média anual – de superfície florestal entre 1990 e 2005, segundo a Cepal. A situação mais grave é na Mesoamérica, que compreende desde o centro do México até o Panamá, com retrocesso de 10%.

Brasil e México são os países com maior grau de desmatamento e, ao mesmo tempo, os que emitem mais gases contaminantes na atmosfera. Na região, essas emissões cresceram 41% entre 1990 e 2005, com a América do Sul como cenário do maior crescimento: 55,7%. O documento é divulgado após intensas secas no México, na América Central e no norte da América do Sul, além de ondas de calor nesta região, bem como severas inundações no centro do México, Peru e Bolívia, e de intensas chuvas também na Argentina, Brasil e Uruguai. “A perda de florestas é um problema relacionado com os níveis de pobreza. Se queremos proteção para esses recursos, vamos conseguir com processos de desenvolvimento social”, afirmou o ministro mexicano do Meio Ambiente e Recursos Naturais, Juan Elvira.

O combate ao desmatamento é um dos temas centrais das negociações para um novo tratado ambiental internacional, que poderia ser definido no México no final de novembro, na 16ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (COP-16), depois do fracasso da Dinamarca, em dezembro do ano passado. “Os atrasos confirmam que o modelo de desenvolvimento não conseguiu superar o problema da pobreza e da exclusão social da região, nem conseguiu deter o processo de deterioração ambiental”, disse Bárcena. Por isto, exortou pela “adoção de uma visão proativa” e que se avance para um crescimento econômico “com uso menos intensivo do carbono”.

Elvira mencionou os benefícios do esquema de pagamento por serviços ambientais, nos quais os moradores de uma floresta a aproveitam de forma sustentável e recebem do Estado um beneficio econômico. No México, 1,2 milhão de hectares estão sob a modalidade de pagamento por serviços ambientais, enquanto a meta para 2012 é contar com 25 milhões de hectares de ecossistemas protegidos dessa forma. “A região possui um terço da biomassa florestal e dois terços da biomassa florestal tropical do mundo, de maneira que conta com um grande potencial para contribuir com os esforços globais de mitigação da mudança climática por meio dos serviços de captação de dióxido de carbono que as florestas proporcionam”, diz o informe. Um novo tratado ambiental porá preço ao desmatamento, segundo Bárcena.

A apresentação do texto coincidiu com a reunião de dois dias, na capital mexicana, do Mecanismo de Coordenação Regional para a América Latina e o Caribe do Sistema das Nações Unidas para discutir os ODM, a mudança climática, a situação política da região e a contribuição da ONU para a cooperação regional. Esse mecanismo surgiu em 1998 e é coordenado pelas comissões regionais das Nações Unidas e presidido pela subsecretaria-geral do fórum mundial. IPS/Envolverde
(IPS/Envolverde)

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