segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Amazônia não é eterna

Por Stephen Leahy

O apocalipse amazônico está na esquina, afirmam cientistas reunidos na conferência de lançamento do Ano Internacional da Diversidade Biológica.


A Amazônia “está muito próxima de um ponto de inflexão” e, no caso de continuar a depredação, ficará reduzida a um terço do tamanho que tinha há apenas 65 anos, alertou Thomas Lovejoy, um dos mais reconhecidos biólogos tropicais do mundo. A mudança climática, o desmatamento e os incêndios são os vetores deste potencial apocalipse amazônico, acrescentou Lovejoy, presidente do The Heinz Center, com sede em Washington, e principal assessor da presidência do Banco Mundial em matéria de biodiversidade.

O cientista fez estas declarações na conferência “Ciência e políticas de biodiversidade”, que aconteceu entre 25 e 29 de janeiro em Paris, organizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Nessa oportunidade foi lançado o Ano Internacional da Diversidade Biológica. “O Banco Mundial divulgou um estudo, que finalmente reúne os impactos da mudança climática, do desmatamento e dos incêndios, e indica que o ponto de inflexão para a Amazônia é de 20% de desmatamento, um resultado a se temer”, alertou Lovejoy em conversa com o Terramérica.

O trabalho, intitulado “Avaliação do risco de morte da Amazônia” e divulgado no dia 22 deste mês, utilizou os conhecimentos de várias instituições internacionais, entre elas o japonês Instituto de Pesquisas Meteorológicas, a britânica Universidade de Exeter, o alemão Instituto de Potsdam, o brasileiro Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos, e a alemã Earth3000. Os resultados foram avaliados por um painel de cientistas de renome internacional.

Leovejoy, que foi diretor do comitê cientifico responsável por essa pesquisa, disse que a Amazônia já perdeu entre 17% e 18% de suas árvores. Além disso, “tem um destacável sistema hidrogeológico onde a floresta gera pelo menos metade de suas próprias chuvas”. Isto significa, literalmente, que a floresta produz precipitações em sua própria área, mas também em muitas outras, entre elas no Mato Grosso e inclusive norte da Argentina, explicou.

O que o estudo mostra pela primeira vez é como se combina o aquecimento planetário que está a caminho de alcançar os dois graus, com o desmatamento que chega a quase 20% da floresta original, e os incêndios florestais que fazem o sistema hidrogeológico da Amazônia começar a entrar em colapso. O sul e sudeste recebem muito menos chuva. As florestas com menor umidade são mais propensas aos incêndios, que não causam apenas destruição, mas também secam mais árvores próximas que ficam em pé.

Tudo isto reduz a capacidade da selva de produzir precipitações. “A floresta acaba se convertendo em um cerrado depois de muitos incêndios, miséria humana, perda de biodiversidade e emissão de carbono na atmosfera”, disse Lovejoy. A temperatura na Terra já subiu 0,8 grau em relação à era pré-industrial. Na 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15), realizada em dezembro em Copenhague, praticamente todos os países acordaram que o aquecimento não pode superar os dois graus.

“Para a Amazônia em sua totalidade, a floresta tropical remanescente se reduzirá a cerca de três quartos de sua área original até 2025 e restará somente um terço até 2075, em consequência da ação combinada da mudança climática, do desmatamento e dos incêndios”, conclui o informe. “A boa notícia é que as áreas desmatadas podem ser reflorestadas e fornecer uma margem de segurança”, disse, otimista, Lovejoy.

Estima-se que um só hectare da Amazônia contenha cerca de 900 toneladas de vegetação, o que inclui mais de 750 tipos de árvores e outras 1.500 plantas, segundo a pesquisa. Uma única lagoa no Brasil pode sustentar maior variedade de peixes do que todos os rios da Europa. E na bacia amazônica foram identificadas mais de duas mil espécies, mais do que em todo Oceano Atlântico. A Cordilheira dos Andes e a selva amazônica abrigam mais da metade das espécies de flora e fauna do mundo. Por exemplo, ali vive um em cada cinco pássaros do planeta.

Lamentavelmente, antes do final deste século muitas se extinguirão, talvez a maioria. Após milhões de anos de existência, uma grande quantidade de plantas, insetos, pássaros e outros animais não serão mais vistos. A perda de habitat e a mudança climática serão os principais motivos de seu desaparecimento. O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) estima que 30% de todas as espécies se extinguirão até o final deste século, se o aquecimento não for mantido abaixo de dois graus.

Outros, como o entomologista Edward O. Wilson, professor da Universidade de Harvard, expuseram aos participantes da conferência da Unesco que as extinções podem chegar a 50%. “Nosso propósito este ano é centrar a atenção do mundo na necessidade de frear a destruição da biodiversidade”, explicou o secretário-executivo do Convênio sobre a Diversidade Biológica, Ahmed Djoghlaf, na abertura da conferência em Paris. Os países partes do Convênio acordaram, em 1990, reduzir o ritmo da perda de biodiversidade até 2010. Mas, “não cumpriremos essa meta”, assegurou Djoghlaf ao Terramérica.

Entretanto, com as ações vinculadas ao Ano Internacional da Diversidade Biológica, Djoghlaf espera que a biodiversidade, isto é a natureza, atraia grande interesse e apoio dos dirigentes políticos e do público em geral. Sob o lema “A biodiversidade é vida. A biodiversidade é nossa vida”, os organizadores do fórum de Paris lançaram um plano educativo para explicar que plantas, animais, insetos, pássaros e bactérias formam os ecossistemas mundiais que fornecem à humanidade alimentos, fibras, água e ar limpos.

Segundo a Avaliação dos Ecossistemas do Milênio, 60% dos ecossistemas mundiais estão degradados, por isso “temos a obrigação” de mudar nosso modo de vida, disse Djoghlaf. Em outubro, os 193 países partes do Convênio estabelecerão novos objetivos de redução da perda de biodiversidade, na conferência de Nagoya, no Japão. A razão de não serem alcançadas as metas previstas para 2010 foi que os países não puderam definir como as cumpririam, questionou Djoghlaf.

Após ter aprendido com estes erros, o especialista acredita que as nações fixarão objetivos nacionais específicos, com planos exaustivos para alcançar as metas, o que depois redundará em um objetivo global para 2020. “Teremos estudos, informes e indicadores científicos que nos guiem, mas no final caberá à direção política estabelecer objetivos e políticas para que isso ocorra”, afirmou Djoghlaf.

* O autor é correspondente da IPS.

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