sábado, 25 de setembro de 2010

Dia Mundial com Carro... Compartilhado


Por Helio Mattar*, do Instituto Akatu

E com mais e melhores redes de metrô e trem, corredores de ônibus, hidrovias e ciclovias.

Ouço no noticiário do rádio e leio nos portais e blogs de internet comentaristas e cidadãos indignados com a cidade parada em congestionamentos, como ocorre diariamente. “Mas hoje não é o Dia Mundial sem Carro?”, questionam quase furiosos.

Assim que os relógios bateram zero hora de hoje, nossos problemas de excesso de veículos e falta de transporte público suficiente e decente não acabaram. O planejamento de nossas cidades não passou à meia noite de ontem, feito um lobisomem do bem, a priorizar o transporte coletivo de massa – sustentável e sustentado, amplo, articulado, ramificado e vascularizado – em vez dos carros. Não deixamos, de um minuto para outro, de construir túneis e pontes para investir mais em trens, metrô, ciclovias, corredores de ônibus e outras inovações que atendam às necessidades das grandes cidades e apontem para um transporte público de baixo carbono e eficiente.

Não, isso é processo. Depende de conscientização, reflexão e mobilização. E é precisamente para isso que existem as intervenções do Dia Mundial sem Carro, das quais o Akatu participa. Para que nos próximos Dias Mundiais sem Carro tenhamos efetivamente menos carros nas ruas; percamos menos tempo, saúde e dinheiro no trânsito e ganhemos em qualidade de vida, disposição no trabalho e convivência com a família e os amigos.

Se ao poder público falta muito ainda que avançar em planejamento e realizações de mobilidade, o que nós, consumidores, temos feito para contribuir? Dia Mundial sem Carro é momento para refletirmos. Exceto pelo reconhecimento social, precisamos mesmo de carro próprio? Ou precisamos de transporte? Precisamos nos deslocar?

No ano passado, o Brasil produziu 3,1 milhões de veículos. Já somos o sexto produtor mundial, atrás de China (13,7 milhões), Japão (7,9 milhões), EUA (5,7 milhões), Alemanha (5,2 milhões) e Coreia do Sul (3,5 milhões).

Projeções do governo e da indústria apontam que nesse ano, produziremos mais 3,4 milhões, e a produção brasileira deve dobrar até 2025. Somando-se à massa de metal que já circula pelas nossas cidades.

Será que a vida no planeta agüenta? Ainda que achemos solução para a equação da energia, que encontremos tecnologias novas e baratas de motores elétricos a partir de energia solar ou eólica para substituir os combustíveis de petróleo, resta-nos a equação da matéria física. A Terra é finita, hoje já exploramos 30% a mais de recursos que o planeta pode repor. De onde tiraremos minérios e água? E onde poremos todos esses carros? As grandes cidades já mostram sua saturação.

Segundo pesquisa do Movimento Nossa São Paulo, o paulistano economicamente ativo médio perde por dia duas horas e quarenta minutos no trânsito. São 973 horas em um ano. Em uma vida, são 58,4 mil horas ou 2.433 dias ou 81 meses ou quase sete anos. Quase sete anos da vida no trânsito!

Na cidade de São Paulo, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), R$ 33 bilhões são perdidos na produção por ano por causa do trânsito. Esse montante corresponde a 10% do PIB do município. O crescimento desordenado da frota e dos sistemas de trânsito da cidade se vinga na própria cidade. Em dez anos, a (falta de) mobilidade em São Paulo consome um ano inteiro de São Paulo.

Além de mais ciclovias, mais metrô, trens, ônibus e de tornar nosso rios navegáveis – como ocorre na Europa e na Ásia –, uma opção para mobilidade mais sustentável é o sistema de carros compartilhados – o car sharing como é chamado nos EUA e Europa.

Tão simples quanto eficiente, o carro compartilhado fica disponível em estacionamentos estrategicamente localizados na cidade e pode ser alugado e devolvido em qualquer uma. O usuário faz um cadastro, paga uma mensalidade ou anuidade, e recebe um cartão magnético que lhe dá acesso ao serviço. Passa o cartão tanto na retirada como na entrega do veículo e paga por hora ou quilômetro rodado. A conta é fechada mensalmente e debitada em cartão de crédito.

Impostos, combustível, seguro e manutenção do carro correm por conta da locadora. O sistema funciona integrado com os outros modais de transporte, e os estacionamentos ficam próximos a estações de trem, metrô, bicicletários, terminais de barco e ônibus.

O car sharing pode também potencializar o uso do táxi, indo de casa, do consultório ou do escritório até o estacionamento mais próximo. E para levar alguém ao aeroporto ou ao porto? Reuniões ou consultas distantes? Estádios de futebol também são pontos estratégicos, imagine não ter mais de procurar estacionamento no jogo do seu time...

O sistema ainda engatinha, em São Paulo. É o primeiro da Amércia Latina e começou com sete veículos há dois anos; são 12 carros hoje distribuídos em 11 estacionamentos na região da avenida Paulista. Mas em Londres, Paris e Nova York já é comum; na Suíça, o car sharing já soma 75 mil clientes e 2.000 carros à disposição.

A modalidade começou há 20 anos na Alemanha e era ridicularizada, vista como iniciativa de “ecochato”. Mas o negócio cresceu a taxas anuais de 20%, inclusive na crise de 2008 e 2009.

A idéia não é obrigar o usuário a deixar o carro em casa. Nenhuma “mobilização” forçada funciona. Mas é dar informação sobre os impactos do uso do carro individual e oferecer opções. Além de desafogar o trânsito, a prática ajuda o meio ambiente. Segundo uma empresa que opera na cidade de Colônia, na Alemanha, um carro compartilhado tira cinco carros privados das ruas. Estudo norte-americano aponta que lá são 13 carros particulares retirados de circulação.

Em Paris, já virou política pública: a prefeitura criou um programa para oferecer 3.000 carros compartilhados no ano que vem. A meta é reduzir 200 mil toneladas de emissões de CO2 por ano. O custo? Cerca de 40 milhões de euros (aproximadamente R$ 96 milhões).

Só na cidade São Paulo, segundo o Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP, 4.000 pessoas morrem todos os anos por causa da poluição do ar, 80% de origem veicular. O custo disso para o sistema de saúde chega a R$ 1,5 bilhão anual.

Alguém se anima a estender a implementação do carro compartilhado nas várias metrópoles brasileiras?

*Helio Mattar é diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e não usa carro de casa para o trabalho

(Envolverde/Instituto Akatu)

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