domingo, 25 de abril de 2010

Entre a performance política e os crimes da Usina no Rio Xingu

“A condição de criar um novo pólo de poder passa por uma visão de protagonismo e dianteira na política, desatrelando os projetos estratégicos do povo em movimento (ex: a defesa dos recursos hídricos, das formas de vida tradicionais e da semente nativa) do governo de turno. Parece que nunca aprendemos no Brasil as lições das histórias dos países hermanos”, escreve Bruno Lima Rocha, cientista político. E pergunta: “Diante dessa lição da história e da luta política, após o crime de Belo Monte, como não defender um projeto popular para além da democracia indireta dos representantes profissionais e gestores do Estado a serviço dos oligopólios?”

Bruno Lima Rocha, cientista político com doutorado e mestrado pela UFRGS, jornalista formado na UFRJ; docente de comunicação e pesquisador 1 da Unisinos; membro do Grupo Cepos e editor do portar Estratégia & Análise.

Está difícil produzir análise política e não esbarrar no marketing eleitoral. A pressão é grande e a tendência é que abandonemos a caixa de ferramentas (o instrumental teórico-metodológico) para nos ater a prognósticos e probabilidades de aproximação do “humor” do eleitorado. A eleição é um momento crucial na definição de poder, mas a dimensão da política não pode se resumir a corrida eleitoral. Através de debates formais e conversas informais, consultas e polêmicas de todo tipo, dezenas de pessoas vem me perguntando a respeito dos marcos estratégicos do país. Um incontestável marco passa pelo modelo de desenvolvimento e a forma de geração de energia correspondente.
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A cada semana me esforço para marcar uma posição que não seja aderente ao individualismo metodológico. Assim, intento transmitir um texto analítico que seja direto, não performático e com mirada estratégica. Ou seja, entendo que o analista deve exercer a honestidade intelectual e tornar explícitos tanto o seu ponto de vista (as premissas), como a sua predição (o que é recomendado fazer). Neste sentido, entendo que observar não passa necessariamente a me ater às performances dos dois candidatos favoritos, Dilma Roussef (PT-RS) e José Serra (PSDB-SP). É difícil falar de temas de fundo quando o que se quer debater é a superfície. Sinceramente, aqui não é o caso.

Como se sabe, não adoto uma posição explícita de preferência entre as candidaturas e isso obedece a um raciocínio lógico. Repito aqui que o espaço de um artigo de opinião não comporta a totalidade do tema, mas sim pode indicar um caminho para construir um discurso de tipo público e que vá além das urnas. Diante das emergências, é fundamental apresentar as pautas correspondentes. Para exemplificar o que digo, basta um tema polêmico. Um deles passa pela concepção de desenvolvimento e a utilização de recursos hídricos.

A noção de energia no Brasil é o represamento de rios. Assim, a usina é uma estampa do desenvolvimento a todo custo do Brasil, do mesmo modo que até hoje a China é movida a carvão. Diante dessa associação de modelos e projetos, fica muito difícil não fazer a correlação de interesses. Nos porões do BNDES se aprova uma represa que é um crime ecológico, um atentado contra nossa soberania e o pior dos usos dos recursos hídricos. Diante desse fato criminal, passando por cima inclusive das bases e normativas legais da legislação de meio ambiente, escorando-se em artifícios do tecnicismo jurídico e da formação de consórcios mais que suspeitos e todos ancorados no dinheiro da população sob o usufruto do Estado, nos damos conta da falta de alternativa política pela falta de projeto de longo prazo.

Um projeto de poder vindo debaixo, organizado socialmente e não rifado, sem estar à mercê do campo de alianças com os oligopólios nacionais, a banca e o baixo clero do Congresso seria possível se fosse gestado há oito anos. No momento, o desespero do emprego da tática do voto útil, mesmo diante de uma derrota contundente como a de 3ª 20 de abril quando se aprova a construção da Usina de Belo Monte, é um atestado de falência das instâncias orgânicas dos movimentos populares ou o golpe tramado por direções encasteladas que se ancoram nas relações pessoais de tipo amiguismo ou exagero da mística em detrimento da saudável crítica e discrepância política.

E agora, com que cara as lideranças de movimentos populares que ainda crêem na balela ou loucura coletiva do conceito de “governo em disputa” irão afirmar a defesa de e necessidade de um “apoio crítico” da continuidade de Luiz Inácio e sua trupe?! Isso não quer dizer e nem sequer associar a crítica ao vice-reinado do tucano Henrique Meirelles e dos crimes ambientais e societários como a transposição das águas do Rio São Francisco e outras propostas ensandecidas, com um apoio tácito ao tucanato oficial de Serra e Cia. na São Paulo de Piratininga. Justo ao contrário, até porque mudar e transformar a sociedade debaixo para cima está muito além de um acórdão eleitoral, entre alianças nefastas, interesses espúrios e sandice tática.

A condição de criar um novo pólo de poder passa por uma visão de protagonismo e dianteira na política, desatrelando os projetos estratégicos do povo em movimento (ex: a defesa dos recursos hídricos, das formas de vida tradicionais e da semente nativa) do governo de turno. Parece que nunca aprendemos no Brasil as lições das histórias dos países hermanos.

Na Bolívia, logo após a Guerra do Gás (2003) quando o povo de El Alto e de La Paz expulsou o gringo presidente, Gonzalo Sánchez de Lozada (o Goni), as coordenações de movimentos populares deram um ultimato de 120 dias para o então recém empossado vice-presidente que assumira, o empresário midiático Carlos Mesa. Antes dos quatro meses correspondentes, as forças sociais organizadas para a emancipação das maiorias tomavam as ruas e faziam valer seu programa de reivindicações. O tecido social-produtivo era atado na ação popular e não em negociações estranhas ou manobras jurídicas. Acreditem, até a vitória eleitoral de Evo Morales à frente do MAS é fruto desse protagonismo não-instrumentalizável. A constituição boliviana atual e sua pluralidade jurídica-política é a colheita da semente da autonomia das instâncias do povo diante do aparato oficial de intermediação. Há escolhas para fazer e preços a pagar. O da omissão política no campo popular é a represa que a tudo mata, alagando a Amazônia e retomando as mazelas do período do Milagre Econômico da Ditadura!

Diante dessa lição da história e da luta política, após o crime de Belo Monte, como não defender um projeto popular para além da democracia indireta dos representantes profissionais e gestores do Estado a serviço dos oligopólios?
IHU-On line/Mercado Ético

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