sábado, 29 de maio de 2010

O Estado predador do dragão e do tigre

O futuro do capitalismo vai falar chinês, afirma a maioria. Uma pequena, mas aguerrida minoria rebate: a língua dominante, ao contrário, será um híbrido de inglês e hindu. Além da polêmica que tem o cheiro ácido de algumas tabernas, a análise sobre quais linhas diretivas terão o desenvolvimento capitalista indica tanto a China quanto a Índia como prováveis economias emergentes e hegemônicas no futuro próximo.

A reportagem é de Benedetto Vecchi, publicada no jornal Il Manifesto, 15-05-2010. A tradução é de Anete Amorim Pezzini.

Como isso aconteceu é objeto de discussão; além disso, registram-se posições e interpretações divergentes, como, por exemplo, a de Samir Amin, que tem repetidamente escrito sobre a China como um país caracterizado por um “mercado socialista”, ou a de Giovanni Arrighi, historiador econômico, que faleceu recentemente, e escreveu um dos textos mais interessantes sobre a China — Adam Smith em Pequim, editora Feltrinelli (também traduzido para o português) — em que ele afirmava que o modelo de sociedade emergente das reformas desejadas por Deng Tsiao Ping é uma sociedade de mercado ainda não capitalista. Finalmente, há a tese de uma modernização negociada pelo estado, em que a ênfase é mais sobre a modernização do que sobre a forma histórica, o capitalismo, que assumiu.

A fábrica do mundo

Ao mesmo tempo, houve uma discussão semelhante sobre a Índia, indicada como um capitalismo dirigista que tem usado os planos quinquenais para regulamentar o desenvolvimento econômico. Quem é cético em relação a essas “escolas de pensamento” sobre a China ou a Índia é o economista Prem Shankar Jha, autor de um ensaio denso e importante sobre a globalização publicado por Neri Pozza há alguns anos (O Caos Vem a Seguir) e outro igualmente interessante — Dragão Encolhido, Tigre Escondido. Ele lançará em 27 de maio, mais uma vez pelos tipos de Neri Pozza, com o título Quando o Tigre Encontra o Dragão —. Neste último trabalho, o estudioso indiano desenvolve uma interpretação que difere de algumas daquelas mencionadas anteriormente. Em uma perspectiva comparativa, de fato, coteja as duas realidades nacionais, assumindo o fato de que, em ambos os países, estão em vigor as sociedades capitalistas, embora apresentem, usando a terminologia marxista, vários regimes de acumulação.

A China escolheu o caminho da produção de bens de alta intensidade de trabalho; a Índia tem-se centrado na tecnologia de fabricação de high-tech, conforme demonstra o sucesso de Bangalore na produção de software. O ponto de corte para estabelecer a hegemonia de um ou de outro, no entanto, será como os dois países gerenciarão os conflitos sociais de casta e de classe. Para o estudioso indiano, a democracia indiana tem mais flechas em seu arco do que o regime autoritário de Pequim, embora seja necessária uma reforma do seu sistema político e uma superação substancial das divisões de casta na sociedade indiana.

Por um lado, então, está a China, vasto país cujo governo, depois da morte de Mao, decidiu fazê-la tornar-se a "fábrica do mundo". Para atingir este objetivo, foram criadas "zonas econômicas especiais", em que as empresas estrangeiras tiveram tratamento fiscal especial. Mas o fator mais importante é o custo muito baixo do trabalho e a possibilidade de um controle rigoroso sobre a força de trabalho pelo Partido Comunista. Além disso, uma série de reformas em relação à agricultura tem "colocado em liberdade" milhões e milhões de camponeses que migraram para as cidades e para as "zonas econômicas especiais." Uma espécie de recintos renovados de terra para ser incluída em uma peculiar “acumulação consentida” gerenciada pelo Estado.

Até agora, a análise de Prem Shankar Jha não difere do que outros estudiosos têm argumentado sobre o "milagre econômico chinês". Interessantes são, ao contrário, as análises sobre a erosão gradual da autoridade política do governo central e uma mudança de poder para as instituições "regionais". É devido a essa tensão entre centro e periferia que Pequim tem seguido uma política de descentralização e, ao mesmo tempo, também de renovada centralização, quando a "eliminação" de certas prerrogativas do governo central atingia um ponto sem volta no que diz respeito à capacidade do Partido Comunista para manter o controle sobre a China. A reforma da propriedade, a campanha das "Três Representações", que permite aos empresários ser eleitos para a Assembleia do Povo e de inscrever-se no partido, a lei sobre a desregulamentação do mercado de trabalho vão ser entendidas como medidas neoliberais em favor das empresas, mas também como mediações do conflito entre o centro e a periferia, para apropriar-se dos recursos financeiros criados pelo desenvolvimento econômico.

Tudo isso foi acompanhado pela formação de uma elite super-rica e de um dualismo de mercado de trabalho que ainda vê trabalhadores mais protegidos e com de dois terços da força-trabalho migrantes (e privada de direitos), porque mudam-se do campo para as cidades. Uma vez que a transformação da China em "fábrica do mundo" foi concluída, a desigualdade social e a corrupção generalizada e enraizada vieram à tona, levando o governo central ao Partido Comunista à procura de elementos corretivos, mudando do assim chamado modelo social europeu, uma saída para uma situação que o autor do livro considera explosiva.

Corruptos e contentes

Para a Índia, no entanto, a abertura de empresas globais tem sido focada na presença de muitos engenheiros, físicos, matemáticos, biólogos, químicos e técnicos. Uma força de trabalho qualificada e um ótimo conhecimento de inglês, mas paga com salários muito mais baixos do que seus "colegas" americanos ou europeus e ocupam os chamados serviços de back-office.

Em ambos os países, o trabalho é um "Estado predador", que se apropria do excedente e redistribui-o para uma casta de funcionários ou quadros do partido por meio da corrupção e do clientelismo, fatores necessários para construir o consenso em uma economia neoliberal, mas que poderia determinar também o declínio econômico dos dois países. Isso levanta dúvidas, mas, na sua análise, é uma visão estática do papel econômico dos dois países. A China, por exemplo, de uma economia voltada para a exportação e para "fábrica do mundo", está investindo pesado nos setores de ponta, na alta tecnologia e nas biotecnologias.

A decisão de romper com o Google é o sinal de que Pequim decidiu resolutamente tornar o país não somente um fabricante de objetos tangíveis, mas também passar do "Made in China" para o “Criado na China”, incentivando a produção de software, de microprocessadores e de "conteúdo". Ao mesmo tempo, a Índia está concentrando as suas cartas nas empresas de automóveis, em siderúrgicas e indústrias químicas para transformá-las em empresas globais e competitivas. Enfim, pouco abordadas são as mudanças internas nos dois países. Mas, nesse caso, a linguagem precisa e pura do economista deve dar lugar à linguagem do pesquisador que não tem impedimento para considerar a sua prática teórica um ato político. Impedimento, por outro lado, que Prem Shankar Jha mostra, em vez de ter neste ensaio também importante.
IHU

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