sexta-feira, 14 de maio de 2010

Busca-se novo modelo de desenvolvimento


Isolda Agazzi

Genebra, 13/5/2010, (IPS) - As crises econômica, alimentar e climática mostram a necessidade de um novo modelo de desenvolvimento com maior peso do Estado, porque o crescimento derivado das exportações e da especulação financeira tem consequências negativas.

“Os mercados demonstraram que não podem se autorregular”, insistiu Jean Feyder, presidente da Junta de Comércio e Desenvolvimento da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

O Consenso de Washington, conjunto de políticas de liberalização econômica elaborado nos anos 90 pelos organismos multilaterais de crédito, caducou. O Estado deve desempenhar um novo papel no desenvolvimento. Esta foi a mensagem deixada pelo encontro de dois dias organizado pela Unctad. “É muito importante o papel do Estado no Norte para superar a crise financeira”, insistiu Feyder no encontro encerrado no dia 11. “Os do Sul devem destinar fundos para desenvolver suas capacidades de produção, começando pela industrialização e proteção da indústria nascente”, acrescentou Feyder, representante de Luxemburgo.

Se houve uma oportunidade para realizar uma reforma global da economia, já passou, disse o secretário-geral da Unctad, Supachai Panitchpakdi. “Não houve mudanças fundamentais na arquitetura institucional da governabilidade econômica. Algumas das medidas mais significativas foram tomadas no âmbito regional, como aumentar a integração Sul-Sul”, afirmou. “O crescimento de muitas nações em desenvolvimento depende de suas exportações. Impulsionar a demanda regional e local pode contribuir para aumentar a economia e fomentar as importações. Os países precisam estimular o consumo”, disse Supachai.

Entretanto, rapidamente esclareceu que, com a busca de um novo modelo de desenvolvimento, a “Unctad não nega o neoliberalismo”, e que se trata de observar a crise do ponto de vista dos países pobres. “Vivemos uma das piores recessões dos últimos 70 anos e as nações pobres não recebem mais ajuda nem mais comércio”, acrescentou. As coisas não podem continuar assim. “As nações em desenvolvimento devem depender mais de si mesmas”, disse Supachai. “Isso não quer dizer cortar o comércio Norte-Sul, mas fortalecer o que já existe, pois a metade dos produtos” dos países ricos vai para os pobres, acrescentou.

Na Ásia, a recuperação se deu graças ao comércio regional. A agricultura é uma das principais formas de subsistência na África. É um exemplo perfeito do fracasso do modelo de desenvolvimento aplicado há mais de três décadas. “Quem são os pobres?”, perguntou Feyder. “Os que têm fome, 75% dos quais vivem em áreas rurais e são pequenos agricultores, camponeses sem terra e pastores”, respondeu. “Devemos priorizar o cultivo de alimentos para consumo interno, e não os de exportação, que geram renda. Ao menos 10% da ajuda oficial ao desenvolvimento deve ser destinada à agricultura. Deve-se proteger um setor da competição internacional quando é muito fraco, mas há 30 anos liberalizamos os mercados”, afirmou.

O Haiti é um exemplo disso. A tarifa das importações caiu de 50% para 3%, o que converteu esse país em um dos menos protecionistas do mundo. Soube abastecer-se de arroz, mas sua produção baixou para menos de 20% do consumo e teve de cobrir o resto da demanda com importações, especialmente grãos subsidiados dos Estados Unidos. “Até o presidente Bill Clinton reconheceu que a política de seu governo para o Haiti foi um erro e que esse país deve voltar a ser autossuficiente”, disse Feyder.

O preço dos alimentos é outro motivo de preocupação. “Quanto dinheiro recebem os pequenos agricultores por sua colheita?”, perguntou. “A renda é inferior aos custos de produção, tanto no Norte como no Sul. Mas os agricultores de países ricos podem pedir aos seus governos certas compensações, e os das nações pobres não”, explicou. No encontro também foi criticada a tendência para analisar o preço dos alimentos do ponto de vista dos consumidores e fazer todo o possível para baixá-lo ao máximo. “O que importa é o que ganha o produtor para cobrir os gastos e poder viver”, disse Feyder.

“A crescente liberalização dos mercados é um problema. Talvez tenhamos de desconectar os países do mercado mundial para evitar a volatilidade dos preços, ou criar juntas comerciais pelas quais os países possam comprar produtos a um determinado custo e redistribuí-los. Também poderia ser explorada a possibilidade de armazená-los”, propôs.

A especulação financeira é um problema, segundo o diretor da divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da Unctad, Heiner Flassbeck. “Os preços não são regidos pela lei da oferta e procura, nem mesmo os produtos agrícolas e alimentos, e sim fixados pela especulação financeira”, afirmou. “É inaceitável, não só por causar fome, mas porque os mercados financeiros são um terrível elemento de distorção. Deve-se questionar o dogma de 30 anos que diz que o mercado sempre tem razão”, insistiu.

“Os mercados financeiros se equivocam na maioria das vezes. Os governos têm a obrigação e a responsabilidade de construir opiniões informadas sobre os preços”, acrescentou Flassbeck. Por sua vez, a diretora de campanha e política internacional da organização ActionAid International, Anne Jellema, perguntou por que a sociedade civil está dividida quando “mais de um bilhão de pessoas passam fome. Alguns apóiam a soberania e outros a segurança alimentar. Outros aprovam os Objetivos de Desenvolvimento para o Milênio das Nações Unidas, e outros não”, disse.

Além disso, alertou sobre o costume de esperar ações dos governos. “No Brasil, a sociedade civil ocupou terras e deu aos camponeses que plantaram. Assim construíram uma base para se dotar de poder político e estimular o crescimento do país. Deve-se seguir esse modelo de organização em que os pobres reclamam seus direitos e participam da economia com suas próprias mãos”, acrescentou.
Foto de(crédito): Patrick Bertshmann/Unctad
Secretário geral da Unctad, Supachai Panitchpakdi, e Jean Feyder, presidente da divisão de Comércio e Desenvolvimento do organismo.
IPS/Envolverde (FIN/2010)

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