segunda-feira, 3 de maio de 2010

O exemplo das bikes

Lúcia Nascimento

Já ouviu falar de uma cidadezinha chamada Santa Cruz do Sul? Ela tem pouco mais de 120 mil habitantes, mas recebeu um título de fazer cair o queixo de qualquer capital do país. Sabe por quê? Foi uma das primeiras a instalar, em ônibus urbanos, o carregador de bicicletas – um suporte colocado na frente do coletivo para carregar as magrelas. A iniciativa começou em fevereiro e está dando certo. Tanto que a mesma empresa, a Stadtbus, levou a ideia para outra cidade em que atua, Bagé, no início de abril, inspirando-se nos modelos de transporte de grandes cidades europeias, como Barcelona.

Não que a poluição ou o trânsito da região precisassem de um incentivo como esses, mas nunca é demais, não? O empreendimento, além de melhorar a qualidade de vida de quem mora nessas cidadezinhas do Rio Grande do Sul, pode ser um puxão de orelha para que outras cidades decidam seguir a novidade. E tem tudo para funcionar. São Paulo, essa sim uma cidade que precisa de medidas urgentes para melhorar o trânsito e aliviar a população de tanto gás carbônico jogado no ar pelos automóveis, começou a testar a implantação de carregadores de bicicleta na segunda quinzena de abril. Segundo a SPTrans, responsável pelo transporte de ônibus na capital, ainda estamos em fase experimental e não há previsão para que o projeto ganhe as ruas, infelizmente.

Quando aprovar o projeto – e podemos torcer para que isso não demore anos – São Paulo ganhará um pontinho no ranking de mobilidade urbana. Afinal, quem faz trajetos longos e antes precisava usar o carro para chegar ao ponto de ônibus, ou mesmo quem usava vários coletivos para chegar ao destino, poderá usar a bicicleta e carregá-la na frente do ônibus em algum trecho do percurso. O ruim é que só essa iniciativa, isolada, não resolve muita coisa. A cidade, hoje, possui uma malha cicloviária ínfima quando comparada a outras cidades – e os incentivos a ciclistas são quase negativos. Se montássemos um ranking brasileiro das cidades que mais incentivam o uso das duas rodas – o que ainda não foi feito por aqui, certamente São Paulo ficaria longe do topo.

Esse é o cenário oposto do que vem sendo feito em Sorocaba, cidade do interior paulista. Lá, em apenas cinco anos foram construídos quase 70 km de ciclovias, que cortam todas as regiões da cidade, sendo possível ir do sul ao norte sem sair nem por um minuto das pistas com calçamento de pintura vermelha, sinalização, calçadas para caminhadas, iluminação e até paisagismo. Segundo informações da Urbes, empresa de transportes que atua junto com a prefeitura na implantação do chamado Plano Cicloviário para Sorocaba, a meta é atingir 100 km até 2012. Mas não são só as ciclovias: o plano inclui a instalação de 40 paraciclos, que são pontos de estacionamento, e a criação de bicicletários com dispositivos para facilitar a integração do sistema com o transporte coletivo. O primeiro, com 60 unidades, já está funcionando em um dos terminais de maior movimento na cidade.

Quando o assunto é quilômetros de ciclovias, entretanto, o Rio de Janeiro é o vencedor. Lá existem 150 quilômetros construídos. Se considerarmos o tamanho de sua população, entretanto, a cidade perde a colocação, pois existem apenas cerca de 2 centímetros de ciclovias construídos por habitante. Mesmo assim, é uma cidade que pretende se tornar um modelo. “O Rio de Janeiro, além da organização Transporte Ativo, que promove o uso da bicicleta desde 2003, possui um esforço da prefeitura no sentido de duplicar a malha cicloviária até 2012 e integrá-la aos transportes públicos. O estímulo tem dado certo, tanto que o número de ciclistas nas ruas triplicou em dez anos”, comemora João Guilherme Lacerda, conselheiro da organização Transporte Ativo.

“Depois vem Curitiba, com 120 km construídos e cerca de 85 km em boas condições de uso”, diz Fabrício José, diretor técnico da ABC Ciclovias. “Porém, se considerarmos o tamanho das ciclovias proporcionalmente ao tamanho das cidades, Praia Grande, no litoral sul de São Paulo, é a que tem mais quilometragem per capita, com 68 km construídos. De longe, pelo tamanho da cidade, é a primeira no ranking brasileiro”, continua. Essa, com certeza, é uma das melhores maneiras de avaliar: considerando não só os quilômetros de ciclovias, mas o tamanho da cidade e sua população.

Qualidade de vida

A questão, novamente, é que ciclovias isoladas de políticas públicas, educação e incentivo, não servem para muita coisa. Nem se elas estiverem construídas em locais que as pessoas usam só para lazer – porque aí o trânsito não melhora, nem a poluição, nem a qualidade de vida. “Ciclista precisa de fluidez, segurança e conforto e ciclovia sozinha não oferece isso”, afirma Arturo Alcorta, educador e um dos responsáveis pela Escola de Bicicleta. Por essas e outras é que iniciativas como a de Santa Cruz do Sul e de Sorocaba, que buscam unificar bicicleta e transporte público, são passos importantes e ajudam a compor um cenário amigável ao uso das duas rodas.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), se as pessoas usassem mais a bicicleta poderiam reduzir em até 50% o risco de doenças cardiovasculares, que são as que mais matam em todo o mundo. O uso também reduz o estresse, aumenta a concentração no trabalho e reduz as faltas por doença.

“A bike não é solução para qualquer tipo de trajeto, mas atende boa parte deles. Para distâncias de até 3 km no horário de pico ela é o veículo mais rápido. Até essa distância o catalisador dos automóveis não está a pleno funcionamento e, por isso, usar o carro nesses deslocamentos polui muito: daí a importância da magrela nas viagens urbanas curtas”, explica Fabrício José. No Brasil o uso médio da bicicleta é de 4% e, nos países europeus, fica entre 10% e 30%. Nas viagens curtas, a disparidade também é imensa: nas cidades brasileiras dificilmente o uso da bicicleta para trajetos de até 3 km passa de 10%, enquanto nas cidades europeias pode chegar a até 50%. E você, como faz o trajeto de casa à padaria?

Exemplo de fora

Dá para imaginar uma cidade em que a magrela seja tão, mas tão importante que até alguns sinais de trânsito são implantados só para elas? Essa cidade existe e, por incrível que pareça, está lá nos Estados Unidos – país tão consumidor de carros e tão despreocupado com a poluição do ar.
O exemplo vem de Portland, no noroeste do país, onde há cerca de 300 km de ciclovias e sinais específicos para as bikes. Nas faixas de pedestre, por exemplo, existe uma faixa verde onde elas devem estacionar e o farol para elas abre em tempo diferente – o que significa fim à competição por espaço entre os carros e os ciclistas!

Essa é apenas uma das iniciativas que têm surgido no país, que agora adota um ranking de estados amigos da bicicleta, feito anualmente pela associação League of American Bicyclists. Para se dar bem na pontuação, o estado precisa ter desde projetos educacionais até projetos de lei que incentivem os ciclistas.

Nos últimos dois anos, o estado de Washington obteve o primeiro lugar. Oregon, estado em que fica Portland, recebeu o quarto lugar em 2009. Se o mesmo fosse feito no Brasil, poucas cidades poderiam brigar pelo título, não? Ou será que elas tentariam melhorar para não ficar feio na disputa? Valeria a pena tentar!

Confira a lista de cidades mais amigáveis para quem anda de bicicleta noECO

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