terça-feira, 26 de outubro de 2010

Os expulsos da Terra


Valerio Calzolaio*

As chuvas provocadas pelo vento de monção no norte do Paquistão, o transbordamento de rios e riachos, a inundação no campo e nas cidades, os sucessivos aumentos das correntes no centro e sul desse país, a contaminação de aquedutos, a lentidão do socorro, a fuga dos afetados e o desespero e a raiva foram o centro de muitas notícias. A morte comprovada inicialmente de quase duas mil pessoas, milhares de desaparecidos, seis milhões que perderam suas casas, dez milhões de evacuados e 20 milhões de paquistaneses afetados constituem um saldo trágico e estarrecedor.

Esses evacuados poderiam muito bem ser definidos como “refugiados climáticos” ou “ecorrefugiados”. De fato, foi um desastre de dimensão planetária. No entanto, os ecorrefugiados quase desapareceram dos meios de comunicação, que há dois meses nada noticiam sobre a catástrofe no Paquistão e suas consequências, embora centenas de milhares ainda se encontrem em acampamentos precários. Nas últimas semanas, entretanto, sabe-se de muitos outros refugiados ambientais em diferentes regiões do mundo, na Indonésia, Amazônia e ultimamente no Danúbio húngaro. São migrantes forçados por causa das más decisões e de comportamentos equivocados de outros humanos.

Em 2008 e 2009, o número de refugiados “políticos” no mundo era de aproximadamente 15 milhões, enquanto o de ecorrefugiados internacionais era maior. E também os refugiados políticos internos (aqueles que não passaram as fronteiras de seu país) agora são em menor número do que os ecoforagidos internos. As Nações Unidas deveriam promover programas e instrumentos para prevenir e dar assistência aos ecoforagidos. Fiz uma reflexão sobre este drama em um livro lançado recentemente na Itália.

Gostemos ou não, centenas de milhares de refugiados chegam à Europa a cada ano e pode-se prever que aumentarão no futuro. São forçados a abandonar suas casas, seus países, e nem todos podem permanecer sempre em acampamentos e nem todos conseguem se restabelecer em suas pátrias. É melhor nos darmos conta disso a tempo. Sei que sempre houve ecorrefugiados, desde a noite dos tempos. As migrações de indivíduos e grupos de nossa espécie sempre tiveram causas entrelaçadas com efeitos e impactos ambientais e climáticos.

Na história da espécie humana as outras grandes causas de migrações são as guerras e os conflitos. Hoje, os refugiados por razões políticas (violência ou perseguição por parte de instituições ou comunidades humanas) adquirem o status de “refugiados” e são ajudados por uma convenção e por um Alto Comissariado das Nações Unidas. Também os ecoforagidos são vítimas do comportamento de outros seres humanos, embora não tivesse sentido dar a eles o mesmo status que é concedido às vítimas de perseguições políticas. Encontremos, então, um modo específico de assisti-los.

É possível prever que nos próximos 20 anos serão dezenas de milhões de novos ecoforagidos, sobretudo em algumas áreas, e antes de tudo para a Europa, em particular através do Mar Mediterrâneo. Dos informes do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) surgem previsões sobre alguns impactos globais, inequívocos, embora em dimensões diversas nos vários cenários temporários e com um grau diverso de vulnerabilidade geográfica.

Os riscos (reais) de mortes por inundações aumentaram 13% de 1990 a 2007 e a proporção de populações afetadas subiu 28%. Além disso, com base nas experiências do passado e dos cenários de previsão, mais de 75% dos riscos se concentrarão em poucos países. Precisamente aqueles afetados pelas monções, Bangladesh, Índia, Paquistão e China. Quanto às migrações forçadas, de agora até 2050, o risco de se converter em ecoforagidos alcança, no melhor dos casos, a não menos de 200 milhões de pessoas.

* Valerio Calzolaio, jornalista, ecologista e ex-parlamentar italiano, é autor de “Ecorrefugiados: as Migrações Forçadas de Ontem, Hoje e Amanhã”. Direitos exclusivos IPS.

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

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