quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A “comunicação pelo cuidar” é a comunicação para a sustentabilidade


Por Luiz Antônio Gaulia*, da Plurale

Para que servem os indicadores criados pela Global Reporting Initiative - GRI? Para acompanhar o desempenho organizacional em suas dimensões econômicas, sociais e ambientais que moldam o tripé da sustentabilidade.

Indicadores e suas formas de gestão são maneiras de prestar atenção e “cuidar” das relações entre diferentes dimensões. Este cuidar, numa percepção integral da vida, no meu entender, seria uma forma de comunicar.

A comunicação pelo cuidar, portanto, é uma comunicação que nos convoca para uma mudança de postura: baseada no respeito à vida. Uma ponte abrangendo a economia, o meio ambiente, os sistemas sociais, culturais, nossas emoções e afetos, nosso modo de conversar, interagir, pensar, perceber conexões essenciais e ainda, a nossa própria transcendência (espiritualidade).

Ao entenderemos a sustentabilidade como a construção do “nosso futuro comum” – como já definiu o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, organizado por Gro Harlem Brundtland, em 1988, compreendemos necessariamente o valor do cuidado. O saber cuidar é saber comunicar, uma vez que seria impossível cuidar sem relacionar-se, sem envolver-se. Uma vez que o cuidado requer proximidade, requer afeto e consciência em cada atitude. O cuidar é a mais bela e nobre forma de comunicação existente.

A comunicação pelo cuidar não precisa de discursos, manifestos ou publicações. Ela é uma ação comum, prática verdadeiramente sustentável a favor da “teia da Vida”, da qual falou o físico Fritjof Capra.

Numa ótica humanística essa comunicação pelo cuidado é um novo jeito de trabalhar, de conviver, de partilhar. De engajamento na construção de novos pontos de encontro entre culturas variadas, entre visões de mundo aparentemente opostas. Entre a pluralidade que pode causar estranhamento, mas que é a riqueza que permitiu a vida no planeta. Numa dinâmica comunicacional fantástica, miríade de possibilidades, articulações.

Por isso, o cuidar como base. Como primeiro degrau na direção de um amanhã onde a vida terá a preferência sobre as coisas, nunca mais sendo tratada como coisa. Onde a vida terá preferência sobre as máquinas, a produção e o crescimento a qualquer custo. Sem uma merecida atenção aos detalhes, ao pequeno, ao que parece inútil. Porque tudo que é vivo merece cuidado. Naquilo que deveria ser o olhar sem fronteiras que a sustentabilidade nos demanda. Para percebermos os nodos de uma rede de intensa relação: interdependente e intercambiante.

Dessa forma, o cuidar é a tradução, em permanente movimento, desta nova forma de ser e viver. Olhando o mundo além de si, além do imediato. Olhando o outro ser humano e os outros seres vivos, bem como os ecossistemas – nossos patrimônios coletivos, não como mercadorias ou peças soltas, fragmentadas, descartáveis e consumíveis numa voracidade veloz e agressiva. Mas com o olhar do cuidado. Através da comunicação pelo cuidar.

Do ponto de vista da política tal proposta resgataria o conceito de Democracia: pessoas ultrapassando seus interesses imediatos “sendo capazes de reconhecer os interesses dos outros e pensar o interesse do conjunto da sociedade” (citando Cristóvão Buarque). Pensar cada sociedade como inseparável do meio ambiente, buscando a preservação da vida em condições melhores do que as de hoje, como um legado às futuras gerações.
Garantir esta herança seria comunicar para as próximas gerações exatamente a importância do cuidado. Afinal, não precisamos, como escreveu o filósofo Ralph W. Emerson, “começar a aprender geologia na manhã seguinte a um terremoto”. Temos escolhas a serem feitas e a opção pela sustentabilidade é uma delas. E a comunicação para a sustentabilidade, a comunicação pelo cuidar é a construção dessa estrada, via de acesso da nossa sobrevivência.

Porque visão de longo prazo é saber que o dia de hoje carrega em si a semente do amanhã: “somente quando imaginamos o futuro como projeção de aspirações do presente é que o tempo atual passa a ser percebido como o momento de gestação do amanhã” (conforme escreveram Sandra Korman Dib e Elaine Juncken Teixeira em trabalho a respeito da ação sobre o próprio destino e o destino comum).

Fundamental, assim resgatar a relevância da palavra como cuidado. Da palavra como afeto, verdadeira energia fraterna, fazedora de laços, fortalecedora da confiança e de tolerância. Onde a comunicação, mais do simples lâmpada, é a própria luz. Trilha sobre o que antes estava invisível, esquecido, imperceptível, mal cuidado. Daí, o necessário diálogo - como escreve David Bohm, ser fundamental uma vez que “nossas relações dependem de como apresentamos os outros a nós mesmos e vice-versa. E tudo isso depende das representações coletivas.” Imaginemos então a conversa entre a humanidade como a mais ampla forma da comunicação pelo cuidado, como o encontro de “uma família que ainda não se conhece” (Theodor Zeldin).

O construir de uma biocivilização a partir de nossa própria vizinhança. Dos nossos arredores mais provincianos para o global, como pixels de uma fotografia maior. E para que tal empreitada se realize, vamos precisar “de todo mundo” como já cantou o poeta Beto Guedes, porque o “caminho entre o possível e a utopia é o espaço no qual os cidadãos do mundo podem e devem agir” (Jean Pierre Leroy).

O que já nos exige modelos educacionais capazes de “contextualizar os saberes e integralizá-los em seus conjuntos” como defende Edgard Morin. Porque o cuidar para ser sustentável requer a compreensão do todo, a percepção sistêmica de nossas ações e reações, de conseqüências aparentemente isoladas, do entendimento de contextos, leitura de cenários numa linha de tempo e de fatos que se sempre se interligam. Entre razão e emoção. Causa e consequência.

Como na questão, por exemplo, dos Direitos Humanos - outro aspecto abordado pelo modelo da GRI: “Quando alguém é injustiçado, toda a humanidade paga o preço” (segundo Francisco Gomes de Matos em “A Empresa com Alma”). Ou ainda diante de um acidente de trabalho com vítimas fatais numa obra e também diante de falhas de processos técnicos, resultando em desastres ambientais que desconhecem fronteiras políticas – como recentemente aconteceu com a explosão da plataforma de petróleo da BP no Golfo do México. E também testemunhando os incêndios gigantescos nos arredores de Moscou, na Rússia: a natureza desconhece as diretrizes traçadas pela arrogância dos homens.

* Luiz Antônio Gaulia é Jornalista, publicitário, professor da ESPM (em Comunicação & Desenvolvimento e Gestão de Crise & Assessoria de Comunicação) e da ABERJE (em Comunicação Interna como Ferramenta de Gestão). Trabalhou em projetos de comunicação para a sustentabilidade junto à empresas como Votorantim, Natura, Vale e Light entre outras.
(Envolverde/Plurale)

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