quinta-feira, 17 de junho de 2010

Colheitas predadoras


Por Emilio Godoy

México, 16/6/2010 – A monocultura agroindustrial viola direitos de alimentação, trabalhistas, territoriais e ambientais na América Latina, segundo informe divulgado no dia 14, na capital mexicana. O estudo “Açúcar Vermelho, Desertos Verdes” diz que essas atividades “destroem a biodiversidade, contaminam e esgotam fontes e cursos de água, desgastam os solos, causam deslocamento forçado, despojam” de recursos naturais as famílias camponesas e indígenas e causam graves danos à saúde por causa do uso de agrotóxicos.

O trabalho, de 255 páginas, foi preparado pela Coalizão Internacional para o Habitat, uma rede internacional pró-moradia, pela não governamental Food First Information and Action Network (Fian), e pela rede internacional Solidariedade Suécia-América Latina, com o objetivo de avaliar o impacto das monoculturas na região. “O modelo de desenvolvimento aplicado incentiva a agroexportação. Os governos nacionais aplicam políticas de apoio a esse modelo”, disse à IPS Natalia Landívar, delegada da Fian no Equador e que participou da apresentação do estudo.

O informe analisa os casos da colheita de palma africana no México, Colômbia e Equador, da cana-de-açúcar no Brasil e na América Central, da soja na Argentina, do abacaxi na Costa Rica, e da indústria florestal no Chile, entre outros casos. Este tipo de cultivo começou na região em meados do século passado e ganharam auge na década de 70, quando os países latino-americanos despontaram como fornecedores de matéria-prima para os mercados das nações industrializadas.

O fenômeno “é parte de uma complexa rede de controle e dominação, que inclui a disputa pelo poder, dos mercados financeiros, do uso da mão-de-obra violentada e das fontes de energia”, disse à IPS o costarriquenho Gerardo Cerdas, coordenador do movimento Grito dos Excluídos Continental, também presente ao ato.

Por exemplo, a produção de soja argentina, que hoje ocupa mais de 16 milhões de hectares e é destinada primordialmente à exportação, passou de 10 milhões de toneladas em 1991 para 48 milhões em 2007, crescimento empurrado pela alta do preço nos mercados internacionais, que era de US$ 180 a tonelada em 1991, e subiu para US$ 580 a tonelada em 2008.

As empresas “vêm pela concentração da terra, para desmatar e explorar as famílias camponesas”, denunciou à IPS Paulo Aranda, dirigente do Movimento Nacional Camponês de Indígena da Argentina, que assistiu a apresentação e cuja organização luta contra o plantio de soja geneticamente modificada. Na Costa Rica, o cultivo de abacaxi se estende por cerca de 54 mil hectares, o que deu a esse país centro-americano o título de principal produtor mundial, cujo mercado mais importante é o dos Estados Unidos, talvez pelo fato de a multinacional Del Monte ser a maior compradora.

“O abacaxi cresceu pela força de agroquímicos, provocou a contaminação da água, perda de ecossistemas, degradação da terra e exploração trabalhista”, assegurou à IPS Soledad Castro, do Centro de Direito Ambiental e dos Recursos Naturais da Costa Rica, que também participou da apresentação do estudo.

Em uma nova fase, o desenvolvimento das monoculturas passou do fornecimento de matéria-prima para a elaboração de combustíveis, como o etanol proveniente da cana-de-açúcar e o biodiesel obtido a partir do óleo de palma africana, e cuja principal motivação é abastecer o “faminto” mercado norte-americano.

A proliferação de produtos agrícolas, para elaborar combustíveis também se deve ao esgotamento do petróleo como fonte de energia e ao fato de a produção e uso de hidrocarbonos propiciar a emissão de gases contaminantes, como o dióxido de carbono (CO²), responsáveis pelo aumento da temperatura global. O Brasil surgiu como o principal gerador de etanol de cana da região, com produção superior a 27 bilhões de litros, e busca replicar seu modelo produtor no México, Japão, na América Central e em vários países africanos.

No México, são diversos os engenhos que investiram em instalação para gerar etanol, embora o consumo nacional não cresça, pois o projeto-piloto para sua mistura com gasolina a partir do próximo ano, na cidade de Guadalajara, está paralisado. A licitação, realizada pela estatal Petróleo Mexicanos para a compra de 658 milhões de litros de etanol, fracassou e uma nova está em andamento, embora os produtores prefiram mais a ideia de vender ao mercado norte-americano, que demanda mais e paga melhor. “Os agrocombustíveis são uma tentativa para manter artificialmente a atual matriz energética, que é totalmente inviável”, enfatizou Gerardo Cerdas.

As organizações sociais que se opõem às monoculturas querem aproveitar o fórum do Comitê de Segurança Alimentar Mundial da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), que se reunirá em outubro, para promover suas propostas. “O apoio internacional é para favorecer a agroindústria e não para as economias camponesas”, ressaltou a equatoriana Natalia Landívar.

O relatório sugere diversificar a produção agrícola, atender as necessidades alimentares das famílias, empregar práticas agroecológicas, reduzir os custos energéticos do sistema agrícola e, relacionado com este aspecto, aproveitar a biomassa gerada dentro dos sistemas agrícolas. IPS/Envolverde
(IPS/Envolverde)

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