quarta-feira, 27 de abril de 2011

O Brasil não precisa de venenos para sustentar a produção alimentar

Por Fabíola Ortiz

O Movimento dos Sem Terra hoje precisa dar respostas a problemas que vão além da reforma agrária, “por isso estamos na agroecologia e na educação”, afirma nesta entrevista o dirigente João Pedro Stédile.



RIO DE JANEIRO, Brasil, 25 de abril de 2011 (Tierramérica).- O Brasil pode deixar de ser o primeiro usuário mundial de agroquímicos sem reduzir a produção de alimentos que consome, afirma nesta entrevista o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile. As propriedades onde se assentam camponeses como parte da reforma agrária já estão mudando de mentalidade, rumo a uma produção alimentar em harmonia com o meio ambiente, disse Stédile ao Terramérica.

O Brasil, uma potência agropecuária, ocupa há três anos o primeiro lugar em consumo de herbicidas, fungicidas e inseticidas agrícolas. Desde 2006, estava em segundo lugar, atrás dos Estados Unidos, mas, após uma colheita recorde de soja, passou a liderar os países que utilizam mais agrotóxicos. Um estudo da consultoria alemã Kleffmann Group, feito a pedido da Associação Nacional de Defesa Vegetal, que representa os fabricantes de agroquímicos, demonstrou que o brasileiro é o maior mercado para estes produtos.

O setor mobilizou, em 2008, mais de US$ 7 bilhões, enquanto a área cultivada diminuiu 2%. Entretanto, cada agricultor emprega quantidades pequenas comparadas com as de outros países. Em 2007, foram gastos, em média, US$ 87,8 com agrotóxicos por hectare, enquanto na França esse índice foi de US$ 196,7 e no Japão de US$ 851 por hectare. No Brasil estão instaladas fábricas das cinco maiores indústrias mundiais do setor: Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e Monsanto.

O MST ampliou sua ação a partir de sua reclamação essencial de reforma agrária. Hoje, reúne 20 mil membros em todo o Brasil e atual junto a 60 mil famílias camponesas que pressionam o governo federal para que distribua terras improdutivas e melhore as condições em que se encontram aquelas que já receberam assentamentos. A seguir, uma síntese da entrevista.

TERRAMÉRICA: O MST deixou de ser um movimento apenas combativo e passou a adotar outros conceitos, como o discurso ecológico e contra o uso de agrotóxicos?

JOÃO PEDRO STÉDILE: Aprendemos, nos últimos dez anos, que não basta ter terra e produzir. É importante produzir alimentos saudáveis. Houve um processo de conscientização dentro do próprio movimento. Pusemos energias na adoção de técnicas de agroecologia para produzir alimentos em equilíbrio com o meio ambiente. Os agrônomos se formam sob a ótica da revolução verde, com uso intensivo de veneno. Tivemos que começar do zero e fazer convênios com universidades para criar cursos de agronomia com uma visão agroecológica. Nos últimos anos, houve um alerta no mundo sobre os agrotóxicos, e foi quando o Brasil passou a ser o país que mais consome venenos agrícolas. Junto ao alerta mundial, o Instituto Nacional do Câncer anunciou que há 40 mil novos casos anuais de câncer de estômago, 50% deles mortais. A origem está nos alimentos contaminados.

TERRAMÉRICA: Os assentamentos de trabalhadores rurais são um meio para reduzir o consumo de agrotóxicos?

JPS: Ainda é possível que vários pequenos produtores rurais em algumas regiões utilizem estes produtos. Contudo, são insignificantes os agricultores assentados que usam venenos. É possível manter a mesma produção agrícola de alimentos que o Brasil consome sem usar nenhum quilo de veneno. Existe conhecimento científico para deixar de usar tais venenos, e há superfície e mão-de-obra para cultivar no Brasil. Esta é a grande contradição do agronegócio. A que não consegue produzir sem veneno é a grande propriedade, porque substituiu a mão-de-obra pela máquina, enquanto a agricultura familiar e a reforma agrária têm esta vantagem.

TERRAMÉRICA: Os assentamentos rurais e as pequenas propriedades podem se contrapor à renovada carestia alimentar?

JPS: Sim, os preços aumentaram nos supermercados devido ao monopólio de empresas que controlam o mercado agrícola mundial. No Brasil, aumentamos a produção a cada ano e ainda assim os preços sobem. Pela lógica do mercado, quando a produção cresce, o preço cai. E isto não ocorre porque os oligopólios que controlam o mercado mundial manipulam os preços, e a economia brasileira fica refém deles. O pequeno agricultor que produz alimentos para o mercado local escapa desse controle.

TERRAMÉRICA: O MST sofre críticas por ter sido cooptado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva ou de ser muito combativo e violento. Qual é o perfil do MST hoje?

JPS: É um movimento social dinâmico e dentro dele há muitas contradições e problemas na forma de atuar em cada Estado. Na sociedade, cada um vê o MST a partir de seu próprio ponto de vista. Estamos em permanente luta, e depende muito de cada Estado brasileiro. Fazemos marchas, ocupações de fazendas e prédios públicos, mas cada Estado, às vezes, realça um aspecto mais do que outro. Nunca perdemos o controle em nenhuma de nossas ocupações, nem quando ocupamos o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e nem a sede do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O MST hoje precisa dar respostas e organizar a população diante de outros problemas, por isso estamos envolvidos na agroecologia e na educação.

O autor é correspondente da IPS.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Cientistas recomendam mais dois anos de discussão sobre novo Código Florestal

Glberto Costa
Repórter da Agência Brasil

Brasília – A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) querem que o Congresso Nacional adie por dois anos a votação do novo Código Florestal e tome a decisão sobre a nova lei com base em estudos científicos. A recomendação das duas entidades é baseada em estudo feito por um grupo de trabalho formado por 12 especialistas e publicado hoje (25).

Como a votação do Projeto de Lei nº 1876/99 divide ambientalistas e ruralistas, as duas entidades científicas se oferecem para mediar o “diálogo”, termo escolhido no lugar de “debate”. “A ciência brasileira não pode ficar fora do diálogo sobre o novo Código Florestal”, afirmou a presidenta da SBPC, Helena Nader.

Segundo ela, nenhum cientista ou pesquisador foi consultado para "aquela proposta" do deputado Aldo Rebelo (PCdo B-SP). Rebelo é o autor do relatório aprovado em julho do ano passado em comissão especial na Câmara dos Deputados. De acordo com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), a proposta deve ser votada na próxima semana, no dia 3 ou 4 de maio.

Integrantes do grupo de trabalho da ABC e da SBPC explicam que o prazo de dois anos é necessário para que se avaliem os possíveis efeitos que as mudanças na legislação terão no meio ambiente. Para o grupo, é preciso prazo também para o desenvolvimento de tecnologia que permita analisar, por exemplo, por meio de maquetes digitais (com topografia feita com base em imagens de satélite), as condições do solo e medir o tamanho das áreas que devem permanecer protegidas.

“O que está sendo proposto [no relatório de Aldo Rebelo] não tem embasamento científico”, diz o engenheiro Antônio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Nobre não criticou diretamente os ruralistas e disse à Agência Brasil que "tem fundamento" a reclamação dos produtores rurais em relação às exigências do atual Código Florestal, que é de 1965. “Existe uma série de tópicos que carecem de melhor definição”, diz o cientista, ressaltando, porém, não acreditar que as exigências do atual código inviabilizem a atividade rural.

Para o advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Raul Telles do Valle, o Congresso Nacional deveria acatar o pedido da SBPC e da ABC. “Não é razoável fazer uma votação e jogar isso aí [o estudo] no lixo. A ciência é parte”, reconheceu.

Os cientistas programaram entregar nesta tarde o estudo ao presidente da Câmara dos Deputados e ao próprio deputado Aldo Rebelo. Além desses, irão receber o texto, ao longo da semana, os ministros do Meio Ambiente, Izabella Teixeira; da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, da Educação, Fernando Haddad; e da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho.

O documento será levado na quarta-feira (27) à Casa Civil da Presidência da República.

O texto está disponível no site da SBPC (www.sbpcnet.br) e da ABC (www.abc.org.br).

Edição: Nádia Franco

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Código Florestal: a responsabilidade do PT

Por Iara Vicente, colaboradora de Outras Palavras

Na polêmica cada vez mais intensa sobre o novo Código Florestal, um ponto permanece obscuro: a posição do Partido dos Trabalhadores. Com 89 deputados, o PT detém a maior bancada da Câmara dos Deputados – a casa do Congresso onde começará a votação da nova lei. Sua posição é muito esperada – tanto por defensores do substitutivo do deputado Aldo Rebelo, quanto pelos movimentos que querem preservar os dispositivos de proteção das florestas presentes no Código.

O problema é que o PT está tardando a definir sua postura. Durante recente manifestação em Brasília (7/4), contra as mudanças que favorecem a devastação, o deputado Márcio Macedo (PT-SE) discursou em carro de som, afirmando que sua bancada não levaria o projeto à votação até que o governo informasse sua posição quanto às propostas de mudanças no Código. Desde então, o governo vêm marcando (e postergando) datas para anunciar a sua posição.

No twitter, o líder do partido na Câmara, Paulo Teixeira (PT/SP), afirma que “o governo fechou posição sobre o tema e vai apresentar proposta aos líderes dos partidos da Câmara”. O mesmo Paulo Teixeira antecipa que a bancada petista decidiu não apresentar um projeto alternativo para modificar o Código, pois sentiu-se atendida em suas reivindicações pela posição do governo.

Os sinais de que o PT discordava do substitutivo de Aldo surgiram, aliás, num incidente registrado no início do ano. O vice-presidente Michel Temer (à época, presidente em exercício) comandava uma reunião entre partidos para busca de “consenso” em torno da matéria. O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) falava em nome das bancadas governistas. Parlamentares petistas afirmaram que não se sentiam representados por ele e provocaram uma reunião à parte, com Temer.

Muitas das declarações feitas pelos membros do partido a partir de então soam contraditórias entre si. Os pontos comuns são positivos: afirma-se que o governo defenderá a manutenção da exigência da reserva legal (uma parte da área de cada imóvel, em que a vegetação nativa deve ser preservada) e que a compensação ambiental deverá ser feita nos mesmos biomas onde ocorreu o desmate. Segundo este princípio, os proprietários que desmataram ilegalmente ficam obrigados a repor as perdas que infligiram à natureza em área semelhante à devastada. Isso evita, por exemplo, que criadores de gado devastem áreas valorizadas na Mata Atlântica e plantem árvores nos rincões da Amazônia.

Como esta postura não está sacramentada, setores da bancada petista fortemente contrários ao desmatamento permanecem intranquilos. Em entrevista a Outras Palavras, o deputado Domingos Dutra (PT-MA), afirmou: “Se o governo não se posicionar contra, nós vamos perder, porque a bancada ruralista tem força própria e conseguiu manipular os pequenos produtores. (…) No momento, eles têm maioria na Câmara”.

Dutra, que foi um dos fundadores do PT, é militante em defesa dos trabalhadores do campo e dos direitos das comunidades quilombolas. Conhecido por suas posições independentes, contrariou a posição do partido, que apoiou a candidatura de Roseana Sarney ao governo do Maranhão, no ano passado. Àquela época, optou por candidato do mesmo partido de Aldo Rebelo: o comunista Flávio Dino…
Outras Palavras

quinta-feira, 21 de abril de 2011

A doença chamada homem


por Leonardo Boff*

Esta frase é de F. Nietzsche e quer dizer: o ser humano é um ser paradoxal, são e doente: nele vivem o santo e o assassino. Bioantropólogos, cosmólogos e outros afirmam: o ser humano é, ao mesmo tempo, sapiente e demente, anjo e demônio, dia-bólico e sim-bólico. Freud diria que nele vigoram dois instintos básicos: um de vida que ama e enriquece a vida e outro de morte que busca a destruição e deseja matar. Importa enfatizar: nele coexistem simultaneamente as duas forças. Por isso, nossa existência não é simples mas complexa e dramática. Ora predomina a vontade de viver e então tudo irradia e cresce. Noutro momento, ganha a partida a vontade de matar e então irrompem violências e crimes como aquele que ocorreu recentemente.

Podemos superar esta dilaceração no humano? Foi a pergunta que A. Einstein colocou numa carta de 30 de julho de1932 a S. Freud: “Existe a possibilidade de dirigir a evolução psíquica a ponto de tornar os seres humanos mais capazes de resistir à psicose do ódio e da destruição?” Freud respondeu realisticamente: “Não existe a esperança de suprimir de modo direto a agressividade humana. O que podemos é percorrer vias indiretas, reforçando o princípio de vida (Eros) contra o princípio de morte (Thanatos)”. E termina com uma frase resignada: “esfaimados, pensamos no moinho que tão lentamente moi, e poderemos morrer de fome antes de receber a farinha”. Será esse o nosso destino?

Por que escrevo isto tudo? É em razão do tresloucado que, no dia 5 abril, numa escola de um bairro do Rio de Janeiro, matou à bala 12 inocentes estudantes entre 13 e 15 anos e deixou 12 feridos. Já se fizeram um sem número de análises, foram sugeridas inúmeras medidas como a da restrição da venda de armas, a de montar esquemas de segurança policial em cada escola, e outras. Tudo isto tem seu sentido. Mas não se vai ao fundo da questão. A dimensão assassina, sejamos concretos e humildes, habita em cada um de nós. Temos instintos de agredir e de matar. É da condição humana, pouco importam as interpretações que lhe dermos. A sublimação e a negação desta antirrealidade não nos ajuda. Importa assumi-la e buscar formas de mantê-la sob controle e impedir que inunde a consciência, recalque o instinto de vida e assuma as rédeas da situação. Freud bem sugeria: tudo o que faz criar laços emotivos entre os seres humanos, tudo o que civiliza, toda a educação, toda arte e toda competição pelo melhor, trabalha contra a agressão e a morte.

O crime perpretado na escola é horripilante. Nós cristãos conhecemos a matança dos inocentes ordenada por Herodes. De medo que Jesus, recém-nascido, mais tarde fosse lhe arrebatar o poder, mandou matar todas as crianças nas redondezas de Belém. E os textos sagrados trazem expressões das mais comovedoras: “Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos e não quer ser consolada porque os perdeu” (Mt 2,18). Algo parecido ocorreu com os familiares das vítimas.

Esse fato criminoso não está isolado de nossa sociedade. Esta não tem violência. Pior. Está montada sobre estruturas permanentes de violênca. Aqui mais valem os privilégios que os direitos. Marcio Pochmann, em seu Atlas Social do Brasil, nos traz dados estarrecedores: 1% da população (cerca de cinco mil famílias) controlam 48% do PIB e 1% dos grandes proprietários detêm 46% de todas as terras. Pode-se construir uma sociedade de paz sobre semelhante violência social? Estes são aqueles que abominam falar de reforma agrária e de modificações no Código Florestal. Mais valem seus privilégios que os direitos da vida.

O fato é que em pessoas perturbadas psicologicamente, a dimensão de morte, por mil razões subjacentes, pode aflorar e dominar a personalidade. Não perde a razão. Usa-a a serviço de uma emoção distorcida. O fato mais trágico, estudado minuciosamente por Erich Fromm (Anatomia da Destrutividade Humana, 1975) foi o de Adolf Hittler. Desde jovem foi tomado pelo instinto de morte. No final da guerra, ao constatar a derrota, pede ao povo que destrua tudo, envene as águas, queime os solos, liquide os animais, derrube os monumentos, se mate como raça e destrua o mundo. Efetivamente, ele se matou e todos os seus seguidores próximos. Era o império do princípio de morte.

Cabe a Deus julgar a subjetividade do assassino da escola de estudantes. A nós cabe condenar o que é objetivo, o crime de gravíssima perversidade e saber localizá-lo no âmbito da condição humana. E usar todas as estratégias positivas para enfrentar o Trabalho do Negativo e compeender os mecanismos que nos podem subjugar. Não conheço outra estratégia melhor que buscar uma sociedade justa, na qual o direito, o respeito, a cooperação e a educacção e a saúde para todos sejam garantidos. E o método nos foi apontado por Francisco de Assis em sua famosa oração: levar amor onde reinar o ódio, o perdão onde houver ofensa, a esperança onde grassar o desespero, e a luz onde dominar as trevas. A vida cura a vida e o amor supera em nós o ódio que mata.

* Leonardo Boff é teólogo e filósofo.
Envolverde

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Política é coisa de quem fala “errado” também

Algumas das pessoas mais sábias que conheci são iletradas. E alguns dos maiores idiotas têm doutorado. Às vezes, mais de um.

Significa que os iletrados são melhores que os doutores? Não. Então, o contrário? Também não.

O nível de escolaridade e a forma através da qual uma pessoa se expressa é irrelevante frente ao conteúdo que pode agregar a uma discussão. Se ela conseguiu fazer com que os outros a entendessem, ótimo, fez-se a comunicação.

(Uma minoria dos leitores deste blog não entendeu isso ainda e desvaloriza a opinião de um outro leitor porque este separou sujeito e predicado com vírgula. Mesquinhos, sabe? Ou que oprime quem não sentou em bancos de escola. Para esses, um pedido: faça um favor para si mesmo e leia Patativa do Assaré.)

Mas o que esperar de uma sociedade em que pipocam pessoas que desconsideram o interlocutor por não saber acertar uma concordância verbal ou conjugar um verbo? (“Meu Deus! Você não sabe flexionar o verbo “funhunhar” no futuro do subjuntivo? É um ogro!”) E na qual o domínio da norma culta (que, convenhamos, é um porre) é alçado à condição de passaporte para a participação nas discussões sobre o destino da pólis.

A lingua é construída pela boca das pessoas no dia-a-dia e não por meia dúzia de iluminados. É dinâmica, em constante mutação e, para sobreviver, não precisa de formalismos – que são exatamente isso, construções, muitas vezes definidas pelo grupo hegemônico. Como dizer que uma pessoa que nasceu e cresceu falando português está errada ?

Dizer que um pescador, um vendedor ambulante, uma baiana do tabuleiro, uma quilombola ou ribeirinha ou um pedreiro “desconhecem a própria língua” não é um ação pedagógica e sim um ato político. Excludente. Que usa uma justificativa supostamente técnica para manter do lado de fora dos debates sobre o futuro da nação a maior parte da sociedade brasileira.

A quem interessa a manutenção desse comportamento? A quem está no poder e, muitas vezes, usa a língua como instrumento de coerção? Certamente bem mais do que a quem não foi chamado para a festinha e acha que política é coisa de gente estudada.

Em tempo: Sobre o assunto, sugiro o livro do professor Marcos Bagno: “Preconceito Linguístico – o que é, como se faz”, das Edições Loyola – que já passou da 50ª edição.
Blog do Sakamoto

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Governo já tem posição sobre Código Florestal

O líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP), contradisse o ministro Luiz Sérgio (Relações Institucionais) e afirmou que o governo fechou posição em relação à redação do novo Código Florestal em reunião realizada ontem.

A reportagem é de Breno Costa e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 15-04-2011.

Escalado para falar com a imprensa a respeito da reunião, Luiz Sérgio disse que embates sobre pontos polêmicos do código persistiam, mas que o governo estava "progredindo" na discussão.

O ministro, traçando um cenário cauteloso, disse que o governo esperava colocar o código em votação "neste semestre". Antes, declarações de governistas indicavam uma votação ainda em abril.

"Eu diria que nós estamos construindo uma proposta que é consensual no governo", disse, após a reunião, da qual participaram o vice-presidente, Michel Temer, e os ministros Antonio Palocci (Casa Civil), Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Wagner Rossi (Agricultura).

Duas horas depois, contudo, Paulo Teixeira convocou a imprensa para afirmar que o governo havia chegado a uma posição final acerca do novo Código Florestal a partir da reunião de horas antes, da qual ele não participou.

Mais que isso, disse que o governo enviará já na semana que vem ao Congresso "sugestões" de alterações no texto do relator Aldo Rebelo.

"A posição do governo já está definida e será levada ao Congresso na semana que vem", disse o líder do PT, sem deixar claro se essa suposta definição representava um consenso no governo.
IHU

Entenda o "novo" Código Florestal

A revisão do principal instrumento legislativo brasileiro para a proteção da natureza tem mais riscos do que benefícios. Saiba quais no infográfico.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Noam Chosmky: sobre intervenções e hipocrisias




Quais são os propósitos mais amplos dos EUA nas relações internacionais, no mundo árabe e na Líbia?

Uma maneira útil de abordar a questão é perguntar quais não são os motivos dos EUA. Existem alguns meios bons de descobrir. Um deles é ler a literatura específica de relações internacionais: nela descreve-se as políticas como aquilo que não são. É um tema interessante, mas não vou me aprofundar sobre ele.

Outro método, muito relevante agora, é ouvir líderes políticos e comentaristas. Suponha que eles digam que o motivo de uma ação militar é humanitário. No discurso, isso não traz nenhuma informação: praticamente todas as ações de força são justificadas nesses termos. Mesmo pelos piores monstros – que até devem, irrelevantemente, convencer a si mesmos de que dizem a verdade. Hitler, por exemplo, pode ter acreditado que estava tomando partes da Tchecoslováquia para acabar com o conflito étnico e propiciar às pessoas os benefícios de uma civilização avançada. Ou de que invadiu a Polônia para acabar com o “terror selvagem” dos polacos. Os fascistas japoneses na China provavelmente acreditavam que estavam altruisticamente trabalhando para criar um “paraíso terrestre” e proteger as pessoas que sofriam com os “bandidos chineses”. Até mesmo Obama pode ter acreditado no que disse em seu discurso de 28 de março sobre os motivos humanitários para a intervenção na Líbia. O mesmo se passa com os comentaristas.

Entretanto, existe um teste simples para determinar se as declarações de intenção nobre podem ser levadas a sério. Os autores deste discurso convocam intervenções humanitárias para proteger as vítimas de seus próprios crimes – ou de seus clientes? Obama, por exemplo, pediu uma zona de exclusão aérea durante a invasão assassina e destrutiva de Israel – apoiada pelos EUA – no Líbano, em 2006? Ou ele se vangloriou orgulhosamente, durante sua campanha presidencial, de ter defendido uma resolução do Senado norte-americano apoiando a invasão, e pedindo condenação do Irã e da Síria por impedi-la? Assunto encerrado. Na realidade, quase toda a literatura, escrita e falada, de intervenção humanitária e direito de proteção desaparece com esse teste simples e apropriado.

Os motivos reais, porém, são raramente discutidos. Para desenterrá-los, é preciso observar registros documentais e históricos.

Afinal, quais são os motivos dos EUA? De uma maneira muito geral, as evidências parecem apontar que eles não mudaram muito desde os estudos de estratégia de alto nível realizados durante a Segunda Guerra Mundial. Os estrategistas tomaram como certo que os EUA emergiriam da guerra em uma posição extremamente dominante, e propuseram a criação de uma Grande Área, na qual os EUA manteriam um “poder inquestionável”, com “supremacia econômica e militar”, assegurando a “limitação de qualquer exercício de soberania” por Estados que poderiam interferir nos desígnios norte-americanos.

A Grande Área incluiria o hemisfério ocidental, o extremo oriente, o império britânico (que incluía as reservas energéticas do Oriente Médio), e tanto da Eurásia quanto possível – pelo menos, os centros industriais e comerciais da Europa Ocidental. Os registros documentais deixam muito claro que “o presidente Roosevelt visava a hegemonia estadunidense no pós guerra”, para citar a frase precisa do respeitado historiador britânico Geoffrey Warner. E, mais significante, os planos traçados cuidadosamente durante a guerra foram implementados com rapidez, como lemos nos documentos desclassificados dos anos seguintes, e observamos as ações. As circunstâncias mudaram, e as táticas foram adaptadas, mas os princípios básicos foram mantidos.

Considerando o Oriente Médio – a “região mais importante estrategicamente no mundo”, nas palavras de Eisenhower – a preocupação básica tem sido as incomparáveis reservas energéticas. O controle delas iria render “substancial controle do mundo”, como observado pelo influente assessor liberal, A. A. Berle. Essa preocupação raramente está distanciada do cenário das relações na região.

No Iraque, por exemplo, como as dimensões da derrota dos EUA não podiam mais ser escondidas, a retórica floreada foi trocada pelo anúncio honesto de metas políticas. Em novembro de 2007, a Casa Branca emitiu uma Declaração de Princípios, insistindo que o Iraque deveria conceder ao exército estadunidense acesso por tempo indeterminado, e deveria privilegiar investidores americanos. Dois meses depois, o presidente informou ao Congresso que iria ignorar a legislação que limitava o estabelecimento permanente das forças armadas norte-americanas – ou não seria possível estabelecer “o controle das reservas de petróleo do Iraque pelos EUA”. Assim como os objetivos anteriores, esta pretensão teria que ser abandonada logo em seguida, frente à resistência iraquiana.

Embora o controle sobre o petróleo não seja o único fator na política do Oriente Médio, ele oferece uma boa pista. Em um país rico em reservas petrolíficas, um ditador de confiança é mantido, virtualmente, com rédeas livres. Nas últimas semanas, por exemplo, não houve reação quando a ditadura saudita usou a força a fim de prevenir qualquer sinal de protesto. O mesmo se deu no Kuwait, quando pequenas manifestações foram instantaneamente esmagadas. E no Bahrain, quando forças lideradas pela Arábia Saudita intervieram para proteger a minoria sunita dos pedidos de reformas por parte da maioria xiita. As forças do governo não só destruíram as tendas levantadas na Praça da Pérola – a versão da praça Tahrir no Bahrain – mas também demoliram a estátua da pérola, um símbolo nacional que tinha sido tomado pelos manifestantes.

O Bahrein é particularmente sensível por acolher a Quinta Frota dos EUA (a força militar mais forte da região) e pelo fato de que a porção oriental da Arábia Saudita, do outro lado da ponte, também possui maioria xiita, e abriga a maior parte das reservas de petróleo do país. Por um curioso acidente geográfico e histórico, as maiores concentrações de hidrocarbonetos do mundo cercam o Golfo Pérsico em regiões majoritariamente xiitas. A possibilidade de uma aliança entre os xiitas tem sido, por muito tempo, um pesadelo para os estrategistas.

Em Estados sem maiores reservas de hidrocarbonetos, as táticas variam. Tipicamente, mantém-se um padrão de estratégia quando um ditador favorecido está com problemas: apoiá-lo tanto quanto possível; e, quando isso não pode mais ser feito, fazer declarações de amor à democracia e aos direitos humanos. Então, tentar manter ao máximo as características do regime anterior.

O cenário é aborrecidamente familiar: Marcos, Duvalier, Chun, Ceasescu, Mobutu, Suharto, e muitos outros. E atualmente, Tunísia e Egito. A Síria é osso duro de roer e não há alternativa clara para uma ditadura que apoiaria os objetivos dos EUA. O Iêmen é um pântano onde intervenção direta provavelmente causaria problemas ainda maiores para Washington. Então as violências do Estado provocam apenas declarações piedosas.

A Líbia é um caso diferente, O país é rico em petróleo, e apesar do apoio extraordinário dado pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos, o ditador não é mais confiável. Eles prefeririam um cliente mais obediente. Além disso, o grande território líbio é praticamente inexplorado, e especialistas acreditam que podem haver reservas inexploradas, que um governo mais dependente pode abrir à exploração ocidental.

Assim que uma revolta não-violenta começou, Gaddafi esmagou-a brutalmente. Uma rebelião eclodiu e liberou Benghazi, a segunda maior cidade da Líbia. Parecia estar prestes a se mover para a fortaleza de Gaddafi no Oeste. As forças do ditador, no entanto, reverteram o curso do conflito e estavam às portas de Benghazi. Era provável que acontecesse uma chacina. Como o conselheiro de Obama para o Oriente Médio, Dennis Ross, apontou, “todos nos culpariam por isso”. Seria inaceitável, assim como uma vitória militar de Gaddafi que reforçasse seu poder e independência. Os Estados Unidos aderiram, então, à resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU, que estabeleceu uma zona de exclusão aérea, a ser implantada pela França, Reino Unido e EUA – sendo que os norte-americanos deveriam exercer apenas um papel de apoio.

Não houve esforços para que a ação se limitasse à instituição de uma zona de exclusão, ou mesmo para que se mantivesse nos limites mais amplos da Resolução 1973.

O triunvirato imediatamente interpretou a resolução como se autorizasse uma participação direta ao lado dos rebeldes. Um cessar-fogo foi imposto às forças de Gaddafi, mas não aos rebeldes. Pelo contrário, receberam apoio militar enquanto avançavam para oeste, assegurando logo os maiores recursos da produção de petróleo da Líbia.

A flagrante inobservância da Resolução 1973 da ONU, desde o começo, causou algumas dificuldades para a imprensa, pois tornou-se muito evidente para ser ignorado. No New York Times, por exemplo, Karim Fahim e David Kirkpatrick se perguntaram “como os aliados podem justificar ataques aéreos às forças do coronel Gaddafi ao redor de [seu centro tribal] Surt, se, como parece ser o caso, elas gozam de apoio generalizado na cidade e não representam ameaças aos civis”? Outra dificuldade técnica é que o Conselho de Segurança das Nações Unidas “pediu um embargo de armas que se aplica a todo o território da Líbia, o que significa que qualquer fornecimento de armas do exterior para a oposição teria que ser vetado”.

Alguns argumentam que o petróleo não pode ser um motivo, uma vez que as empresas ocidentais tinham acesso garantido ao prêmio, com Gaddafi. O argumento ignora as preocupações dos Estados Unidos. O mesmo poderia ser dito sobre o Iraque sob Saddam, ou Irã e Cuba por muitos anos, e até hoje. O que Washington busca é aquilo que Bush anunciou: controle, ou pelo menos clientes dependentes. Os documentos internacionais dos Estados Unidos e da Inglaterra enfatizam que “o vírus do nacionalismo” é seu maior medo – não apenas no Oriente Médio, mas em qualquer lugar. Regimes nacionalistas podem conduzir exercícios ilegítimos de soberania, violando os princípios da Grande Área. E eles podem buscar direcionar recursos para necessidades populares, como Nasser ameaçou algumas vezes.

Vale notar que os três impérios tradicionais – França, Reino Unido e Estados Unidos – estão tocando a operação quase isolados. Os dois maiores Estados na região – Turquia e Egito – provavelmente poderiam impor a zona de exclusão, mas no máximo oferecem um suporte sem grande entusiasmo à campanha militar do triunvirato. As ditaduras do Golfo ficariam felizes ao ver o ditador líbio desaparecer, mas apesar de carregadas de equipamento bélico avançado (fornecido pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, a fim de reciclar dólares do petróleo e assegurar obediência), eles não quiseram oferecer nada mais que uma participação simbólica (pelo Qatar).

Embora apoie a resolução 1973 do Conselho de Segurança, a África – com exceção de Ruanda, aliada dos Estados Unidos – se opõe, de modo geral, à interpretação adotada imediatamente pelo triunvirato. Em alguns casos, a oposição é firme. Para estudo das políticas dos Estados individuais, veja Charles Onyang-Obbo no jornal queniano The East African (http://allafrica.com/stories/201103280142.html).

Além da região, há pouco apoio. Como a Rússia e a China, o Brasil absteve-se na Resolução 1973, propondo como alternativa um cessar-fogo completo e diálogo. A Índia também se absteve, com o argumento de que as medidas propostas provavelmente “agravariam uma situação que já é muito complicada para o povo líbio”. Além disso, pediu medidas políticas em vez do uso da força. Até a Alemanha se absteve da resolução.

A Itália também estava relutante, presumivelmente em parte por causa da alta dependência dos contratos de petróleo com Gaddafi. Podemos nos lembrar, também, que o primeiro genocídio pós-I Guerra Mundial foi conduzido pela Itália, no leste da Líbia, agora liberado. Devem restar algumas memórias.

Um anti-intervencionista, que acredita na autodeterminação de nações e povos, pode legitimamente apoiar uma intervenção – seja pela ONU ou por países em particular?

Dois casos devem ser considerados: (1) intervenção da ONU e (2) intervenção sem autorização da ONU. A menos que acreditemos que os Estados são sacrossantos na forma que foram estabelecidos no mundo moderno (tipicamente por violência extrema), com direitos que ultrapassam todas as outras considerações imagináveis, então a resposta nos dois casos seria a mesma: sim, pelo menos em princípio. Eu não vejo razão em discutir essa crença, então vou desconsiderá-la.

Em relação ao primeiro caso, a Carta e as resoluções subsequentes outorgam ao Conselho de Segurança amplitude considerável de intervenção. Isso foi realizado, em relação à África do Sul, por exemplo. Isso não implica, é claro, que qualquer decisão do Conselho de Segurança deve ser aprovada por “um anti-intervencionista que acredita na autodeterminação”. Outras considerações dizem respeito a casos individuais, mas novamente, a não ser os Estados contemporâneos sejam vistos como entidades praticamente sagradas, o princípio é o mesmo.

Quanto ao segundo caso – que surge quando se observa a interpretação que o triunvirato deu à Resolução 1973, e a muitos outros exemplos – a resposta novamente é sim, pelo menos em princípio. A não ser que consideremos o sistema global como sacrossanto na forma estabelecida na Carta da ONU e em outros tratados.

Sempre existe, é claro, uma pesada carga de provas que deve ser satisfeita para justificar uma intervenção violenta, ou qualquer uso de força. A carga é particularmente alta no segundo caso, de intervenção sem apoio da ONU, pelo menos para Estados que declaram ser obedientes à lei. Devemos ter em mente, entretanto, que a hegemonia mundial rejeita essa postura, e ela é excluída das Cartas da ONU, da Organização de Estados Americanos (OEA) e de outros tratados internacionais. Ao aceitar a Corte Internacional de Justiça quando foi estabelecida (sob iniciativa dos Estados Unidos) em 1946, Washington declarou não aceitar acusações de violação de tratados internacionais. Mais tarde, ratificou a Convenção de Genocídios com ressalvas similares. Estas posições foram acolhidas pelos tribunais internacionais, visto que os processos exigem a aceitação da jurisdição. É comum que os Estados Unidos acrescentem ressalvas cruciais aos tratados internacionais que ratificam, para isentar-se, na prática, de cumpri-los.

O peso da prova pode ser cumprido? Há pouco sentido em uma discussão abstrata, mas existem alguns casos reais que cumprem os requisitos. No período após a II Guerra Mundial, houve dois casos (embora não se qualifiquem como intervenção humanitária) em que o recurso à força pode ser apoiadas legitimamente: a invasão do leste do Paquistão pela Índia, em 1971, e a invasão do Camboja pelo Vietnã, em dezembro de 1978. Ambas intervenções acabaram com atrocidades maciças.

Esses exemplos, contudo, não se enquadram na definição ocidental de “intervenção humanitária” porque tiveram agente errado: não foram praticados pelo Ocidente… Além disso, os Estados Unidos opuseram-se amargamente e puniram com dureza os países que interromperam o massacre na atual Bangladesh e derrotaram Pol Pot no Camboja, no momento em que suas atrocidades atingiram o ápice. O Vietnã foi não apenas condenado, mas também foi punido com uma invasão chinesa defendida pelos Estados Unidos, e pelo apoio diplomático aos ataques do Khmer Vermelho ao Camboja pós-Pol Pot, a partir da Tailândia.

Embora o ônus de prova tenha sido cumprido nesses casos, não é fácil pensar em outros. Na intervenção do triunvirato imperial que está violando a Resolução 1973 na Líbia, o ônus é particularmente pesado, dados os terríveis históricos. Contudo, seria exagerado dizer uma intervenção justificada é impossível – a não ser que, claro, consideremos santos os Estados em sua configuração atual. Prevenir um provável massacre em Benghazi não é uma questão pequena, qualquer que sejam os motivos.

Alguém preocupado em evitar o massacre dos dissidentes de um país pode opor-se legitimamente a uma intervenção voltada a evitar tal tragédia?

Não vejo como responder em tal nível de abstração: depende das circunstâncias. Pode-se opor à intervenção se, por exemplo, ela levará provavelmente a um massacre muito pior. Imagine que líderes dos Estados Unidos, genuína e honestamente, planejassem evitar o massacre da Hungria, em 1956, bombardeando Moscou. Ou que o Kremlin, genuína e honestamente, desejasse evitar o massacre de El Salvador, em 1980, bombardeando os Estados Unidos. Dadas as consequências previsíveis, nós concordaríamos que seria legítimo opor-se àquelas (inconcebíveis) ações.

Muitas pessoas veem uma analogia entre a intervenção de Kosovo, em 1999, e a atual intervenção da Líbia. Você pode explicar as similaridades importantes e as diferenças entre as duas?

Realmente, muitas pessoas veem essa analogia, uma sinal de força do incrível poder do sistema de propaganda ocidental. O contexto para a intervenção de Kosovo foi extraordinariamente bem documentado. Incluindo duas compilações do departamento de Estado detalhadas, extensos registros in loco feitas por monitores da Missão de Verificação do Kosovo, ricas fontes da OTAN e da ONU, um inquérito do parlamento britânico, e muito mais. Os registros e estudos correspondem muito estreitamente aos fatos.

Em resumo, não tinha havido mudança substancial no cenário nos meses anteriores ao bombardeio. Embora tanto as forças sérvias quanto o Exército de Libertação do Kosovo (que atuava a partir da Albânia) cometessem atrocidades, as principais foram praticadas por este último, pelo menos segundo as altas autoridades britânicas (a Inglaterra foi o membro mais belicoso da aliança). As maiores atrocidades em Kosovo não foram a causa do bombardeio da OTAN na Sérvia, mas sim sua consequência, e uma consequência fartamente antecipada. O comandante da OTAN, General Wesley Clark, informou a Casa Branca, semanas antes do ataque, que ele geraria uma resposta brutal pelas forças sérvias. Assim que o bombardeio começou, disse à imprensa que aquela resposta era “previsível”.

Os primeiros registros, pela ONU, da existência de refugiados fora de Kosovo foram feitos bem depois que o bombardeio começou. As acusações a Milosevic durante o bombardeio, fortemente baseadas nos serviços de inteligência britânico e estadunidense, limitavam-se a crimes cometidos após os bombardeios, com uma exceção, que sabemos que não poderia ser levada a sério pelos líderes americanos e britânicos, que, ao mesmo tempo, apoiavam ativamente crimes muito piores. Além disso, havia uma boa razão para acreditar que uma solução diplomática poderia ter sido alcançada: na realidade, a resolução da ONU após 78 dias de bombardeios foi muito mais um compromisso entre as posições da Sérvia e da OTAN.

Tudo isso, incluindo as impecáveis fontes ocidentais, é revisto em algum detalhe no meu livro Uma nova geração define o limite [No Brasil, lançado pela Editora Record; disponível em parte no Google Books]. Confirmações de informações vêm sendo feitas desde então. Assim, Diana Johnstone relata a carta enviada à chanceler alemã Angela Merkel, em 26 de outubro de 2007, por Dietmar Hartwing, que tinha sido líder da missão europeia em Kosovo antes de esta ser reformulada em 20 de março, quando o bombardeio foi anunciado, e estava posição muito boa para saber o que estava acontecendo. Ele escreveu:

“Nem um único relatório apresentado entre o final de novembro de 1998 e a evacuação na véspera da guerra mencionava que os sérvios tinham cometido crimes maiores ou sistemáticos contra os albaneses. Não havia um único caso que se referisse a um genocídio ou a incidentes ou crimes que sugerissem um genocídio. Exatamente o contrário: em meus relatórios, eu repetidamente informei que, considerando a crescente frequência dos ataques do Exército de Libertação do Kosovo contra sérvios, a aplicação das leis revelava contenção e disciplina notáveis. O objetivo clara e frequentemente citado pelo governo sérvio era observar o tratado entre Milosevic e Holbrooke [de outubro de 1998], para que oferecer qualquer pretexto à intervenção da comunidade internacional. (….) houve enormes ‘discrepâncias de percepção’ entre o que as missões em Kosovo estavam reportando aos respectivos governos e capitais e o que mais tarde foi liberado para a mídia e para o público. Essa discrepância só pode ser vista como acúmulo para uma preparação a longo prazo para guerra contra a Iugoslávia. Até o momento em que eu deixei Kosovo, nunca tinha acontecido o que a mídia, e também os políticos, estavam incansavelmente alegando. Consequentemente, até 20 de março de 1999, não havia razão para intervenção militar, o que torna ilegítimas as medidas empreendidas pela comunidade internacional. O comportamento coletivo dos membros da União Europeia, antes e depois que a guerra eclodiu, levanta sérias preocupações, porque a verdade foi morta, e a União Europeia perdeu credibilidade”.

História não é física quântica, e sempre há um grande espaço para dúvidas. Mas é raro que conclusões sejam tão firmemente apoiadas quanto nesse caso. De maneira muito reveladora, isso é totalmente irrelevante. Prevalece é doutrina de que a OTAN interveio para interromper uma limpeza étnica – ainda que adeptos do bombardeio ao menos enxergam as ricas evidências factuais defendam sua posição afirmando que os bombardeios eram necessários para interromper potenciais atrocidades. Deveríamos, portanto, provocar atrocidades em larga escala para impedir atrocidades que poderiam ocorrer se não houvesse bombardeios. E existem justificativas ainda mais chocantes.

As razões para essa virtual unanimidade e paixão são bastante claras. O bombardeio veio após uma orgia de autoglorificação e demonstração de poder que teria impressionado Kim il-Sung. Eu revi isso em outro lugar, e esse memorável momento da história intelectual não deve permanecer no esquecimento a que foi relegado. Após essa encenação, era simplesmene necessário um desfecho glorioso. A nobre intervenção de Kosovo forneceu isso, e a ficção deve ser zelosamente guardada.

Voltando à questão, existe uma analogia entre as teatralizações interesseiras no Kosovo e Líbia. Ambas intervenções foram animadas por uma intenção nobre em versões ficcionais. O inaceitável mundo real sugere analogias um tanto diferentes.

Muitas pessoas também veem uma analogia entre a intervenção em curso no Iraque e a atual intervenção na Líbia. Também nesse caso, você pode explicar as similaridades e as diferenças?

Eu também não vejo aqui uma analogia importante, exceto que dois Estados estão envolvidos em ambos. No caso do Iraque, os objetivos eram aqueles que foram finalmente admitidos. No caso da Líbia, é provável que o objetivo seja similar em pelo menos um aspecto: a esperança de que um regime confiável irá seguramente apoiar os objetivos ocidentais e permitir que investidores ocidentais tenham acesso ao rico petróleo da Líbia – o que, como observado, pode ir muito além do que é atualmente conhecido.

O que você espera que aconteça na Líbia nas próximas semanas? Quais deveriam ser os objetivos de um movimento anti-intervencionista e anti-guerra nos Estados Unidos?

É incerto, claro, mas as perspectivas prováves hoje [29 de março] são ou uma divisão da Líbia em duas regiões. Uma, rica em petróleo e altamente dependente das forças imperialistas ocidentais; outra, a oeste, empobrecida e sob o controle de um tirano brutal com capacidade declinante, ou a vitória das forças apoiadas pelo ocidente.

Em qualquer um dos casos, e provavelmente assim espera o triunvirato, um regime menos problemático e mais dependente assumirá. O resultado provável é descrito muito precisamente pelo jornal árabe com base em Londres alQuds al-Arabi (28 de março). Embora reconheça a incerteza da previsão, ele antecipa que a intervenção deve deixar a Líbia com “dois estados, um mantido pelos rebeldes e rico em petróleo no leste, e um indigente, liderado por Gaddafi no oeste… Dado que os poços de petróleo foram garantidos, podemos nos encontrar frente a um novo emirado líbio rico em petróleo, esparsamente habitado, protegido pelo Ocidente e muito similar aos outros emirados do Golfo”. Ou uma rebelião apoiada pelo ocidente pode ir até o fim e eliminar o ditador.

Aqueles que se preocupam com a paz, justiça, liberdade e democracia deveriam tentar encontrar maneiras de dar apoio e assistência aos líbios que procuram desenhar seu próprio futuro, livre de restrições impostas por poderes externos. Nós podemos ter esperança sobre as direções que eles devem buscar, mas o futuro deve ser deixado em suas mãos.
Entrevista a Stephen Shallon e Michael Albert, no ZNet | Tradução: Daniela Frabasile
OutrasPalavras
Imagem:Essaseoutras

sábado, 9 de abril de 2011

Boaventura: Inconformismo e Criatividade

O capitalismo necessita de adversários que atuem como corretivos da sua tendência para a irracionalidade e para a auto-destruição, a qual lhe advém da pulsão para funcionalizar ou destruir tudo o que pode interpor-se no seu inexorável caminho para a acumulação infinita de riqueza, por mais anti-sociais e injustas que sejam as consequências.
Boaventura de Sousa Santos

É hoje consensual que o capitalismo necessita de adversários
credíveis que atuem como corretivos da sua tendência para a
irracionalidade e para a auto-destruição, a qual lhe advém da pulsão para
funcionalizar ou destruir tudo o que pode interpor-se no seu inexorável
caminho para a acumulação infinita de riqueza, por mais anti-sociais e
injustas que sejam as consequências. Durante o século XX esse corretivo
foi a ameaça do comunismo e foi a partir dela que, na Europa, se construiu
a social-democracia (o modelo social europeu e o direito laboral). Extinta
essa ameaça, não foi até hoje possível construir outro adversário credível a
nível global.

Nos últimos trinta anos, o FMI, o Banco Mundial, as agências
de rating e a desregulação dos mercados financeiros têm sido as
manifestações mais agressivas da pulsão irracional do capitalismo. Têm
surgido adversários credíveis a nível nacional (muitos países da América
Latina) e, sempre que isso ocorre, o capitalismo recua, retoma alguma
racionalidade e reorienta a sua pulsão irracional para outros espaços. Na
Europa, a social-democracia começou a ruir no dia em que caiu o Muro de
Berlim. Como não foi até agora possível reinventá-la, o FMI intervém hoje
na Europa como em casa própria.

Poderá surgir em Portugal algum adversário credível capaz de
impedir que o país seja levado à bancarrota pela irracionalidade das
agências de rating apostadas em produzir a realidade que serve os
interesses dos especuladores financeiros que as controlam com o objetivo
de pilhar a nossa riqueza e devastar as bases da coesão social? É possível
imaginar duas vias por onde pode surgir um tal adversário. A primeira é a
via institucional: líderes democraticamente eleitos reúnem o consenso das
classes populares (contra os media conservadores e os economistas
encartados) para praticar um ato de desobediência civil contra os credores
e o FMI, aguentam a turbulência criada e relançam a economia do país com
maior inclusão social. Foi isto que fez Nestor Kirchner, Presidente da
Argentina, em 2003. Recusou-se a aceitar as condições de austeridade
impostas pelo FMI, dispôs-se a pagar aos credores apenas um terço da
dívida nominal, obteve um financiamento de três bilhões de dólares da
Venezuela e lançou o país num processo de crescimento anual de 8% até
2008. Foi considerado um pária pelo FMI e seus agentes. Quando morreu,
em 2010, o mesmo FMI, com inaudita hipocrisia, elogiou-o pela coragem
com que assumira os interesses do país e relançara a economia.

Em Portugal, um país integrado na UE e com líderes treinados na ortodoxia
neoliberal, não é crível que o adversário credível possa surgir por via
institucional. O corretivo terá de ser europeu e Portugal perdeu a
esperança de esperar por ele no momento em que o PSD, de maneira
irresponsável, pôs os interesses partidários acima dos interesses do país.

A segunda via é extra-institucional e consiste na rebelião dos
cidadãos inconformados com o sequestro da democracia por parte dos
mercados financeiros e com a queda na miséria de quem já é pobre e na
pobreza de quem era remediado. A rebelião ocorre na rua mas visa
pressionar as instituições a devolver a democracia aos cidadãos. É isto que
está ocorrendo na Islândia. Inconformados com a transformação da dívida de bancos privados em dívida soberana (o que aconteceu entre nós com o
escandaloso resgate do BPN), os islandeses mobilizaram-se nas ruas,
exigiram uma nova Constituição para defender o país contra aventureiros
financeiros e convocaram um referendo em que 93% se manifestaram
contra o pagamento da dívida. O parlamento procurou retomar a iniciativa
política, adoçando as condições de pagamento mas os cidadãos resolveram
voltar a organizar novo referendo, o qual terá lugar a 9 de Abril. Para forçar
os islandeses a pagar o que não devem as agências de rating estão a usar
contra eles as mesmas técnicas de terror que usam contra os portugueses.
No nosso caso é um terror preventivo dado que os portugueses ainda não se revoltaram. Alguma vez o farão?

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
Carta Maior

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Marcha lança Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e protesta contra alterações no Código Florestal

Ontem (07/04), Dia Mundial da Saúde, movimentos sociais e
organizações ambientalistas realizaram uma marcha em Brasília para lançar a
Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida e protestar contra o
projeto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) de alteração do Código Florestal,
que é apoiado pelos ruralistas. A mobilização também defende a reforma
agrária.


A marcha saiu do pavilhão de exposições do Parque da Cidade, às 7h, em direção ao Congresso Nacional, onde ocorreu o ato público.


A manifestação reúniu entidades como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra (MST), Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na
Agricultura Familiar (Fetraf), Movimento de Pequenos Agricultores (MPA),
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), ISA, Greenpeace, SOS Mata Atlântica,
Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), entre outros.


Às 9h30, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados
promoveu uma audiência pública sobre agrotóxicos e saúde. O evento foi no
plenário 7 do Anexo II. Foram convidados representantes da Via Campesina e
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).


A mobilização desta quinta deixa clara a posição de trabalhadores e
trabalhadoras rurais, agricultores e agricultoras familiares contra as
propostas ruralistas de alteração do Código Florestal. Marca ainda a
formação de um grande arco de alianças entre movimentos sociais do campo e
da cidade e organizações ambientalistas em favor de uma agricultura que
conviva de forma responsável com o meio ambiente. Durante o protesto, foi
divulgado um documento elaborado em conjunto pelas entidades participantes.


A marcha contrapõe-se à manifestação que está sendo promovida
pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), hoje em
Brasília, em defesa do projeto de Aldo Rebelo. A entidade, que é a
principal representante dos ruralistas, vem insistindo que o conjunto da
agricultura familiar apoiaria o projeto, o que não é verdade.


*Campanha contra Agrotóxicos*


A Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida reúne movimentos
sociais, entidades estudantis e sindicatos em defesa do direito à
alimentação saudável para todos, da saúde e qualidade de vida do trabalhador
e de um meio ambiente equilibrado. A ideia é alertar a sociedade para o uso
indiscriminado de defensivos agrícolas. O Brasil é o maior consumidor
mundial dessas substâncias: cerca de 1 bilhão de litros foram utilizados no
País em 2009 – uma média de 5 litros por pessoa.


A campanha defende um novo modelo agrícola que valorize a agricultura
familiar, viabilize o desmatamento zero, gere renda e trabalho para a
população rural, permita o acesso a tecnologias que utilizem menos
agrotóxicos, como os sistemas agroecológicos.


Todos os anos multiplicam-se casos de contaminação no campo por
agrotóxicos. Pesquisas vêm apontando as graves consequências dessa
contaminação para o meio ambiente e a saúde humana. Ela pode causar
problemas como câncer, distúrbios hormonais e neurológicos, má formação do
feto, depressão, doenças de pele, diarréia, vômitos, desmaio, contaminação
do leite materno, entre outros.
ISA/Minha Casa Meu mundo.

CARTA Divulgada durante manifestação

POR UMA LEI FLORESTAL JUSTA E EFETIVA: NÃO À APROVAÇÃO DO RELATÓRIO ALDO REBELO

Está para ser votado na Câmara dos Deputados um dos maiores crimes contra o nosso país e
sua imensa biodiversidade: a destruição do Código Florestal. A nossa lei que protege as
margens de rios e as encostas da erosão e dos deslizamentos, que mantém parte de nossas
florestas, cerrados e caatingas preservados, e que estimula o manejo sustentável de nossas
riquezas naturais está na mira da bancada ruralista!
Alegando que a lei atrapalha o agronegócio brasileiro, os ruralistas encomendaram ao
deputado Aldo Rebelo (PC do B/SP) uma proposta de alteração que está prestes a ser votada
e que, dentre outras coisas, pretende:
a) anistiar os desmatamentos ilegais realizados em APPs até 2008: não será mais
necessário recuperar os desmatamentos ilegais realizados em encostas, beiras de rio e áreas
úmidas, beneficiando quem desrespeitou a lei, mas prejudicando a sociedade, que terá que
conviver para sempre com rios assoreados, deslizamentos de encostas, águas envenenadas,
casas e plantações levadas por enchentes, dentre outros
b) diminuir a proteção aos rios e topos de morro: prevê que os rios menores,
justamente os mais abundantes e frágeis, terão uma proteção menor, que pode chegar a ¼
da atual. Da mesma forma, retira toda e qualquer proteção aos topos de morro, áreas frágeis
e sujeitas a deslizamentos e erosão em caso de uso inadequado. Somada à anistia, significará
uma perda muito significativa de proteção a essas áreas.
c) diminuir a reserva legal em todo o país: isenta os imóveis de até 4 módulos fiscais de
recuperar a reserva legal, e para todos os demais diminui a base de cálculo, o que significa
diminuir ainda mais uma área que já é considerada por todos como pequena para proteger a
biodiversidade. Isso sem contar a possibilidade de fraude, com fazendas maiores se dividindo
artificialmente para não ter que recuperar as áreas desmatadas.
d) permitir a compensação da reserva legal em áreas remotas, sem nenhum critério
ambiental, levando em consideração apenas o valor da terra, e não a importância ambiental
ou a necessidade de recuperação ambiental da região onde ela deveria estar, muitas vezes
já. Essa proposta terá repercussões na estrutura agrária em todo o país, expulsando
agricultores familiares e camponeses, povos indígineas e quilombolas
e) possibilitar que municípios possam autorizar desmatamento , o que significa criar o
total descontrole na gestão florestal no país, já que são muitos os casos de prefeitos que têm
interesse pessoal no assunto, configurando um inadmissível conflito de interesses
Para quem defende essa proposta o que interessa é manter monoculturas envenenadas com
agrotóxicos, movidas a trabalho escravo e uma destruição ambiental constante. Não é isso
que interessa ao país.
Nós, organizações ambientalistas, movimentos sociais do campo e sindicalistas de todo o
Brasil, defendemos valores e práticas bem diferentes. Por isso defendemos uma proposta
diferente para o Código Florestal, que deve prever, dentre outros:
· Tratamento diferenciado para a agricultura familiar , que tem no equilíbrio ambiental um
dos pilares da sua sobrevivência na terra, com apoio técnico público para recuperar
suas áreas e gratuidade de registros;
· Desmatamento Zero em todos os biomas brasileiros , com exceção dos casos de
interesse social e utilidade pública, consolidando a atual tendência na Amazônia e
bloqueando a destruição que avança a passos largos no Cerrado e na Caatinga;
· Manutenção dos atuais índices de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente,
mas permitindo e apoiando o uso agroflorestal dessas áreas pelo agricultor familiar
· Obrigação da recuperação de todo o passivo ambiental presente nas Áreas de
Preservação Permanente e Reserva Legal, não aceitando a anistia aos desmatadores,
mas apoiando economicamente aqueles que adquiriram áreas com passivos para que
recuperem essas áreas;
· A criação de políticas públicas consistentes que garantam a recuperação produtiva das
áreas protegidas pelo Código Florestal, com a garantia de assistência técnica
qualificada, fomento e crédito para implantação de sistemas agroflorestais, garantia de
preços para produtos florestais e pagamentos de serviços ambientais
A sociedade brasileira exige do Congresso Nacional e da Presidenta eleita que este relatório
nefasto não seja aprovado, e que em seu lugar seja colocado um texto que interesse a todos
os brasileiros, ou seja, que não diminua a proteção de áreas ambientalmente importantes,
mas que crie condições para que elas sejam efetivamente protegidas.
Por isso milhares de pessoas estão organizadas hoje para gritar:
NÃO AO RELATÓRIO DA BANCADA RURALISTA!
POR UM CÓDIGO FLORESTAL QUE DE FATO GARANTA PRODUÇÃO E PROTEJA AS
FLORESTAS!
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal – ABEEF
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – APREMAVI
Associação dos Servidores da Reforma Agrária em Brasília - ASSERA
Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Ibama - ASIBAMA
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Confederação Nacional dos Servidores do Incra - CNASI
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Conselho Pastoral de Pescadores
Conservação Internacional – Brasil
Crescente Fértil
Federação dos Estudantes de Engenharia Agronômica do Brasil – FEAB
Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar – FETRAF
Fundação SOS Mata Atlântica
Greenpeace
Grupo Ambientalista da Bahia – GAMBA
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
Instituto Centro de Vida - ICV
Instituto de Estudos Socioeconomicos - INESC
Instituto Socioambiental – ISA
Mira Serra
Movimento das Mulheres Camponesas – MMC
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Pastoral da Juventude Rural – PJR
Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário - SINPAF
Sociedade Chauá
Via Campesina
Vitae Civilis