sábado, 30 de janeiro de 2010

DESOBEDEÇA!

Augusto de Franco
Quando o biólogo chileno Humberto Maturana Romesin afirmou, no final dos anos 80, que relações hierárquicas, relações de subordinação, que exigem obediência, baseiam-se na negação do outro e que essas relações não podem ser consideradas relações propriamente sociais, alguns acadêmicos e bem-pensantes e, sobretudo, aqueles que se tinham por indivíduos muito “sérios” e “responsáveis”, ficaram meio escandalizados.

Como assim? – perguntavam, indignados. Pois pensavam que, caso tais idéias heterodoxas (e perigosas) vicejassem, seria o caos!

E a coisa piorou um pouco quando ele, Maturana, duas décadas depois, ousou declarar que o liderazgo (a liderança), o xodó das teorias empresariais que floresceram nos anos 90, não era uma idéia nada boa, posto que “el liderazgo requiere que los liderados abandonen su propia autonomía reflexiva y se dejen guiar por otro confiando o sometiéndose a sus directrices o deseos...” (1).

Mas o fato que até agora ainda não tivemos coragem de derivar todas as conseqüências dessas impactantes constatações de Maturana e desenvolvê-las no contexto da transição de uma sociedade hierárquica, que tende a fenecer, para uma florescente sociedade em rede, diante da emergência de múltiplos mundos altamente conectados de forma cada vez mais distribuída. Embora anunciador de uma visão pioneira sobre redes (que qualificou como “redes de conversações”), Maturana não reestruturou seu pensamento sob o influxo das visões contemporâneas inspiradas pela nova ciência das redes. Cabe a nós, que investigamos o assunto, dar continuidade aos seus insights geniais à luz da teoria e da prática de redes, quer dizer, do netweaving.

Sim, netweaving. Se você quer mesmo aprender a “fazer” redes, então sua primeira “prova” é: desobedeça! Aprenda a desobedecer! Um netweaver é, por definição, um desobediente. Porque é alguém que, criativamente, caminha fora dos trilhos já estabelecidos por alguém.

Mas a quem você deve desobedecer?

Ora, a todos que querem obrigá-lo a obedecer. Em especial aos agentes de um velho mundo hierárquico e autocrático cujos alicerces já estão apodrecendo, mas que continua, resilientemente, a nos assombrar. Dentre tais agentes, que são muitos, merecem ser destacados aqui: os ensinadores, os codificadores de doutrinas, os aprisionadores de corpos, os construtores de pirâmides, os fabricantes de guerras e os condutores de rebanhos.

DESOBEDEÇA aos ensinadores, que dizer, à burocracia privatizadora do conhecimento: aquela casta sacerdotal que constitui as escolas e academias. Essas instituições geraram e continuam gerando um tipo curioso de agente que proliferou na modernidade: o colecionador de diplomas, que julga as outras pessoas pela sua capacidade de se enquadrar nos processos de ensinagem em vez de avaliá-las pela sua capacidade de aprendizagem. Os diplomas são, então, um reconhecimento e uma validação do conhecimento ensinado e não do conhecimento aprendido. Tendo perdido o monopólio do conhecimento (se é que algum dia tiveram-no) as universidades tentam ainda reter em suas mãos o que lhes restou: o monopólio dos diplomas.

Há também os que – por fora dos sistemas formais de ensino - se intitulam (ou são por alguém intitulados) mestres. Alguns são ordenados para tanto, quer dizer, têm reconhecida, sempre por uma organização hierárquica, sua capacidade de reproduzir uma determinada ordem top down. E querem então imprimi-lo, emprenhá-lo, ou seja, enxertar suas idéias-implante em você, para que você se torne também um transmissor desse “vírus”.

Desobedeça a esses caras. Aprenda o que você quiser, quando quiser e do jeito que você quiser. Aprenda com seus amigos. E compartilhe o que aprendeu com quem você quiser, gerando mais conhecimento. Guarde seus conhecimentos nos seus amigos, não na cabeça dos professores; nem nas instituições que sobrevivem trancando o conhecimento e estabelecendo caminhos obrigatórios, cheios de barreiras e permissões, para dificultar-lhe o acesso; ou, ainda, nos livros submetidos à normas odiosas de copyright. Conhecimento trancado apodrece.

E não siga mestres de qualquer tipo: todos somos aprendentes. ‘Quando o “mestre” está preparado o discípulo desaparece’, quer dizer, ele não precisa mais da muleta chamada “discípulo”: pode se tornar, por si mesmo e em interação com outras pessoas, um aprendente, livre... e tão ignorante como todos nós. Mas enquanto eles estiverem pensando em conquistar discípulos, fuja dos “mestres”!

DESOBEDEÇA aos codificadores de doutrinas, que são todos aqueles que querem pavimentar, com as suas crenças religiosas (e sempre o são, mesmo quando se declaram laicas), uma estrada para o futuro. Eles produzem narrativas ideológicas totalizantes para que você veja o mundo a partir da sua ótica, quer dizer, para que você não veja os múltiplos mundos existentes, mas apenas um mundo (o mundo arquitetado e administrado por eles: uma prisão para a sua imaginação).

Quando são (explicitamente) religiosos, os codificadores de doutrinas fornecem a justificativa para a ereção de igrejas e seitas. Quando são políticos, urdem a base conceitual para a formação de correntes e grupos de opinião onde a (livre) opinião propriamente dita não conta para quase nada: o que conta é a ortodoxia de uma opinião oficial ou canônica, a qual tentam autenticar apelando para a revelação ou para a ciência. Em todos os casos são engenheiros meméticos, manipuladores de idéias que inventam passado para legitimar certos caminhos (e deslegitimar outros) para o futuro. Fazem isso para controlar o seu futuro, para levá-lo (a sua alma ou o seu corpo) para algum lugar supostamente melhor, para um paraíso no céu ou na terra, quando, eles mesmos, não podem conhecer tal caminho (simplesmente porque não existe um caminho).

Desobedeça a essa gente. Não entre em suas armações, não replique seus discursos: pense com sua própria cabeça. Ria dos seus vaticínios e ameaças e ponha-se fora do alcance de suas patrulhas. Saia dos trilhos que eles assentaram, escape das valetas (os pré-cursos) que eles cavaram para fazer escorrer por elas as coisas que ainda virão. Recuse tudo isso: faça o seu próprio caminho.

DESOBEDEÇA aos aprisionadores de corpos, que não contentes em usar, comprar ou alugar, sua inteligência humana (que não tem preço), querem também mantê-lo cativo, fisicamente, nos seus prédios ou cercados. São feitores: antes usavam o chicote; hoje usam o relógio ou o livro de ponto, o crachá magnético ou o banco de horas. Nas empresas ou organizações hierárquicas, sejam privadas ou públicas, seqüestram seu corpo para manter você por perto, para poder vigiá-lo, para terem certeza de que você está de fato trabalhando para eles (que coisa, heim?). Não precisavam fazer isso se o seu objetivo fosse o de articular um trabalho coletivo compartilhado. Mas o objetivo deles não é, na verdade, compartilhar nada com outros seres humanos e sim controlá-los-e-comandá-los, em certo sentido desumanizá-los, embotando sua inteligência, castrando sua criatividade, alquebrando sua vontade, para poder usá-los como objetos, para terem-nos disponíveis, sempre à mão, tantas horas por dia: querem um rebanho de servos de prontidão para lhes fazer as vontades. Se quisessem que as pessoas trabalhassem com-eles e não para-eles não seria necessário – na imensa maioria dos casos – aprisionar os seus corpos: bastaria estabelecer uma agenda conjunta, com tarefas e prazos.

Desobedeça a esse pessoal. Monte seu próprio empreendimento individual ou coletivo compartilhado, empresarial ou social. Corra atrás do seu próprio sonho ao invés de servir de instrumento para realizar o sonho alheio. Sim, você é capaz. A evolução investiu quatro bilhões de anos desenvolvendo seu hardware, que é igualzinho ao daquele cara esperto que quer capturá-lo e aprisioná-lo e que ainda por cima tem a desfaçatez de alegar que está fazendo um bem para a humanidade por lhe oferecer um emprego.

DESOBEDEÇA aos construtores de pirâmides, que são os que erigem organizações hierárquicas de todo tipo para mandar nos outros e obrigá-los a fazer (ou deixar de fazer) coisas contra a sua vontade ou sem o seu consentimento ou assentimento ativo. Desobedecer significa também abrir mão de mandar. Você é capturado pelo jogo perverso da obediência quando quer que as pessoas lhe obedeçam.

Desobedeça a esses chefes, em primeiro lugar, cortando o barato daquele “construtorzinho de pirâmide” que mora aí dentro de você: não faça patotas, não erija igrejinhas. Sim, é muito difícil resistir à tentação de juntar “os seus” e separá-los dos “ dos outros”, mas – para quem quer fazer redes – é absolutamente necessário. E, sobretudo, abra mão de querer mandar nos outros. Em vez de arquitetar organizações tradicionais, a partir de organogramas centralizados, para realizar qualquer projeto ou trabalho, teça redes: quase tudo que se organizou até agora de forma hierárquica (com estrutura centralizada) pode ser organizado em forma de rede (com estrutura distribuída); menos, é claro, os sistemas de comando-e-controle.

Em segundo lugar, nunca se enquadre docemente em sistemas de comando-e-controle. Se for obrigado a tanto para sobreviver, por um período (que não pode ser muito longo, do contrário você estará bloqueando seu desenvolvimento humano), faça-o resignadamente, mas sempre resistindo. Isso significa: não se curve a seu chefe, não lhe faça as vontades, vamos dizer assim, tão solicitamente. Não seja tão prestativo, subserviente, serviçal. Não caminhe um quilômetro a mais para agradá-lo. Não fique na penumbra, recuado, servindo de escada para ele subir ou se destacar. Não faça o jogo.

DESOBEDEÇA aos fabricantes de guerras, que são, stricto sensu, os chefes militares e, lato sensu, os que pervertem a política como arte da guerra e os que se entregam à competição adversarial tendo como objetivo destruir seus concorrentes. São, todos, predadores. O predador é uma máquina de converter o semelhante em inimigo. Mas é preciso considerar que não existem inimigos naturais ou permanentes: toda inimizade é circunstancial e pode ser desconstituída pela aceitação do outro no próprio espaço de vida, pelo acolhimento, pelo diálogo, pela cooperação. Assim, o (único) inimigo que existe mesmo é o fazedor de inimigos.

Na civilização patriarcal e guerreira viramos seres cindidos interiormente. O predador é um produto dessa quebra da unidade sinérgica do simbionte (que poderemos ser no futuro, se anteciparmos esse futuro). Preda porque quer recuperar, devorando, suas contrapartes, num ritual antropofágico em busca da unidade perdida (aquela origem que é o alvo, para usar a expressão de Karl Kraus). É por isso que nos apegamos tanto à guerra do bem contra o mal. Mas o problema, como disse Schmookler, é que o recurso da guerra é em si o mal (2).

Desobedeça a esses hierarcas. Recuse-se a entrar em organizações militares ou para-militares de qualquer tipo. Recuse-se a entrar em qualquer organização política de combate, que pregue que o bem só será alcançado com a destruição do mal. Recuse-se a olhar o diferente como adversário em princípio: em princípio todo ser humano é um potencial parceiro de outro ser humano, não um inimigo.

Recuse-se a construir inimigos. Recuse-se a entrar em organizações que elegem inimigos para ser eliminados, física, econômica, psicológica ou politicamente. A ética do netweaver é uma ética do simbionte, não do predador. Adote um comportamento pazeante para não cair na armadilha de travar uma guerra contra o mal, pois, assim procedendo, você mesmo estará gerando o mal ao construir inimigos em vez de fazer amigos, quer dizer, de fazer redes.

DESOBEDEÇA aos condutores de rebanhos, que são, em geral, os líderes que alcançaram popularidade pelo broadcasting para guiar as massas. Algumas vezes esses líderes são carismáticos e se dedicam a mesmerizar multidões em comícios, reuniões e manifestações. Ou pela TV e pelo rádio. Quase sempre são pessoas “pesadas”, que usam sua gravitatem em benefício próprio ou de um grupo, para reter em suas mãos o poder pelo maior tempo que for possível, transformando os outros em seus satélites. E odeiam os princípios de rotatividade ou alternância democrática. Considere que, do ponto de vista social (ou coletivo, da rede), o modo intransitivo de fluição que gera o fenômeno da popularidade do líder de massas é uma sociopatia.

O liderancismo é uma praga que vem contaminando as organizações de todos os setores: segundo tal ideologia, a liderança só é boa se não puder ser exercida por todos, só por alguns. Assim, não se deve estimular a multi-liderança, senão afirmar a precedência da mono-liderança, do líder providencial e permanente, a prevalência do mesmo líder em todos os assuntos e atividades, como se essa – a liderança – fosse uma qualidade rara, de origem genética ou fruto de uma unção extra-humana.

Desobedeça a esses líderes. Não os siga para parte alguma. Não se deixe conduzir, ser puxado pelo nariz ou guiado pelo cabresto como se fosse uma cavalgadura. Não existem guias geniais dos povos. Nos sistemas representativos, as pessoas que você elegeu são seus empregados (mandatados pelos eleitores), não seus patrões.

Arrebanhamentos e assembleísmos são o contrário da interação humanizante entre as pessoas: transformam gente em gado, em contingente moldável e manipulável. Pule para fora desse curral. Aparte-se desse rebanho. “Inclua-se fora” dessas listas de excluídos que ficam olhando para cima de boca aberta, esperando pelas benesses de um salvador (pois o simples fato de pertencer a elas já é um indicador de exclusão, quer dizer, de incapacidade de pensar por si mesmo e de andar com as próprias pernas). Toda pessoa, se estiver disposta a desobedecer, será um alguém (com nome reconhecido) fora da massa, não apenas um número em uma estatística. Toda pessoa que desobedece, em um mundo ainda infestado por organizações hierárquicas, é um ponto fora da curva: alguém único, singular, insubstituível como você.

Isto posto, é tudo.

Mas ainda resta tratar das objeções dos bem-pensantes e dos indivíduos que se levam muito a sério e que se acham responsáveis.

VOCÊ DEVE DESOBEDECER ÀS LEIS?

De uma maneira geral, você nunca deve obedecer a pessoas, sejam elas quais forem. Dizendo de uma forma ainda mais ampla: você nunca deve obedecer a nenhuma individualidade portadora de vontade, real ou imaginária, humana ou extra-humana, seja ela qual for.

Freqüentemente surge uma objeção: mas se as pessoas não obedecerem às normas da vida civilizada será o caos. Por isso, todos devem respeitar as leis.

Será mesmo? Depende. Você não deve, por certo, romper com os pactos livremente celebrados por uma sociedade e que foram transformados em leis em um processo democrático.

Dizer que a democracia é o império da lei significa dizer que não ela não é o império de pessoas. Obedecer às leis significa, então, não-obedecer a pessoas. Mas isso depende do processo que fabricou as leis.

Você não tem obrigação moral de obedecer às leis das ditaduras. Assim, leis de exceção podem ser desobedecidas. Por princípio, elas não têm qualquer legitimidade.

A legitimidade é o resultado da confluência de vários critérios democráticos: a liberdade, a publicidade, a eletividade, a rotatividade (ou alternância), a legalidade e a institucionalidade. Sim, não basta alguém ter sido eleito para ter legitimidade.

Tais critérios – ou alguns deles – são violados não somente pelas ditaduras clássicas, mas também por protoditaduras e, ainda, se bem que em menor escala, por democracias parasitadas por regimes manipuladores.

Você mesmo avaliará até onde vão as normas estabelecidas por processos que violam os critérios acima. Se achar que violam, desobedeça-as. E esteja preparado para arcar com as conseqüências, é claro.

Um princípio geral da ética do simbionte poderia ser: o único objetivo realmente humano (e humanizante) das leis é assegurar a convivência pacífica das pessoas em uma sociedade.

VOCÊ DEVE DESOBEDECER AOS DIRIGENTES DAS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS A QUE PERTENCE?

Eis aqui outra questão recorrente. Liminarmente, você não deve pertencer a organizações que não tomam a democracia como um valor.

Ora, com exceção das leis democraticamente aprovadas, a democracia não pode aceitar que alguém faça alguma coisa que não quer ou deixe de fazer alguma coisa que quer em virtude de sanção ou ameaça de sanção proveniente de instância hierárquica. Portanto, respeitado o pacto de convivência, é legítima a desobediência política e ninguém é obrigado a acatar uma decisão com a qual não concorde ou mesmo concordando não queira acatar, por medo de sanção, ainda que tal decisão tenha sido tomada por maioria. Obediência nada tem a ver com colaboração, que pressupõe adesão voluntária, seja por concordância, seja por resultado de convencimento ou por livre assentimento.

Assim, em coletivos políticos de adesão voluntária, nenhum tipo de disciplina deve ser imposto e nenhum tipo de obediência deve ser exigida dos participantes, além daquelas às regras a que voluntariamente aderiram. Nenhum tipo de sanção pode ser imposta aos participantes, nem mesmo em virtude do descumprimento das regras a que voluntariamente aderiram. Todos têm o direito de não acatar decisões.

Ordem, hierarquia, disciplina e obediência, vigilância (ou patrulha) e punição; e fidelidade imposta top down, são virtudes de sistemas autocráticos. Nada disso tem a ver com a democracia. Quanto mais autocrática for uma organização, mais ela insistirá na exaltação de tais “virtudes”. As razões para isso são tão claras que dispensariam comentários. Todas as organizações não-estatais e não baseadas em contratos (de trabalho ou de prestação de serviços) são (ou deveriam ser) constituídas por adesão voluntária. Em organizações voluntárias, “obedece” (ou melhor, acata) quem concorda. Querer exigir disciplina e obediência em relações sociais (stricto sensu) é um absurdo. Impor sanções para quem não obedece é uma violência e, como tal, um comportamento antidemocrático.

Organizações que visem chegar à (ou praticar a) democracia (no sentido “forte” do conceito), não podem se organizar autocraticamente para atingir seus fins. Não existe caminho para a democracia a não ser a democratização contínua das relações; ou, parafraseando Mohandas Ghandi, não existe caminho para a democracia: a democracia é o caminho...

VOCÊ DEVE DESOBEDECER AOS SEUS PATRÕES?

Outra objeção freqüente diz respeito à obediência àquele que paga o seu salário: como você pode não-obedecer aos seus patrões se tem que sobreviver?

Uma boa regra geral seria: nunca trabalhe para alguém e sim com alguém. Todas as coisas podem ser feitas em parceria. A obediência não é necessária.

Mas é você quem decide. Quanto mais você trabalha para alguém, menos alguém você é. O espírito de liberdade é a fonte de toda criatividade! Para sentir esse sopro criador só há uma via: desobedeça!

Você não concorda e querem que você faça assim mesmo? Desobedeça! Uma pessoa (qualquer pessoa, em especial, a sua pessoa) vale muito mais do que a bosta de um emprego.

É preciso considerar que a organização piramidal trabalha para o cume. Ou, dizendo de outro modo, a organização centralizada trabalha para o centro, para o chefe, para o líder. E as pessoas que trabalham em geral não aparecem, pois seu papel precípuo é o de fazer o chefe aparecer (ou ficar com o crédito por todas as realizações, inclusive por aquelas alcançadas pelo seu esforço e pela sua inteligência). Aí o chefe fica contente e mantém tais pessoas nas suas funções (empregadas ou contratadas). Se o chefe ficar muito contente com o resultado, pode até retribuir com uma promoção do "colaborador" que lhe fez tão bem as vontades.

Ocorre que quando um conjunto de pessoas aplica seus talentos para promover uma atividade, todas as pessoas devem aparecer. Para quê? Ora, para poder ser reconhecidas, para poder compartilhar, aumentar e desenvolver esses talentos. Essa é uma característica central daquele tipo de inteligência tipicamente humana de que falava Humberto Maturana: uma inteligência que cresce e se realiza com a troca, com o jogo ganha-ganha, com a colaboração. Uma inteligência colaborativa.

Se as pessoas abrem mão de fazer isso em prol da projeção de outras pessoas que estão acima delas na estrutura hierárquica, elas estão renunciando, em alguma medida, a exercer suas qualidades propriamente humanas. O diabo é que os funcionários burocráticos e outros empregados ou prestadores de serviços em organizações hierárquicas já introjetaram tão fundo as idéias que sustentam tais práticas, que o hábito, já não diria de servir, mas de ser serviçal, se instalou no andar de baixo da sua consciência e emerge como uma pulsão. Freqüentemente eles se escondem para promover seus superiores, tendo medo, inclusive, de proferir uma opinião própria em uma reunião, escrever um artigo em um blog, dar uma entrevista ou gravar um vídeo para um meio de comunicação. Essas pessoas até se orgulham de habitar a penumbra e se vestir de cinza, adotando a servidão voluntária e, com isso, violando sua própria humanidade ou, no mínimo, deixando de explorá-la e desenvolvê-la como poderiam.

Alguns fazem isso taticamente (e imaginam que estão agindo conscientemente), em troca do emprego ou da contratação. Argumentam que se não obedecerem e fizerem a vontade dos chefes, perderão a remuneração sem a qual não terão como viver. Mas dá no mesmo. Se, para sobreviver, uma pessoa precisa castrar suas potencialidades, então tal sobrevivência não poderá ser digna. Um trabalho que deixe de promover o desenvolvimento humano de quem trabalha não pode ser digno.

Os chefes, por sua vez - como aquele senhor de escravo, escravo do escravo, a que se referia Hegel, em outros termos - também estão aprisionados neste círculo desumanizante. Estão intoxicados pelas ideologias do comando-e-controle e do liderancismo, segundo as quais se não for assim, as coisas não funcionam. De que alguém tem sempre que liderar - quer dizer, deixando a frescura de lado e traduzindo em bom português: mandar nos outros - para que uma ação possa ser realizada a contento. Por isso não se adaptam à cultura e à prática de rede, onde não é possível mandar alguém fazer alguma coisa contra a sua vontade.

É por isso que organizar as coisas em rede distribuída é um desafio tremendo em um mundo ainda infestado, em grande parte, por organizações hierárquicas.

Quando organizações hierárquicas se interessam por redes, quase sempre esse interesse é instrumental. Querem usar as redes para obter alguma coisa que fortaleça os seus objetivos e a manutenção das suas estruturas... hierárquicas! Seus chefes – e isso quando mais ilustrados – acham que usando as "tecnologias de rede" vão conseguir aumentar sua influência, seu poder ou, quem sabe, suas vendas (daí todo esse súbito interesse cretino pelo tal "marketing viral", de resto uma vigarice).

As organizações hierárquicas - em termos do ser coletivo que se forma, diga-se: não, é claro, das pessoas que as integram - não vêem as redes como fim, como uma nova forma de interação propriamente humana ou humanizada pelo social, e sim como meio para alguma coisa não-humana. Sim, organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos. A afirmação é forte, mas não há como dizer de outro modo se quisermos ir ao coração do problema. Entenda-se bem: as pessoas continuarão sendo humanas, mas o ser coletivo que se forma não será, posto que não será 'social' (naquele especialíssimo sentido que Maturana empresta ao termo).

QUEBRANDO O CÍRCULO VICIOSO DO PODER

Em que medida você tem coragem de desobedecer e arcar com as conseqüências? A resposta a essa pergunta define o seu campo de liberdade e de possibilidade.

Dependendo das circunstâncias, desobedecer pode acarretar demissão, reprovação, agressão, perseguição, condenação, prisão, tortura, mutilação e morte. Você não deve se suicidar. Quando não há condições objetivas para desobedecer (ou seja, quando isso colocar em risco a sua vida ou a vida de terceiros, a sua liberdade ou a liberdade de seus semelhantes) você deve avaliar cuidadosamente os riscos e as possibilidades. Mas nunca deve deixar de desobedecer interiormente. O que importa aqui é sua atitude, vamos dizer assim, espiritual, de desobediência. Não se curve, não se abaixe, não se deixe instrumentalizar, não se conforme em ser mandado, não colabore (voluntariamente) com o poder vertical. Desobedecer é, antes de qualquer coisa, resistir.

Quando você resiste ao poder vertical, você estabelece uma sintonia com as grandes correntes de humanização do mundo. Quando você cede, sujeitando-se a alguém ou sujeitando outras pessoas a você (no fundo, dá no mesmo), contribui para desumanizar o mundo e a você mesmo.

O mais importante é: não faça um pacto com a morte. Sim, toda vez que você vende sua alma, sujeitando-se a alguém ou toda vez que você sente um ímpeto de controlar alguém, é sinal de que uma pulsão de morte está irrompendo na sua vida.

Se organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos, ao obedecer voluntariamente aos chefes, enquadrando-se nas dinâmicas dessas organizações, você está, na verdade, subordinando-se a seres não-humanos.

Ordem => hierarquia => disciplina => obediência => +ordem...

Eis é a seqüencia maligna, o círculo vicioso que deve ser quebrado pela saudável desobediência.

Notas e referências

(1) MATURANA, Humberto et all. (2009): Ethical matrix of human habitat (texto enviado pelo autor para uma lista de discussão).

(2) SCHMOOKLER, Andrew (1991): “O reconhecimento de nossa cisão interior” in ZWEIG, Connie e ABRAMS, Jeremiah (orgs.). Ao Encontro da Sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana. São Paulo: Cultrix, 1994.

É sempre bom ler aquele instigante livrinho de David Henry Thoreau: A desobediência civil (1849). E, em seguida, ler o ensaio de Hannah Arendt: “Desobediência civil” in Crises da República (1969).

Sobre obediência (e desobediência), é vital ler a obra de Humberto Maturana, em especial os textos: Lenguaje, emociones y etica en el quehacer politico (1988); El sentido de lo humano (1991); Amor y Juego: fundamentos olvidados de lo humano – desde el Patriarcado a la Democracia (com Gerda Verden-Zöller) (1993); e A democracia é uma obra de arte (s./d.).

Sobre o fetiche das organizações é importantíssimo ler o discurso de Jiddu Krishnamurti: A dissolução da Ordem da Estrela (1929).

Sobre democracia em redes altamente distribuídas (ou pluriarquia), pode-se ler os meus livros Alfabetização Democrática (2007) e Escola de Redes: Novas Visões sobre a Sociedade, o Desenvolvimento, a Internet, a Política e o Mundo Glocalizado (2008). Sobre isso vale a pena ler também meu pequeno artigo: “A lógica da abundância” (2009).

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Mapa para proteção das aves

Cristiane Prizibisczki


O capitão-de-cinta (Capito dayi) é uma vistosa ave endêmica da região central da Amazônia, isto é, que só pode ser encontrada nesta parte do globo. O local onde a espécie vive é uma das 237 áreas do Brasil apontadas como sendo importantes para a conservação das aves brasileiras endêmicas e ameaçadas. Por esse motivo, elas mereceriam especial atenção. Mas a realidade mostra uma situação bem diferente: dos 94 milhões de hectares identificados como de grande importância, apenas 21% contam com mecanismos de proteção, enquanto 40% estão completamente desprotegidas. Os outros 39% possuem proteção parcial.

Os dados fazem parte de um mapeamento sobre as Áreas Importantes para a Conservação das Aves do Brasil (IBA, na sigla em inglês), divulgado este mês pela organização BirdLife/Save Brasil. Segundo o levantamento, o Brasil é um dos países com maior extensão territorial dedicada a IBAS, número que também reflete a liderança em espécies ameaçadas: são 122 num total de 1.882.

O estudo lançado pela SAVE é a segunda parte de um trabalho de mapeamento que começou em 2006 e que, nesta etapa, identificou as áreas nas regiões da Amazônia, Cerrado e Pantanal. O trabalho mostrou que nos estados do Norte e Centro-Oeste do país existem 74 áreas com requisitos para serem reconhecidas como IBAS, o que representa 82 milhões de hectares. Nelas, espécies importantes podem ser encontradas, como a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) e o pica-pau-da-Parnaíba (Celeus obrieni). Os mecanismos de proteção, no entanto, estão muito aquém do que as regiões precisam: apenas 12 das IBAS identificadas ficam dentro de Unidades de Conservação; 30 estão somente em partes protegidas e 32 não contam com nenhum mecanismo de proteção (veja infográfico).

Para se chegar a este resultado, 450 áreas foram analisadas, considerando cerca de 700 espécies. Do número de espécies analisadas, 30 são classificadas como globalmente ameaçadas de extinção e 37 quase ameaçadas. As outras 240 são espécies restritas aos biomas estudados ou com área de ocorrência menor do que 50 mil km². Mais de 60 profissionais participaram desta etapa do projeto.

Situação geral

Com a publicação dos dados para as regiões Norte e Centro-Oeste, a SAVE conclui o mapeamento das IBAS em todo o país. Unindo as informações levantadas na primeira parte do projeto – na qual foram identificadas as IBAS dos biomas Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e parte do Cerrado – a organização identificou que 94 milhões de hectares são áreas importantes para a conservação das aves, e conseqüentemente de toda biodiversidade, o que representa 11% de todo o território nacional. Destes, mais de 70 milhões de hectares não estão sob mecanismos de proteção. “Existem muitas propostas de novas unidades de conservação, tanto na Mata Atlântica quando na Amazônia, mas ainda precisamos melhorar muito”, diz Pedro Develey, diretor de Conservação da SAVE Brasil.

Segundo ele, a identificação das IBAS é importante porque, além de funcionarem como direcionamento para a criação de novas unidades, elas servem para reforçar os argumentos de que determinada área é importante. O mapeamento anterior trouxe resultados neste sentido: todas as IBAS da Mata Atlântica, por exemplo, foram incorporadas pelo Ministério do Meio Ambiente no mapeamento de áreas prioritárias para criação de UCs; além disso, a identificação de IBAS ao longo do litoral paulista foi determinante para ampliação de unidades que já existiam por lá, como a Estação Ecológica Juréia-Itatins.
O ECO

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Fórum Social Mundial: A crise pode dar à luz o outro mundo possível


Por Mario Osava, da IPS

Nas sociedades futuras, os jovens não trabalharão antes dos 25 anos de idade e terão educação plena com a graduação universitária como piso, e não como meta final, enquanto as jornadas de trabalho para todos poderão ser reduzidas para 12 horas semanais. A construção dessa “sociedade superior” imaginada por Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), seria financiada com fundos públicos provenientes do imposto sobre os lucros financeiros mundiais, que hoje correspondem a dez vezes a riqueza da economia real.

É que o adiamento da entrada dos jovens no mercado de trabalho, para permitir que estudem, já é uma prática comum nas famílias ricas e agora deve ser generalizada, reduzindo a oferta de mão-de-obra e o desemprego, disse este especialista em Economia do Trabalho. Essa reorganização social nascerá de lutas e pressões que exigem novas formas de associação além da sindical, acrescentou Pochmann, ao falar no seminário “Progresso para quê e para quem”, no Fórum Social Mundial Grande Porto Alegre, que começou segunda-feira e terminará amanhã em vários locais da região metropolitana da capital do Rio Grande do Sul.

De todo modo, a nova civilização será necessária porque o atual modelo de consumo é insustentável, disse, e deu como exemplo as novas moradias, maiores, mas onde vive um terço das pessoas que abrigavam há um século. “Em Barcelona, em um terço das casas vive uma única pessoa”, acrescentou Pochmann. Mas é esse consumo que se tenta manter com as medidas adotadas, liberando bilhões de dólares para salvar grandes corporações e bancos para evitar o aprofundamento da crise financeira internacional, que "é sistêmica mas não tão intensa como previsto" e será prolongada como a recessão japonesa dos anos 90, previu.

As variadas problemáticas, como a climática, a financeira e a hídrica, estão convergindo para uma crise global da civilização, que abre oportunidades e exigem mudanças, disse, por sua vez Ladislau Dowbor, professor de Economia da Universidade Católica de São Paulo. Dowbor assumiu as 12 propostas do estudo “Crises e oportunidades”, que escreveu em conjunto com o “ecossocioeconomista” franco-polonês Ignacy Sachs e o diretor-executivo do Instituto das Nações Unidas para a Formação Profissional e Pesquisas, Carlos Lopes, originário da Guiné-Bissau.

Entre as primeiras sugestões destes especialistas, que buscam alternativas “viáveis” à irracionalidade do atual sistema, estão o resgate da dimensão pública do Estado – mudando o sistema de eleição de governantes com dinheiro das grandes empresas –, bem como a possibilidade de revisar as contas do produto interno bruto, que cresce com o desmatamento e aumento da mortalidade infantil, já que madeira, remédios e serviços médicos são produtos de mercado. Também assegurar o direito à vida, com uma renda básica e fontes de renda para todos, mudar o estilo de vida, tomar o controle público das finanças taxando as operações especulativas, revisar a lógica tributária e orçamentária, facilitar o acesso a tecnologias sustentáveis.

Dowbor, autor do livro “Democracia econômica”, está ligado a um grupo de economistas de diferentes países que pensam o “pós-desenvolvimentismo”. A economia social, que no Brasil tem uma vertente mais limitada, chamada “solidária”, está crescendo e pode se fazer predominante logo, sucedendo a baseada na produção material, disse Dowbor à IPS. Saúde, educação e serviços variados, “intangíveis ou imateriais”, já representam grande parte da economia em muitos países, afirmou.

Por isso, entende que deixar o estilo de vida consumista é possível. Na França, foram desenvolvidos edifícios que consomem um décimo da energia de que necessitam os convencionais, disse como exemplo. Em Utah, Estados Unidos, o tempo semanal de trabalho diminuiu quatro dias, uma tendência que pode crescer sem que isso implique diminuir a economia, mas fazendo emigrar atividades para outras áreas, como a cultural, destacou.

Por sua vez, o indiano Prabir Purkayastha defendeu o “conhecimento livre”, abolindo a propriedade intelectual, porque deve “pertencer a todos e é infinito”, já que não se gasta com o uso. A reorganização da economia exige novas tecnologias adequadas, inclusive na pequena produção que deve ser fortalecida, no que China e Índia acumulam numerosas experiências, afirmou. Ao falar no debate “Progresso para quê e para quem”, este economista e ativista pela paz enfatizou o “consumo e desenvolvimento excessivos” de alguns países.

Destacou que a brutal desigualdade persistente no mundo também é insustentável. Na Índia, metade das casas não tem ligação elétrica e a pobreza absoluta afeta uma proporção semelhante da população, alertou. O desafio, então, é combater a pobreza sem promover o mesmo tipo de consumo adotado nos países industrializados.

Na Bolívia, o governo de Evo Morales, aproveitando o acúmulo de forças da sociedade, obteve avanços impressionantes, com a inclusão na Constituição do conceito de “bem viver”, originado na cultura indígena aymara, bem como dar poder aos povos com os princípios ambientalistas fundamentais. Mas suas políticas econômicas se baseiam na Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), do velho espírito “desenvolvimentista”, em frontal contradição com as conquistas constitucionais, questionou Gustavo Soto, do Centro de Estudos Aplicados em Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Bolívia. IPS/Envolverde
FOTO: Claudia Diez de Medina/IPS
(IPS/Envolverde)

Ir a Feira: a sustentabilidade nas pequenas coisas


Artigo de Valdir Lamim-Guedes e Jéssica Brito*
Muitas cidades, até mesmo algumas capitais, ainda podem contar com feiras para a comercialização da produção de pequenos agricultores. Muitos destes têm a produção baseada na mão-de-obra familiar, vendendo o excedente produzido. Esta forma de comercialização de produtos agropecuários é muito importante para a economia local por algumas razões, por exemplo, menor tributação sobre os produtos, ausência de atravessadores, proximidade entre a produção e o consumidor final, valor das mercadorias, menor uso de agrotóxicos e diversidade de produtos. Estas características, além da economia regional, contribuem para a sustentabilidade socioambiental local, por reunir maior geração de renda para a agricultura familiar com impactos reduzidos sobre o meio ambiente.

A menor tributação advém do fato de que a comercialização é feita diretamente entre o produtor e o consumidor, evitando impostos em cascata - que no Brasil, recaem muito mais sobre os pobres que sobre os ricos - isto gera uma renda maior para os produtores rurais, injetando mais dinheiro na economia local. Como a comercialização é uma relação direta entre produtor e consumidor, exclui a necessidade de atravessadores, que em muitos casos ficam com a maior parte do lucro obtido pela comercialização da mercadoria. Estes dois fatos aumentam a rentabilidade da agricultura familiar na hora da venda, no entanto, outras características deste modo de produção também contribuem para o aumento da renda do pequeno produtor.

Como a produção é pequena, impossibilita a venda dos excedentes para grandes centrais de abastecimento, logo, os produtores têm de recorrer a outro meio de comercialização, por este motivo a existências das feiras. Com isto, o cultivo é comercializado na região em que é produzido. Este fato diminui a emissão de poluentes, pois, depende-se de veículos menores e há um consumo menor de combustível, por causa da proximidade entre a produção e o consumidor final, reduzindo a pegada de carbono dos produtos vendidos.

Outra característica interessante da produção em pequena escala, é que permite um uso reduzido de agrotóxicos ou mesmo a ausência do uso destes defensivos agrícolas. Isto reduz o custo de produção. Este fato explica porque muitos dos produtos vendidos nas feiras não têm uma aparência tão boa quanto os produtos vendidos em grandes redes de supermercados. O uso intensivo de agrotóxicos permite que sejam produzidos legumes muito bonitos, com cor e formato adequados. Mas qual é o preço a se pagar para se ter produtos mais atraentes? O consumo de substâncias carcinogênicas existentes em muitos agrotóxicos.

Estes fatos permitem que muitas vezes os preços praticados nas feiras sejam menores do que em outros locais. Além disto, as feiras podem ser consideradas como espaços para interação, sobretudo para pessoas da terceira idade que carecem de momentos de convivência social. Outro ponto positivo das feiras é a diversidade de produtos, nelas é possível encontrar frutas, legumes, grãos e raízes, produtos de origem animal (ovos, frangos, queijo), além de aguardente, quitutes (como doces, biscoitos, roscas e pães), e artesanato. Muitos destes produtos comercializados não são encontrados facilmente em outros locais, por não apresentarem produção comercial em larga escala, sendo muitas vezes produtos tradicionais, que guardam em si um pouco da história regional.

Um uso reduzido de agrotóxicos permite uma maior biodiversidade nas áreas de plantio, possibilitando um controle natural de pragas e polinização mais eficientes, o que muitas vezes auxilia na obtenção de produtos que atendam melhor o apelo estético exigido pelo mercado consumidor. Além de contribuir para a conservação da fauna e flora nativas, permitindo uma maior conexão entre fragmentos florestais. Esta é uma característica de uma produção agrícola, que pelos menos em parte, atende aos princípios agroecológicos. Uma maior biodiversidade que existi na área agrícola é facilitada por outra característica deste sistema de produção, a grande variedade de plantas cultivadas. Muitos produtores permitem que plantas, consideradas daninhas pela agricultura em larga escala, cresçam entre as culturas. Isto permite que haja um número maior de interações ecológicas, contribuindo para a manutenção de mais espécies neste ambiente.

Até agora neste texto, foram apresentados argumentos relacionados a aspectos socioambientais e econômicos da agricultura familiar que têm influência apenas regional. No entanto, é surpreendente a importância da agricultura familiar para todo o País. Segundo o censo agropecuário de 2006, realizado pelo IBGE, 16,4 milhões de pessoas estavam trabalhando no campo (18,9% da população ocupada no país), destes 77,0% são de produtores e seus parentes. Embora a soma de suas áreas represente apenas 30,31% do total, as pequenas propriedades são responsáveis por 84,36% dos empregos deste setor.

Mesmo que cada um deles gere poucos postos de trabalho, os pequenos estabelecimentos (área inferior a 200 ha) utilizam 12,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os médios (área entre 200 e inferior a 2.000 ha) e 45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos (área superior a 2.000 ha).

Em 2006, a receita produzida pela agropecuária somou R$ 122,63 bilhões. Os pequenos (área inferior a 100 hectares) geraram 47,13% deste total (R$ 57,79 bilhões). Além disto, alguns produtos que baseiam a alimentação do brasileiro são produzidos principalmente pela agricultura familiar, por exemplo, 70% da produção do feijão advêm de pequenas propriedades com mão-de-obra familiar.

O estimulo a criação de novas feiras e a manutenção das existentes é uma estratégia para que seja possível um desenvolvimento regional mais sustentável ambientalmente e socialmente mais justo. A divulgação da importância das feiras deve ser também uma estratégia voltada para mudanças de comportamentos, sobretudo na educação infantil, para que seja possível a formação de cidadãos que avaliem racionalmente e com um olhar mais amplo suas escolhas na hora das compras, pois estas podem influenciar a qualidade ambiental e aspetos socais da região onde vive.

*Valdir Lamim-Guedes (Mestrando em Ecologia de Biomas Tropicais, Universidade Federal de Ouro Preto, email dirguedes{at}yahoo.com.br ) & Jéssica Brito (Graduanda em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Ouro Preto, email jessicabrito{at}hotmail.com ).
(EcoDebate)

O fim da Amazônia em 10 anos



Andreia Fanzeres
Não é de hoje que Marc Dourojeanni, ambientalista veterano e colunista de O Eco, discorre sobre as ameaças de grandes obras de infra-estrutura ao futuro da Amazônia. São dezenas de artigos que detalham incongruências e inconsistências de tantas intervenções. Elas se avolumam, se agravam, e continuam muito mal explicadas para a sociedade. Por isso, juntos, Marc, Alberto Barandiarán e Diego Dourojeanni resolveram iniciar a segunda década do milênio publicando um livro que traz a inestimável contribuição de detalhar de forma clara, objetiva e completa quais são os empreendimentos planejados para a Amazônia peruana, suas motivações e suas consequências como um todo para a região. Fizeram eles o que o governo tem se esquivado a revelar.

Amazonía peruana em 2021: Explotación de recursos naturales e infraestructuras: ¿Qué está pasando? ¿Qué es lo que significan para el futuro?" (em espanhol), é uma obra provocativa que não se encerra nos interesses do país vizinho. Muito pelo contrário. Mostra quão envolvidos estão atores brasileiros nesses projetos, não se furtando a nomeá-los nem a detalhar as consequências de grande escala nas áreas de exploração madeireira, petróleo, mineração, energia hidrelétrica, agricultura e transportes.

Depois de dois intensos meses de trabalho, os autores conseguiram compilar em 162 páginas o que empreiteiros, bancos e governos querem omitir da sociedade quando se abordam as consequências de arrojados projetos de infraestrutura que atravessarão a Amazônia peruana. Hoje, toda essa informação está dispersa em empresas, administrações locais e nacionais, mas agora pode ser compreendida através da interpretação crítica dos autores. “A informação é inacreditavelmente contraditória de fonte para fonte e de mês a mês. Na verdade, ela só pode ser reunida por equipes com muito conhecimento da realidade e da operação governamental, com contatos pessoais nos ministérios e após muito trabalho para extrair-la da internet, dos relatórios, declarações nos jornais e publicações”, explicou Marc Dourojeanni.

Por mais que os planos brasileiros deixem a dever em diversos aspectos, o Peru sequer tem um planejamento de desenvolvimento nacional, nem garante a seus cidadãos acesso às informações dos empreendimentos que apoia. “É impossível para um cidadão comum entender o que se passa na Amazônia peruana. No Brasil pelo menos programas como o “Avança Brasil” e o próprio Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) podem ser lidos em um só documento amplamente divulgado. No Peru isso não existe”, revela Marc.

Rumo ao retrocesso

Nesta década em que a ousadia dos governos deveria estar direcionada à implantação de projetos alternativos de geração de energia, manejo sustentável, pagamento por serviços ambientais e incremento de esforços para diminuir as emissões oriundas de desmatamento em nações como o Peru, o país resolveu apostar nos velhos modelos.

Entre 2009 e 2021 o Peru pretende constuir 52 centrais hidrelétricas na região amazônica (24.500MW). Também tem planos para a concessão de 53 lotes para exploração petrolífera e outros que cubrirão 70% da área de floresta, fora oleodutos e gasodutos. Terá ao final da década mais de 24 mil direitos minerários titulados, sendo outros 7 mil já em tramitação na Amazônia, além de quase 5 mil quilômetros de estradas recuperadas, incluindo 880 km de novas vias, 2 mil km de ferrovias, 4.213 km de hidrovias e 483.581 hectares de plantações novas para biocombustíveis. O Peru quer ainda triplicar sua área de floresta concedida a exploração privada, o que se somará à altíssima taxa de desmatamento que ocorre ilegalmente no país.

Os autores reconhecem que a região amazônica precisa de investimentos na área de infra-estrutura, mas duvidam da necessidade de tantas obras ao mesmo tempo em apenas uma década, questionam a viabilidade econômica e social desse pacote e se indagam por que ainda não foi feito estudo de impacto ambiental para tudo isso. Além do mais, eles estimam que se tudo for realizado, os custos podem chegar à casa dos 80 bilhões de dólares que, financiados com recursos externos em sua grande parte, poderiam provocar um endividamento público e privado sem precedentes.

Projeções trágicas

O desmatamento e a degradação florestal na Amazônia peruana, consequentes da abertura de estradas, exploração madeireira e petrolífera, poderão atingir 91% da área de floresta num cenário mais pessimista, que, entretanto, tem grandes chances de se concretizar. Os autores também discorrem sobre a perda das funções econômicas e ecológicas dessas matas, como capacidade de fixação de carbono, conservação da biodiversidade e saúde do ciclo hidrológico – aspectos que se não forem levados em conta, transformarão os empreendimentos em desastres para o país.

As áreas protegidas serão fortemente pressionadas e invadidas. As emissões de gás carbônico da Amazônia peruana aumentariam em grandes proporções, colocando o país em situação incômoda diante de compromissos internacionais. Doenças, ondas migratórias, enchentes e secas severas, crescimento desordenado das periferias, grilagem de terras, violência, pressão sobre populações indígenas isoladas e ribeirinhas, são algumas das inúmeras consequências sociais não devidamente contabilizados no pacote de projetos e que, em muito, superam as vantagens sociais anunciadas.

Interesse brasileiro

Os autores atribuem ao governo brasileiro e suas empresas os maiores interesses de grande parte das intervenções no Peru, a fim de que o país aumente sua hegemonia na América do Sul, atendendo as necessidades de escoamento de produtos pelo Pacífico e venda de energia hidrelétrica de usinas peruanas para o Brasil. Os investimentos serão benéficos, é claro, para as empreiteiras e prestadoras de serviços, para o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), além de estimularem agricultores e garimpeiros da Amazônia brasileira a cruzar a fronteira. Sem falar nas entidades financeiras peruanas e nos políticos que sempre ganham com obras megalomaníacas.

Ainda que nem tudo seja cumprido à risca, nunca na história peruana se projetou tantas obras de infra-estrutura nem houve tantas iniciativas de exploração de recursos naturais em apenas dez anos. Qualquer semelhança com os empreendimentos brasileiros para a Amazônia não são mera coincidência.

Em diversas passagens, o leitor tem a sensação de estar lendo um livro sobre a Amazônia brasileira. Marc vê também muitas semelhanças, mas ressalva que a peruana é mais complexa. “O padrão de ocupação pode ser drasticamente diferente, com minifúndios no Peru e preponderância do latifúndio pecuário no Brasil. E gerando problemas e conflitos como o narcotráfico e o terrorismo ou guerrilha. A população andina peruana sempre foi muito organizada e politicamente combativa, o que é positivo em muitos aspectos, mas agrava os conflitos”, explica Marc. Enquanto a Amazônia brasileira recebeu nos anos da ditatura militar incentivos para sua ocupação, com abertura de estradas e nascimento de cidades, o Peru esteve até pouco tempo de costas para sua floresta e ainda hoje vê a região como um território a ser explorado ou vendido, de acordo com Marc.

A saída, para os autores, reside numa interrupção estratégica das intervenções planejadas para que se possam incluir a participação social e o cumprimento da legislação no que se refere à mensuração dos impactos, inclusive ambientais. “Se não for assim, somos realistas e conscientes de que as recomendações deste trabalho não encontrarão muito eco no governo atual”, diz Marc. Entre as sugestões dos autores estão o funcionamento de um cadastro de passivos ambientais para a Amazônia, para registrar e quantificar os danos ambientais acumulados que mais podem influenciar negativamente o futuro da Amazônia, a ser elaborado em escala municipal, regional ou para toda a Amazônia.

Mais do que abrir os olhos da população, para que não assista inerte à destruição da Amazônia peruana em apenas dez anos, os autores quiseram chamar a atenção dos próprios governantes, muitos dos quais sem noção clara do conjunto e das interações de tantas obras propostas, esperando deles alguma atitude. “O Brasil também tem muito a perder de uma futura Amazônia peruana sem matas, com os solos arrasados, águas contaminadas e socialmente mais instável que agora. A Amazônia é uma só. Este trabalho é, portanto, um convite à reflexão e à ação”, resume Marc.
Foto:Thomas Muller
O ECO

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Dilemas, avanços e esperanças de uma política pública inclusiva no NE


Clique aqui para ler o estudo de Clarício dos Santos Filho, produzido em janeiro de 2010 (arquivo em formato .doc, 21 páginas)

Ladislau Dowbor

O estudo de Clarício dos Santos Filho sobre as políticas de crédito do Banco do Nordeste é particularmente importante, pois mostra que é perfeitamente viável gerar uma política de inclusão produtiva, via crédito, para uma grande massa de pobres. O conjunto de “tecnologias de crédito” envolve não só o acesso aos recursos, como a difusão de tecnologias sociais, a diferenciação de políticas segundo os territórios, a capilarização das atividades, a formação de capital social nas comunidades ao associá-las à gestão de recursos.

Lembremos que se trata de uma área geográfica duas vezes maior que a França, que se trata da maior massa de famílias em situação crítica do país. O volume de recursos aplicados foi de 1,4 bilhões em 2002, passando para 18 bilhões em 2009, expansão impressionante. Em 2009 foram 2,1 milhões de operações de crédito. Para nós que pesquisamos opções de organização prática para usar as poupanças de forma inteligente, trata-se de um dos vetores mais importantes de democratização da economia. Constatar que funciona, e bem, e em grande escala, podendo ser expandido tanto nacionalmente como em outros países, com os devidos ajustes, nos ajuda a montar uma agenda. Aliás, a confrontação da produtividade econômica e social do dinheiro bem gerido por uma instituição pública, com o caos e elitização gerados pelos grandes bancos privados e fundos especulativas, constitui uma lição importante.

A lógica é diferente do crédito comercial tradicional, onde se visa não o desenvolvimento do território, mas o crescimento do próprio intermediário financeiro. Um trecho do artigo resume bem esta reviravolta: “Em seu desenho e metodologia o papel atribuído aos Fundos não é de prover o crédito segundo uma lógica financeira tradicional e/ou segundo uma lógica clientelista presente em comunidades rurais, mas sim, político-pedagógica que viabiliza a emancipação das comunidades beneficiárias a partir da lógica da solidariedade.” (20)

Pontos que me pareceram mais significativos:

Tecnologias de crédito: Aplicação a partir de 2003 de uma nova abordagem das tecnologias de crédito, incorporando uma visão territorial do financiamento do desenvolvimento: o próprio conceito de desenvolvimento de uma política de crédito específica para este nível de renda é muito significativo. Capilaridade de crédito, no Brasil, os bancos privados só conhecem em termos de um aspirador que chupa até as menores poupanças. Tecnologia não é apenas máquina, e sim organização adequada às necessidades da população.(7)

Critérios de regionalização: A opção não é apenas territorial: ao trabalhar essencialmente no semiárido, com índice pluviométrico menor de 800 mm ao ano, o que representa dois terços do território nordestino, atinge as regiões de agricultura de baixa produtividade e importantes bolsõess de pobreza e exclusão social. O banco comercial, em contrapartida, buscará o cliente que dispõe de maiores recursos, onde os lucros podem ser maiores.(6)

Geração de capital social: “A articulação político-institucional inserida em redes, possibilita o acesso aos mercados de bens, produtos e serviços, enquanto construções sociais. Assim, valoriza-se as formas de coordenação e governança territoriais, que pode ser tanto uma associação ou cooperativa de agricultores familiares, ou uma ONG, ou uma agência de desenvolvimento local . Associar a rede de organizações da sociedade civil ASA (Articulação do Semiárido) e de organizações religiosas, por exemplo, pode ser crucial.(7)

Fomento tecnológico: Através do FUNDECI, Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, investe-se na pesquisa e difusão de tecnologias inovadoras de convivência com o semiárido. Tecnologia não é só, nem principalmente, registrar patentes internacionais e obter citações em revistas científicas. O processo é associado ao Fundo de Apoio às Atividades Socioeconômicas do Nordeste (FASE), com programas de formação, feiras etc.(8)

Co-responsabilização: “Os Fundos Rotativos Solidários são formas de poupança coletivas no meio popular, na forma dinheiro e/ou produtos, geridos por entidades da sociedade civil ou organizações comunitárias, e destinados ao apoio de projetos associativos e comunitários de produção de bens e serviços”…”Desta forma, a responsabildide da condução e sucesso do Programa é de responsabilidade tanto da própria comunidade e suas entidades que vão gerir os recursos, quanto do Comité Gestor Nacional, que seleciona os projetos a serem apoiados”. A formação de Comités Gestores Locais completa a arquitetura organizacional. (14, 15, 18).

Tirar gente do buraco negro da miséria é notoriamente difícil, não é só um processos econômico, envolve uma mudança cultural, e um conjunto de processos de apoio que se complementam. Não à toa cunhou-se a expressão “debt-trap”, a armadilha da pobreza, de onde é tão difícil sair. As políticas aqui descritas não saem na grande imprensa, mas se trata de mudanças essenciais para o nosso futuro.

Mercado Ético

Doze eixos para tornar possível um outro mundo


Por Celso Dobes Bacarji, da Envolverde


Em um texto que servirá de base para as discussões do Fórum Mundial Social, em Salvador, os intelectuais Ignacy Sachs, Carlos Lopes e Ladislau Dowbor, apresentam doze eixos de ação para mudar o rumo de nossa civilização.


As Crises e Oportunidades em Tempos de Mudanças, foco das discussões do Fórum Mundial Social Temático, que acontecerá em Salvador (BA), entre os dias 29 e 31 de janeiro, estão alinhadas em um artigo publicado na internet, assinado pelo professor Ignacy Sachs, um dos principais nomes mundiais na área da economia sustentável, por Carlos Lopes, sub-secretário geral da ONU e dirigente da Unitar, e por Ladislau Dowbor, professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

O texto, que tem 21 páginas, traça de forma clara e acessível os contornos da crise civilizatória que atinge a humanidade, propondo “12 eixos de ação viáveis” para a mudança de rumo necessária à sobrevivência da espécie humana na Terra. A situação crítica dos sistemas econômico-produtivos atuais abre o documento, que alerta: “...enfrentamos um desafio sistêmico, onde já não cabem simples arranjos nas formas como organizamos o que podemos chamar de maneira ampla de gestão da sociedade. Uma outra gestão é inevitável. Os desafios são simplesmente vitais, no sentido mais direto do termo”.

Em uma frase, o texto resume o ponto central das preocupações que devem dominar as discussões sobre a crise atual: “Trata-se de salvar o planeta, de reduzir as desigualdades, de assegurar o acesso ao trabalho digno e de corrigir as prioridades produtivas”, e destaca a profunda desigualdade que caracteriza a humanidade: “Os 20% mais ricos se apropriam de 82,7% da renda. Como ordem de grandeza, os dois terços mais pobres têm acesso a apenas 6%. Em 1960, a renda apropriada pelos 20% mais ricos era 70 vezes o equivalente dos 20% mais pobres, em 1989 era 140 vezes”, para chegar à “conclusão bastante óbvia” de que “estamos destruindo o planeta, para o proveito de um terço da população mundial”.

Para os autores do documento, “o drama da desigualdade não constitui apenas um problema de distribuição mais justa da renda e da riqueza: envolve a inclusão produtiva digna da maioria da população desempregada, subempregada, ou encurralada nos diversos tipos de atividades informais”.

O caminho a seguir, segundo eles, é “evoluir cada vez mais para o como fazer, para os mecanismos de gestão correspondentes, para a descoberta das brechas que existem no sistema no sentido da sua transformação. O mundo não vai parar em determinado momento para passar a funcionar de outro modo. Cabe a nós introduzir, ou reforçar, as tendências de mudança. A análise dos processos decisórios e a busca de correções tornaram-se centrais”.

“O novo modelo que emerge está essencialmente centrado numa visão mais democrática, com participação direta dos atores interessados, maior transparência, com forte abertura para as novas tecnologias da informação e comunicação, e soluções organizacionais para assegurar a interatividade entre governo e cidadania”, diz o documento.

Lembrando que o papel do Estado é “central, inclusive na dimensão mundial da crise, o eixo estratégico de construção dos novos sistemas de regulação passará mais pela articulação de políticas nacionais do que propriamente pela esfera global”. De acordo com o documento, o Estado tem “uma função reforçada no plano dos equilíbrios internos, e no plano da redefinição das regras do jogo entre as nações”. Mas destaca também o potencial da gestão local, que “permite a apropriação efetiva do desenvolvimento pelas comunidades”.

“Com sistemas simples de seguimento de qualidade de vida local, e o condicionamento do acesso aos recursos à estruturação de entidades locais de promoção do desenvolvimento, gera-se a base organizacional de um desenvolvimento mais equilibrado. Já se foi o tempo em que se acreditava em projetos paraquedas: o desenvolvimento funciona quando é participativo, com um razoável equilíbrio entre o fomento externo e a dimensão endógena do processo”, explica.

As linhas de ação sugeridas pelo texto foram experimentadas e estão sendo aplicadas em diversas regiões do mundo, setores ou instâncias de atividade. “São iniciativas que deram certo, e cuja generalização, com as devidas adaptações e flexibilidade em função da diversidade planetária, é hoje viável”, observa.

O autores propõem em primeiro lugar um resgate da dimensão pública do Estado, mas para isso destaca que “os políticos devem ser eleitos por pessoas de verdade, e não por pessoas jurídicas, que constituem ficções em termos de direitos humanos”. Outra proposta é a de evoluir na avaliação dos resultados das atividades produtivas. “em função de um desenvolvimento que não seja apenas economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável”.

O texto considera importante assegurar a renda básica para toda a população, rebatendo “a teoria tão popular de que o pobre se acomoda se receber ajuda”. Pelo contrário, assegura que a tese é desmentida pelos fatos: “sair da miséria estimula”, diz. Mas ao mesmo tempo considera fundamental assegurar a todos o direito de ganhar a vida através da criação de oportunidades para a ocupação intensiva de mão-de-obra. “Dinheiro emprestado ou criado desta forma representa investimento, melhoria de qualidade de vida, e dá excelente retorno”, argumenta.

Outra medida importante para a mudança de rumos da atual civilização é a redução da jornada de trabalho, de acordo com os intelectuais, autores do documento. “A redução da jornada não reduzirá o bem estar ou a riqueza da população, e sim a deslocará para novos setores mais centrados no uso do tempo livre, com mais atividades de cultura e lazer. Não precisamos necessariamente de mais carros e de mais bonecas Barbie, precisamos sim de mais qualidade de vida”, observam.

Os autores consideram, no entanto, que é fundamental favorecer a mudança do comportamento individual, para o desenvolvimento de um novo modelo de civilização. “O respeito às normas ambientais, a moderação do consumo, o cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios de transporte, a generalização da reciclagem, a redução do desperdício – há um conjunto de formas de organização do nosso cotidiano que passa por uma mudança de valores e de atitudes frente aos desafios econômicos, sociais e ambientais”, explicam.

Mudanças profundas também são necessárias nos sistemas de intermediação financeira atuais. “Em última instância, os recursos devem ser tornados mais acessíveis segundo os objetivos do seu uso, para que sejam mais produtivos em termos sistêmicos, visando um desenvolvimento mais inclusivo e mais sustentável. A intermediação financeira é um meio, não é um fim”. Para isso, sugere a taxação das transações especulativas e o desenvolvimento de uma nova lógica dos sistemas tributários, tendo como eixo central não a redução dos impostos, mas a cobrança socialmente justa e a alocação mais produtiva em termos sociais e ambientais. Sugere, por exemplo, a taxação das transações especulativas, das grandes fortunas, o imposto sobre a herança e um imposto sobre a renda com maior peso em relação aos impostos indiretos, com alíquotas que permitam efetivamente redistribuir a renda.

Para Sachs, Lopes e Dawbor, é preciso ainda repensar a lógica orçamentária. “No caso brasileiro, constatou-se com as recentes políticas sociais (“Bolsa-Família”, políticas de previdência etc.) que volumes relativamente limitados de recursos, quando chegam à base da pirâmide, são incomparavelmente mais produtivos, tanto em termos de redução de situações críticas e consequente aumento de qualidade de vida, como pela dinamização de atividades econômicas induzidas pela demanda local”, argumentam.

É preciso também, segundo eles, facilitar o acesso ao conhecimento e às tecnologias sustentáveis. “A inclusão digital generalizada é um destravador potente do conjunto do processo de mudança que hoje se torna indispensável”, asseguram.

Finalmente, o documento considera fundamental democratizar a comunicação. “Expandindo gradualmente as inúmeras formas alternativas de mídia que surgem por toda parte, há como introduzir uma cultura nova, outras visões de mundo, cultura diversificada e não pasteurizada, pluralismo em vez de fundamentalismos religiosos ou comerciais”, concluem seus autores.

Veja a íntegra do documento no link http://dowbor.org/09fsmt7portuguespositionpaperldfinal.doc

Envolverde

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Agropecuária de Mato Grosso eleva emissão de gases em 30%

Cultivo de soja contribui para o efeito estufa pela emissão de óxido nitroso emanado de fertilizantes

A queda na taxa do desmate em Mato Grosso não foi de todo acompanhada pela queda de emissões de gases do efeito estufa. Uma pesquisa da UnB (Universidade de Brasília) feita em três municípios aponta um aumento médio de 30% nas emissões da agropecuária do Estado de 2001 a 2007.

Em Sorriso, a expansão da soja foi determinante para um aumento de 20% das emissões derivadas do uso do solo no período. Em Alta Floresta, a pecuária puxou um aumento de 39%, segundo o estudo, liderado pelo biólogo Diego Lindoso.

Em alguns municípios, o desmate já não é mais a principal fonte de emissões. A cultura da soja em Sorriso, por exemplo, respondeu por 60% das do volume de gases-estufa contabilizado em 2007 -em 2001, representava 5%. Em Alta Floresta, a expansão do rebanho bovino foi responsável por praticamente todo o aumento das emissões ocorrido no período.

Em Feliz Natal, o terceiro município estudado, as emissões da sojicultura aumentaram 4.100% no período, mas o desmatamento não caiu tanto, e continuou a responder por quase 100% das emissões.

Enquanto bois contribuem para o efeito estufa sobretudo com o metano da fermentação entérica, o cultivo de soja o faz pela emissão de óxido nitroso emanado de fertilizantes.

De acordo com Lindoso, há "fortes evidências" de desequilíbrio ambiental no atual modelo econômico do Estado.

"Sorriso tem 75% das florestas originais desmatadas e Feliz Natal, cerca de 20%", disse. "Feliz Natal tende a seguir o comportamento de desenvolvimento de Sorriso, reduzindo suas matas em detrimento da agropecuária extensiva."

Para Rui Prado, porém, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária, os números de Lindoso estão baseados num cenário defasado, "de dez anos atrás". "Hoje produzimos muito mais em muito menos espaço. Só com a produtividade, que não entrou na conta do pesquisador, poupamos 14 milhões de hectares", afirmou. O governo de MT não questionou os números, mas disse que em 2009 as emissões já tinham caído.
(Rodrigo Vargas)
(Folha de SP, 23/1)

Venenos legalizados

Cientistas organizam lista de alerta sobre substâncias perigosas

Cientistas organizam uma lista de alerta sobre agrotóxicos tolerados pela lei brasileira, mas que representam uma ameaça à saúde. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e enfrenta problema crônico de contaminação. Ainda em seu início, a lista já inclui 27 substâncias, cuja venda é permitida, mas sobre as quais há suspeita de causar desequilíbrios hormonais, com danos que vão de obesidade e depressão à redução da fertilidade masculina.

Os estudos serão apresentados ao Ministério da Saúde, responsável por determinar restrições ao uso de agrotóxicos. As substâncias analisadas levam muito tempo para serem eliminadas do meio ambiente.

Por isso, são contaminantes perigosos. O contato inicial acontece nas zonas de produção agropecuária e chegam às cidades através do consumo de produtos com traços dos compostos.

O grupo de pesquisa - que reúne universidades como UFRJ, Unicamp e USP, além de três sociedades científicas - diz combater uma tendência histórica do governo de só controlar substâncias após outros países tomarem a iniciativa.

- Lidamos muito mais com alguns compostos prejudiciais à saúde do que europeus e americanos - alerta Tomaz Langenbach, coordenador do Programa de Pesquisa e Manejo de Risco da UFRJ. - Aqui as moléculas se movimentam de forma diferente: como nosso clima é mais quente, há uma evaporação maior, levando mais substâncias ao ar. Os problemas chegam à comida. Se um alimento é muito consumido por aqui, a tolerância a substâncias danosas deve ser menor.

Poluição do ar também preocupa pesquisadores

Como Langenbach ressalta, a ingestão não é a única forma de intoxicação. A inalação é ainda mais perigosa - e, surpreendentemente, menos conhecida: - Não há estudos no Brasil relacionados à poluição do ar. É lamentável, porque, nos cinturões agrícolas, a população está exposta aos pesticidas aplicados nas plantações.

Langenbach compõe o grupo de pesquisas capitaneado pela Sociedade Brasileira de Mutagênese, Carcinogênese e Teratogênese Ambiental. A instituição quer propor que o governo tenha sua própria metodologia para definir que substâncias devem ser controladas.

O grupo escolheu começar seus estudos pelos agrotóxicos, mas outros compostos, cujo efeito ainda é estudado, podem ser analisados depois. Entre eles, o bisfenol A, presente em latas, embalagens e brinquedos, que teria ligação com casos de câncer e doenças cardíacas.

- Como há sempre substâncias sendo descobertas, a legislação não pode ser estática - ressalta Rúbia Kuno, integrante do grupo de pesquisadores e gerente da Divisão de Toxicologia da Companhia Ambiental de São Paulo. - Alguns compostos são perfeitamente substituíveis, e este é o caso de muitos agrotóxicos. Mas, para outras substâncias, a mudança deve ser feita de forma gradual, para que a indústria possa trocá-las por outras menos danosas.

Os pesquisadores também vão propor que o governo federal analise periodicamente os mananciais para descobrir quais substâncias estão mais concentradas na água.

- Todas as substâncias eliminadas pela urina estão nos mananciais, como restos de medicamentos e cafeína - destaca Rúbia. - A alta concentração de qualquer uma delas é prejudicial à vida aquática. É importante, portanto, fazer algum mapeamento.

Composto usado em antiaderente atacaria tireoide

Uma outra substância comum também tem sido alvo de preocupação, depois que um estudo sugeriu haver um possível elo com problemas na tireoide.

A substância se chama ácido perfluorooctanoico (PFOA, na sigla em inglês).

É usada em frigideiras e panelas antiaderentes e materiais resistentes à água. Segundo uma pesquisa publicada na revista "Environmental Health Perspectives", pessoas com altos níveis de PFOA no sangue correm mais riscos de problemas na glândula.

O PFOA é um produto químico comum, usado em produtos industriais e utensílios para cozinha, em coberturas de carpetes para evitar manchas e telas à prova d'água. Para os pesquisadores, a relação com doenças pode ser complexa e indireta. Daí a necessidade de novas análises para confirmar os possíveis efeitos nocivos do ácido.

- Precisamos saber o que estas substâncias estão causando - diz Tamara Galloway, professora na Universidade Exeter e principal autora.

Sua equipe observou que as pessoas com maior nível de concentração do ácido (acima de 5,7 nanogramas por mililitro) apresentavam mais que o dobro de probabilidades de sofrer alguma doença na tireoide que os indivíduos com os menores níveis de PFOA (menos de 4ng/ml). Foram analisados exames de sangue de 3.966 americanos adultos, entre 1999 e e 2006.

Porém, estudos prévios em pessoas que vivem em áreas próximas de indústrias de PFOA não mostraram associação entre a exposição a este químico e danos na função da tireoide.

- Ainda não se pode dizer que doenças da tireoide e PFOA estão definitivamente vinculadas - afirma Ashley Grossman, professora de neuroendocrinologia na Universidade de Londres. - Geralmente problemas da tireoide são causados por falha do sistema autoimune, devido a uma autoagressão do organismo. E talvez o PFOA tenha algum efeito no sistema imune.

Dependendo da alteração, ocorrem perda de cabelo, ganho de peso e sensação de cansaço. Emagrecimento e coração acelerado podem ser sintomas de hipertireoidismo.
(Renato Grandelle)
(O Globo, 24/1)

Brasil, outra potência é possível


Por Fabiana Frayssinet, da IPS

Berço do primeiro Fórum Social Mundial (FSM), que nasceu como uma alternativa ao debate neoliberal, o Brasil está a caminho de se converter em uma potência econômica, segundo previsões dos analistas. A pergunta é que tipo de modelo seguirá para não trilhar o mesmo caminho tão criticado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma repetir em seus discursos no país e no exterior. Contudo, cabe aos seus ministros de todas as áreas expressar com programas e metas, inclusive o de Turismo, Luiz Barretto.

“O Brasil se perfila para 2016 como a quinta economia do mundo”, disse o ministro ao lançar o plano estratégico turístico para a próxima década. “Este excelente momento econômico que o país vive, sendo o último a entrar e o primeiro a sair da crise financeira mundial, o coloca definitivamente como uma nação que terá grande importância no cenário internacional na próxima década”, afirmou Barretto.

Francisco Barone, economista da Fundação Getúlio Vargas, confirma com dados. A potencialidade de um país se mede com o produto interno bruto. “Segundo o PIB brasileiro, o país se enquadra entre as dez maiores economias do mundo”, disse o economista. E a perspectiva é de crescimento, a caminho para ser um dos “líderes” do BRIC (Brasil, China, Índia, Rússia) em menos de cinco anos, previu. Uma perspectiva que Barone atribui ao grande mercado interno, de 190 milhões de habitantes, que consome grande parte do que é produzido.

Porém, também atribui a outras potencialidades do Brasil, como sua enorme matriz energética (incrementada após a recente descoberta de novas jazidas de petróleo), sua diversidade cultural, estabilidade econômica e capacidade de exportação. Desde produtos derivados do agronegócio até aviões da Embraer. Cândido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Sociais e Econômicos (Ibase), uma das entidades que impulsionam o FSM desde o início, acredita que assim como “outro mundo é possível” (lema do Fórum) também é possível ser outro tipo de potência.

Entrevistado pela IPS antes do começo da décima edição do FSM, que começará segunda-feira, Grzybowski disse ambicionar um modelo de “potência” que, antes de tudo, supere suas próprias dívidas, como a enorme desigualdade social. Nos últimos anos, o Brasil teve alguns avanços nesse sentido, segundo Barone. Avanços destacados por estudos oficiais, como os do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O Ipea revelou que, de 2003 a 2008, cerca de 19,5 milhões de pessoas saíram da pobreza, e que a renda de 10% dos mais pobres cresceu em ritmo maior do que os 10% dos mais ricos, “indicando também redução da desigualdade social no país”. Entretanto, ainda há muito a ser feito, segundo Barone. A dívida histórica da fome ainda não foi superada. Existem 15 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar.

“Para ser uma potência econômica, os desafios passam pela redução da desigualdade social”, por razões humanitárias, mas também pragmáticas, explicou. “Esses milhões de excluídos sociais transformados em consumidores exigirão mais da indústria nacional, a indústria produz mais, emprega mais e isso gera um círculo vicioso de crescimento”. Grzybowski se referiu a outros desafios da desigualdade brasileira, como a vinculada “ao direito à distribuição de todos os bens comuns desta terra que é muito rica”.

No Brasil, “parece normal ter propriedades de três mil, 200 mil, 500 mil hectares”. Um país onde os latifundiários, que “não chegam a 1% dos proprietários de terra, têm grande poder de veto no Congresso. Alguma coisa desta potência está errada”, afirmou. O diretor do Ibase (uma das organizações do comitê internacional do FSM) busca outro tipo de potência que, por exemplo, “não reproduza o modelo imperialista”, tantas vezes criticado no Fórum, que este ano acontecerá de maneira descentralizada em pelo menos 27 regiões de todo o mundo. Uma potência “positiva”, com uma agenda internacional “equilibrada”, afirmou ao se referir a casos como o da expansão da Petrobras em países vizinhos como a Bolívia, ou as negociações sobre Itaipu, hidrelétrica que o Brasil compartilha com o Paraguai.

Para o diretor do Ibase, é preciso fortalecer “ainda mais” a atitude de respeito a essas nações, reconhecendo que “há total assimetria nessa relação. Não podemos continuar fazendo o que o planeta fez com eles, como potência dominante. Temos de inverter essa relação”, disse, acrescentando que teme que o país comece a “tirar proveito da pobreza dos outros. Gostaria de ver um Brasil solidário, não um Brasil que disputa ser sócio do grupo exclusivo do G8 ou do G20, mas um país que promova a igualdade entre os povos, que aceite que é administrador de um grande patrimônio natural e que tem uma responsabilidade mundial”, disse Grzybowski.

No mesmo contexto, o diretor do Ibase deseja que seu país seja mais “radical na agenda de direitos humanos. Não podemos ficar fazendo acordos para conquistar mercados, ignorando as violações sistemáticas dos países com quem os fazemos”, disse ao se referir às nações africanas com ditaduras com as quais Brasília negocia. Grzybowski disse estar preocupado, por exemplo, “com o que a China faz na África”, e espera que o Brasil não se inspire no modelo dessa outra potência emergente. “É tirar partido da agenda do atraso em função do chamado interesse nacional chinês”, afirmou. “É esse o modelo que desejamos?”, perguntou.

O diretor do Ibase disse, ainda, que o FSM também poderia dar sua contribuição nesse sentido, incentivando por meio de suas organizações sociais uma agenda “progressista, democrática, igualitária, com justiça social. Uma agenda que redefina o modelo de desenvolvimento, que considere a justiça social associada à justiça ambiental, pode surgir apenas da sociedade civil”, afirmou. IPS/Envolverde
(IPS/Envolverde)

sábado, 23 de janeiro de 2010

Mudança climática: Indústrias freiam iniciativa da União Europeia


Por David Cronin, da IPS

Apenas um mês após os líderes mundiais reunidos em Copenhague obterem um débil acordo para enfrentar a mudança climática, indústrias dos países mais contaminadores da União Europeia tentam dissuadir as autoridades de tomarem medidas mais contundentes. O Conselho Europeu da Indústria Química (Cefic), uma das maiores associações industriais estabelecidas em Bruxelas, sede da UE, começou o ano cobrando de instituições do bloco regional a se absterem de fixar objetivos mais ambiciosos do que os já acordados para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa.

E parece que seus esforços já deram fruto. A Espanha, presidente de turno da UE, propôs ontem que a posição negociadora do bloco depois da Cúpula sobre Mudança Climática de Copenhague não seja diferente da anterior à Conferência. Essa posição europeia comprometia a associação regional de 27 membros a reduzir suas emissões contaminantes em 20% abaixo do nível de 1990 até 2020 e a aumentar esse objetivo para 30% unicamente se outros países industrializados realizarem cortes semelhantes.

A Espanha fez esta proposta em uma reunião de diplomatas encarregados de desenvolver o acordo alcançado em Copenhague. Esta tarefa deve terminar no final do mês, quando os governos do mundo deverão ter declarado formalmente seus compromissos de redução para a próxima década. O Cefic afirmou que se opõe a medidas unilaterais mais amplas da UE porque estas medidas colocariam as indústrias europeias que exigem muita energia em desvantagem competitiva com relação às de outras regiões.

“Para nós, a redução da emissão de gases contaminantes não é um concurso de beleza”, disse à IPS Philippe de Casablanca, especialista em clima do Cefic. “De nada serve ser a região com melhor desempenho contra a mudança climática se seu exemplo não é imitado com reduções significativas em todo o mundo. Este concurso não é vencido apenas por um, mas por todos trabalhando juntos”, acrescentou.

Entretanto, grupos ambientalistas acreditam que a UE deveria procurar um objetivo de redução dos 30% como mínimo nas emissões derivadas da queima de combustível fóssil, sem importar o que fazem os outros grandes atores da economia mundial. Acrescentam que a tática do bloco de incitar terceiros a imitar suas medidas não deu resultado e que é hora de guiar com o exemplo. Matthias Duwe, diretor da rede ambientalista Climate Action Network Europe, afirmou que a União Europeia não demonstrou uma autêntica liderança na capital da Dinamarca e “parece estar cometendo o mesmo erro agora. Cruzam-se os braços esperando pelos demais, quando deveria ter um senso renovado da urgência”, acrescentou.

O Cefic representa cerca de 29 mil empresas e tem sido um dos grupos industriais mais influentes na estratégia do bloco sobre mudança climática nos últimos anos. O grupo uniu forças com representantes de outros setores que usam energia de maneira intensiva, como fábricas de cimento e aço, para alertar sobre um fenômeno chamado “fuga de carbono”, pelo qual algumas empresas deixam a Europa para se instalarem em outras partes do mundo com controles menos rígidos da quantidade de dióxido de carbono que podem lançar na atmosfera.

O conceito foi ridicularizado por um estudo de 2008 da rede de pesquisadores Climate Strategies, segundo o qual as empresas que ameaçavam deixar a Europa se baseavam em fatores de investimentos e não de regulamentação ambiental. Porém, o Cefic continuou invocando o conceito, com a intenção de exigir autorizações para seus membros contaminarem, dentro do plano de intercâmbio de emissões da UE, que concede licenças pela quantidade de dióxido de carbono que suas indústrias estão autorizadas a emitir.

A reticência da União Europeia em estabelecer objetivos mais rígidos se choca com a opinião de um de seus mais altos funcionários, de que as medidas previstas pelo acordo de Copenhague não correspondem ao que a maioria dos cientistas consideram necessário para evitar um aumento catastrófico das temperaturas mundiais. Olli Rehn, membro da Comissão Europeia – órgão executivo da UE – declarou esta semana que o acordo “está muito longe de chegar ao objetivo” de evitar que as temperaturas não aumentem mais do que dois graus centígrados acima do nível pré-industrial. De todo modo, “o acordo é melhor do que nada, que teria sido o pior”, disse.

A ministra do Meio Ambiente da Espanha, Elena Espinosa, disse que é vital que a resposta da UE ao acordo de Copenhague impulsione o uso inteligente da energia. “Queremos ser o principal motor da inovação e competitividade”, disse aos membros do Parlamento Europeu. Entretanto, o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) queixou-se da falta de ambição do bloco europeu, que a seu ver impede que seja pioneiro do desenvolvimento de tecnologias mais ecológicas do que as utilizadas atualmente.

Se ficar preso ao seu objetivo de 20% de redução, a União Europeia, na realidade, retardaria o ritmo de corte de emissões dos últimos três anos, disse Jason Anderson, do WWF. “Ao nos negarmos a adotar um objetivo de 30%, estamos renunciando à enorme economia de energia que vai melhorar a economia da Europa e gerar mais emprego em indústrias com um grande futuro”, alertou o ambientalista. “A Europa sempre foi pioneira no cenário mundial. Não há razão agora para condicionar o futuro econômico da região ao que se decidir em Washington ou Pequim”, acrescentou. IPS/Envolverde
(IPS/Envolverde)

O começo do fim das negociações climáticas sob a ONU?

Por Paula Scheidt, do CarbonoBrasil

Um mês depois da Conferência de Copenhague, aumentam as especulações de que a estrutura de unanimidade das Nações Unidas não levará a uma solução para o aquecimento global, com sugestões de que a tarefa deve ficar na mão apenas dos grandes emissores.

O movimento da Índia, China, Brasil, África do Sul e Estados Unidos, que juntos representam 45% da população mundial e 44% das emissões de gases do efeito estufa, nos momentos finais da Conferência do Clima de Copenhague (COP15) levantou o debate se este seria o começo do fim da estrutura das Nações Unidas para encontrar uma saída para o aquecimento global.

Em reportagem recente publicada no jornal britânico The Guardian, um dos principais negociadores norte-americanos, Jonathan Pershing, diz ser impossível ter uma negociação de tamanha complexidade envolvendo 193 países em cada detalhe. Para ele, este processo deveria mesmo ser dominado pelos grandes emissores, que no caso são justamente o grupo BASIC (como são chamados os quatro emergentes) mais os EUA.

Apesar de toda a expectativa gerada pela Conferência de Copenhague, os líderes mundiais falharam em fechar um acordo legalmente obrigatório e global para resolver o problema das mudanças climáticas.

Além das decisões de que seriam mantidos os dois grupos de trabalho criados em Bali em 2007 – um para negociar um novo período de compromissos para o Protocolo de Quioto a partir de 2012 e outro para fechar um acordo climático global – o único documento que saiu da conferência foi o Acordo de Copenhague, costurado no último dia pelo BASIC e Estados Unidos.

O documento, que não é uma decisão da ONU porque não foi aprovado por unanimidade, é considerado fraco por não estipular uma meta global de redução de gases do efeito estufa (o que não garantiria que a elevação das temperaturas seja controlada) e por trazer números para financiamento de mitigação e adaptação em países em desenvolvimento bem menores do que é considerado necessário.

Em artigo publicado nesta semana na revista Newsweek, a jornalista Sharon Begley cita o especialista em diplomacia climática, David Victor, da Universidade da Califórnia, para afirmar que é preciso aceitar que os 193 países da ONU não irão chegar a um acordo significativo para o clima neste ano novamente.

“Esqueça a idéia de que cada país tem a mesma importância. Ao invés, vamos estabelecer conversas bilaterais e um ‘clube’ de países que realmente importa: cerca de uma dúzia que respondem por quase todas as emissões de gases do efeito estufa”, afirma Sharon.

E é isto que o BASIC já começa a fazer neste final de semana, quando ministros dos quatro países devem se encontrar na Índia para discutir uma posição em comum no decorrer das negociações do clima deste ano.

Justiça climática

O embaixador boliviano para as Nações Unidas, Pablo Solon, contudo rebateu as afirmações de Pershing e criticou a idéia de que seria o fim de um processo que envolva todas as nações.

Para ele, esta seria uma tentativa dos EUA de colocar de lado a democracia e a justiça no debate político climático, o que seria visto como irresponsável e imoral pelas futuras gerações.

“A única solução para as mudanças climáticas é aquela baseada na justiça ou nós estaremos tomando a decisão de sacrificar mais da metade da humanidade”, comentou em um comunicado enviado a imprensa.

Solon disse ainda que se os Estados Unidos e outros países encontram dinheiro para guerras sem fim e ajuda aos bancos, podem claramente ter recursos para ajudar a salvar vidas e proteger as pessoas no futuro.

Durante a primeira coletiva desde o fim da COP15, o secretário executivo da Convenção do Clima da ONU, Yvo de Boer, disse nesta quarta-feira (20) que criar uma estrutura paralela seria um exercício “incrivelmente ineficiente”.

De Boer explicou que é justamente por ser impossível pensar em uma negociação com 193 países que ao longo do processo são criados subgrupos que discutem pontos específicos do acordo climático.

Para isto funcionar, afirma, é necessário que haja transparência, permitindo a qualquer um entrar em qualquer grupo, e que estas decisões sejam levadas para a grande plenária, que irá dizer se aceita ou não.

“Todos países precisam garantir que nada seja acordado se tudo não for acordado e que eles se sintam seguros de que nada foi feito pelas suas costas”, comentou.

Acordo legal e global em 2010?

De Boer falou ainda sobre as perspectivas para o ano, sem deixar claro se um acordo climático global e legalmente vinculante deve ser esperado para a Conferência deste ano, marcada para novembro no México. Segundo ele, isto aconteceria “no México ou depois”.

Apesar disso, ele mostrou satisfação com o Acordo de Copenhague, para o qual seria uma ferramenta política que trouxe apoio no “mais alto nível” e que poderá ser usada para resolver as questões que ficaram pendentes no processo de negociação.

“Copenhague não terminou o bolo, mas deixou os países com o todos os ingredientes certos para assar um novo no México”, afirmou.

De Boer disse que o acordo de última hora deixa claro pontos importantes como o número de instituições que precisarão ser criadas, como será o monitoramento das ações e metas de mitigação do aquecimento global e o apoio financeiro.
CarbonoBrasil

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O Consema aprova estrada de Chapada sem estudo de impacto ambiental

Andreia Fanzeres



Com 23 votos a favor, duas abstenções e um contra, o Conselho Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (Consema) aprovou a dispensa de estudo de impacto ambiental no processo de licenciamento das obras de duplicação da MT-251, que liga Cuiabá a Chapada dos Guimarães.


A recomendação pela não apresentação foi feita por técnicos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), responsável pelo licenciamento da obra, iniciada em novembro passado sem licença de instalação e também sem que o órgão tenha tomado qualquer atitude para fiscalizar e interromper a irregularidade. De acordo com a argumentação da Sema, essa obra de duplicação não tem nível de significância suficiente para requerer estudo de impacto ambiental. “Um plano de controle ambiental é suficiente. Estamos considerando o licenciamento dos 16,2 quilômetros da estrada, que ficam fora da zona de amortecimento do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães”, defendeu um engenheiro da secretaria convidado a explicar o teor do parecer.

Esta não é uma obra qualquer. Para duplicar os 60 quilômetros de estrada até a cidade turística de Chapada dos Guimarães, as obras cruzarão a zona circundante de uma reserva particular do patrimônio natural, a Área de Proteção Ambiental Estadual de Chapada dos Guimarães e o parque nacional. As intervenções ocorrerão inclusive nos trechos decretados hoje como estrada-parque, categoria de unidade de conservação estadual. Alguns, no interior do parque nacional, são considerados extremamente frágeis, passam por rios, nascentes, paredões rochosos que já foram considerados pela Defesa Civil como pontos com risco de desabamento, penhascos além de outras áreas de preservação permanente e de regiões com alta incidência de atropelamentos da fauna de grande porte ameaçada do Cerrado. E, não menos importante, as obras começaram sem licença de instalação, razão pela qual elas foram embargadas em dezembro de 2009 pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio).

O governo estadual dividiu o licenciamento da obra em etapas, como se cada trecho não tivesse relação com o outro. Dessa maneira, tem evitado a discussão sobre outras alternativas de trajeto para melhorar o acesso à Chapada dos Guimarães, que eventualmente não pressionassem tanto as unidades de conservação, como ressaltou o coordenador regional do ICMBio, Eduardo Barcellos. O próprio representante da Secretaria de Estado de Infra-estrutura (Sinfra), Alexandre Mello, chamou de “esdrúxula” a maneira com que a obra foi dividida, mas defendeu o governo. “O governo de Mato Grosso fez o projeto visando atender as necessidades da população. Nossa intenção é focar a partir de onde a Sinfra entende que não há interferência no parque”. Sobre a execução das obras sem licença de instalação, ele não se explicou. “Não vou falar aqui sobre começar a obra sem licença porque não há o que falar. Tenho que me desculpar”.

Dividir para confundir

Nascentes foram encontradas no meio das obras
(foto: Paulo Faria/ICMBio)
Conforme alguns membros do próprio Consema relataram na reunião, eles sequer conhecem o projeto completo para poder opinar sobre ele. “Nós não sabemos o que é esse projeto e agora ficam nos empurrando pareceres para votarmos em regime de urgência”, destacou Mauro Donizeti Ribeiro, do Instituto Ecológico e Sócio-Cultural da Bacia Platina (IESCBAP). Ele foi voto vencido ao pedir que numa reunião extraordinária o projeto completo fosse detalhado aos conselheiros, com mapas e localização exatos. Mas na hora da votação, apoiou a dispensa de estudo de impacto ambiental para o trecho inicial do empreendimento. Nem mesmo o representante da Procuradoria Geral do Estado, Patrick Ayala, estava seguro sobre se a discussão envolvia zona de amortecimento do parque nacional ou não. Ele resolveu abster-se na votação.

O único voto contrário foi do superintendente do Ibama em Mato Grosso, Ramiro Hofmeister de Almeida Martins-Costa, atribuindo-o ao princípio da precaução. Ele convidou o ICMBio para explicar o motivo do embargo da estrada, após aguardar, em vão, que a secretaria de meio ambiente tomasse alguma atitude. Mas como não tem assento no conselho, o órgão federal que cuida das unidades de conservação não teve direito a voto.

Durante o período em que o assunto esteve em pauta, não faltaram pressões da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) e da Secretaria de Indústria, Comércio, Minas e Energia (Sicme) pedindo a realização da votação rapidamente, sem a necessidade de delongas nas discussões.

Explicações rasas

Paulo José dos Santos, da Associação Rondonopolitana de Proteção Ambiental (Arpa), tentou levar o debate para uma esfera mais abrangente, com questionamentos que deixaram os demais conselheiros mudos. “Por que a Sema não parou as obras que estavam sem licença ambiental? O governo precisa dar o exemplo. Impossível com todo esse debate hoje em dia que o governo ainda não tenha pessoas que dêem a devida importância à variável ambiental. O licenciamento não é só um papel, é através dele que o órgão ambiental vai dizer quais são as medidas mitigadoras e compensatórias. Desse jeito, a mitigação não está no pacote de projetos”, explanou dos Santos, que acabou votando a favor da dispensa de estudo de impacto ambiental para o primeiro trecho da obra.

Salatiel Alves Araújo, secretário-adjunto da Sema, que presidia o conselho, não prestou esclarecimentos, mas fez uma mea-culpa. “Eu poderia responder como secretário-adjunto, mas na próxima reunião do Consema posso trazer alguém para dar essas explicações. Como o técnico da Sinfra disse, o que aconteceu é indesculpável”.

O conselho de meio ambiente do estado, instância máxima para discussão pública sobre questões ambientais em Mato Grosso, reduziu assim sua competência neste caso para deliberar sobre um detalhe perto de irregularidade tão mais relevante. “Acho pertinente a dispensa do estudo de impacto ambiental. Se a obra começou na hora errada não vem ao caso”, afirmou Jair de Freitas, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

“Nós temos que ser favoráveis à aprovação desse parecer. O impacto desse trecho não é significativo, a duplicação da estrada não vai causar grandes alterações ambientais. Além do mais, o parque tem 33 mil hectares, a rodovia não vai alterar praticamente nada. Os impactos já aconteceram quando a rodovia foi aberta”, disse José Juarez Pereira de Faria, da Sicme, se antecipando ao que o estudo de impacto ambiental deveria responder. Exaltado, ele creditou à duplicação da estrada a solução para tantos acidentes na estrada. “Todos os órgãos falam tanto da questão ambiental, mas ninguém condenou quem causou mortes por causa das estradas perigosas. Eu conheço vários países da Europa, lá as estradas são duplicadas e não têm nem ‘reserva permanente’. Por que aqui no Mato Grosso temos que criar tantos imbróglios para aprovar qualquer obra?”, reclamou.

Antes de falar em duplicação de uma estrada que corta unidades de conservação sem pensar em mais alternativas menos impactantes ao meio ambiente, outros governos já demonstraram que a inserção de radares nas rodovias e fiscalização mais rigorosa inibem excessos e salvam vidas. No Rio de Janeiro, a Lei Seca reduziu em 30% o número de vitimas em acidentes de trânsito.

Bathilde Abdalla, que representou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com a experiência de quem já ocupou cargos no alto escalão da secretaria de meio ambiente de Mato Grosso, resolveu, ao final da discussão, falar com franqueza. “Existe pressa para aprovar dispensas de estudos de impacto ambiental, já votamos vários projetos nesse sentido. A secretaria vai precisar deste plenário para aprovar projetos para a Copa do Mundo, então não dá para ficar dispensando dessa maneira. É preciso bom senso”. Abdalla votou pela dispensa.

Antes, porém, sugeriu a criação de uma comissão temporária para que membros do conselho acompanhem o processo de licenciamento e saibam melhor sobre o que estão decidindo. A sugestão foi aprovada por unanimidade. Mas, a julgar pelas outras comissões instaladas pelo Consema, é difícil que dê frutos. “Entre 2008 e 2009 foram instaladas diversas comissões. Nenhuma deu resultado. Estão todas paralisadas. Se querem mais uma, tratem, conselheiros, de se comprometer”, solicitou o secretário-geral do Consema, José Valter Ribeiro.
O ECO
Fotos: Blog do Planeta
Confiram matéria sobre a estrada de Chapada e seus impactos para a fauna no Blog do Planeta.